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CAPÍTULO IV



A fazenda parecia tã o isolada lá no alto, tã o distante do resto da civilizaç ã o à qual estava habituada, que Paula se admirou quando uma manhã, apó s o café, Dom Diablo sugeriu que fossem juntos até a cidade. A mesa fora posta no pá tio e dali se via a torre da capela. O zumbido das abelhas e o canto dos pá ssaros conferiam um certo misté rio ao ambiente. Nunca a luz do sol fora tã o dourada, nem as sombras tã o escuras.

As pé talas das flores de laranja jaziam esparsas nas lajotas do pá tio. O calor fazia com que os eucaliptos e as flores dos pé s de maracujá exalassem um aroma forte. Paula, parada sob um arco, observava Dom Diablo. Gostaria de saber por que ele vestira aquele terno cinza-claro que lhe assentava como uma luva e lhe conferia uma certa dignidade, tomando-o ainda mais charmoso. Triste engano! Pensou Paula. Atrá s de todo esse charme, ocultava-se um homem sem piedade, com quem se casara há cinco longas semanas.

— Estamos há muitos quilô metros da cidade? — perguntou Paula

— Só se for em lombo de jumento. Um carro rá pido cobre esta distâ ncia em pouco tempo. Imaginei que talvez você gostasse de dar uma espiada nas lojas, comprar alguma coisa como doces, discos, perfumes ou quem sabe livros ou revistas, enfim essas futilidades que as mulheres adoram.

— Quanta generosidade, senhor! — Mesmo depois de estar casa há cinco semanas, Paula nã o conseguia se dirigir a ele normalmente como seu marido. Via nele apenas o tirano a quem sucumbira durante uma crise de depressã o apó s a morte de Marcus. Ele era seu dono, isso era tudo.

— Só por isso, minha querida? — disse ele, levantando as sobrancelhas negras e fitando-a com seus olhos penetrantes e possessivos. Paula usava um vestido turquesa sem mangas com a libé lula presa ao lado esquerdo. O sol fazia as pedras cintilarem. Usava sempre o broche, pois era como se fosse o sí mbolo de seu desejo de voar em liberdade. Tinha esperanç as de algum dia fugir para bem longe dali e daquele homem a quem as leis da igreja a obrigavam a obedecer. Afinal poderia vender a jó ia por um bom preç o e com o dinheiro partir para onde quer que fosse. O broche nada representava para ela, já que nã o lhe fora dado como prova de amor...

— Preciso ir à cidade ver meu advogado. Se quiser pode vir comigo — disse ele. — Vou confiar em você, minha querida, e espero que se divirta nas lojas e nã o me desaponte. Espero que nã o lhe passe pela cabeç a nenhuma idé ia absurda, como por exemplo, fugir. Devo preveni-la que isso seria quase impossí vel, pois ningué m daqui lhe alugaria um carro e alé m do mais a estaç ã o ferroviá ria mais pró xima fica alé m das montanhas. — Apontou entã o para os picos azulados e distantes guardiõ es de seu reinado. Quando se aproximou mais, Paula sentiu-se tensa, apoiando-se na coluna da arcada. Seus nervos ficavam sempre à flor da pele cada vez que pressentia que Dom Diablo ia tocá -la. Já devia ter se acostumado ao contato de suas mã os, mas cada vez que isto acontecia ela ficava em pâ nico e com um desejo violento de esmurrá -lo.

— Ser muito cordata chega a ser monó tono, querida. Quando eu a toco parece que estou acariciando uma leoa, pronta para me atacar e me arrancar os olhos. Olhe, tive uma idé ia: Há uma praia perto da cidade, onde poderí amos nadar depois. O que é que você acha?

Só em pensar na á gua azul e gelada do mar, nas ondas relaxantes, Paula se entusiasmou. Sentia-se como uma crianç a a quem se dá um presente, apó s um castigo injusto.

