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CAPÍTULO III



 

 

Harriet foi acordada pelo ruí do da á gua na chaleira de ferro. Susan tinha conseguido acender o fogo sem acordá -la e estava para ferver a á gua para o café da manhã.

Harriet espreguiç ou-se com sonolê ncia, consciente de que, exceto pela rigidez que sentia na espinha, suas energias estavam renovadas. Lá fora, os passarinhos formavam um coro matinal e o perfume do jardim enchia o ar com sua fragrâ ncia. Tudo parecia menos sombrio, com o sol filtrando-se atravé s das janelas, embora seu brilho també m iluminasse os defeitos da casa.

Dormira vestida e agora, saindo do saco de dormir, sentia-se suada e quente. Pô s-se a refletir sobre quanto a descriç ã o que Susan fizera dela na noite anterior se afastava da realidade, mas foi interrompida pela garota.

— Você dormiu bastante — comentou animadamente, colocando a chaleira sobre as chamas, e Harriet achou melhor nã o revelar que só conseguira dormir algumas horas.

— E você? — perguntou, enquanto enrolava o saco de dormir.

— Como uma pedra! Deve ser o ar. Hum... — exclamou ela, respirando profundamente perto da porta aberta.

— Será que o rio é muito raso?

— O nosso rio? Eu nã o acho que seja muito fundo.

— Será que dá para tomar banho nele? Estou muito suada e gostaria de tomar um bom banho antes de mudar de roupa.

— Vou lá ver, se você quiser.

— Nã o, nã o se incomode. Eu mesma vou. Você ontem tirou as toalhas da mala?

— Sim, tirei tudo.

Armada com sabonete, toalha, pasta de dentes e escova, Harriet abriu a porta que dava para o quintal da casa. Assim como o jardim, ele estava cheio de mato e ervas daninhas, mas enquanto descia em direç ã o ao som da á gua corrente viu partes antigamente cultivadas, e sentiu a fragrâ ncia deliciosa de hortelã e alecrim.

O rio era limpo e Harriet tirou as sandá lias e mergulhou os pé s no raso, gozando a sensaç ã o refrescante da á gua. Um pouco mais abaixo, uma fenda nas rochas formava uma pequena lagoa. Tendo-se assegurado de que estava completamente sozinha, despiu-se e submergiu na á gua. Sentada na margem arenosa, com a á gua fresca batendo em seus seios, ela ensaboou-se com luxú ria, como nã o o fazia desde menina. Em seu apartamento de Londres, tinha um grande banheiro moderno e já tinha se esquecido de como era gozar as coisas simples da vida. Será que, com isso, nã o tinha perdido muito mais que ganhado?

Enxugou-se vigorosamente e colocou novamente suas roupas. Nã o se preocupou em abotoar a calç a nem a blusa, uma vez que mudaria de roupa assim que voltasse, e entrou na casa animadamente, pretendendo dizer a Susan o que tinha feito.

A visã o de André Laroche conversando com Susan, perto da pia, à medida que ela passava manteiga nas torradas, fez Harriet parar. Ficou satisfeita que a toalha molhada escondesse seu embaraç o. Perguntava-se, incomodada, de que lado teria ele vindo e se teria visto seu banho no rio.

— Bom dia — o cumprimentou, instintivamente polido, mas ela sentiu seu olhar perscrutador e fechou melhor a toalha.

— Chegou cedo, monsieur — respondeu, ignorando-o quando ele observou que já eram oito horas.

— Temos de trabalhar. Se você nã o tivesse se levantado, eu voltaria mais tarde — respondeu ele, manso.

— Quer um pouco de café, monsieur Laroche?

As palavras de Susan cortaram qualquer resposta que Harriet estivesse para dar e ela aproveitou a chance para desaparecer no pequeno salon, onde estavam as malas. Levou só alguns instantes para encontrar uma blusa limpa e calç as de algodã o listradas, e colocou sandá lias de salto, feliz por sentir-se mais alta.

Quando voltou para a cozinha, com seus cabelos lisos escovados e brilhando, sentiu-se mais capaz de lidar com ele, embora ainda se sentisse um pouco desarmada, sem pintura no rosto. Susan já tinha feito café e estava servindo uma xí cara ao visitante. Harriet esperava impaciente que ele fizesse a pergunta que ela estava aguardando. Mas André nã o a fez.

