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CAPÍTULO III



 

Passaram-se muitas horas até que Paula acordou. Estava só em seu quarto, agora totalmente escuro. Continuou imó vel, sob os lenç ó is de seda, e pouco a pouco voltou-lhe à mente o que acontecera. A quietude do quarto tornou-se entã o um tormento. Começ ou a chorar, e voltou-se escondendo o rosto no travesseiro, ainda impregnado com o cheiro do charuto de Dom Diablo. Teve um sobressalto como se fosse atingida por uma chicotada. O aroma masculino trazia-lhe lembranç as violentas. Sentiu uma onda de calor envolvendo-a dos pé s a cabeç a, transformando-se depois em arrepios de frio. Estava angustiada, doí am-lhe o corpo e a alma...

Nã o conseguira evitá -lo. Suplicara, se humilhara, fincara-lhe as unhas na pele, mas mesmo assim ele a possuí ra. Fizera da virgem inexperiente, sempre protegida por Marcus, uma mulher! Ali deitada, imó vel, sentia ainda na ponta dos dedos, a pele morna de seu dorso má sculo... Um corpo belo, sem dú vida alguma, terrivelmente belo!

Tinha até medo de pensar... Fechou os olhos e desejou morrer. Se houvesse uma faca à mã o poderia tê -la cravado em Dom Diablo. Só assim conseguiria sair daquele lugar, longe de tudo o que amara, sem uma só pessoa a quem pudesse pedir auxí lio em seu desespero. Oh, Deus, como se sentia impotente e covarde! Sentou-se na cama e abraç ou os joelhos. Casara-se com ele sabendo desde o princí pio que ele pretendia ser um marido e nã o um tutor. Na igreja ouvira-o falar em dedicaç ã o e obediê ncia... Paula começ ou a tremer novamente e cerrou os dentes como um animalzinho selvagem.

— Eu o detesto, Dom Diablo! — Suas palavras ecoavam na escuridã o. — Detesto seus olhos negros e sobretudo seu coraç ã o negro!

E como com a escuridã o do quarto, tomavam-se ainda mais vivas e desagradá veis as lembranç as daquela tarde, virou-se para a mesa de cabeceira e acendeu o abajur. Olhou para o travesseiro ao lado, onde ainda se via a marca da cabeç a de Dom Diablo. Era insuportá vel pensar que ele estivera ali, que a possuí ra!

Tentou pensar em outra coisa. Deixou que seu olhar vagasse pelo quarto e começ ou a descarregar seu ó dio contra a decoraç ã o. Encontrou mil defeitos, embora fosse do maior bom gosto. Até uma certa altura, as paredes eram revestidas de lambris. O resto da parede, pintada em amarelo-ouro, realç ava a madeira escura e finamente trabalhada dos armá rios e da penteadeira. O tecido das cortinas era alegre e florido com os mesmos tons de amarel0-0uro e marrom, e a parede que fazia fundo para a cama era revestida com o mesmo tecido das cortinas. O luxuoso tapete de vicunha era espesso e aconchegante. Na penteadeira havia um jogo completo de frascos de cristal muito elegante, uma pequena caixa de ouro com a tampa finamente trabalhada e um jogo de escovas e pente, de marfim. Um quarto muito feminino, sutilmente decorado para excitar o homem que ali entrasse. Era evidente que ao sair de seu quarto, muito só brio, Dom Diablo se sentisse estimulado por esse ambiente tã o í ntimo, essa gaiola dourada, essa delicada prisã o...

O perfume dele ainda persistia no lenç ol de seda que a envolvia. No tapete estavam ainda a camisa rasgada de Dom Diablo, suas calç as viradas do avesso, a calcinha e o sutiã de Paula... Estava confusa. Queria se levantar, se vestir, mas se sentia indolente, um pouco atordoada, ainda em estado de choque, sem coragem de ver outras pessoas. Só de pensar que teria que enfrentar Dom Diablo novamente, já era o bastante para entrar em pâ nico. Nã o! Morreria se tivesse ver outra vez aquele selvagem, aquele demô nio! Ele murmurara seu ouvido, segurando seu cabelo:

— Agora sou seu marido, querida! Agora você é minha mulher!