— Está falando sé rio?

— Será que precisa olhar para mim como se eu acabasse de lhe conceder um momento de liberdade, fora das grades de uma prisã o? — perguntou ele. — Claro que estou falando sé rio. Você tem um maiô?

— Acho que sim. Nã o se se lembrava mais o que pusera dentro das malas, nos ú ltimos trê s dias em Stonehill. Raramente olhava para as roupas que ele lhe comprara. Vestia-se simplesmente, sem se enfeitar muito nem se preocupar com os acessó rios. Procurava nã o parecer muito atraente. Aprendera a duras penas que sua beleza despertava o animal que se escondia no corpo e na alma de seu marido. Vestindo-se simplesmente, procurava evitar que ele a importunasse.

— Entã o vá e pegue o maiô e, por favor, traga també m o meu calç ã o. Está na ú ltima gaveta da cô moda do meu quarto. Traga també m toalhas de banho, querida. Estou esperando por você no carro.

Paula apressou-se em buscar as roupas de banho, no caminho cruzou com Carmenteira que estava arrumando flores nos magní ficos jarrõ es de cerâ mica do saguã o.

No quarto, abriu o armá rio e puxou a mala que ainda nã o tinha sido desfeita, desde a noite em que Dom Diablo lhe ordenara que usasse apenas as roupas compradas por ele. Abriu a mala e ao remexer em suas coisas nã o pô de evitar as recordaç õ es que elas traziam de Stonehill. Pegou as blusas, os vestidos dobrados e, no meio deles, encontrou fotografias dela e de Marcus tiradas durante as viagens maravilhosas que haviam feito juntos pela Europa. Um á lbum de fantasmas, pensou ela. Dias de sonho, de conversas í ntimas, tudo isso se passara tã o longe do Mé xico...

Encontrou o maiô no fundo da mala. Era lilá s e de corpo inteiro, pois Marcus nã o gostava de biquí nis. Colocou-o diante do corpo e, olhando-se no espelho, concluiu que Dom Diablo certamente nã o aprovaria també m os biquí nis. De repente desejou que seu maiô fosse uma daquelas tangas minú sculas que cobriam o mí nimo indispensá vel, para espicaç á -lo, escandalizá -lo. Gostaria de vê -lo chocado quando, na praia, ela se exibisse diante dos outros homens. Era tí pico do homem latino desejar que sua mulher fosse exclusivamente sua, nã o permitindo sequer que atraí sse o olhar de outros homens. De qualquer forma, já que lhe havia sido proposto um passeio pela cidade, estava disposta a aproveitá -lo ao má ximo. Deveria apressar-se antes que ele mudasse de idé ia, pois talvez nã o gostasse que o fizessem esperar. Será que teria coragem de ir embora e deixá -la ali decepcionada?

Foi entã o até o banheiro e pegou as toalhas. Entretanto, hesito antes de entrar no quarto dele. Já estivera ali antes, vá rias vezes, mas nunca voluntariamente e sim carregada por ele.

Quando Paula entrou no quarto olhou primeiro para a cama, procurando depois a cô moda de madeira entalhada, onde ele guardava sua roupa. Sobre ela havia escovas de tartaruga, num estojo de toalete em couro e alguns outros objetos de uso diá rio. O aroma forte e inconfundí vel de seu charuto persistia no ar, misturado com o perfume de lavanda. Ao pé da cama estava o robe de seda escura e pesada, um chicote de couro com cabo de prata displicentemente jogado ao chã o. Certamente o deixara cair, ao voltar de seu passeio matutino. Todos os dias pela manhã supervisionava os trabalhos da fazenda a cavalo.

Abriu a gaveta da cô moda, procurando o calç ã o e encontrando o que nã o esperava encontrar: a fotografia de uma bela mulher de cabelos negros, sorrindo e segurando um leque, num porta-retratos de prata. Seus olhos, també m negros, eram expressivos e seu corpo gracioso. Estava apoiada a uma coluna de um pá tio, sob um arco cheio de flores.