Susan deu a ela um pouco de café, mas Harriet recusou á torrada, ignorando o apelo nos olhos da menina. Apesar da meditaç ã o da noite anterior, estava muito tentada a dizer a ele que iam embora.

— Sua sobrinha estava me dizendo que você é uma perita em cerâ mica — falou ele de repente e Harriet lanç ou a Susan um olhar irado.

— Você sabe como as crianç as exageram. Imagino que deseje saber o que decidi a respeito da casa — retorquiu secamente, ignorando a indignaç ã o de Susan.

André pousou sua xí cara sobre a mesa. Naquela manhã ele vestia jeans escuros, apertados nos quadris, e camisa verde-oliva, que tornava evidente sua pele morena.

À medida que ele se voltou lentamente para encará -la, Harriet pensou no absurdo daquela situaç ã o toda. Oh, Deus, será que ele gostaria que eu ficasse?

— Você vai embora?

Era mais uma afirmaç ã o do que uma pergunta e Harriet até se divertiu com o gesto involuntá rio de protesto de Susan.

— Nã o terei tempo suficiente para encontrar outra casa e negociar outra compra. Mas espero que você providencie as duas camas que prometeu e um fogã o de algum tipo.

— Naturalmente!

A resposta soou irô nica para Harriet, e ela o olhou, com raiva. Estava meio zangada consigo mesma, por ter-se permitido ficar e inclinada a culpá -lo por aquela situaç ã o impossí vel. Era inú til repetir a si mesma que ele tinha sido uma parte inocente na transaç ã o. Infantilmente, ela queria um bode expiató rio, e quem melhor que André Laroche?

Ruí dos de passos na entrada desviaram a atenç ã o de todos e Harriet encarou surpresa um menino de quinze ou dezesseis anos, alto para a sua idade, com negros cabelos compridos e feiç õ es inteligentes. Ele parou à porta, apoiando-se no batente, e seus olhos escuros perscrutararn com interesse os ocupantes do cô modo. Entã o ele viu o homem e o riso esparramou-se pelo seu rosto.

Tu voilà! Je t'ai cherché! — exclamou ele com satisfaç ã o. Harriet percebeu logo quem era. A semelhanç a era grande e, alé m disso, tinha herdado os olhos do pai. André endireitou os ombros com impaciê ncia, antes de olhar para o rapaz sem nenhuma sombra de afeto.

— Esta casa já nã o nos pertence, Paul. E Louise poderia ter-lhe dito onde eu estava — declarou brevemente.

Louise! Sem querer, Harriet percebeu que estava prendendo a respiraç ã o. Seria o nome da mulher dele? Por que chamaria a mulher pelo nome, falando com o filho?

Paul sustentou os olhos desafiantes de André e, por alguns segundos, uma luta de forç as se seguiu. O rapaz desviou o olhar e sua atenç ã o passou pelas feiç õ es perturbadas de Susan, para acabar na expressã o contida de Harriet.

Pardonnez-mcí, mesdemoiselles! — desculpou-se ele, sem convicç ã o, e Harriet ouviu a respiraç ã o ofegante de André.

— Este é meu filho, Paul — explicou ele.

Bonjour, Paul — Harrietrespondeu, simpá tica, e o rapaz olhou-a com redobrado interesse.

— Você deve ser a srta. Ingram. Meu pai nos contou que você comprou este lugar sem vê -lo. Decidiu ficar em Rochefort?

Rochefort? Harriet perturbou-se, reconhecendo o nome do castelo.

— Você quer dizer... Rochelac?

— Pois é, você vai ficar?

— Isto nã o é da sua conta — respondeu-lhe André secamente, mas Paul nã o se perturbou.

— Se eu puder ser de alguma ajuda... — protestou ele inocentemente e Harriet pô de ver que André ficou satisfeito.

— Nã o se prenda por nó s, monsieur — disse a André. — Como disse, você tinha trabalho para fazer.

— Muito bem. Entregarei o resto da mobí lia mais tarde — disse André, lanç ando ao filho um outro olhar irritado.

Os lá bios de Harriet se moveram numa sombra de sorriso, mas nã o havia calor neles. Paul olhava para um e para outro e seus olhos traí am sua curiosidade, mas as mã os do pai em seus ombros o empurraram em direç ã o à porta.

