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CAPÍTULO VIII
Paula estava no terraç o quando avistou o carro prateado que trazia Dom Diablo de volta para a fazenda. Tinha certeza de que ele já fizera uma sé rie de perguntas a Juan Feliz, que as respondera prontamente. Devia ter-lhe falado do terremoto e Dom Diablo, com certeza, se preocupara com os danos causados na fazenda. Talvez també m já lhe tivesse contado tudo sobre o que tinha acontecido com ela. Os enormes portõ es de ferro, com o escudo da famí lia Ezreldo Ruy, estavam bem abertos para ele passar. Quando desceu do carro, Paula notou que ele estava elegantí ssimo, com um temo escuro. Inclinou-se entã o para observá -lo melhor. Dom Diablo olhou a seu redor como que saboreando a sua volta ao ambiente que lhe era tã o caro! De repente, ao perceber a presenç a de Paula, olhou firme para ela, o rosto impassí vel. Parecia estar olhando para uma estranha e nã o para a sua mulher! Paula virou uma está tua de gelo. Nã o se sentia à vontade, pois ainda nã o sabia até onde ele estava a par do que lhe acontecera... Percebeu, poré m, uma certa ironia no olhar dele. Esperou pelo marido no terraç o, embora soubesse que seu dever de esposa seria esperá -lo embaixo para dar-lhe as boas-vindas. Mas Carmenteira certamente estaria lá, esperando que ela mentisse sobre a noite do terremoto. — Velha feiticeira! — resmungou Paula, mas nã o havia muita convicç ã o em sua voz. Na realidade nã o detestava a velha empregada. Sabia que seu amor por Dom Diablo era possessivo, maternal. Era natural! Alé m de ser latina, praticamente criara seu marido. Aceitara Paula porque ele a escolhera, mas nã o a aprovava. Estava pois sempre à espreita, como um abutre, esperando que acontecesse algo que os separasse, que fizesse com que ele a rejeitasse! Ele entã o procuraria uma amante latina, e ela seria simplesmente posta de lado. Carmenteira a achava orgulhosa e, a seu ver, só os homens tinham o direito de sê -lo. Ela era velha e antiquada! Achava que a mulher devia ser submissa e sentir-se gratificada com as atenç õ es de um homem. Queria que ela se humilhasse de qualquer forma, por isso ela resolvera nã o descer ao encontro dele. Preparara-se para recebê -lo, talvez para ter coragem de enfrentá -lo. Pô s um vestido leve e prendeu o cabelo num coque que lhe descobria o pescoç o fino, ressaltando seu porte altivo. Passara um pouco de batom nos lá bios, mas nã o usava nenhuma maquilagem. Apenas perfume. Dom Diablo ficara ausente dez dias e Paula esperava que ele estivesse com saudade e nã o apenas curioso com o que acontecera em sua ausê ncia... Levou a mã o à fronte. A marca desaparecera, felizmente! Dom Diablo nã o gostaria que um dos seus pertences apresentasse qualquer defeito! Detestaria uma mulher com cicatrizes como detestaria um cá lice quebrado, já que era amante da perfeiç ã o!... Costumava acariciá -la como já o vira acariciar uma garrafa de bom vinho ou um objeto valioso de sua coleç ã o que ocupava a sala principal da fazenda. Corria os dedos sobre a superfí cie do objeto apalpando suas formas, e sentia nisso um certo prazer... Bem, nã o ficaria ali parada como uma crianç a que espera o castigo. Foi até uma das poltronas de vime e se sentou, cruzando as pernas. Tentou parecer natural, olhando distraí da para suas sandá lias de salto. Na verdade estava muito nervosa! Enfrentar Dom Diablo novamente, tê -lo tã o perto outra vez... Lembrou-se do momento em que ele partira, e o que ela lhe havia dito! Ele a olhara muito como que para compensar o tempo que ficara longe, sem