Paula contemplava absorta a foto. Quem seria ela? Devia ser algué m muito especial, pois Paula ainda nã o percebera naquela casa nenhum sinal de outra mulher...

— O que foi que encontrou, senhora, que a intrigou tanto?

Paula teve um sobressalto, sentindo todo seu corpo estremecer. Lá estava Carmenteira, parada na porta do quarto. Seus olhos astutos notaram logo a fotografia nas mã os de Paula que, sentindo-se pega em flagrante, engoliu em seco.

— Vim pegar o calç ã o de Dom Diablo... Pode me dizer quem é mulher, Carmenteira? É tã o bonita que nã o pude resistir à tentaç ã o de observá -la melhor...

— A senhora é curiosa — observou Carmenteira, caminhando em direç ã o a ela. Olhou entã o para a mulher da fotografia. — É uma beleza tipicamente espanhola, dos pé s à cabeç a! Veja os olhos, como refletem alegria de viver, de amar. A senhora nã o estaria com inveja de tanta alegria? Talvez ache que Dom Diablo tenha amado essa mulher e está certa, ele realmente foi apaixonado por ela.

— Onde está ela agora, você sabe? — perguntou Paula.

— Morreu há seis anos, senhora, levando consigo toda a sua alegria e todo o seu amor. Dom Diablo ficou inconsolá vel. Depois do que aconteceu, ele cavalgou durante horas a fio, até o cavalo nã o agü entar mais, Ficou vá rios dias sem pronunciar uma só palavra e durante o funeral pensaram que ele fosse se tirar sobre o tú mulo, tal seu desespero... — Carmenteira lanç ou um olhar malicioso para Paula. — Como ele poderia amá -la, senhora, tendo amado tanto esta mulher? Por que lhe daria tanta importâ ncia, se no fundo a senhora é apenas um instrumento para lhe dar um filho? Talvez seja por isso que goste tanto de seu corpo. Sua primeira mulher era vinho e mel, mas a senhora é insossa como o leite, e azedo ainda por cima. Sabe que estou falando a verdade, nã o é? Estou muito velha, conheç o muita coisa sobre os homens e sei exatamente o que Dom Diablo espera de sua mulher. — De repente, Carmenteira tocou o ventre de Paula. — A senhora é jovem, bonita e saudá vel. Mulheres bonitas e jovens costumam gerar filhos bonitos e Dom Diablo sabe que chegou o momento de ter um herdeiro.

Quando a velha parou de falar, Paula concluiu que ela dissera a verdade. Voltou à cô moda e colocou a fotografia no lugar em que a encontrara, bem escondida entre as roupas do marido. Pegou o calç ã o e foi correndo ao encontro de Dom Diablo que, a esta altura, já devia estar impaciente com sua demora. Decidiu nã o pensar por enquanto nas palavras de Carmenteira. Agora, estava apenas interessada em ir à cidade ver gente, conhecer lojas e depois nadar até ficar exausta.

— Sinto muito! — disse logo que o viu. — Carmenteira queria me contar umas coisas e me atrasei. Como o sol está quente!

— Nã o devia correr assim, principalmente com esse calor escaldante. Aliá s, onde está seu chapé u? Vai precisar dele!

— Eu me esqueci. Nã o faz mal, podemos comprar outro numa das lojas — disse ela um pouco ofegante.

Dom Diablo segurou-a entã o pelos ombros e olhou fixamente para ela.

— Você está uma pilha de nervos, parece um filhote de passarinho tentando sair da gaiola. Será que está assim agitada só porque vai à cidade?