Sentia-se trê mula, tentando fugir dessa realidade que era obrigada a aceitar, quando a porta do quarto se abriu subitamente. Paula assustou-se, mas logo se acalmou ao ver que era a velha Carmenteira. O olhar da velha ia de Paula encolhida na cama desarrumada, para as roupas jogadas no chã o. Logo depois perguntou:

— Entã o a patroazinha orgulhosa aprendeu a sua primeira liç ã o? — Estendeu-lhe em seguida, um copo e disse: — Suco de maracujá, senhora, doce e gelado como os homens querem que as mulheres sejam, à s vezes...

Paula tomou o suco, pois estava com uma sede terrí vel. Nã o pretendia, poré m, aturar a insolê ncia daquela velha só porque ela vivia na casa há tantos anos. Carmenteira era temida e considerada por todos com uma espé cie de bruxa.

— Obrigada por ter me trazido o suco — disse Paula friamente. — Nã o quero mais nada, pode ir, agora.

— Vim para ajudá -la, senhora. Queria me certificar de que está bem, depois irei embora.

— Carmenteira abaixou-se entã o para as roupas jogadas no chã o. — Uma mulher de verdade nã o deveria usar calç as compridas, principalmente quando está com seu homem. É muito pouco feminino. A senhora nã o percebe que Dom Diablo é o homem? A mulher ou é bem mulher ou entã o nã o lhe interessa — observou a velha. Seu olhar era penetrante e um pouco caç oí sta, olhar de quem vira muitas coisas ao longo da vida. Acercou-se da cama e com a mã o enrugada tocou o braç o de Paula, onde se via uma mancha roxa. Carmenteira tocou nela com todo o cuidado.

— Eu me pergunto ainda, por que ele escolheu uma mulher tã o jovem e branquinha como você, mas agora começ o a compreender...

— Talvez tenha sido só para me magoar e atormentar, pois estou certa de que nã o me ama — respondeu Paula.

— Amor? — Carmenteira sorriu com desdé m. — O que é amor?

A gente pode amar um gato, uma planta, um livro! Entre um homem e uma mulher deve haver mais do que amor, deve haver paixã o, luta... O vencedor é aquele que perde. A senhora sem dú vida era virgem, senã o ele nã o se casaria... O suco de maracujá lhe fez bem nã o é? Refresca e acalma. Depois do amor uma mulher necessita de trê s coisas: um suco gelado, um bom chuveiro e qualquer coisa para esconder sua nudez. Nã o é verdade, senhora? Nã o sou tã o velha assim a ponto de ter esquecido as chamas e os arroubos da juventude.

— Nã o tenho a menor vontade de falar sobre isso — disse Paula meio envergonhada. Se a velha empregada sabia o que se passara neste quarto, o resto do pessoal també m devia saber! Ficou irritadí ssima e deu vazã o à sua irritaç ã o.

— O que está esperando Carmenteira? — perguntou Paula. Será que todos os que vivem sob o domí nio de Dom Diablo esperam que eu pendure os lenç ó is na entrada da fazenda, para se certificarem que ele escolheu uma noiva virgem?

Ao ouvir esta explosã o de ira, Carmenteira olhou para Paula quase com simpatia.

— Os ingleses preferem nã o falar dessas coisas, nã o é? Envergonha-se de uma velha como eu, como se eu estivesse invadindo a intimidade de seu quarto, nã o é? Fique tranqü ila, senhora, nã o se enerve tanto! Foi Dom Diablo quem me mandou aqui. Talvez a senhora nã o saiba que fui a criada pessoal de sua velha mã e. Cuidei dela até o dia de sua morte e agora tomarei conta da senhora.