tocá -la... Encostou a cabeç a na almofada e fechou os olhos, pois o sol estava muito forte. Fingiria que estava cochilando quando ele se aproximasse. Paula começ ou entã o a pensar como teria sido bom se tivesse conseguido partir antes da chegada do marido! Mas nã o fora possí vel conseguir seu passaporte; ele trancara até a porta do escritó rio. Paula ficara desapontada, tivera até vontade de arrombar a porta! Mas é verdade! Ele nã o pode confiar em mim!, admitiu. Ele sabe que irei embora assim que tiver meus documentos na mã o! Começ ou a desfolhar um jasmim, quando de repente, pressentiu a presenç a de Dom Diablo. Ele passara pela porta sem que ela o visse chegar. Manteve os olhos fechados até que aos poucos foi percebendo uma sombra diante dela. Ele estava ali, à sua frente, o corpo entre ela e o sol. Ele nada disse e Paula sabia que, com sua paciê ncia diabó lica, ele esperava que ela perdesse o controle. O silê ncio se prolongou até que os nervos de Paula nã o resistiram ao seu magnetismo que parecia penetrar em seu cé rebro, em seu sangue... Sem tocá -la, fez com que Pau}a abrisse os olhos e o encarasse. Ao olhar para ele, percebeu que teria que falar primeiro... A ú nica frase que conseguiu dizer, foi: — Alô, senhor! Está com muita boa aparê ncia! Ele estava mais bronzeado e magro. Paula voltou a registrar urna certa malí cia em seus olhos negros. — Espero que seus negó cios tenham corrido bem — acrescentou. — Será que vai ganhar mais dinheiro ainda? — Ficou satisfeita com sua ousadia, mas recuou assustada quando ele, de repente, agarrou seus pulsos, fazendo-a se levantar bruscamente. Ele a observava firme e minuciosamente, parecia querer controlar até as batidas de seu coraç ã o. Paula sentiu-se como um objeto de arte que estivesse sendo examinado por um comprador com o propó sito de detectar algum defeito... Levantou entã o o pescoç o e lanç ou-lhe um olhar de desafio. Afinal nada fizera de que devesse se envergonhar... Nã o deixaria absolutamente que ele a forç asse a se defender de um pecado que nã o cometera! O que acontecera com ela na casa de Gil fora uma conseqü ê ncia do terremoto. — Bem, Paula, está desapontada porque o aviã o nã o caiu? — Apó s lhe fazer essa pergunta, beijou-lhe as mã os e sentiu o perfume de jasmim. Isso pareceu excitá -lo! Encostou a palma da mã o de Paula contra seu rosto e perguntou: — Será que você sentiu um pouco a minha falta? — Antes que ela dissesse alguma coisa, começ ou a roç ar os lá bios em sua mã o e a sensaç ã o que Paula sentia era tã o perturbadora que se viu obrigada a retirar a mã o antes que aquela onda de sensualidade tomasse conta dela. Tarde demais! Cingindo-lhe a cintura apertou-a de encontro a seu corpo musculoso. Nem mesmo uma sombra passaria entre eles! Dom Diablo transpirava masculinidade e total autocontrole, mas naquele momento Paula sentiu que ele estremeceu dos pé s à cabeç a. Ele a moldava contra a sua vontade, como se ela fosse de gesso, até que ela perdesse por completo sua identidade e se tomasse parte dele. — Nã o! — respondeu Paula e desviou o rosto. Nã o iria sucumbir à quele poder que ele parecia exercer sobre todos. No seu caso o exercia, submetendo-a a suas violentas e selvagens fantasias sexuais que, de qualquer forma, eram agora para Paula, e ela nã o podia negar, uma fonte inesgotá vel de prazer. — E por que nã o pode me beijar, Paula? — Segurou seu queixo e forç ou-a a olhar para ele. — Por acaso lhe pesa algo na consciê ncia, minha querida? Por que nã o me conta, vamos, abra-se comigo... Por acaso quebrou um dos meus