— Claro que sim — respondeu ela, afastando o cabelo do rosto molhado de suor. — Se eu nã o tiver, de vez em quando, um dia de fé rias, acho que acabarei ficando louca. Você pensa que é fá cil para mim a vida aqui? Sempre presa dentro desta propriedade, vigiada dia e noite, tendo que obedecer ordens suas o tempo todo, o que devo vestir, o que devo fazer! Sou para você um objeto de prazer! Tudo o que quer de mim é sexo. — Falava muito alto, numa espé cie de desabafo. Fora terrí vel para ela ter que ouvir a opiniã o de Carmenteira sobre seu papel na vida de Dom Diablo. Sentia-se humilhada por estar sendo usada apenas para gerar um herdeiro que continuasse o nome da famí lia e cuidasse das propriedades e de toda sua imensa fortuna. Uma mulher nã o precisava ser amada para ter um filho, para isso bastava o desejo animalesco e rude do homem pelo corpo dela.

— É uma forma como qualquer outra de encarar os fatos. Vamos, entre no carro e trate de relaxar um pouco.

— Vai dirigindo? — perguntou ela ingenuamente.

— Sim — respondeu. — Pode sentar atrá s se quiser, longe de mim. Eu corro um pouco e talvez isso a deixa nervosa. Aliá s, parece que você ficou assim a partir do momento em que a convidei para vir comigo.

Com uma sensaç ã o de alí vio, Paula aproveitou a sugestã o e sentou-se sozinha. Entrando no carro, viu que havia capas de linho nos bancos, para evitar que o couro se tomasse muito quente. O ar refrigerado começ ou a funcionar e Paula, recostando-se no banco, sentiu-se melhor. Em seguida, certificou-se de que trouxera os trajes de banho e as toalhas; estavam no banco ao seu lado. Lembrou-se, entã o, do rosto daquela mulher espanhola cujos olhos negros refletiam a alegria de viver.

Enquanto o carro deslizava velozmente pela estrada, Paula observava a cabeç a bem feita e os ombros largos de Dom Diablo. Até agora pensara nele como um homem duro, indiferente aos sentimentos e melindres femininos, incapaz de amar uma mulher. E no entanto, soubera agora que ele havia amado, mas provavelmente era do tipo que ama apenas uma vez na vida. Isto fazia com que ele parecesse mais humano, mas ao mesmo tempo confirmava a posiç ã o que Paula acreditava ocupar em sua vida. Nã o era amada e no entanto tinha que aceitar todas as atenç õ es dele, submeter-se a quase todas as suas exigê ncias, querendo ou nã o viver a seu lado até descobrir uma maneira de sair dali.

Agora, mais do que nunca, desejava ir embora. Tocou o broche que pregara no vestido, acompanhando com os dedos o desenho das asas. Se encontrasse algué m que comprasse a jó ia, teria só que pegar seus documentos e seu passaporte do escritó rio do marido. Estavam numa escrivaninha antiga cheia de gavetas. Tinha esperanç as de encontrar algué m dentro da propriedade que pudesse ser subornado e que a levasse à estaç ã o mais pró xima. Se conseguisse tomar um trem que a levasse a um dos muitos locais turí sticos existentes no Mé xico, estaria a salvo.

A grande extensã o de terra salpicada aqui e ali de cactos, finalmente ficou para trá s e o carro aproximou-se da cidadezinha, com casas muito brancas, de telhados planos e um pequeno pomar atrá s. A roupa lavada era estendida em varais nos fundos das casas. Crianç as e animais corriam juntos numa alegria festiva que fez Paula sorrir, enquanto o carro passava rapidamente pelas ruas. Dom Diablo pareceu pressentir seu sorriso, pois, virando-se um pouco para trá s, perguntou-lhe se estava gostando do passeio.

— Olhe só essas crianç as! — disse ela. — Será que as mã es conseguem que elas fiquem limpas alguma hora?

— No fim da tarde costumam mergulhar todas elas juntas numa grande tina d'á gua, lavá -las e depois estendê -las ao sol para secar!... Você viu como sã o bonitas as crianç as? — havia um tom brincalhã o em sua voz.