— Nunca! Posso perfeitamente cuidar de mim mesma sem precisar de sua ajuda — Paula puxou os lenç ó is, cobrindo totalmente o corpo. — Vá e diga a Dom Diablo que nã o o quero aqui, nem ele nem ningué m desta casa amaldiç oada por Deus. Diga-lhe que o odeio e tudo o que ele representa: orgulho, arrogâ ncia e crueldade. Desejaria vê -lo morto embaixo da terra!

Desta vez Carmenteira afastou-se bruscamente da cama e se benzeu. Olhava horrorizada para Paula.

— Uma esposa nã o deve dizer essas coisas do marido! – Suas palavras e o tom de sua voz nã o escondiam sua reprovaç ã o. – O demô nio pode ouvi-la e entã o...

— Pelo que me consta Dom Diablo é a personificaç ã o do demô nio! Agora saia daqui e me deixe sozinha! Pelo amor de Deus, volte para suas bruxarias e talvez você faç a algum feitiç o para que eu possa escapar das garras deste homem, por bem ou por mal...

— Nã o deve falar assim, senhora! — A velha parecia escandalizada. — Há dezenas de mulheres em todo o Mé xico que, nã o só gostariam, mas se orgulhariam muito de ser casadas com Dom Diablo. Ele é dono de propriedades imensas, é poderoso, tem todas as qualidades de um homem, para poder proporcionar prazer a vá rias mulheres ao mesmo tempo, quanto mais a uma só! Deveria se sentir lisonjeada e honrada...

— Lisonjeada? — Paula riu com ironia. — Sinto-me insultada e degradada, isso sim. Ele nem ao menos finge ter um pouco de afeiç ã o por mim. Vê em mim só a fê mea, pois a parte animal é dominante nele. É disso que as mulheres mexicanas sentem orgulho? Serem meros objetos para a satisfaç ã o dos instintos do seu senhor? — Paula falava quase com exasperaç ã o. — Oh! Deus, nã o podia pensar nisso, ficava desesperada só de mencionar a palavra senhor! Nã o havia nada pior do que ser usada sem ser amada! — Paulo afastou-se da velha Carmenteira, escondendo o rosto sob os cabelos longos, pois Marcus gostava deles assim.

Marcus! Oh! Se Marcus fosse vivo, se ele pudesse ajudá -la agora! Ficara tã o orgulhoso por ter-lhe arranjado um marido rico! Como ele pudera ter se deixado cegar pela fortuna de Dom Diablo a ponto de nã o perceber que tipo de homem era ele? Arrogante, egoí sta, preocupado somente em satisfazer os caprichos de sua imaginaç ã o depravada... Mas nã o conseguia apagar a lembranç a daquele corpo moreno e quente, dos braç os fortes e envolventes que a impediam de escapar... dos lá bios sensuais esmagando sua boca e transformando seus gritos em gemidos...

— Vá embora! — repetiu ela. — Deixe-me sozinha!

— Nã o fará loucuras, senhora?

— Loucuras? — Paula sorriu. — Será que eu poderia fazer uma loucura maior do que ter me casado com Dom Diablo?

— Há uma sacada lá fora, perto do desfiladeiro, e as mulheres desta casa já fizeram loucuras antes. Saiba, poré m, que as lajotas do pá tio sã o mais duras que uma cama conjugal mesmo sem amor. Seria uma pena estragar seu corpo tã o alvo e tã o belo, pois até agora Dom Diablo só lhe deixou pequenas marcas.

— Nã o se preocupe — respondeu. — Eu o verei morto antes de fazer qualquer loucura!

— Bem... eu vou indo — disse Carmenteira, como se tivesse desistido de convencer esta mulher que nã o pertencia a seu povo. — A senhora gostaria que eu lhe mandasse uma das empregadas para ajudá -la no banho e preparar o vestido da noite?

— Estou bem assim, nã o preciso de ningué m — Paula estremece ao pensar na noite que tinha pela frente. — Estou habituada a cuidar de minhas coisas e nã o pretendo ser ajudada como se fosse uma menininha indefesa. Diga ao seu senhor que eu prefiro ficar aqui no meu quarto...