— Se tiverem outros problemas, nã o hesitem em me dizer — acrescentou André, no momento em que saí a.

Susan precipitou-se, abraç ando a tia e gritando, excitada, a fim de manifestar sua gratidã o:

— Obrigada, obrigada.

— Nã o me agradeç a. Temos de trabalhar feito escravas, antes de começ armos a gozar estas fé rias — advertiu secamente.

O trabalho, pelo menos, a ajudava a tirar André do pensamento. Usando uma cunha de madeira e um martelo, conseguiu abrir as janelas de cima, embora fechá -las se tornasse um problema outra vez. Entã o deixou que Susan encerasse o chã o do quarto, enquanto retirava tudo da cozinha e limpava as paredes e os armá rios. O salonteria de esperar, mas, como elas nã o o usariam tã o cedo, nã o tinha importâ ncia.

Descobriu um alpendre fora, junto do banheiro, com alguns instrumentos de jardinagem. Apanhando uma pesada foice, experimentou-a no ar e assustou-se quando viu cair a seus pé s um pé de girassol. Aquilo estava mais afiado do que ela imaginara e serviria muito bem para limpar o jardim. Poré m, como o salon, o jardim ia ter de esperar até o dia seguinte.

Voltando para a cozinha, sentiu o ar sufocante. O fogo que Susan tinha feito ainda nã o se apagara e Harriet queria colocá -lo para fora, até que o fogã o chegasse. Elas nã o tinham tido uma refeiç ã o quente desde o almoç o do dia anterior e ela queria fritar alguns ovos e bacon no fogo, se necessá rio. Nã o queria colocar sua frigideira de tefal em cima das chamas, mas era necessá rio, pois Susan precisava comer algo mais substancial que pã o e queijo.

Por volta das onze e meia, a cozinha começ ava a ficar apresentá vel, embora precisasse de pintura nas paredes e no teto. Mas, pelo menos, estava limpa.

Susan fizera um bom trabalho no quarto e, juntas, transportaram o velho colchã o para baixo, levando-o para o quintal. A armaç ã o, um pouco mais desmantelada, ficaria para quem viesse trazer as camas de solteiro fazer o que bem entendesse com ela.

Pouco depois chegou um caminhã o, cheio de mobí lia. O lugar já começ ava a assumir sua identidade e, nã o fosse por André, ela achou que poderia estar até contente.

O condutor do veí culo apresentou-se como Bertrand Madoc. Era um homem baixo, atarracado, com um tufo de cabelos grisalhos e olhinhos apertados. Era muito forte e trouxe a base e o velho lavabo para baixo sem nenhuma dificuldade.

Alé m das duas camas de solteiro e do fogã o, André tinha mandado um pequeno armá rio e uma penteadeira, lindamente entalhada, que Harriet reconheceu ser antiga e de valor; um par de cadeiras cobertas de veludo e uma cadeira de balanç o um pouco manchada, ambas peç as de antiquado; e uma escrivaninha do sé culo XIX que, quando o armá rio foi removido, nã o pareceu fora de lugar no pequeno salon.

Bertrand teria levado o armá rio para o caminhã o, mas Harriet o impediu, imaginando que era exatamente o que precisavam na cozinha, para guardar pratos. Pena que nã o tinha tido tempo para limpar o salonantes que as novas peç as fossem instaladas.

Era irritante sentir gratidã o por André, mas nã o se podia negar que ele tinha sido gentil. Embora ela estivesse certa de ter pago o preç o justo pelo privilé gio de viver ali, era preciso reconhecer que nã o devia ter sido fá cil arranjar aquela mobí lia. Teria sido mais barato comprar mó veis modernos, a nã o ser que ele tivesse acesso a algum castelo.

Pensou outra vez numa pergunta que jamais fora respondida: o que estaria ele fazendo nas salas de venda de St. Germain naquele dia, oito anos atrá s? Entã o, subitamente, percebeu por que o nome Rochelac tinha-lhe parecido familiar: entre os artigos que estavam sendo vendidos naquele dia, havia peç as do Castelo de Rochefort. Claro! Como nã o tinha se lembrado disso antes? Entã o, quem era André? Alguma espé cie de agente da aristocracia empobrecida?

