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CAPÍTULO II



 

O lugar era belí ssimo, parecia um sonho... No entanto, para Paula, tudo parecia um pesadelo do qual nã o conseguia desperta. Havia se casado com um homem que mal conhecia e mesmo a cerimô nia na igreja de Santa Ana, perto de Stonehill, lhe parecia agora uma lembranç a vaga. Nã o entendera as palavras do padre ditas em latim. Lembrava-se apenas de um par de alianç as de ouro, uma para ela, outra para Dom Diablo. A ida de carro até o aeroporto fora rá pida. E agora estava ela ali no Mé xico com aquele estranho!

O sol brilhava tanto, como se refletisse milhares de facetas de um enorme diamante. Os muros altos e brancos da casa da fazenda tinham um aspecto quase feé rico. Cobertos por primaveras vermelhas em plena florada, era como se um enorme manto escarlate de toureiro houvesse sido estendido em toda sua extensã o.

Era o lugar ideal para o amor, se ela amasse seu marido. Mas Paula maI o conhecia e para ela a fazenda era como uma prisã o alto de uma montanha rochosa, com um vale verdejante à sua frente.

A fazenda, chamada de Casa Real pelas pessoas que viviam e moravam na propriedade, era tã o vasta que Paula nã o conseguia avaliar o quanto Dom Diablo possuí a em terras, dinheiro e poder. Era como se um senhor feudal tivesse chegado de repente, arrebatando-a de seu ambiente e levando-a para aquela terra estranha. Marcus certamente se deixara influenciar por tanta riqueza e tanto poder; neste caso, deixara que sua alma de jogador avaliasse o candidato e Paula, levada pela emoç ã o do momento, se deixara arrastar, consentindo no casamento. Fora impelida mais pelo medo de ficar sozinho do que por qualquer sentimento de afeto. Ele chegara num momento em que ela, totalmente desprotegida reagira apenas guiada por seu instinto de autopreservaç ã o.

— Por que a chamam de Casa Real? — perguntou com uma certa ironia, enfrentando o olhar duro de Dom Diablo.

— Entre os meus ancestrais há uma sacerdotisa asteca — disse ele, esboç ando um sorriso. Seus lá bios pareciam esculpidos, como aliá s todo o seu rosto. — A casa da fazenda está construí da no local do templo dessa sacerdotisa. Lá embaixo, no desfiladeiro, centenas de pessoas foram trucidadas pelos espanhó is — acrescentou ele, apontando com o dedo. — Um nobre espanhol obrigou a sacerdotisa a se casar com ele. Um ano apó s o casamento ela levou seu filho recé m-nascido à beira do abismo e estava prestes a se atirar lá de cima com a crianç a, poré m, no ú ltimo instante, mudou de idé ia e em vez de se matar com o filho, deixou-o entre as samambaias, onde foi depois encontrado pelo pai. Suicidou-se porque nã o queria um filho com sangue espanhol. Essas sã o as raí zes da minha famí lia. Agora você sabe tudo, minha querida.

Um arrepio percorria o corpo de Paula cada vez que ele a chamava assim. Na Inglaterra, ele parecia mais formal tanto na forma de se vestir como no trato com as pessoas. Mas no Mé xico, Paula descobrira uma nova faceta na personalidade de Dom Diablo. Vestia calç as justas, tí picas do paí s, a camisa branca rendada e o chapé u preto de abas largas. Parecia que ele tinha vá rias personalidades que se alternavam segundo as ocasiõ es e conveniê ncias.

Em silê ncio, pensava nele como Dom Diablo, e sobressaltou-se externando um certo medo, quando ele se aproximou dela e se encostou na balaustrada do terraç o que se debruç ava sobre o desfiladeiro, onde o verde das plantas contrastava com o vermelho vivo da terra. Paula estava fascinada, principalmente agora que conhecia a tragé dia que ali ocorrera. .

— A comida está na mesa, minha querida, e ficará fria e nã o será tã o boa, se nã o formos logo. A melhor cozinheira dessa regiã o ficaria muito desgostosa comigo.