— Sã o mesmo! — admitiu. — A pele delas é acetinada e os olhos enormes. Imagino que, quando limpas, devem ser belí ssimas.

— As crianç as mexicanas tê m realmente uma beleza pura e natural — concordou ele e desta vez Paula percebeu uma alusã o velada em suas palavras. Isso a fez estremecer. Era a primeira vez, depois de seu casamento, que ele mencionava crianç as. Olhando para sua nuca, para seu cabelo negro e espesso. Paula começ ou entã o a compreender o que Dom Diablo pretendia realmente dela. A velha Carmenteira era esperta! Talvez tivesse razã o mesmo. Devia saber muita coisa sobre os homens e as mulheres, e especialmente sobre a fazenda. Vivia ali desde moç a. Vira Dom Diablo nascer, crescer, e depois quando começ ou a se interessar pelas mocinhas, até que se apaixonou por aquela belí ssima mulher da fotografia.

— Gosta de crianç as? — perguntou com curiosidade.

— Acho-as divertidas — respondeu. — E você, querida? Gostaria de ter um filho meu?

Ao ouvir essas palavras, o coraç ã o de Paula começ ou a bater descompassado e, com os dedos crispados, apertou a bolsa que tinha no colo.

— Nã o gostaria de dar à luz a um filho do demô nio — respondeu friamente.

— Obrigado, minha querida. À s vezes é encantadora quando fala comigo! — Em seguida dirigiu o carro para o centro da cidade e parou em uma praç a pitoresca, onde havia outros carros estacionados. Ao centro da praç a, via-se uma está tua de pedra. Era um homem de capacete montado num cavalo cujas patas dianteiras se erguiam no ar.

Saí ram do carro, atravessando a praç a em direç ã o à s arcadas, onde se encontravam as lojas. Havia um burburinho de gente, pois entre uma compra e outra, as pessoas paravam para conversar. Paula sentiu-se um pouco encabulada ao constatar o flagrante contraste entre sua pele clara e a daquelas pessoas morenas. Perto delas, Paula, apesar de bonita, parecia desbotada, um pouco frá gil perto dessas mulheres sensuais, cor de cobre, e com olhos negros e brilhantes, que encaravam ostensivamente Dom Diablo ao passar por ele.

Ele segurava Paula possessivamente. Por que nã o escolhera para esposa uma mulher de sua pró pria raç a, de seu pró prio paí s? , pensou ela. Será que nã o conseguiria encontrar uma mulher que se comparasse à primeira e, por isso mesmo, procurara por algué m que nã o tivesse absolutamente nada a ver com ela?

Ao chegar sob a arcada, Dom Diablo parou. As lojas eram alegres, com suas vitrinas decoradas com arranjos coloridos e exó ticos. Havia de tudo: roupas, objetos para casa, pulseiras, colares, brincos, especiarias e frutas tropicais.

— Vai precisar de dinheiro — disse ele, tirando da carteira um punhado de notas. — Compre o que quiser, só nã o esqueç a o chapé u. Provavelmente ficarei ocupado as pró ximas duas horas, mas à uma hora me encontre no carro. Almoç amos no Café Valentino e depois vamos à praia.

— Sim, mestre — respondeu Paula, aceitando o dinheiro que ele lhe estendia. Percebeu entã o que ele fora bastante generoso, poré m nã o havia o suficiente para subornar algué m que a pudesse levar para longe dali.

— Que tipo de chapé u quer que eu compre? Estes de copa alta com um ramo de cerejas do lado?