— Pois nã o, senhora. Eu lhe transmitirei este recado, mas nã o o outro que deseja vê -lo morto... Acho que nã o seria muito delicado...

— Por acaso ele merece qualquer delicadeza? — replicou. – Acho que nã o!

Apó s alguns instantes ouviu a porta fechar. Carmenteira se fora. Paula deu um suspiro de alí vio. Que bom estar sozinha outra vez! Enrolou os lenç ó is ao redor de seu corpo nu, dirigindo-se ao banheiro, onde degraus de má rmore verde-claro levavam a uma banheira retangular, uma espé cie de pequena piscina. As torneiras eram de prata de lei! Paula desceu os degraus, deixando o lenç ol cair a seus pé s. Ao pô r o pé na á gua morna, viu sua imagem refletida no espelho que revestia toda a parede. A imagem parecia um pouco nublada pois o vapor da á gua embaç ara o espelho. Parecia-lhe estranho que sua aparê ncia nã o houvesse mudado; a nã o ser as manchas e o cabelo loiro desarrumado, continuava a mesma Paula. Ao passar lentamente as mã os sobre seus quadris teve um sobressalto, lembrando-se de repente que agora poderia ter um filho... um filho de Dom Diablo, filho de Satã... filho do ó dio em vez do amor...

Paula entrou rapidamente no banho. Pegou um frasco cheio de lí quido oleoso e perfumado e despejou um pouco na á gua. Imediatamente se formou uma espuma branca e leve da qual se desprendiam inú meras bolhas. Alcanç ou uma esponja e começ ou a se esfregar vigorosamente, como se quisesse se livrar do perfume de Dom Diablo... Se ao menos pudesse apagar as marcas, o estigma da sua posse... Se pudesse sair do banho a mesma jovem inocente e virgem como quando ali chegara... Mas nã o, nunca mais seria a mesma! Os bons tempos ficaram para trá s. Nunca mais ouviria a conversa dos homens que jogavam cartas na biblioteca de Stonehill, suas risadas, seus olhares de admiraç ã o, sempre poré m, sob a vigilâ ncia e a proteç ã o de Marcus. Parecia uma ironia o fato de ela ter sido tã o protegida por Marcus contra homens relativamente inofensivos, sendo depois entregue por ele a um tipo como Dom Diablo. Era imperdoá vel!

Quando terminou o banho, encontrou um roupã o atrá s da porta e vestiu-o. Era comprido demais para ela. Percebeu logo que era um roupã o de homem e o teria tirado imediatamente se tivesse outra coisa à mã o. Com os lá bios cerrados, olhou-se no espelho e enrolou as mangas, um pouco compridas. Afinal, seu roupã o era menos í ntimo do que o toque de sua pele! Ao pensar nisso, sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo; sentiu-se enrubescer e suas pernas tremiam quando se dirigiu ao quarto.

Quanto tempo levaria para esquecer tudo o que acontecera? Quando seus olhos deram com a desordem do quarto, a cama desarrumada, percebeu que jamais poderia esquecer! Dom Diablo pareceu hipnotizá -la com aquele olhar forte e firme. Foi entã o que ele a possuiu vá rias vezes para satisfazer sua arrogâ ncia e seu orgulho. Como poria esquecer aquele corpo flexí vel e lâ nguido, ao mesmo tempo? Parecia um felino se estirando a seu lado, prendendo-lhe a mã o ao redor de seu pescoç o musculoso, fazendo sentir intensamente o contanto com sua pele. Uma pele dourada e quente.

Paula cobriu os olhos com as mã os, mas a lembranç a desses momentos nã o se desvanecia. Foi entã o até o armá rio, olhando sem o menor interesse para as roupas penduradas. Antes de saí rem da Inglaterra, no dia anterior à cerimô nia do casamento, Dom Diablo a levara a uma grande loja em Londres e lhe comprara um belí ssimo e completo enxoval: lingerie, vestidos, sapatos e acessó rios. Ali estava tudo, impecavelmente arrumado nos armá rios forrados de cedro perfumado, mas Paula nã o sentia o menor entusiasmo, nenhuma vontade de usar o que o marido comprara para ela.