— E você se incomodaria se um de seus empregados se aborrecesse? — Paula afastou-se da balaustrada. — Parece-me que nada neste mundo seria capaz de abalar seus sentimentos.

— Você acha que sou frio e duro como aç o? — perguntou ele. — Será que é por isso que tem medo de se aproximar de mim? Tem medo que seu corpo delicado se quebre ou se machuque contra o meu?

Com um lampejo no olhar, ele observava Paula, medindo-a da cabeç a aos pé s. — Na Inglaterra, achei você belí ssima, mas aqui no meu paí s me parece ainda mais encantadora. Seu tipo é tã o diferente de nossas mulheres, o cabelo loiro tal como o ouro que os crué is colonizadores obrigavam os í ndios a retirarem das profundezas da terra...

— Você parece se esquecer que també m tem o sangue dos colonizadores nas veias!

— Concordo e provavelmente este sangue correrá mais forte se continuar a me tratar assim, como se eu fosse um estranho em vez de seu marido. Agora, minha esposa, vamos nos sentar e comer. A comida é tipicamente mexicana, como minha casa e minha alma!

A claridade era intensa e o calor escaldante. Apenas embaixo da enorme mangueira estava mais fresco. A mesa circular de bambu, havia sido posta à sombra da á rvore e estava coberta com uma toalha rendada. As cadeiras també m eram de bambu. Ao centro da mesa via-se um arranjo exó tico de orquí deas e garrafas de vinho dentro de uma cesta redonda.

— Sente-se — disse ele, puxando-lhe a cadeira. Ao se sentar, Paula esbarrou em Dom Diablo, e sentiu-se um pouco perturbada. Ele parecia realmente dominá -la, muito alto e má sculo, a camisa branca contrastando com a pele queimada de seu corpo. Marcus era moreno, mas nã o tanto quanto ele. Era alto, mas Dom Diablo era tã o mais que Paula se sentia minú scula ao seu lado. Marcus fora severo, mas seu marido era muito diferente; uma sensaç ã o fortí ssima de poder, tanto fí sico como mental, emanava dele.

Desde o casamento tinham estado viajando e somente agora ocorrera a Paula que estava " em casa" e que apenas hoje começ ava realmente a vida deles em comum.

— Estou quase certo de que gostará da comida, uma vez que aceite e se habitue aos temperos picantes dos pratos mexicanos.

Paula lanç ou-lhe um olhar desconfiado. Empregados í ndios, com paletó s brancos, aproximavam-se da mesa, um deles, servindo o vinho e o outro a comida. Podia sentir o olhar de Dom Diablo que a observava o tempo todo. De repente, Paula, sentiu-se invadida por uma onda de emoç ã o... Para obedecer Marcus mesmo apó s a sua morte, se casara com o homem que seu tutor escolhera para ela... Mergulhada na sua má goa sem esperanç as fora levada ao altar, que agora lhe parecia o sí mbolo do sacrifí cio.

— Vamos brindar juntos — disse Dom Diablo, levantando o copo de vinho. — Vamos, brinde comigo, minha querida, pois na verdade este é o nosso almoç o de casamento.

— Cometi um erro terrí vel casando-me com você. Eu estava fora de mim por causa da morte de Marcus e agora...

— Agora é muito tarde para arrependimentos — interrompeu-a. Agora você é minha, assim como sou seu.

— Mas só no papel — disse Paula, inclinando-se para a frente. Havia uma sú plica silenciosa em seu olhar. — Um casamento como o nosso pode ser anulado, pois nã o estamos... nã o estamos realmente unidos...

— Mas estaremos muito breve. Quero que levante seu copo para que possamos brindar juntos, minha querida, pois nã o tenho a menor intenç ã o de deixá -la ir embora. Casamos na igreja cató lica e em cada uma de suas mã os está um anel dado por mim, alianç a de ouro e os rubis Ezreldo Ruy.

