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A MARCA DO DEMÔNIO 10 страница



E foi esse sentimento que lhe deu coragem de aproximar-se da marquesa uma manhã e de anunciar que Cosima estava boa e que nã o necessitava mais de seus serviç os profissionais.

— Fique mais algumas semanas conosco — disse a marquesa, preocupada com a idé ia de que a filha pudesse ter uma recaí da com a partida de sua enfermeira. — Vamos esperar primeiro que Cosima esteja completamente recuperada.

— Infelizmente nã o posso ficar mais — disse Justine com delicadeza. Ela bem que gostaria de ceder ao primeiro pretexto dado para prolongar sua estada ali, de modo que pudesse ver Artez todos os dias, mesmo que nã o tivesse ocasiã o de encontrar-se a só s com ele. Seria um inferno delicioso, mas teria que encontrar a coragem para recusá -lo. — Nã o há razã o, alé m do mais, para prolongar minha permanê ncia aqui. Estou apenas circulando pela casa, recebendo meu ordenado sem fazer praticamente nada. Cosima está boa e nã o tem mais necessidade de mim.

— Mesmo assim, fique mais um pouco como hó spede da casa — insistiu a marquesa, segurando-a pelas mã os. — Por que você nã o tira umas semanas de fé rias? Nã o há lugar mais belo que a fazenda no fim do verã o. As tardes sã o compridas e você pode passear a cavalo sem perigo de pegar uma insolaç ã o. Você trabalhou muito nos dias que passou aqui e merece um descanso. Eu me lembro que Cosima lhe deu muito trabalho no iní cio, se bem que agora esteja mais resignada. Vou respirar aliviada quando Miguel conceder o divó rcio. Mas voltando a você, minha querida. Você está um pouquinho abatida. O que foi que aconteceu? Você nã o está gostando mais daqui?

— Pelo contrá rio, estou gostando muito — disse Justine impulsivamente. E era verdade. O fantasma sombrio de Manolito tinha desaparecido diante da personalidade mais forte do primo. — Eu nunca estive numa casa tã o bonita antes, mas preciso realmente partir no fim desta semana. Tenho que tomar certas providê ncias referentes a minha profissã o.

— Por que você nã o passa o trabalho uma vez na vida para trá s, minha filha? Você é muito moç a para estar desperdiç ando as horas preciosas de sua existê ncia num hospital. Eu vou arrumar um rapaz bem bonito para você. Por que você fez essa cara? Nã o gostaria de conhecer um belo espanhol? Ou você vai me repetir que nã o quer saber mais do amor nem dos homens?

Justine ficou sem jeito diante da insistê ncia da marquesa.

— Eu tenho a impressã o de que devo aceitar as coisas como elas sã o, e creio que meu destino é ser enfermeira até o fim da vida.

— Isso é um desperdí cio! — exclamou a marquesa com vivacidade. — Que belos filhos você teria se casasse com um rapaz bonito! Você ainda sente saudade do marido?

— Eu nunca vou esquecê -lo — disse Justine com sinceridade. Matt estava conservado para sempre no nicho sagrado de sua memó ria e ela lastimaria a vida inteira sua morte prematura. Se Matt nã o tivesse morrido estupidamente, nã o teria ido jamais à fazenda e sua imaginaç ã o nã o seria atormentada por um sonho impossí vel. De que adiantava gostar de um homem que nã o podia ser seu marido?

— Se você voltar para a Inglaterra, as recordaç õ es antigas vã o entristecê -la de novo — comentou a marquesa, abordando o problema sob um outro â ngulo. — Por que você nã o fica mais um pouco conosco?

— Infelizmente nã o dá — repetiu Justine com um sorriso triste. — Tenho que ir embora realmente no fim da semana.

— Você parece ansiosa para nos deixar. É por causa do meu sobrinho?

— Nã o, de jeito nenhum! Minha partida nã o tem nada a ver com seu sobrinho.

— Ele nã o deu a entender que você está sobrando aqui? Eu sei muito bem como ele é. Quando decide uma coisa, vai diretamente ao assunto, sem usar meias-palavras.

Justine abaixou a cabeç a para ocultar da marquesa seus sentimentos verdadeiros. Artez lhe pedira de fato para ir embora, mas era por um motivo muito diferente. Como podia explicar a razã o de sua partida, sem abalar a confianç a que a tia depositava no sobrinho?