Bertrand acabou seu trabalho em menos de uma hora, recusando-se a aceitar o refresco que Harriet lhe oferecera. Em vez disso, subiu no, caminhã o e Harriet teve de correr atrá s dele, antes que fechasse a porta da cabina.

— Por favor, agradeç a... agradeç a a monsieur Laroche por mim.

— A senhora, sem dú vida, poderá agradecer-lhe pessoalmente — respondeu Bertrand e, com um sorriso desaprovador, foi-se embora.

Harriet voltou para a casa, intrigada com as palavras dele. Será que todo mundo sabia das visitas de André à quela casa? Ningué m objetava? Bem, decidiu com raiva, ela objetaria. Procurou manter-se gelada, frente ao entusiasmo de Susan.

No entanto, nã o podia ficar indiferente por muito tempo. O fogã o a gá s era novo e o forno cintilante pedia para ser experimentado. O armá rio també m parecia infinitamente mais atraente com louç as nas prateleiras.

Harriet levou as bagagens para cima e Susan desempacotou as roupas, com as quais fez as camas que, depois de prontas, deram ao quarto uma aparê ncia de novo.

Em seguida, Susan desarrumou as malas. Calç as, blusas e vestidos foram pendurados no armá rio, enquanto a roupa de baixo, dobrada, foi colocada nas gavetas da penteadeira.

— Oh, nã o está mesmo bonito? Acho que você está contente de

ter ficado, nã o é mesmo? — exclamou Susan ao terminar, guardando as malas num canto, fora da vista.

— Está bem, você estava certa. Este lugar tem realmente possibilidades.

Depois do almoç o estava muito quente para fazer qualquer coisa. Susan colocou seu biquí ni e deu um mergulho no rio; em seguida, estendeu-se numa esteira, apesar das advertê ncias de Harriet para tomar cuidado com as formigas.

Harriet levou a cadeira de balanç o para fora e, com a ajuda de um caderno e lá pis, foi anotando os itens do que iam precisar. Depois de algum tempo, deixou cair o lá pis da mã o e esticou-se preguiç osamente. Nem uma brisa balanç ava as á rvores e o silê ncio só era quebrado pelo canto ocasional dos pá ssaros, o barulho dos insetos e o murmú rio do rio.

Com tempo para divagar, seus pensamentos se voltaram para André Laroche, para a coincidê ncia de ser ele o proprietá rio da casa.

Sem querer, seus pensamentos a levaram para o primeiro encontro com o homem que teve uma influê ncia tã o destrutiva em sua vida. Naquela é poca, ela tinha dezoito anos e estava fazendo sua primeira viagem de compras, com Charles Hockney, a Paris. Estava excitada com a experiê ncia de lidar com objetos que, até entã o, conhecia apenas de leitura, e a visita a vá rias lojas revelou-lhe uma abundâ ncia de beleza e perfeiç ã o de execuç ã o, mesmo para seus olhos inexperientes. Talvez entã o ela tivesse percebido seu amor pela porcelana, no momento em que teve nas mã os um par de figuras raras de Mennecy e aprendeu a distinguir as marcas do duque de Villeroy, o fundador da fá brica.

De qualquer maneira, podia lembrar-se ainda de estar sentada ao lado de Charles, no fundo da sala de leilã o, na praç a St. Germain, observando o trabalho do leiloeiro. De repente, percebendo que algué m a observava, voltou-se e encontrou o olhar intenso de um homem, em pé, do outro lado da sala. Ele era mais alto do que a maioria das pessoas ali, magro e moreno, com aquele tipo de traç os irregulares, mais atraentes que as feiç õ es bem-formadas. Olhos profundos, maç ã s do rosto salientes, um nariz proeminente e uma boca de expressã o levemente cruel. Vestia um terno de veludo azul e uma camisa de seda que, em qualquer outro homem, pareceria afeminada.

Harriet nunca tinha encontrado ningué m assim antes e a forma como a olhava a fez sentir-se fraca por dentro e um pouco amedrontada. Ele nã o era parecido com os outros jovens que ela estava acostumada a encontrar e, certamente, nã o se parecia com Charles, que era aprumado, mí ope e com tendê ncia à calví cie. Achou que ele devia ter por volta de trinta anos, dez a menos que Charles, com toda a experiê ncia de um homem que sabe que é atraente à s mulheres.