— Está me ameaç ando? — perguntou, chocada.

— Eu seria obrigado a castigá -la se tentasse fugir de mim, alé m do que nã o iria muito longe. Essa propriedade é imensa e nesta terra só vive gente minha. Nã o estamos mais na Inglaterra; aqui sou eu quem administra tudo e se consigo cuidar de coisas que estã o a quilô metros daqui, imagine como tomarei bem conta do que está tã o perto... — Olhou-a com firmeza e severidade.

— Você é muito rude! — Paula nunca afirmara uma coisa com tanta convicç ã o.

Baixou entã o os olhos e apanhou o cá lice de vinho. Seus instinto de mulher lhe diziam que devia primeiro descobrir os pontos fracos daquele homem a fim de lutar melhor contra ele.

— A quem vamos brindar? — perguntou, tentando disfarç ar sua amargura. — Quer uma confirmaç ã o da promessa que sempre o honrarei e obedecerei?

— Tenho certeza, Paula, que me honrará e obedecerá.

— Espero entã o que nã o esteja pensando em me pedir que faç a promessas de amor.

— Endireitou o pescoç o, levantou a cabeç a e olhou-o diretamente nos olhos e acrescentou:

— Talvez obtenha alguma coisa de mim, mas amor nunca, Don Diablo!

— Palavras corajosas, querida! — exclamou, sarcá stico. — Tomara que possa ser sempre assim, orgulhosa e destemida. Jamais pensei em ter a meu lado uma mulher submissa. A você, minha esposa, a quem quero tanto — brindou ele.

O coraç ã o de Paula deu um salto. " A quem quero", dissera ele. Ela preferiria que ele tivesse dito " a quem amo", pelo menos teria sido mais româ ntico...

— A sua saú de, meu esposo! — Ergueu o copo, numa atitude de desafio e acrescentou:

 -Antes morrer do que amá -lo!

— Obrigado! — Sua expressã o nã o se alterou, apesar de suas palavras insultuosas. Dom Diablo pousou entã o o copo na mesa e começ ou a comer. — Está ó timo, querida. Deve se esforç ar para comer para que a cor volte ao seu rosto. Quando suas faces estã o rosadas, você é a garota mais linda do mundo!

— Eu preferiria mil vezes ser feia — replicou ela. — Assim você nã o iria me querer e nem se aproximaria de mim. Percebe-se logo, observando como vive, que gosta de estar cercado por coisas que lhe agradam a vista.

— Mas me diga entã o uma coisa, minha querida, você acha que Marcus a teria querido se fosse feia em vez de se parecer com a mulher que ele adorava? Marcus viu em você a ré plica de sua mã e. Se fosse diferente, ele com certeza a teria posto num orfanato.

— O que está dizendo é uma crueldade e uma injustiç a! — protestou Paula, olhando com ó dio para ele. — Marcus tinha coraç ã o, nã o era um demô nio como você.

— Você sabia que no inferno nã o havia uma fú ria que se igualasse à da noiva de Satã?

— perguntou sorrindo. — A comida está maravilhosa, como aliá s tudo nessa propriedade. Mais tarde vou levá -la para conhecer a fazenda. Vai entã o ter que admitir que, mesmo nã o gostando de mim, a fazenda é bonita. E nã o venha me dizer que nã o gosta de coisas que lhe agradem a vista, querida!

— Espero gostar do lugar — respondeu Paula, comendo com muito apetite o rosbife com batatas e creme de milho. A carne estava macia e o molho picante dava-lhe um sabor muito especial. Alimentava-se bem, nã o podia negar, e aos poucos estava se ambientando. Mas só quando se sentisse em plena forma fí sica teria forç as para lutar contra este homem.

Paula notou entã o pela primeira vez o pá tio da casa em estilo mourisco, em cujo centro havia uma fonte antiga de má rmore verde, de uma perfeiç ã o clá ssica!