cristais? Ou espirrou tinta no tapete persa da sala de jantar? — ele a estava torturando! Disfarç ava sua crueldade com perguntas ingê nuas, levando Paula até onde ele queria chegar: uma confissã o completa do que realmente acontecera. Ela o odiava por ser assim. As unhas dela se cravaram em seu casaco e só nã o alcanç aram o rosto de Dom Diablo por ela estar muito colada ao corpo dele. — Você esteve interrogando Juan Feliz, nã o esteve? Descobriu que passei a noite na cidade? Nem parece um homem civilizado! Está furioso só porque eu nã o pude controlar um terremoto! — Ah, entã o foi assim tã o violento que nã o pô de controlar o que ocorreu aquela noite? — Seu rosto se tomou diabó lico. Paula ficou apavorada ao pensar em Gil. Como é que ele descobriu? Tivera tanto cuidado ao tomar o tá xi... Gil telefonara e o motorista a apanhara na praç a principal. Sua pressa em sair da cidade nã o a impediu de notar um homem na praç a, que a olhava muito. Era um daqueles mexicanos extremamente magros, os bigodes negros como carvã o. Como ainda estivesse um pouco nervosa ao entrar no carro, levantara inconscientemente a voz, ao dar o endereç o da fazenda... Seu instinto lhe dizia que Dom Diablo sabia de tudo! Aquele seu olhar parecia avisá -la que corria risco de vida! — Juan Feliz lhe contou que me levou à cidade aquele dia e que nã o voltei com ele mas só na manhã seguinte? E você acredita que eu tenha feito algo de que devesse me envergonhar? Pois saiba que nada fiz, senhor, esta é a pura verdade. Eu estava andando pelas lojas e depois fui até aquelas casas brancas e graciosas com pá tios de lajotas decoradas. De repente, tropecei e caí, batendo a cabeç a numa pedra. Desmaiei, senhor, e as pessoas de uma das casas foram muito amá veis em me ajudar. Como, logo depois, começ ou a chover muito, só pude sair ao amanhecer. Aliá s, fiquei muito assustada, quando soube que eu caí ra em conseqü ê ncia de um tremor da terra. — Bem, todos os criados viram que você estava com o rosto machucado, poré m o que eles nã o sabiam é que você tinha passado a noite com um jovem americano! Aliá s, querida, vejo pela expressã o de seus olhos, que sabe bem do que estou falando! Se nã o me engano nó s o encontramos uma vez na praia e você mentiu daquela vez també m. Fingiu que nã o o conhecia! Foi aí que combinou se encontrar com ele assim que eu virasse as costas! Nã o é verdade? Foi mais agradá vel nos braç os dele que nos meus? — Eu sabia — gritou ela, tentando se livrar daqueles braç os que pareciam garras de ferro. — Eu sabia que iria imaginar o que está imaginando! Como sabe a respeito de Gil? Tem espiõ es espalhados por toda a cidade? Eu percebi que havia um sujeito rondando na praç a, na manhã seguinte. — Na manhã seguinte à noite em que foi consolada por Gil Howard? — Ora, vá para o inferno! — Paula fechou os olhos para nã o ver a expressã o cruel no rosto de seu marido. Repentinamente sentiu que nada mais lhe importava. Sabia que Gil Howard aproximara-se dela apenas para ter um caso, pois nã o havia a menor profundidade em seus sentimentos. Era atraç ã o fí sica e nada mais. Atirou a cabeç a para trá s. Dom Diablo continuava a olhar para ela. — Sabe como fiquei sabendo a respeito do americano? Bem, quando cheguei em casa e nã o a encontrei esperando por mim, fui até o escritó rio para buscar a correspondê ncia que se acumulara durante a minha ausê ncia. Encontrei uma carta de um homem que já tinha trabalhado aqui, contando que minha mulher estava dormindo, era assim que estava escrito, com um americano chamado Gilberto Howard, que