Nã o precisava se vestir, já que decidira ficar no quarto. Comeria o que a arrumadeira lhe levasse na bandeja. Apanhou do cabide um dos vestidinhos simples que trouxera de Stonehill. Vestiu-o, e estava para puxar o zí per, quando algué m abriu a porta do quarto sem a menor cerimô nia. Ao ouvir o barulho, pensou que fosse Carmenteira ou uma outra empregada mandada por ela.

— Pode me ajudar aqui com o zí per, por favor? — pediu Paula sem se voltar. Mas a mã o que puxou o zí per nã o era feminina. A voz chegou até ela como uma chicotada!

— Para a nossa primeira noite juntos aqui na fazenda vai usar algo mais elegante, minha querida. Um daqueles vestidos que eu lhe dei e que nã o lhe traga recordaç õ es de outros homens!

Paula ficou imó vel, as mã os dele pousadas em seus ombros, mã o que nã o a pouparam quando ela lhe suplicara... Pensar que tiver que implorar, esquecer seu contato impassí vel como uma está tua!

— Eu gostaria de ficar aqui no quarto — disse ela. — Pedi a Carmenteira que lhe avisasse.

— Sim, ela me avisou. Mas você se esqueceu de que estou habituado a ser obedecido?

— Segurou Paula pelos ombros, fazendo com que o fitasse nos olhos. Apesar de sentir todos os nervos de seu corpo se contraí rem, ela o enfrentou, mantendo o olhar altivo e cheio de dignidade. Percebera que ele gostava de lutar por ela e nã o faria nada voluntariamente para agradá -lo.

Olhou para ele, sentindo-se muito corajosa por enfrentar aqueles olhos negros que a conheciam melhor do que qualquer outro homem. Deu-se conta outra vez da intensidade daquele olhar que fizera com que sucumbisse a uma paixã o que lhe parecera quase diabó lica. Ficou mais tensa ao notar a elegâ ncia de seu jaquetã o branco, vislumbrando na camisa branca rendada, o brilho dos botõ es de jade que combinavam com as abotoaduras. Parecia vestido para uma festa de casamento, e Paula concluiu que para ele talvez houvesse realmente algo a celebrar.

— Nã o estou com a menor vontade de participar de um janta festivo só para nó s dois. Prefiro jantar sozinha.

— Está se comportando como uma gatinha mimada. Pensei que tivesse corrigido essa sua tendê ncia a infantilidade e feito de você uma mulher. — Segurou seu queixo, obrigando-a a levantar a cabeç a até que ela olhasse para seu rosto moreno. Toda a sensualidade desaparecera dos lá bios de Dom Diablo. Ele agora parecia mais austero e distinto. Seus olhos se detiveram no rosto de Paula, inquisitivos, observando seus traç os finos e bem delineados, a pele macia, os lá bios naturalmente vermelhos, sem precisar batom para embelezá -los, pois ainda estavam sob o efeito de seus beijos sensuais. Os lá bios rosados de Paula faziam um belí ssimo contraste com a palidez de sua tez.

— Está se sentindo bem? — perguntou ele. — Procure entender, Paula, que eu nã o me casei com a intenç ã o de ser somente seu tutor.

— Sei muito bem porque se casou comigo — replicou ela. — Nunca me iludi pensando que pretendia ser bom, mesmo antes... de me possuir! Pelo menos agora se certificou de que Marcus cuidou bem de mim...

— Concordo, querida — passou os dedos longos pelo contorno de seu rosto que continuava impassí vel e frio. — Será que é tã o crianç a a ponto de nã o compreender o que é que faz com que os homens ajam dessa forma?

— Compreendo bem por que se comporta dessa forma. Ningué m nunca se opô s à sua arrogâ ncia e ao seu egoí smo, senhor! – Frisou a palavra senhor, como se se dirigisse a um estranho. — Seria pois um milagre pensar que uma jovem de vinte anos, como eu, pudesse enfrentá -lo. Pelo menos desta vez encontrou uma mulher que nã o quis seu amor, que nã o teve prazer em ir para a cama com você. Deve ter sido uma experiê ncia diferente, pois, pelo que me contou Carmenteira, as mulheres daqui consideram uma honra partilhar o leito de Dom Diablo!