Era inegá vel que havia beleza por toda parte, mas quando olhava para Dom Diablo, via um inimigo em vez de um companheiro querido como fora Marcus. Os mú sculos de seu pescoç o se contraí ram, os olhos começ aram a arder e teve medo de começ ar a chorar novamente. Cerrou fortemente as pá lpebras e tomou um gole de vinho.

— O sol a incomoda? — perguntou ele. — A claridade vai castigar seus olhos por algum tempo, pois com certeza nunca viu um sol tã o forte assim, nã o é? Quando sair ao sol, Paula, leve sempre um chapé u... Vou lhe dar um de abas largas como se usa aqui, para proteger sua pele clara e delicada.

— Teme que eu fique vermelha como uma beterraba ou que descasque como uma cebola? Se é por isso, fique certo de que farei o possí vel para me queimar bastante!

— Posso lhe assegurar que uma insolaç ã o nã o seria muito agradá vel para você, por isso trate de nã o ser infantil. — Lanç ou-lhe um olhar irô nico e ligeiramente ameaç ador. — Se eu souber que saiu ao sol sem chapé u, fique certa de que levará uma liç ã o. Imagino que nunca tenha levado uma surra em toda a sua vida, mas fique certa de que se pretende me desafiar, saindo a cavalo ou a pé sem chapé u, dou-lhe umas palmadas. E quando eu digo que faç o, nã o duvide de mim. Comporte-se como uma crianç a e será tratada como tal.

— Entã o quer dizer que isso é uma promessa? — perguntou Paula, levantando a cabeç a com ar de desafio. Um empregado aproximou-se entã o da mesa e disse algumas palavras para seu patrã o. Paula nã o entendeu o que ele disse, apesar de ter aprendido um pouco de espanhol quando passou umas fé rias com Marcus no sul da Espanha. Don Diablo levantou-se da mesa, desculpando-se e dizendo que voltaria logo. Paula notou pela primeira vez que ele tinha o porte de um toureiro. Podia até imaginá -lo parado com uma espada na mã o olhando fixamente para o touro enquanto enfiava a lâ mina diretamente no coraç ã o do animal. Tinha certeza que ele nã o hesitaria em fazê -lo e nã o sentiria o menor escrú pulo ao ver o sangue do anima jorrando na arena.

Dom Diablo afastou-se da mesa com passos largos e silenciosos. Alguns momentos depois o empregado trouxe a sobremesa: era uma torta deliciosa, coberta de fatias de abacaxi e mamã o, regada com creme de leite. Paula comeu o doce tranqü ilamente. Sentia agora uma deliciosa sensaç ã o de paz que, esperava, nã o fosse interrompida pela presenç a daquele homem com quem se casara precipitadamente. Ouvia o suave barulho da á gua na fonte de má rmore e o canto alegre dos pá ssaros coloridos, nas á rvores floridas da varanda e do pá tio interno. A variedade de aves era enorme, desde colibris até faisõ es. O lugar certamente era tentador para os pá ssaros pela exuberâ ncia e pelo colorido de suas flores. Os olhos de Paula seguiam o vô o dos beija-flores que saí am e entravam nos viveiros de bambu. A Inglaterra estava tã o longe! Seu lugar agora era ali, pois perdera seu lar, sua casa, e nã o tinha mais para onde ir. Stonehill, com suas pedras cinzas e suas torres, teria sido uma casa triste, se nã o fosse pela presenç a de Marcus. Paula jamais se sentiu deprimida na companhia dele. Esta casa mexicana, poré m, parecia uma fortaleza, uma prisã o dourada. Paula teve maus pressentimentos e concluiu que era preciso arrumar um meio de fugir dali.

Estava imersa nesses pensamentos quando viu Dom Diablo aproximando. Endireitou-se na cadeira e seu olhar despreocupado desapareceu. Sua expressã o nã o escondia sua angú stia. Sentia-se desamparada. Era como se tivesse sido arrancada de seu ambiente familiar e levada para um lugar do demô nio; Dom Diablo estava com a fisionomia carregada e muito tenso. Sentou-se e esperou imó vel que o empregado lhe servisse um café. Paula calculou que ele devia terfeito algué m passar uns maus bocados. Quando olhou diretamente para ela, como que adivinhando seus pensamentos, Paula conteve a respiraç ã o!