trabalhava numa joalheria, na cidade. Ele viu você s conversando perto da loja e os seguiu até o apartamento dele. Você entrou, escreveu ele, e ele pensou que talvez tivesse ido ver algumas pedras preciosas. Mas quando ele a viu na cidade na manhã seguinte, compreendeu tudo. Juntou os fatos e tirou suas conclusõ es. Agora exige uma boa soma de dinheiro para nã o desmoralizá -la diante de todo mundo! Que tal uma notí cia dessas para um marido que acaba de chegar de viagem? É uma acolhida agradá vel, nã o é verdade? Ao ouvir essas palavras Paula emudeceu. — Chantagem? Eu nã o dormi com Gil! Estava saindo da casa dele quando começ ou o terremoto e me atirou contra uma pedra. Gil cuidou de mim e, com toda aquela chuva, nã o me restava outra alternativa senã o ficar lá! Ele... ele nem me tocou! Eu nã o deixaria! Nã o sou esse tipo de mulher! Devia saber melhor do que ningué m que eu... que eu... — Sim, eu sei — disse baixinho. As mã os dele deslizaram pelo corpo de Paula e inclinando a cabeç a pousou os lá bios nos dela, as palavras ainda por dizer... Depois se afastou devagar e começ ou a examiná -la com os olhos semicerrados. — Por que você foi até a casa dele, Paula? Ele é jovem e bem apessoado, por isso tinha todo o direito de pensar que uma jovem bonita como você podia se interessar por ele. Nã o me diga també m que ele nem sequer tentou flertar com você e que nã o se sentiu lisonjeada com suas atenç õ es... Por acaso estava tentando fugir dele quando tropeç ou e caiu? — Nã o — respondeu, com veemê ncia e enrubesceu, pois era evidente a ironia nas palavras de Dom Diablo. — Ele foi amá vel e bom comigo. Lavou a minha testa e se comportou como um perfeito cavalheiro. — Percebo! — A expressã o dele continuava irô nica. – Howard deve ter ficado resfriado só de olhar para a virgenzinha gelada, retirando-se antes que apanhasse uma pneumonia! É um homem corajoso, querida, tenho que admiti-lo! Paula nã o pô de deixar de sorrir diante daquele humor sardô nico. — E o que pretende fazer com essa carta? Espero que nã o seja o empregado que você despediu! Será que ele está tentando voltar para cá, forç ando-o assim a readmiti-lo? — Exatamente — disse ele retirando as mã os dos ombros de Paula quando o copeiro chegou trazendo a bandeja com as bebidas e Paula percebeu que suas pernas estavam tremendo... Estava chocada com a chantagem do antigo cocheiro. Sabia que nã o podia provar que as acusaç õ es eram falsas, pois tudo conspirava contra ela. — Quer um pouco de refresco? — perguntou ele, interrompendo seus pensamentos. Olhou para a jarra alongada e respondeu: — Quero sim. — Só entã o Paula se deu conta de como estava seca sua garganta! Era com se estivesse perto de uma fogueira, parecia queimar por dentro. Ele tinha razã o por estar indignado com a carta que recebera, mas apesar disso continuava impassí vel. Estendeu-lhe o copo com o refresco e serviu-se depois de uma tequila. Paula tinha a certeza de que ele nã o acreditara um instante sequer que ela o tivesse traí do, mas bancava o marido ultrajado apenas para assustá -la. — Obrigada — disse ela, tomando um gole com certa sofreguidã o. — O que vai fazer agora? Nã o vai poder simplesmente ignorar a carta! — Vou procurar este homem e ameaç á -lo com cadeia! Sei algumas coisas sobre ele e conheç o bem o inspetor local. Ele nã o vai conseguir nada com suas acusaç õ es! — Mas algumas pessoas poderã o acreditar nos mexericos... — Nã o lhe darei um tostã o! Pagar é admitir a culpa – respondeu bruscamente. — Alé m disso você me assegurou que nã o houve nada entre você e Gil