— Mas, afinal, o que eu significo para você? — perguntou.

— Você é apenas meu dono, meu domador que usa sua superioridade fí sica para provar sua superioridade de macho. Se precisa usar forç a fí sica, Dom Diablo, é porque nã o confia em seu pró prio charme! Será que seu instinto lhe diz que só conseguirá me possuir pela forç a?

— É melhor que se modere, Paula — disse ele, tentando nã o ser rude. — Sabia que quando fica zangada, torna-se ainda mais encantadora? Na verdade, pouco me importa o que você pensa de mim. — E com estas palavras, segurou a gola do vestido de Paula, despindo-a em seguida, quase com violê ncia. Primeiro ele rasgou a blusa azul e agora o vestido cor de mel que ela gostava tanto!

— É um selvagem, um bruto! — gritou ela com ó dio, esquecendo-se de que resolvera manter-se fria. Tentou dar-lhe uma bofetada no rosto mas os dedos firmes de Dom Diablo quase quebraram o pulso frá gil de Paula. Estava agora totalmente despida. Sentia-se ridí cula e indefesa!

— Se quer uma briga, Paula, entã o vamos brigar — disse ele, os olhos brilhando e segurando-a firmemente enquanto aproximava seu rosto do dela. — Sabe como vai acabar, nã o sabe? Será que é isso o que quer, estar de novo em meus braç os, completamente à minha mercê?

— Prefiro morrer! Eu o odeio, você sabe disso! Viver com você é como viver com o pró prio Sataná s!

— Pelo menos a vida nunca será monó tona para você, nã o é mesmo, minha garotinha mimada? — Conduziu-a entã o ao armá rio onde começ ou a procurar um vestido longo. Finalmente escolheu um de rendas verde-esmeralda e estendeu-o a Paula.

— Quero que vista isto e nã o admito discussã o. Será que precisa de ajuda ou prefere vesti-lo sozinha?

— Que pena que o vestido nã o seja de renda branca, parecerí amos dois pombinhos comemorando seu feliz enlace...

— Nã o seja sarcá stica, querida, nã o combina com você. – Apoio-se no batente da porta do quarto e ficou observando-a enquanto se vestia. O vestido de renda moldava-lhe maravilhosamente o corpo. Dom Diablo seguia todos os seus movimentos com os olhos. Paula sentiu-se enrubescer. Sabia exatamente o que ele estava pensando naquele momento. Pensava nos momentos em que a tivera nos braç os nas sensaç õ es que sentira. Notou entã o que se acentuara a sensualidade de seus lá bios e percebeu que ele ansiava por acariciar novamente com os lá bios sua pele alva e macia. Ficou mais uma vez vermelha e també m amedrontada.

— Na verdade eu nã o aprecio muito o verde, nã o é uma cor que me favorece — disse ela.

— Pelo contrá rio! — respondeu Dom Diablo, a mã o enfiada no bolso do paletó muito branco que contrastava com as calç as pretas, impecá veis, — O verde é a cor das louras! Acho até que dá realce ao seu cabelo loiro e aos olhos dourados, Quer que a ajude com os colchetes?

— Nã o precisa, obrigada, eu me arranjo sozinha, — Suas mã os tremiam enquanto prendia os colchetes do vestido, muito justo na cintura e acentuando seus quadris. Na verdade era um belo vestido, mas ela nã o queria ficar bonita! Nã o queria usar nada que houvesse sido comprado por ele! Paula foi entã o até a penteadeira e pegando a escova começ ou a passá -la vigorosamente pelos cabelos sedosos. Podia ver a figura de Dom Diablo refletida no espelho. Ele a observava e, de repente, assaltou-a a certeza de que ele era seu dono, assim como era dono daquela casa, daqueles mó veis, de todos os objetos de cristal e prata que estavam em cima da penteadeira,

— Abra a caixa de prata e tire o que está dentro — ordenou.