— Tive que cumprir uma missã o ingrata. Detesto ter que mandar algué m embora! Um dos rapazes que trabalham na cocheira maltratou de tal forma um dos meus cavalos que machucou a boca do animal. Aquele outro empregado que veio me procurar me contou que o cavalo começ ou a escoicear, encurralando o rapaz num canto da estrebaria e machucando-o muito. Você sabia que um cavalo ferido pode à s vezes, ser tã o perigoso quanto um tigre?

— Entã o, e por isso que na Espanha, em certas touradas, usam cavalos para que os touros invistam contra eles, já que maltratados e feridos ficam mais agressivos e perigosos, tornando assim o esporte mais excitante? O povo gosta de ver sangue, nã o é? — perguntou agressiva.

Dom Diablo nã o disse nada. Olhou para ela, impassí vel, e levantando calmamente a xí cara, saboreou o café puro, sem aç ú car nem creme.

Deve ser amargo como fel, pensou ela, despejando meia colher do creme em sua xí cara. Percebeu, entã o, um rasgã o na camisa branca de Dom Diablo, na altura do ombro direito. Calculou que ele tivesse tido que dominar o cavalo enfurecido, afastando-o do rapaz que o maltratara.

— Você já assistiu a alguma tourada? — perguntou-lhe.

— Já, e devo lhe dizer que odiei! -replicou um pouco exaltada. — Senti repugnâ ncia pela maneira com que a multidã o se comprazia e delirava diante da tortura e do sofrimento dos animais. Nã o é à toa que os colonizadores, tã o abominá veis e crué is, tenham vindo de um paí s como a Espanha. Massacrar os pobres í ndios deve ter sido um passatempo agradá vel para eles.

— Os í ndios nã o eram assim tã o indefesos como pensa. Tinham mé todos muito refinados de tortura — sorriu. — Um deles era obrigar o prisioneiro espanhol a engolir ó leo fervendo ou mesmo ouro incandescente. Creia-me, querida, há traç os de crueldade nos homens de todos os paí ses, mesmo no seu.

— Duvido que algum inglê s chegue aos mesmos extremos de crueldade que você s latinos. Eu mesma ouvi você dizer que nó s ingleses somos mais moderados.

— Eu estava me referindo ao amor — retrucou Dom Diablo, recostando-se na cadeira de bambu. — Tirou do bolso da calç a uma belí ssima cigarreira de ouro e acendeu uma cigarrilha escura. Depois de uma tragada, perguntou-lhe com certa ironia:

— Nunca lhe ocorreu que talvez tenha sido uma crueldade de seu tutor deixá -la em minhas mã os? Nã o estranha o fato de ele ter dado prioridade a valores materiais em vez dos emocionais, preferindo que tivesse um marido rico a um apaixonado? Nã o venha me dizer que quando você aceitou minha proposta de casamento, o fez por causa do Marcus, por ter sido seu ú ltimo desejo aqui na terra?

— Foi isso mesmo! — Sua voz soou rouca. — Fiz o que ele desejava, mas agora me pergunto por que o fiz! À s vezes imaginando se alguma vez ele se arrependeu de ter amado tanto Daisy aponto de fechar seu coraç ã o a qualquer outra mulher. Talvez o amor tivesse sido para ele uma experiê ncia tã o amarga e sofrida que achou melhor que eu nã o o conhecesse, para nã o sofrer depois. Conhecendo-o bem, tenho certeza de que ele só poderia ter tentado evitar que eu sofresse uma desilusã o; tenho certeza de que seria incapaz de me fazer sofrer deliberadamente.

— Fale-me um pouco de Marcus — pediu-lhe Dom Diablo. — Gostava dele? Encorajou-o até que ele acreditasse que podiam fazer amor juntos?