Howard! Eu detestaria nã o confiar mais em você, minha querida. É uma mulher virtuosa, sei disso, mesmo quando faz amor comigo. Você sempre me dá a impressã o de que a estou violentando! Por quê? — Eu... eu nã o sei o que fazer... mas eu nã o consigo... — Já sei, você me odeia e eu tenho que me contentar em possuí -la contra a sua vontade. Você sabia que isso acaba com a paciê ncia até de um santo? E nã o é o meu caso. — E como foi a sua viagem? — perguntou ela, tentando mudar de assunto. — Andei muito a cavalo. Os cavalos de lá sã o fantá sticos! Comprei uma é gua com um potrinho para você. Devem chegar dentro de poucas semanas. Semanas! O coraç ã o de Paula pareceu explodir dentro do peito. Ele falava como se o relacionamento entre eles dois fosse o mais normal do mundo e que continuaria assim. — O que foi que houve? — perguntou ele. — Você gosta de montar e poderá cuidar dos dois. Sã o negros e brilhantes como seda, e posso assegurar-lhe que farã o um belo contraste com o seu tipo loiro! Aliá s devo dizer-lhe que está encantadora com esse traje tipicamente mexicano! — Ao dizer isso sua voz se tornou mais profunda e seus olhos negros a envolveram dos pé s à cabeç a. Paula teve vontade de sair correndo! Nã o acreditava que ele tivesse procurado outra mulher e seu instinto lhe dizia que ainda a desejava com paixã o! Teria pois que se submeter a ele, embora sua vontade fosse fugir dali. Era tanto o medo que começ ou a se sentir mal!... Estava ainda muito chocada com aquela histó ria da carta e alé m do mais muito fraca. Nã o tinha mais forç a moral para reagir, como fazia antes! Temia que ele, a levasse para o seu quarto e mais uma vez a possuí sse à forç a. — Nã o se preocupe, querida, por enquanto me contento em olhar para você, quero vê -la mais tranqü ila. Sua aversã o por mim faz com que meu sangue ferva ou congele, depende do meu humor no momento. — Acendeu um charuto e soltou a fumaç a pelas narinas, encostando a cabeç a escura na almofada da cadeira. Desapertou entã o o nó da gravata e Paula ficou pensando por que os gestos dele tinham tamanha sensualidade! Bastava que ele entrasse no quarto para que o ambiente ficasse carregado, tenso, como se emanasse de seu corpo uma forç a magné tica muito intensa. Ocorreu a ela que ele devia ter sido um menino levado e imprevisí vel! Teria dado muito trabalho aos pais? Aliá s nunca falara deles para Paula. Como teria sido ele quando garoto? Só sabia que o apelido de Diablo fora sua mã e quem lhe dera. Seria como as outras mulheres mexicanas que se orgulhavam de serem dominadas? De repente interrompeu seus devaneios. Sentiu que estava sendo observada por ele que, em seguida, começ ou a acariciá -la. Era como um domador agradando sua presa, embora essas carí cias pudessem se transformar em algo perigoso, traiç oeiro... Dom Diablo tinha trinta e seis anos e conhecera muitas mulheres apesar de ter tido um ú nico amor. Interessara-se por ela por ser um pouco diferente das outras. Excitava-o com a sua indiferenç a, mas nada disso podia durar se nã o houvesse amor. Paula teria que aceitar um futuro ou entã o arrumar um jeito de conseguir seus documentos e fugir dali. — Seus olhos refletem um conflito interior — disse ele, inclinando-se para frente. — Sei que a fazenda nã o passa de uma prisã o para você. Será que nunca poderá ser feliz aqui, querida? — Nunca! — retrucou Paula com veemê ncia. — Sou muito inglesa para conseguir criar raí zes neste solo castigado pelo sol! À s vezes me pergunto por que tenta se apegar a uma estrangeira que nã o o ama! Será que nã o seria melhor