— Tenho a certeza de que qualquer tipo de chapé u lhe ficará bem — segurou-a pelo queixo, fazendo com que Paula olhasse para ele. — Nã o tente fugir de mim, querida. Meu braç o é comprido e eu nã o costumo abrir mã o do que me pertence. Você é minha e é bom que se convenç a disso. Você inteirinha, da cabeç a aos pé s, sua carne, seus ossos, seu sangue, tudo enfim. Você é minha mulher, a sra. Ezreldo Ruy. Por isso deve se comportar com dignidade e estar sempre de ó timo humor. Todos aqui me conhecem, portanto sabem quem você é. Nã o será importunada, anã o ser que se preste a isto e eu a advirto a nã o fazê -lo! Será que me expliquei bem?

— Entendi perfeitamente, senhor. Tenho que ficar boazinha e me distrair com frivolidades enquanto meu senhor e mestre se ocupa de negó cios importantes.

Entreolharam-se em silê ncio; o desafio estava estampado nos olhos de Paula que brilhavam de raiva. Depois as pá lpebras dele se abaixaram e um sorriso irô nico apareceu em seu rosto moreno.

— Você parece ter ficado muito mais corajosa no meio dessa gente. Será que continuará assim quando estivermos novamente a só s?

Ela estremeceu ao ouvir estas palavras. Nã o se conformou com sua covardia diante de Dom Diablo. Mas ele era tã o forte, tã o rude! Ao olhar para seu corpo musculoso, seus ombros largos, lembrou-se de como era morna sua pele, de como era excitante a sua nudez...

— Fique tranqü ilo, saberei me comportar. Aliá s, detestaria ver algué m ser surrado por você, pois conheç o bem sua forç a e sua crueldade.

— Entã o, tudo bem — respondeu um pouco irritado. — Até mais tarde, e nã o se esqueç a de estar no carro a uma hora.

— Sem falta — prometeu ela. Dom Diablo afastou-se com passos rá pidos, impecá vel no seu terno cinza. Paula suspirou e dirigiu-se entã o à s lojas, cujas vitrinas coloridas e variadas diferiam muito das da Inglaterra. Expunham roupas que ela jamais usaria se ainda morasse em Stonehill. Mas ali no Mé xico, onde a luz era tã o intensa desde o amanhecer até o crepú sculo, as roupas coloridas pareciam mais adequadas. Paula gostava dos blusõ es informais, especialmente de algodã o. Comprou dois com estamparia bem alegre. Depois foi até o mercado e, logo ao chegar, encontrou exatamente o que queria o chapé u de copa alta com duas frutas pregadas na fita, sobre a aba.

Nã o pô de resistir e comprou-o, lembrando-se do que dissera a Dom Diablo com a intenç ã o de provocá -lo. O difí cil seria usá -lo, pois na verdade se envergonhava de usar coisas tã o vistosas...

Caminhando sob a sombra das arcadas e segurando o chapé u pela aba, sorriu ao pensar na cara do marido quando a visse com ele. Era quase um desafio ser mulher daquele homem. Apesar das brigas entre eles, sabia que Dom Diablo era cô nscio demais de sua posiç ã o, fazendo sempre questã o de ser tratado, sobretudo publicamente, como mestre e senhor. O chapé u era apenas uma brincadeira para provocá -lo. Poderia usá -lo na praia, pois afinal era inglesa e nã o latina como a bela morena da fotografia. Novamente voltou a lembrar-se dela...

Já fazia mais de uma hora que Paula passeava de um lado para outro, observando as vitrinas. Havia tanta coisa curiosa nas lojas! De repente, viu uma joalheria. Ficou ali parada, sua mã o tocando o broche que tinha preso no ombro. Nã o haveria nada de estranho se entrasse e pedisse que lhe avaliasse o broche. Saberia assim por quanto poderia vendê -lo. Entrou resoluta e aproximou-se do balcã o.

Durante a ú ltima hora só cruzara com mexicanos, por isso ficou surpresa quando viu, atrá s do balcã o, um jovem loiro e bonitã o, que olhava para ela com o mesmo espanto.

— É americana? — perguntou.

— É inglê s? — perguntou ela, quase ao mesmo tempo. Ambos riram.