Paula fingiu que nã o ouviu, mas olhou para a caixa com certa curiosidade, A caixa em si era uma obra de arte; devia ser muito antiga e de origem mexicana. Ela se concentrou no penteado, tentando fazer um coque baixo, na nuca. Era o penteado preferido de Marcus. Sentiu uma sú bita tristeza ao se lembrar de Marcus. Terminou de ajeitar o cabelo e olhou de novo no espelho. Ficou satisfeita, pois apesar de muito magoada sua dor nã o se refletia em seu rosto. Sentiu poré m que seus nervos se retesaram quando atravé s do espelho, viu que o marido se aproximava dela. Sua figura alta a intimidava. Ele procurava por seus olhos, mas Paula nã o conseguia desviar os seus do espelho!

— Abra a caixa — repetiu ele. Falava devagar, em tom quase ameaç ador. Paula se sentia perturbada só de ouvi-lo falar. Seus nervos se alteravam, sentia-se como uma mariposa atraí da pela luz... — Nã o está curiosa para saber o que há dentro? Talvez seja uma serpente venenosa para você levar sob o seio, nunca se sabe...

— Você nã o seria tã o generoso — respondeu Paula, — Ainda nã o me torturou o bastante...

— Sua tola! — As mã os dele desceram pelos seus quadris, estreitando-a fortemente contra seu corpo má sculo. Os dois refletidos no espelho pareciam uma só pessoa. Quando as mã os dele começ aram a lhe acariciar os ombros, segurando-a com firmeza, o coraç ã o de Paula começ ou a bater descompassadamente.

— Entã o, foi assim tã o ruim? — perguntou ele. Ela sabia o que ele queria dizer! Seu corpo entã o começ ou de novo a queimar. Queria fugir, se esconder dele...

— O que você acha? Como acha que estou? — Sua voz era quase um murmú rio. — Sabe que estou toda machucada? Carmenteira viu as marcas. Olhou para elas como se fossem condecoraç õ es pelo grande feito de meu marido! Eu nã o estava habituada nem à forç a nem à brutalidade, mas parece que agora terei que me habituar a isto!

— Você me disse que era feita de má rmore e, afinal, o má rmore nã o mancha com tanta facilidade...

— Entã o olhe para isto. — Levantou o braç o e lá estava, logo acima do cotovelo, uma mancha roxa. Apertando o braç o dela, Dom Diablo inclinou a cabeç a, e beijou a mancha. — Basta que algué m a toque para manchá -la, minha querida. Nunca em minha vida conheci uma mulher com uma pele tã o alva e tã o fina como a sua. Veja a minha, faz contraste com a sua...

— A sua é escura como a de um selvagem — retrucou Paula. — Nã o é uma tradiç ã o dos selvagens, o marido tomar a mulher à forç a depois do casamento? Maltratá -la e pisar por cima dela como se fosse um tapete só para provar que é o mestre e senhor?

Ele deu uma risada sonora.

— Você daria um tapete muito frá gil e nã o lembro absolutamente de ter pisado em você!

— Ora, sabe muito bem o que quero dizer, por isso nã o deturpe os fatos. — Estremeceu ao sentir aquelas mã os que a apertavam mais forte, a sensualidade daqueles olhos negros, ardentes como uma fogueira. Havia suficiente forç a em suas mã os para parti-Ia ao meio. Ao se apoiar nele, Paula sentiu o quanto ela era frá gil e o quanto essa fragilidade parecia exacerbar seus impulsos primitivos.

— Afinal, por que hesita tanto em abrir aquela caixa? — perguntou

— Quem sabe você pô s aí dentro alguma bijuteria para me pagar pelos serviç os prestados?

— Minha querida, você parece estar querendo ser beijada ou espancada... Escolha!

— Acho que prefiro a bijuteria — disse ela, pegando a caixa de prata toda trabalhada com exó ticos motivos tropicais. — É asteca? — perguntou.