O pâ nico invadiu-a mais tarde, quando ele encontrou uma desculpa para falar com Charles e, atravé s dele, com Harriet. Mas o pâ nico era injustificado, ela sabia agora. Ele se mostrou, entã o, fascinante. Perguntou tanto acerca de seu trabalho, de suas ambiç õ es e sobre quanto tempo ficariam em Paris, que Harriet começ ou a sentir que ela devia ser realmente algo especial. Deixou o leilã o num estado de euforia.

No dia seguinte ele telefonou para o hotel e ela esqueceu as advertê ncias de Charles e concordou em encontrá -lo para jantar naquela noite. Charles nã o aprovou, mas ela foi assim mesmo.

André levou-a a um restaurante em Montmartre, onde comeram lagosta grelhada e camemberte Harriet bebeu mais vinho do que estava acostumada. Passou pela sua cabeç a que ele poderia querer deixá -la um pouco bê bada, mas estava muito deslumbrada para fazer alguma coisa a respeito.

Nem precisava ter-se preocupado. André levou-a diretamente de volta para o hotel e ela teve de admitir seu desapontamento, pois ele simplesmente tocou os dedos em seus lá bios para lhe dizer boa-noite.

Charles, naturalmente, ficou horrorizado quando soube que ela andara bebendo.

— Um homem como aquele devia saber o que os vinhos fortes fazem à s garotas da sua idade! Você nã o tem juí zo? O que acha que seus pais dirã o, se souberem como tem se comportado?

— Eu tenho dezoito anos, sr. Hockney. E meus pais nunca interferiram na escolha de meus amigos — respondeu ela. Por essa é poca eles ainda nã o se tratavam por seus nomes de batismo.

Recusou-se a admitir que, até aquele momento, seus namorados eram conhecidos de sua famí lia, fosse atravé s de seus pais ou de suas duas irmã s mais velhas. Por outro lado, ela nunca tinha sentido antes a excitaç ã o que sentiu na presenç a de André e estava suficientemente louca para imaginar que tinha tudo sob controle.

Nã o obstante, parecia que os temores de Charles eram infundados, porque, depois daquela noite, nã o voltou a ver André por muitas semanas. Ela e Charles voltaram para Londres e, apesar de sentir um vazio cada vez que pensava em Paris, Harriet tocou a vida para a frente.

Naquela é poca, morava na casa de seus pais e viajava todos os dias para Londres. Com exceç ã o das pessoas que encontrava devido a seu trabalho, todos os seus amigos moravam em Guildford.

Estava sozinha aquela tarde na loja, quando André entrou. Por essa é poca, já desistira de reencontrá -lo, quase convencida de que o que Charles dissera era verdade: que André só estivera brincando com ela e que fora uma sorte escapar daquilo sem se machucar. Seu aparecimento inesperado deixou-a confusa, embora ele parecesse um pouco diferente, mais magro ou talvez mais velho, com seu charme usual menos evidente. Só os olhos eram os mesmos, e eles lhe disseram quanto era agradá vel olhar para ela.

— O que anda fazendo por aqui? — perguntou Harriet, incapaz de pensar em alguma coisa mais original para dizer, mas ele continuou o seu caminho pela sala até os fundos da loja e ela nã o teve outra alternativa senã o segui-lo.

Charles nã o morava na loja. Ele tinha um apartamento muito confortá vel em Si. John's Wood e aquele quarto era usado para entreter os clientes. Quando Harriet chegou à porta, viu que André estava se servindo de um cá lice de vinho madeira.

— Vi quando seu patrã o saiu — disse ele, examinando o vinho com olhar intenso. Entã o a encarou. — Diga-me, você queria me ver outra vez?

Quando Charles voltou, a porta estava fechada e as cortinas abaixadas; ele teve de fazer um estardalhaç o à porta, antes que Harriet viesse abri-la. Percebeu imediatamente o que tinha acontecido e ela ficou espantada que nã o a tivesse despedido imediatamente. Em vez disso, ele e André tomaram outro cá lice de madeira, enquanto Harriet tentava desesperadamente compreender as coisas. Como é que André podia beber calmamente o vinho de Charles, sentado no sofá, onde alguns minutos antes eles tinham estado juntos? Entã o, quando ele levou o cá lice aos lá bios, ela viu o tremor em seu pulso e compreendeu que ele nã o estava tã o à vontade quanto parecia.