uma latina que se deleitaria com o seu domí nio e com a sua... sua... — Será que nã o consegue sequer pronunciar a palavra? É uma palavra simples! — Sensualidade! — exclamou Paula, nervosa, enquanto ele apoiava a palma da mã o em sua coxa. Dom Diablo sorriu, mostrando os dentes muito alvos. — Tenho uma surpresa para lhe mostrar depois do almoç o, querida. É uma pequena lembranç a, chamemos assim, que eu trouxe para. você da Amé rica do Sul. Comprei em Lima, onde passei dois dias — parou de acariciá -la, deixando-a com uma sensaç ã o de vertigem. — Creio que eu gostaria de almoç ar aqui — disse ele. — Será que você poderia encomendar o almoç o enquanto eu tomo uma ducha? Viajei durante muito tempo e estou ansioso por trocar de roupa. Diga a Orazio que eu gostaria de uma bisteca como entrada, uma garrafa de Cadiz e queijo com azeitonas. — Sim, mestre — respondeu ela. Mas quando Dom Diablo olhou para ela com sensualidade, Paula levantou precipitadamente, consciente de sua excitaç ã o! Sentia que a paixã o estava prestes a explodir como uma labareda naquele corpo má sculo e viril! Chegando à escada externa em forma de caracol, que levava até o pá tio, Paula se sentiu suficientemente segura para lhe perguntar: — Como quer as bistecas? Com cebolas, senhor? — Sim, com cebolas — respondeu como se a estivesse provocando. O coraç ã o de Paula batia descompassadamente enquanto descia a escada apoiada no corrimã o de ferro batido... A lua prateada aparecendo atravé s das janelas enormes formava sombras assustadoras. Paula lembrou-se entã o da lua batendo em seu corpo, na cama de Dom Diablo. Começ ou a correr, perseguida pela risada dele. Ele desceu para o almoç o com uma camisa bege de seda e calç as pretas, muito estreitas, o cabelo brilhante ainda molhado. Paula trocara o vestido por uma calç a azul e uma camiseta branca. Prendera o cabelo com uma fita e nã o usava pintura. Supô s que caso se apresentasse vestida como uma colegial, arrefeceria o entusiasmo dele. Olhando intrigado para ela, comentou: — Se pensa que consegue assim desviar minha atenç ã o de você, está enganada, querida. A ú nica coisa que poderia diminuir o encanto desse corpinho esguio seria a armadura de um guerreiro espanhol! Já viu a coleç ã o que temos na ala velha da fazenda? Nem um rato consegue penetrar naqueles trajes... — É muito engraç ado, senhor — tentava parecer natural. — Imagina que eu gritaria só por causa de um rato? — Nã o; acho que você só grita por causa do marido, por incrí vel que pareç a... — Pô s um pouco de aç ú car no melã o e começ ou a comê -lo com prazer. Paula notou uma expressã o maliciosa em seu rosto. Parecia que estava planejando alguma coisa. Pensou que talvez fosse a surpresa que prometera para depois do almoç o... — A bisteca está boa — disse ele. — Por melhor que seja a comida dos restaurantes, nã o há nada melhor do que a comida de casa! Um pouco mais de vinho, meu amor? — Só um pouquinho, por favor... — O vinho é excelente, nã o é verdade? Sabe, eu tenho uma vinha na Espanha. Qualquer dia temos que ir à Europa para visitarmos juntos esse velho paí s. — Eu já estive na Espanha — disse ela. — Marcus me levou há uns dois anos. — Bem, ir com Marcus e ir comigo sã o duas coisas completamente diferentes — respondeu, observando-a enquanto tomava um gole de vinho. — Comigo irá conhecer a verdadeira Espanha, aquela que o turista nã o vê... Tenho alguns parentes na Costa Brava. Você nã o pode imaginar quanta magia e recuerdos existem nos pá tios andaluzes... — Recuerdos? — perguntou Paula, percebendo que Dom Diablo