Dom Diablo concordou com a cabeç a. Ele pró prio parecia uma figura de bronze asteca. Seu rosto continuava impassí vel, quando Paula levantou a tampa. Paula tinha quase certeza que era uma jó ia, poré m nunca imaginara que fosse tã o refinada, tã o original. Era a ré plica perfeita de uma libé lula, inteiramente montada em ouro, diamantes e esmeraldas.

— É bonito, nã o é? — perguntou ele.

Paula teve um sobressalto ao ouvir-lhe a voz, pois estava como que hipnotizada pela jó ia...

— Muito bonito — concordou. — As pedras sã o verdadeiras?

— Acha que eu iria presenteá -la com pedras falsas? — retrucou. — Foi desenhada e executada por um í ndio velho que caç a no desfiladeiro, logo abaixo da fazenda. Quando veio me oferecer o broche, perguntei-lhe como conseguira as pedras. Nã o me disse. Suponho que ele as tenha encontrado em alguma mina ou assassinado algué m para roubá -las. O velho í ndio queria vendê -las a fim de dar um dote à filha que estava para se casar. Como você já observou, eu gosto de coisas que me dã o prazer aos olhos e quando gosto de alguma coisa, quero-a para mim. Este broche irá muito bem com seu vestido de renda verde. Coloque-o à esquerda, ao lado do coraç ã o...

Paula nã o ousou desobedecê -lo, pois percebeu pelo olhar dele que nã o admitiria ser contrariado. Alé m do mais a jó ia era realmente lindí ssima e de muito valor, apesar de ele ter insinuado que o velho í ndio havia usa o meios desonestos para obtê -la.

Sentiu que suas mã os tremiam quando retirou o broche da caixa. Dom Diablo, ao percebê -lo, tomou sem hesitar a jó ia das mã os de Paula e colocou-a ele mesmo acima do seio esquerdo, no lugar que ele indicara. Era como se as batidas de seu coraç ã o pudessem fazer palpitar as asas da libé lula, transmitindo-lhe vida. Paula sentiu o calor dos dedos de Dom Diablo; ele estava muito perto... Lutava para nã o sentir prazer no contato com o corpo dele. Muitas sensaç õ es lhe vinham à mente quando o tocava, quando aspirava o seu perfume...

Ficou muito quieta, embora tensa. Umedeceu entã o os lá bios secos com a lí ngua.

Certamente ele está esperando pelo agradecimento, pensou ela. Dom Diablo, poré m, acariciou-lhe o rosto e disse:

— Uma pequena lembranç a por ser tã o bonita e complacente em meus braç os... Você é tã o perfeita e bonita, querida, como esta jó ia... O palpitar das asas da libé lula quando paira no ar, é tã o fantá stico como o palpitar do meu sangue quando olho para você. Eu a quis desesperadamente, desde o primeiro instante em que a vi em Stonehill, e agora você é minha, nã o é verdade?

— Sou, mas só por enquanto, Dom Diablo! — respondeu Paula.

— Pelo tempo que eu quiser — disse ele retomando o tom arrogante. — E agora vamos descer, quero apresentá -la à s pessoas mais importantes desta propriedade. Você tem muita dignidade e beleza quando nã o está lutando comigo com unhas e dentes.

Paula desceu com ele a escadaria de má rmore, apoiando-se no corrimã o de ferro batido, relembrando o medo que tivera nesta mesma tarde quando ele impetuosamente a carregara nos braç os até o quarto. Segurou forte o corrimã o, para nã o cair. Ao pé da escada, no grande saguã o, havia uma multidã o de mexicanos.

Era uma cena quase feudal, sem nenhuma relaç ã o com o mundo do qual ela viera e no qual vivera até entã o. Em Stonehill havia vá rios empregados, mas aqui havia famí lias inteiras vivendo sob o domí nio de Dom Diablo, patrã o e senhor de todos. O dono de Paula, seu marido demoní aco e dominador!

 

 



  

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