— Artez está sabendo tã o bem quanto eu que Cosima nã o necessita mais de mim. Ele é um homem prá tico e age de acordo com suas convicç õ es. Nã o há motivo realmente para eu receber um ordenado sem fazer nada. Eu sinto necessidade de fazer um trabalho ú til, como todas as pessoas, aliá s.

— Mas você pode ser ú til me fazendo companhia — insistiu a marquesa. — Eu vou me sentir muito sozinha quando os dois se casarem. Eles vã o levar uma vida muito diferente da que estã o habituados, sobretudo nos primeiros meses. Vou sentir muita falta de Cosima.

Justine levantou a cabeç a ao ouvir essas palavras. Como era possí vel, que a marquesa se iludisse a esse ponto sobre o casamento dos dois? Acreditava realmente que havia um relacionamento í ntimo e apaixonado entre os dois? Era possí vel que estivesse cega a esse ponto? Justine tinha vontade de gritar que era unicamente por uma questã o de honra que Artez ia casar com a prima. A mulher que amava de fato era ela. Nã o havia nenhuma paixã o no casamento, nem por parte dele nem por parte dela. Todos podiam enxergar isso... todos menos a mã e que queria acreditar que a filha seria imensamente feliz no segundo casamento.

— O que foi? — perguntou a marquesa fitando-a com seus olhos penetrantes. — Você nã o está de acordo comigo? Cosima falou alguma coisa a respeito desse casamento? Ela ainda gosta de Miguel? Ah, como é possí vel ela gostar de um homem que a abandonou com tanta indiferenç a? Artez é mil vezes mais homem que Miguel.

— O amor nã o tem ló gica — comentou Justine. — O coraç ã o tem vontade pró pria e nã o consulta ningué m sobre suas decisõ es.

— Eu sei disso, mas Cosima aceitou casar com Artez. Ela sabe que Miguel está vivendo com outra mulher e a pobrezinha merece ser feliz depois de tudo por que passou. Eu sei que você nã o simpatiza com meu sobrinho e acha que ele será um marido demasiado severo para minha filha. Mas eu, que o conheç o desde crianç a, sei que ele é extremamente carinhoso por natureza. Alé m disso, Artez está com mais de trinta anos e precisa casar.

A marquesa mordeu o lá bio com ansiedade, como se percebesse naquele instante o contraste que havia entre um homem ené rgico e ativo como Artez e uma jovem paralí tica, presa permanentemente a uma cadeira de rodas. A marquesa apertou as mã os com nervosismo, como se abrigasse interiormente o conflito sé rio entre o dever e o sentimento humano.

— O casamento vai dar certo — disse por fim. — Artez será o dono da fazenda e isso significa muito para ele. O amor da terra tem raí zes profundas na alma dos espanhó is. Talvez mais profundas que o amor da mulher.

— Talvez — concordou Justine em voz baixa.

Ela tinha que aceitar a verdade inegá vel. O que Artez sentia por ela era apenas um desejo passageiro, o mero impulso masculino de possuir um corpo jovem e atraente. A terra poré m era eterna e continuava a produzir e a dar frutos muito tempo depois que o amor deixara de existir.

— Essa conversa nos deixou tristes — disse a marquesa ao perceber a expressã o abatida de Justine. — Vamos esquecer esses problemas sé rios e pedir um café com bolinhos para nosso lanche. Você nã o se importa de engordar uns quilinhos, nã o é mesmo?

Justine sorriu, inconsciente do ar tristonho que havia nos seus olhos azuis.

— Os quilos a mais que eu ganhar aqui serã o perdidos no primeiro dia de atividade normal no hospital. Lá, eu nã o tenho tempo nem para me coç ar.

— Quer dizer entã o que você está decidida a partir? — perguntou a marquesa com um suspiro de resignaç ã o, girando o anel de rubi no dedo magro. — Eu vou sentir muita saudade de você. Eu me acostumei a vê -la andando pela casa e nossas conversas foram sempre muito agradá veis para mim.

— Eu també m vou sentir saudade daqui. A senhora foi muito boa para mim e eu nã o me esquecerei nunca disso.

 

Depois do chá com torradas e bolinhos de minuto, Justine despediu-se da marquesa. Desejava escrever uma carta para a madrinha, explicando que decidira voltar diretamente para Londres, sem passar pela casa dela em Madri. A madrinha faria muitas perguntas e acabaria descobrindo seu segredo.

Apó s escrever a carta e entregá -la ao motorista da fazenda para ser posta no correio, Justine passou no quarto de Cosima para saber se ela precisava de alguma coisa. Cosima estava recostada na cadeira de braç os lendo uma revista americana e nã o prestou muita atenç ã o à pergunta. Limitou-se abalanç ar a cabeç a distraidamente, como se estivesse absorta na leitura e nã o desejasse ser importunada.