— Nã o, nã o a esse ponto. E nã o seja tã o exigente como os maridos latinos tradicionais

— sorriu meio sem graç a. — Se soubesse que eu nã o era honesta me mandaria embora? Ouvi dizer que os latinos dã o uma importâ ncia enorme à virgindade de suas noivas! Estou certa que você teria um choque se soubesse que sua noiva nã o era virgem...

— Se você tivesse se deitado com algum homem antes de mim, eu perceberia logo... — Ele falava com aquela seguranç a que tanto a irritava.

— Tem certeza de que nunca se engana? É sempre assim, tã o seguro de si? — perguntou intempestivamente. — Pensa que foi o ú nico homem que desejou o meu corpo, o meu amor? Quando eu tinha quinze anos, Marcus me contou tudo o que eu devia saber sobre os homens e disse també m o que é que eles desejam quando a garota é bonita. Explicou-me que os homens nã o acham que uma moç a bonita precisa ser inteligente. Basta que seja cordata e de preferê ncia sem vontade pró pria! Em geral, durante as fé rias, aproveitá vamos para viajar por vá rios paí ses da Europa. Marcus ensinou-me a apreciar a boa pintura, obras de arte, mú sica, a arquitetura dos monumentos e das construç õ es antigas. Ensinou-me a ser mais racional e menos româ ntica. Assim, quando os rapazes tentavam se aproximar de mim eu já sabia que a maioria deles só queria meu corpo... – Paula sorriu com amargura. — Pode ficar tranqü ilo, Dom Diablo. Fez uma boa aquisiç ã o, se realmente faz questã o de uma mulher ainda virgem. O coraç ã o que eu tinha para dar, dei a Marcus. Assim, para você só resta meu corpo, vazio de qualquer emoç ã o. Uma está tua e nã o uma mulher.

— Entã o acha que nã o conseguirei fazer com que se torne uma verdadeira mulher? Você só tem vinte anos e é absolutamente inexperiente, ao passo que eu já era um homem quando você nasceu. Está me desafiando garota, mas sou muito latino para nã o aceitar o desafio. Vamos ver se consigo ou nã o dar vida a uma está tua de má rmore!

— E se nã o conseguir? — perguntou com certa impertinê ncia. — Você me deixará ir embora?

— Querida, eu nunca desisto do que é meu!

— Entã o prefiro contrair alguma doenç a mortal a ter que passar o resto de minha vida aqui neste paí s, ao seu lado! — Um silê ncio constrangedor se seguiu à s palavras insolentes de Paula.

Dom Diablo deu entã o um murro na mesa, fazendo com que as porcelanas e pratas tremessem. Paula assustou-se e ficou tensa.

— Nã o ouse mais falar comigo nesse tom, ouviu bem? Isso aqui é solo mexicano e os antigos deuses espreitam nas sombras, ouvindo tudo o que dizemos. Há aqui em casa uma velha feiticeira. Carmenteira, que poderá lhe contar como os deuses antigos atendem mais depressa aos nossos desejos pecaminosos do que aos de santidade! Você fala como se tivesse se casado com o pró prio Lú cifer!

— Pois foi o que aconteceu, casei-me com o pró prio! — replicou. — Nã o consigo ver em você outra coisa que nã o seja o demô nio!

Dessa vez, poré m, Paula fora longe demais, Dom Diablo nã o podia aceitar aquilo de sua mulher! Ela passara dos limites e nã o podia deixar de ser castigada. Levantou-se imediatamente, aproximou-se dela e tirou-a com certa violê ncia da cadeira onde estava sentada, puxando-a para junto de seu corpo forte e poderoso. O calor que emanava do corpo dele invadiu-a, provocando-lhe uma sensaç ã o estranha. Ele apertou com forç a os braç os de Paula que, ao se sentir machucada, gemeu de dor e começ ou a lutar como um animal selvagem, chegando a lhe dar um pontapé. Mas, como se nada sentisse, Dom Diablo a apertou ainda mais contra seu corpo má sculo. Segurando seus cabelos loiros entre seus dedos finos, inclinou a cabeç a de Paula para trá s, fazendo-a gemer novamente. Apesar de ela continuar lutando, procurou-lhe os lá bios com uma paixã o selvagem que nã o admitia recusa. Seus braç os fortes a subjugavam enquanto a obrigava a ceder ao seu beijo. Inclinou entã o sobre ela o corpo forte e dominou-a completamente. Paula evitara sempre qualquer tipo de intimidade com os homens que se haviam aproximado dela. Divertia-se à custa deles fugindo e evitando-os. Sabia que se um dia se encontrasse numa situaç ã o difí cil, Marcus estaria sempre por perto, pronto para defendê -la.