considerara sua viagem com Marcus uma coisa muito superficial. — O que quer dizer exatamente recuerdo? Muitas palavras espanholas parecem ter vá rios significados... — A palavra só pode ser traduzida como nostalgia, sonhos, lembranç as nebulosas de anseios que parecem existir mais na imaginaç ã o do que na vida real. A realidade é o sol quente; saudade é a luz fria da lua. O luar pode causar desilusõ es assim como as lembranç as do passado, por isso temos que ter cuidado para nã o vivermos só do passado. Para o espanhol, assim como para certas pessoas, há no recuerdo uma espé cie de agonia e ê xtase sublimes. Se nã o existisse esta sensaç ã o o amor perderia sua forç a, sua fascinaç ã o... — Romance! — exclamou Pauta. Parecia perplexa. — Nunca imaginei que acreditasse em algo tã o efê mero, tã o distante da realidade, das necessidades da vida. Na verdade nã o consigo concebê -lo como uma pessoa româ ntica! — O que significa, querida, que nunca procurou realmente me conhecer. — Nã o! — Paula sacudiu a cabeç a violentamente. Pensava em lhe dizer o que realmente imaginava dele quando se lembrou da fotografia que encontrara em seu quarto. Ao falar em recuerdo, ele provavelmente se lembrava daquela mulher... Dom Diablo tinha razã o, ela pouco conhecia sobre os seus sentimentos. Ele lhe dava somente o amor fí sico. Quem sabe o amor que ele estaria reservando para o filho que ela talvez lhe desse... Tinha a certeza de que Dom Diablo o amaria de verdade, pois brincava sempre com os filhos de Juan Feliz e com outras crianç as da fazenda. Embora agressivo, havia nele um grande potencial de afetividade. — O que você ia dizer? — perguntou ele. Mas sabia perfeitamente o que era, por isso mesmo verbalizou: — Que eu sou duro como aç o, que nã o enxergo o luar e nã o sei o que é nostalgia? Bem, talvez você tenha razã o. Quando eu olho para você, aí sentada, o sol batendo nos seus cabelos loiros, é o lado fí sico da minha pessoa que reage, que sente o prazer... Por que estremece, Paula? Nã o é possí vel que você se sinta encabulada apó s dois meses de casada! — Creio que muitos anos se passarã o antes que eu me sinta de outra forma. Você tem um jeito de olhar, um jeito de falar muito diferente do que eu estava habituada... — Ainda bem que acha diferente! — Franziu ligeiramente a testa. — Morar na Inglaterra com um tutor e viver no Mé xico com um marido mexicano, sã o duas coisas realmente diferentes... — Marcus cuidava de mim, ao passo que você me domina... Ele conversava e divagava comigo, discutí amos pensamentos e pontos de vista ao passo que você nã o está absolutamente interessado nisso, nã o é verdade? — Nã o aponto de me abstrair de seu corpo delicioso, querida... Eu me consideraria um idiota se tivesse me casado com você somente para discutir boas leituras ou quadros cé lebres! Será que esperava realmente isto? Em vez do relacionamento normal de um matrimô nio, preferiria a aberraç ã o de um marido que nã o tivesse livre acesso ao seu quarto? Quando nos conhecemos, na Inglaterra, pensou que por eu ser apenas dezesseis anos mais velho do que você, iria me comportar como se tivesse cem anos? — Eu... eu nem pensei nisso — baixou os olhos pois esse assunto fazia com que se sentisse pouco à vontade... — Eu estava em estado de choque e sabia disso, senhor. Aproveitou-se entã o das circunstâ ncias... — Eu jamais teriame casado com você se tivesse tido tempo para considerar a proposta! Disse mesmo a verdade quando mencionou que Marcus o aprovara como meu... meu marido? — Tenho meus ví cios e també m minhas virtudes... Uma