Com o corpo excitado e os nervos tensos, Justine vestiu a roupa de montaria, amarrou o chapé u de abas largas embaixo do pescoç o e correu à cocheira de Madrigal, ansiosa para dar seu ú ltimo passeio a cavalo antes de embarcar de volta para Londres. Artez costumava visitar as plantaç õ es à quela hora e nã o haveria perigo de encontrá -lo no meio do caminho, como acontecera no dia em que Madrigal tinha disparado no galope.

Ela levou um susto por isso quando o avistou perto dali, apoiado numa viga da cocheira, observando-a selar o animal. Ele ameaç ava suas defesas pelo simples fato de estar ali, a camisa branca aberta no peito, os cabelos suados caindo em cima da testa.

— Que susto você me deu! Eu nã o esperava encontrá -lo aqui a essa hora.

— Eu estava examinando o casco de um cavalo quando você passou. Vai dar um passeio?

— O ú ltimo antes de partir — disse Justine, apertando a crina macia de Madrigal com os dedos trê mulos. — Eu avisei a sua tia que vou embora no fim da semana.

— É melhor assim.

— Era a ú nica coisa que podia fazer.

Ela puxou a é gua pelo cabresto e ia montar quando Artez a segurou pela cintura e colocou-a em cima da sela.

— Tome cuidado para Madrigal nã o sair em disparada.

— Eu vou tomar.

O chapé u de abas largas ocultava os olhos azuis e ela tinha a aparê ncia de um menino no alto do cavalo, com os cabelos presos por uma fita de cetim.

Artez nã o sentia amor por ela, apenas desejo, e devia esquecê -lo finalmente para poder enfrentar a realidade com a cabeç a serena.

Ela esporeou a é gua castanha com os calcanhares e olhou para a frente com a cabeç a erguida. Ela esqueceria o passado. Doí a muito ver os ombros largos por baixo do tecido leve da camisa e saber que ela afundara um dia a cabeç a no seu peito. Doí a ouvir os lá bios formarem palavras indiferentes quando queria ouvi-lo dizer que a amava, que ela significava mais para ele do que um simples contato fí sico.

Ela afastou-se a trote da cocheira sem voltar a cabeç a para trá s. Ele nã o dissera as palavras que podiam consolá -la.

 

A partida de Xanas transcorreu naturalmente. Na sexta-feira à tarde as malas estavam feitas e arrumadas no corredor da entrada. O bilhete do trem fora comprado com antecedê ncia. Viajaria na volta como tinha viajado na ida, pelo trem noturno até Madri, onde tomaria o aviã o para Londres no mesmo dia.

— Artez vai acompanhá -la — disse a marquesa. — Assim nã o haverá perigo de você perder o aviã o.

— Nã o há necessidade — disse Justine com vivacidade, tomada de pâ nico diante da possibilidade de viajar com Artez até Madri. — Eu estou habituada a viajar sozinha. Aliá s, eu prefiro, só assim me sinto mais livre para fazer o que me passar pela cabeç a.

— Como as moç as inglesas sã o independentes! — comentou a marquesa com um sorriso de admiraç ã o. — Artez, insista para acompanhá -la até o aeroporto. Eu vou ficar mais sossegada se souber que você viajou na companhia de um homem. Você s sabem como sã o nossos trens...

— Madre, nã o se preocupe à toa! — interveio Cosima com uma certa impaciê ncia na voz. — Se Justine nã o quer a companhia de Artez é porque ela prefere viajar sozinha. As moç as inglesas nã o sã o como as espanholas. Elas estã o acostumadas a fazerem tudo sozinhas. O que é muito mais certo, por sinal. As espanholas dependem demais dos homens e nã o sabem fazer nada sem eles.

— Pode ser, mas Justine é muito jovem para andar sozinha de trem — insistiu a marquesa. — Artez, me faç a esse favor. Acompanhe Justine até o aeroporto. Você nã o terá dificuldade em conseguir uma passagem no trem porque poucas pessoas viajam à noite. Eu vou ficar mais sossegada sabendo que ela está na sua companhia, meu filho. Justine é muito bonita para viajar por essas estradas-de-ferro à noite sem a proteç ã o de um homem.

— Você está fazendo mal juí zo dos espanhó is, tia — disse Artez com um sorriso de condescendê ncia, puxando uma tragada do cigarro. Ele estava apoiado na coluna da sala, virado de perfil, de modo que a cicatriz estava oculta pela sombra.