Seu pró prio comportamento a espantara. Ela nã o podia acreditar que pudesse agir tã o frivolamente e nã o sentir nenhum remorso. Desde o momento em que André tomou-a nos braç os, ela se entregou sensualmente, incapaz de resistir à s necessidades imperiosas de seu pró prio corpo. Nunca se comportara assim com ningué m antes, nem nunca sentira interesse maior pelas relaç õ es í ntimas entre um homem e uma mulher. No entanto, sendo absolutamente sincera consigo mesma, sabia que, se Charles nã o tivesse voltado naquele momento, teria se submetido a tudo que André pedisse dela.

Era tã o perturbador quanto encontrar outra pessoa dentro da pró pria pele. Tinha medo de se tornar como algumas mulheres, que sucumbem a qualquer investida masculina.

Nos anos que se seguiram, percebeu que a vida poderia ter sido mais fá cil para ela se fosse uma dessas mulheres. Depois da traiç ã o de André, desejou muito sentir emoç ã o por algum outro homem. Mas estava tã o gelada que acabou adquirindo a reputaç ã o de uma mulher frí gida.

Mas, naquele momento, seu maior medo era nã o ver André outra vez. Um medo injustificado, pois, durante os trê s meses seguintes, André ficou grande parte do tempo em Londres, freqü entemente viajando no aviã o de sá bado de manhã, e voltando no domingo à noite. Charles continuava reprovando, mas foi sá bio o suficiente para perceber que nã o podia influenciá -la em nada do que se referisse a André Laroche.

Os pais de Harriet foram menos compreensivos. Eles encontraram André em vá rias ocasiõ es, poré m sua mã e era de opiniã o de que ele era muito velho para ela. E nenhum dos dois estava satisfeito com as referê ncias casuais que André dava sobre sua casa no Midi. O sr. Ingram queria saber sobre sua famí lia e o que fazia para viver, e a pró pria Harriet começ ou a suspeitar das evasivas de André.

Sua relaç ã o com ele nã o era satisfató ria. Eles nunca estavam a só s e tinham sempre de se encontrar em lugares pú blicos. Na verdade, Harriet estava aliviada por isso, mesmo que seus sentidos pedissem por uma intimidade maior. Ela já nã o acreditava em André e sua educaç ã o moralista a reprimia. Mas isso nã o a impedia de pensar ou sonhar e, relembrando aqueles momentos no escritó rio de Charles, desejava que nã o tivessem sido interrompidos quando...

O caso dos pais de André deu o que falar. Durante semanas, a sra. Ingram ficou reclamando que, embora André tivesse conhecido os pais de Harriet, ela ainda nã o tinha sido convidada para conhecer os dele. Será que Harriet nã o queria conhecer a famí lia dele?

Cada vez mais irritada e frustrada, Harriet desabafou com André. Ela estava mal-humorada e nã o acreditou quando ele lhe contou que seus pais tinham morrido.

— Com quem você vive, entã o? — perguntou, cheia de suspeitas, mas ele recusou-se a discutir o fato.

— O que importa?

— Você conheceu a minha famí lia.

— Você quis que eu conhecesse a sua famí lia. Eu nã o pedi. Quer dizer que nã o queria conhecê -los? — Harriet estava furiosa. Segundos depois, brigava violentamente com ele, deixando que os sentimentos reprimidos das ú ltimas semanas a carregassem numa onda de amargor e autopiedade. Nem notou que ele nã o tomou parte na discussã o, até que se levantou e deixou-a sentada sozinha no bar no aeroporto.

Os dias seguintes foram os mais penosos que Harriet já passara até aquele momento. Ela ia e vinha de seu trabalho como um autô mato, e só disse à mã e que tinha rompido com André, mas nã o revelou a causa. Eles nã o pediram maiores explicaç õ es e Harriet duvidava se os perdoaria pelo que tinham feito.

Entã o, duas semanas mais tarde, André telefonou. Ligou para a loja, num horá rio que sabia que Charles estava fora para o almoç o, e o som de sua voz fez com que Harriet tremesse nas pernas.