— Oh! É inglesa! — exclamou. — Como nã o percebi logo? — A voz, a pele clara... Inglesa como uma xí cara de chá!

— Bem, eu nã o estou certa de como devo interpretar essa comparaç ã o — respondeu, sorrindo. — Eu nã o preciso absolutamente que me diga que é americano. Seu sotaque, seu jeito, lembram-me uma xí cara de café! — riram novamente, como que satisfeitos por falarem a mesma lí ngua.

— Esta é a maior surpresa que tive nos ú ltimos tempos — disse ele intrigado e observando afigura esbelta de Paula, cujo vestido valorizava seu tipo claro, acentuando a linha perfeita de seu corpo. Os olhos dele se detiveram nos braç os muito alvos e esguios, como se quisesse premiar seus olhos com tanta beleza.

— Nunca imaginei que uma jovem inglesa pudesse aparecer por aqui, como se fosse uma visã o, trazendo o vento fresco do mar do Norte! Será mesmo real ou é uma miragem?

Ao dizer a palavra real, sua voz tornou-se mais profunda. Paula pensou que ele fosse pegar em sua mã o. Se o fizesse ela se afastaria bruscamente. Tentou se convencer de que nã o sentiria o menor medo se, de repente, aparecesse Dom Diablo com aquele seu jeito de felino, e a surpreendesse conversando com outro homem que lhe segurava mã o.

— Acho que sou real — respondeu ela. — Jamais pensei també m em encontrar um americano atrá s do balcã o de uma joalheria mexicana.

— É uma maneira como outra qualquer de sobreviver — respondeu. — Acabei caindo neste negó cio apó s um acidente. Eu era mergulhador e trabalhava numa companhia petrolí fera de prospecç ã o marinha. Um dia mergulhei muito fundo, enrosquei-me nas cordas e quase morri. Um amigo, dono dessa loja, me ofereceu este emprego até que eu me sinta novamente em forma para recomeç ar meu antigo trabalho. Um mergulhador nã o desiste facilmente. Vai em frente até que entrem bolhas de ar no sangue...

— Compreendo — disse ela. — Mas deve ter sido uma experiê ncia violenta, nã o foi?

— Bem, na hora eu fiquei inconsciente, depois é que foi terrí vel — Ficou sé rio por um momento. Seus traç os eram muito bem feitos. Relaxou logo depois e sorriu novamente. -E o que faz no Mé xico?

— Moro aqui — respondeu Paula um pouco tensa, seu sorriso desapareceu ao pensar nas circunstâ ncias que a haviam trazido para o Mé xico. — Minha casa fica a alguns quilô metros daqui. Vim até a cidade, para fazer compras.

— Está sozinha? Se estiver, gostaria de almoç ar comigo?

— Nã o, nã o estou. — Paula sentiu uma certa tristeza por nã o poder almoç ar com ele. — Vim à cidade com meu marido. Ele veio a negó cios e me deixou livre para fazer compras e passear um pouco. Comprei um chapé u, veja!

O rapaz examinou detidamente seu rosto e, em seguida, suas mã os. Numa delas usava o anel de ouro trabalhado e na outra a alianç a e um magní fico rubi.

— Parece muito jovem para ser casada — disse ele. – Pensei que só no Mé xico os homens tirassem as noivas das salas de aulas...

— É muito lisonjeiro de sua parte — respondeu ela. – Deixei a escola há muito tempo e estou casada há vá rias semanas!

— Semanas? Entã o, para todos os efeitos, é ainda uma noiva... Como é que seu marido a deixa sozinha em plena praç a do mercado? É quase uma ousadia a dele, sabendo como sã o os mexicanos... Se fosse minha mulher, eu teria medo que algué m a raptasse, ainda mais sendo bonita como você!

Paula enrubesceu. Desde que saí ra do colé gio fora sempre muito cortejada, mas depois de casada essa era a primeira vez. Teve um pressentimento de perigo ao ouvi-lo elogiar seus dotes fí sicos.