— Pelo contrá rio, meu querido, estou fazendo elogio aos nossos rapazes. Os espanhó is nã o podem ver um rosto bonito e é por isso que tomamos tanto cuidado com nossas filhas. Os jovens sã o muito espertos e perigosos. Artez está rindo de mim mas ele sabe que é verdade. Um espanhol respeita qualquer mulher que se comporta decentemente, mas ai da mulher que lhe dá liberdade...

— Eu nunca dei liberdade aos homens — disse Justine. — Mesmo aqui no sul da Espanha, muitas moç as nã o andam mais acompanhadas de irmã os ou parentes. Esse costume já foi abandonado nos ú ltimos anos.

— Pode ser, mas eu nã o gostaria de saber que você está viajando sozinha num trem à noite, sujeita à s liberdades que alguns homens tomam quando encontram uma jovem desacompanhada. Realmente é uma lá stima que nossos trens andem sempre lotados durante o dia. Seria muito melhor, naturalmente, que você viajasse no trem diurno. Como isso nã o é possí vel, a melhor soluç ã o é Artez acompanhá -la até o aeroporto em Madri. Você estará segura entã o dentro do aviã o e nã o será importunada por ningué m.

— Está bom, tia. Eu vou acompanhar Justine até o aeroporto para fazer sua vontade.

— Muito obrigada, meu filho. Eu sabia que você ia atender o pedido de sua tia — disse a marquesa com um sorriso.

— Agora que esse assunto foi resolvido, posso lhe pedir um cigarro, primo? — disse Cosima com a piteira de marfim na mã o direita. Ela estava com um vestido cor de areia, muito leve e esvoaç ante, que combinava com a piteira comprida de marfim.

— Você está fumando demais, meu bem — disse Artez lhe estendendo o maç o de cigarros.

Ela limitou-se a fitá -lo no fundo dos olhos e apanhou um cigarro com um sorriso de superioridade. Justine interpretou esse gesto de despeito como uma crí tica velada pelo fato de Artez ter se oferecido para acompanhá -la ao aeroporto. O amor nã o era o motivo principal do comportamento dela, o ciú me, que anda de mã os dadas com o amor fí sico intenso. Cosima agia dessa forma somente porque Artez era seu noivo e nã o devia estender a gentileza a outra mulher, muito menos a uma jovem atraente.

Justine ficou profundamente sem jeito diante da atitude de Cosima. Seu ú nico desejo era sumir dali.

— O que é bom para você, querido, é bom para mim també m — disse Cosima batendo a cinza do cigarro no cinzeiro. — Nã o me diga que você é dos tais que faz o que bem entende e que proí be a mulher de imitar seu comportamento. Por falar nisso, a maneira como você trata as mulheres é um misté rio para mim, apesar da gente se conhecer há muitos anos. Será que há algué m na sala que saberia me esclarecer sobre esse assunto?

— Cosima, tenha modos! — exclamou a marquesa com a expressã o aflita. — O que você está dizendo, minha filha?

— Você ouviu perfeitamente, mamã e — respondeu Cosima reclinando-se na almofada com um gesto de rebeldia. — Você tem razã o. Justine é muito bonita para andar sozinha à noite de trem. Sem falar que ela tem um temperamento ardente, apesar de ser inglesa. Nã o foi ela que atirou o copo de vinho na cara de Fernando? E olhe que Fernando é uma beleza de homem, quase tã o bonito quanto Miguel.

— Cosima, como você pode falar nesse homem? Eu pensei que você já tinha esquecido completamente sua existê ncia. Você nã o percebe a inconveniê ncia de falar de Miguel diante de seu primo?

— Miguel é meu marido, madre, você queira ou nã o queira. O divó rcio ainda nã o foi concedido. Até lá vou continuar a chamá -lo de meu marido, tanto mais que cheguei à conclusã o de que Artez nã o gosta de mim. Por que haveria de obrigá -lo a se casar comigo? Já basta o que Manolito fez, madre.

— Que histó ria é essa, filha? O que foi que Manolito fez com seu primo? — perguntou a marquesa atô nita.

Com um movimento sú bito que lhe provocou uma careta de dor, Cosima sentou-se no sofá com o corpo ereto e seu rosto estava perturbado pela terrí vel verdade que ela pretendia revelar.