— Você já me perdoou? — perguntou ele e, naquele momento, ela perdoaria tudo.

— E você já me perdoou? — ela contrapô s, com um tremor revelador na voz.

Depois de um minuto de silê ncio, ele continuou, meio bravo:

— Eu só queria ouvir sua voz mais uma vez. Acredite-me, você nã o fez nada de que deva se reprovar.

— O que você quer dizer? Quando é que eu vou vê -lo? — gritou, em pâ nico.

— Nunca mais. Eu nã o voltarei mais para Londres.

— Mas, André... André, eu quero vê -lo outra vez.

— Nã o adianta. Seus pais tê m razã o. Você precisa de algué m mais jovem, de algué m sem problemas. De algué m que viva de acordo com os ideais deles.

— Eu nã o me importo com eles... Nã o me interessam os ideais deles! — protestou ela, perdendo a cabeç a.

Mas, ouvindo um soluç o em sua voz, ele a interrompeu: •

— Você nã o fala o que sente. Et Ia Sacré Mè resabe que eu nã o posso continuar a vê -la sem... — Ele parou abruptamente e ela estava com medo de que André desligasse o telefone.

— Deixe-me ir encontrá -lo. Deixe-me ir para Paris. Eu posso dizer que vou com o sr. Hockney. Por favor, André, nã o diga nã o! — ela implorou.

Nã o foi fá cil persuadi-lo. Mas ela foi a Paris... e passou o fim de semana com ele num hotel da rue de Rivoli.

Apesar de tudo o que se seguiu, aquele foi o fim de semana mais excitante que ela tivera em toda a sua vida. Paris pareceu-lhe a cidade mais româ ntica do mundo: ela tinha dezoito anos e estava apaixonada.

Passarem a noite juntos foi uma conseqü ê ncia natural do relacionamento que tiveram naqueles dias. Ao se encontrarem no aeroporto, abraç aram-se e André parou-a na calç ada, procurando cobrir os lá bios dela com os dele. Harriet só queria estar com ele, dia e noite, e o tormento das semanas que tinham passado separados afastou quaisquer inibiç õ es.

Voltar para Londres foi o pior momento. Harriet esperou que André pedisse que ficasse, ou, ao menos, que voltasse com ela, mas ele nã o o fez. Foi ao aeroporto e acenou-lhe à medida que o aviã o corria pela pista. Esta foi a ú ltima visã o que teve dele.

Mas recebeu uma caria. Uma carta que queimou, assim que a leu. Logo depois, alugou um apartamento em Londres e, embora os acontecimentos posteriores a juntassem outra vez aos seus pais, nunca se perdoou por tratá -los tã o mesquinhamente.

Charles foi o ú nico a saber realmente o que acontecera. Ele ajudou-a a encontrar um lugar para morar e ela retribuiu-lhe, trabalhando dobrado e levando nas costas parte da carga dos negó cios. Eles agora mais pareciam só cios do que empregada e patrã o e, quando a irmã de Harriet e o marido foram mortos, foi de Charles a sugestã o para que ela levasse sua sobrinha a passeio por uns tempos. Harriet precisava de umas fé rias, ele disse, e era verdade.

Mas que descanso posso ter aqui, pensou, com a presenç a de André Laroche? Que diria Charles, se soubesse? Que diriam meus pais?

Entã o, levantou-se da cadeira e caminhou até o portã o que levava à estrada. Mastigando absortamente um longo talo de grama, que arrancara, olhava na direç ã o das á rvores que escondiam o rio. Se ela seguisse o caminho que André tomara, será que chegaria à casa dele? O que diria sua mulher se chegasse sem ser convidada? E sua famí lia? Ficou imaginando quantos filhos teria.

Seria bem feito para ela, se eu fosse até lá e me apresentasse, pensou com azedume. Podia imaginar a consternaç ã o dele se, ao voltar, a encontrasse com sua mulher, incapaz de saber quanto Harriet já lhe tinha revelado!

Apertou os lá bios, impaciente. Oh, Deus, ia passar o resto do tempo ali, alimentando o passado? Nã o, nã o faria isso!

Mas, à medida que voltava para a casa, nã o pô de evitar de pensar que, quando ela e André passaram aquele fim de semana em Paris, Paul era um menino de sete ou oito anos.

 



  

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