delas é que nã o minto! Posso distorcer um pouco os fatos... Eu a vi em Stonehill e... desejei-a. Pedi sua mã o a Marcus e ele me respondeu que lhe transmitiria o pedido quando voltassem para casa depois da festa. Ele possuí a muitas terras e uma boa casa, sabia que quando morresse tudo iria para as mã os de um sobrinho. Contou-me isto e pode estar certa de que você era a sua maior preocupaç ã o. Queria que ficasse garantida no caso dele vir a faltar. — Curvou-se e brincou com a faca. — Marcus me pediu que eu fosse bom para você. — E você preferiu ignorar esse pedido... — É mesmo? — pousou a faca na mesa, a lâ mina cintilando ao sol como os olhos dele. — Poré m seu tutor esqueceu de me dizer que você tem uma lí ngua afiada e que gosta de discutir, para o que, aliá s, eu nã o estava preparado. Você nã o é o anjinho que eu esperava e eu a tratei da mesma forma. — Imagino que Carmenteira lhe contou... A velha costuma entrar no meu quarto sob o pretexto de arrumar as flores e me provoca com suas conversas, indo depois contar tudo a você! Ningué m gosta de mim aqui, detestam meus há bitos e minha roupas, teriam preferido uma patroa latina. Por que você nã o se casou com uma mexicana? — Porque me casei com você — respondeu bruscamente. — E pelo jeito está tã o arrependido quanto eu! — É mesmo? — perguntou uma voz que parecia vir lá de fora. — É assim que você s se comportam quando estã o sozinhos? Surpresos, se voltaram para saber quem dissera aquelas palavras. — Madrecita! — exclamou ele, levantando-se rapidamente. — Entã o acabou descobrindo? — Deu uma risada. Parecia desconcertado. — Descobriu que quando estamos a só s nã o arrulhamos como dois pombinhos? — Bem, Diablo, ponha dois pombinhos numa gaiola e eles acabarã o se bicando até morrer — respondeu aquela senhora bonita e morena, que aparecera no terraç o em meio à discussã o deles. Vestia uma roupa escura e estava cuidadosamente penteada. Paula olhava intrigada para ela, pois Dom Diablo a chamara de mã ezinha. Pensava que ele nã o tinha mais parentes pró ximos vivos. Será que era esta a surpresa que mencionara antes? Teria ela chegado com ele? Como se afastara da balaustrada, quando ele desceu do carro, Paula nã o poderia tê -la visto. — Madrecita, quero lhe apresentar minha mulher, sobre a qual fez restriç õ es por ser inglesa! Lembra-se de me ter dito que seria como sal e pimenta no mesmo pote? — Sim, Diablo, eu disse isto — a velha senhora estava com os olhos fixos em Paula. — Você é bonita mesmo! Agora que a conheç o posso compreender por que Diablo perdeu a cabeç a! Sal e pimenta nã o misturam bem mas podem dar um sabor interessante. Venha, venha dar um beijo em sua avó. Sim, querida, Diablo me chama de madrecita, mas sou avó dele. Paula deu a volta na mesa e, aproximando-se da velha, inclinou a cabeç a e deu-lhe um beijo. — Estou muito feliz por conhecê -la, senhora — disse timidamente. — Eu nã o sabia que a senhora viria à fazenda... — Imagino que meu neto quisesse lhe fazer uma surpresa... Ele me disse que você era jovem, loira e inexperiente. Esqueceu-se poré m, de mencionar sua beleza! Sente-se, por favor. Parece estar tremendo! — Eu... estou sim — confessou Paula, olhando entã o para o marido que continuava impassí vel. Nã o dava o braç o a torcer... — Sente-se, Paula — Dom Diablo segurou-a pelo braç o e obrigou-a a sentar-se. Mas, diante da avó, nã o apertou seu braç o nem tampouco o acariciou. Ela sentiu entã o uma vontade estranha e louca de lhe agarrar a mã o e apertá -la contra seu corpo!
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