— Foi Manolito que provocou o incê ndio que desfigurou o rosto de Artez, madre. Foi ele que atirou na cocheira um cigarro aceso. Eu acho que a maldiç ã o que pesava sobre a famí lia terminou com Manolito. Eu nã o vou ressuscitar essa maldiç ã o me casando com Artez. Ele tem a liberdade de casar com a mulher que ama.

O silê ncio que se seguiu foi tã o grande que se podia ouvir a respiraç ã o ofegante da marquesa. Justine só percebeu que estava de pé quando olhou para baixo e viu o assoalho brilhante sob seus pé s. Ela correu para o jardim a fim de fugir do ambiente pesado da sala. Ela devia ter voltado no primeiro instante em que chegou ali, quando soube que aquela era a casa de Manolito, o responsá vel pela morte de seu querido Matt.

O ar da noite bateu em cheio no seu rosto e esvoaç ou os cabelos soltos. De longe vinha o perfume forte das flores que se abriam à noite. Ela só percebeu que Artez estava correndo atrá s dela quando ouviu seus passos nas pedrinhas miú das do caminho. No instante seguinte, ele a segurou pelos ombros e virou-a na sua direç ã o, estreitando-a nos seus braç os com paixã o.

— Por que você nã o me deixa ir embora? — exclamou Justine com a respiraç ã o ofegante. — Eu estou sobrando aqui.

Ele limitou-se a estreitá -la ainda mais até ela afundar o rosto no seu peito. O silê ncio era completo em volta deles, interrompido apenas pelo pio de algumas aves noturnas que voavam baixo sob o cé u profusamente estrelado.

— Deixe-me partir, Artez, enquanto as coisas podem ser endireitadas entre Cosima e você — insistiu Justine, afastando a cabeç a do seu peito. — Ah, por que ela foi dizer tudo isso, na frente de sua mã e? Eu pressenti essa tempestade a semana inteira...

— E agora ela desabou sobre nó s, niñ ita — disse Artez encarando-a nos olhos. — Temos que agü entar as conseqü ê ncias. Nã o podemos fingir que nã o há nada entre nó s dois.

— Ah, nosso amor é maldito, desde o iní cio! Parece que Manolito está zombando de nó s no inferno. Eu tenho que partir... eu vou partir hoje mesmo... Você nã o pode me impedir!

— Mas eu posso acompanhá -la! Você está lembrada do que me disse um dia?

— Que você nunca poria uma mulher na frente dessas terras, desse pomar, desse vale...

— Pois eu vou mostrar a você que sim e nada vai me impedir de concretizar meu plano.

— Você nã o pode sair daqui, Artez! Sua vida está aqui, ela pertence a este lugar. Você deu muito de si mesmo a esta fazenda para abandoná -la de repente. Eu nã o posso exigir isso de você, nem quero. Seria desumano.

— Pois eu estou disposto a lhe dar tudo, sem você pedir. Meu amor nã o é bastante? Você quer minha vida?

— Tudo que tem valor para você está aqui — disse Justine com os olhos ú midos. — Você pertence a esta terra e eu nã o posso viver aqui com você. Se eu nã o tivesse aparecido, você e Cosima teriam encontrado uma soluç ã o juntos, e sua tia estaria feliz agora.

— Seria uma felicidade falsa e minha tia vai concordar que eu me case com a mulher que eu amo. — Ele segurou o rosto dela entre as mã os e fitou-a no fundo dos olhos. — Eu nã o estou me sacrificando ao agir dessa forma. Nã o é o inferno que eu escolhi, niñ ita; é o cé u, e nó s vamos entrar nele juntos, de mã os dadas. Venha, querida, venha comigo!

 

Juntos finalmente, apó s deixar tudo para trá s, as lá grimas, os beijos no rosto tristonho da tia querida, o sol radiante da Espanha, as recordaç õ es maravilhosas dos dias passados na fazenda, os dois viajaram pela noite adentro com destino ao paraí so que desejavam alcanç ar.

Nas primeiras horas da manhã conversaram sobre o futuro no vagã o confortá vel do trem. Justine estava aninhada nos braç os de Artez e ouvia seus planos com os olhos entreabertos, saboreando sua felicidade. Quando a madrugada nasceu finalmente no horizonte, com suas cores deslumbrantes, Justine olhou para a janela e comentou em voz baixa, sem afastar a cabeç a do seu peito:

— Esse fogo e essa beleza, esse sol que já nasce quente, essas coisas sã o a Espanha.

— Essas coisas sã o o amor, meu amor.

Ele abraç ou-a com ternura e, ao levantar a cabeç a, ela avistou o sol nascente nos olhos dele.

 

FIM

 



  

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