— Meu marido é muito conhecido aqui, ningué m ousaria me importunar.

— Ah, entendo — disse ele. — Por acaso é algum diplomata britâ nico muito respeitado ou algo parecido?

— Nã o — Paula sabia instintivamente que sua resposta causaria uma grande surpresa ao americano. — Meu marido é mexicano, e um dos maiores proprietá rios desta regiã o. Creio que nã o o conhece, mas provavelmente já ouviu falar nele. E Dom DiabloEzreldo Ruy. Moramos numa fazenda a alguns quilô metros daqui.

O rapaz olhou para ela com uma expressã o estranha. Nã o era surpresa. Talvez fosse descrenç a.

— Mas ele é dé spota! — exclamou ele. — Todos aqui já ouviram falar dele. Correu o boato de que se casara, mas nunca ningué m imaginou que fosse com uma garota como você! Você parece uma rosa que nasceu e cresceu na estufa! Como é que se conheceram? Dizem que esses tipos aqui no Mé xico costumavam ir buscar suas noivas diretamente nos conventos. Foi isso que aconteceu com você?

— Quase — respondeu Paula. Ao dizer isso percebeu que estava prestes a confessar que fora coagida a se casar com Dom Diablo, que nã o fora um casamento por amor. Arrependeu-se a tempo e acrescentou: — De qualquer forma, nã o vim aqui para falar sobre minha vida privada com um estranho...

— Meu nome é Gil Howard — apresentou-se prontamente. — Nasci em Los Angeles, por isso sei falar espanhol razoavelmente, pelo menos o suficiente para poder trabalhar numa joalheria mexicana. Eu també m me casei uma vez, mas nã o deu certo. Estava sempre longe de casa, sabe como sã o essas coisas, e Louise, minha mulher, acabou se ligando a outro homem. Apesar disso, sou um homem decente e respeitá vel. Nã o quero que agora você me considere mais um estranho. Gostaria de poder ser seu amigo. Você tem um nome, naturalmente... Será que devo ser formal e chamá -la de senhora? Senhora me faz pensar em gente mais velha e você me parece ainda tã o menina...

Paula sabia que logo que ele começ ara a falar, devia ter-lhe dado as costas e saí do da loja. Mas era tã o bom encontrar algué m que falava sua lí ngua e com um jeito tã o diferente de Dom Diablo! Sua voz era agradá vel e suas palavras nã o continham insinuaç õ es veladas. Era direto e franco.

— Na verdade eu deveria insistir para que me chamasse de senhora — disse Paula com certa afetaç ã o.

— Mas nã o vai insistir, vai? — deu um sorriso largo.

— Bem, que significa o primeiro nome, afinal? O meu é Paula.

— Repita-o novamente! Será que ouvi bem?

— Ouviu sim, sr. Howard.

— Mas é um nome lindo, doç ura. — Gil Howard sacudiu a cabeç a. — Eu nunca poderia imaginar, ao me levantar hoje de manhã, que iria encontrar uma garota tã o linda chamada Paula!

Isto já ultrapassava os limites. Paula sabia que nã o devia ter consentido que a conversa fosse tã o longe. Agora nã o poderia mais se informar sobre o valor do broche, pois esse americano parecia muito esperto. Poderia desconfiar que ela quisesse vendê -lo para poder sair do Mé xico.

Consultou rapidamente o reló gio de pulso, de ouro, també m presente de Dom Diablo.

— Agora preciso ir embora, sr. Howard. Meu marido nã o é muito paciente e já deve estar esperando por mim. Até logo...

— Até breve, Paula! — havia certa malí cia em sua voz. – Estou certo de que nos encontraremos de novo. Já que somos dois estranhos nesta terra, vamos precisar um do outro, pelo menos para conversar...

— Até breve! — respondeu Paula e saiu correndo.

 

 



  

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