Agora nã o tinha a quem pedir ajuda: ningué m que a protegesse desse homem terrí vel, tã o diferente dos jovens ardentes e esperanç osos que a cortejavam. Mas Dom Diablo tinha todos os direitos sobre ela: o de abraç á -la, beijá -la e de fazer dela o que bem entendesse...

De repente, percebeu que estava sendo carregada. Ele a estava levando para o quarto. Sentiu-se entã o invadida de uma raiva incontrolá vel. Fincou os dentes, como uma ví bora, em seu ombro musculoso até sentir o gosto de sangue. Oh, Deus, ela o mordera como se fosse um animal! Sentiu-se entã o tomada por dois sentimentos contrastantes: a alegria de tê -lo machucado misturado com o pavor de sua vinganç a!

— O que está fazendo? — Ela lutava em vã o para se libertar de seus braç os vigorosos que estreitavam como se fossem cordas, imobilizando-a. — Para onde está me levando? Para onde, diga-me?

Encarou-a rapidamente enquanto subia a escada. Paula tentou se agarrar ao corrimã o de ferro batido, mas por fim desistiu.

Fitou entã o os olhos dele e teve vontade de gritar. Jamais em toda sua vida vira um olhar tã o fulminante!

— Nã o é suficientemente mulher para adivinhar? — perguntou, irô nico. Paula sentia-se desfalecer enquanto ele se dirigia ao quarto que ela ocupara a noite anterior... sozinha. Na vé spera, apesar quarto dela ser pegado ao seu, ele nã o a procurara, nã o a tocara... Agora poré m seria diferente! A porta estava aberta. Colocou-a sobre a cama e voltou até a porta, trancando-a a chave.

Paula afastou o cabelo do rosto e olhou para ele apavorada, compreendendo o que ia acontecer. Sentiu-se paralisada quando ele se aproximou da cama. Os olhos negros de Dom Diablo pareciam lanç ar flechas de fogo sobre seu corpo. Estava imó vel, como que entorpecida. Ele entã o desabotoou a camisa e atirou-a longe. Em um de seus ombros via-se claramente a marca dos dentes de Paula. Suas calç as, muito justas ressaltavam seus quadris estreitos e as pernas. Ele ficou parado, observando-a. Quando finalmente a tocou, trouxe-a de volta à vida... Paula sentia-se novamente viva! Recomeç ou entã o a lutar com uma fú ria desesperada, o que parecia provocá -lo ainda mais. Seus dentes alvos brilhavam enquanto que com seu corpo forte ele a dominava de um modo quase diabó lico, imobilizando-a na cama.

— Que é isso, minha mulher! Essa nã o é a melhor maneira receber o marido...

— Vá para o inferno! — respondeu Paula, virando a cabeç a rapidamente. Os lá bios dele começ aram entã o a acariciar-lhe o pescoç o. Os sentidos de Paula se aguç aram e por um momento pareceu estar de novo naquela igrejinha na Inglaterra, onde o cheiro das velas se misturava com o perfume das flores. Se ela esperava que nunca despertaria daquele sonho ou pesadelo, sabia agora que estava enganada. O casamento nã o era feito só de palavras, de um par de alianç as e um livro de oraç õ es, mas antes de tudo, de um homem e de uma mulher.

— Minha querida, pensou entã o que eu fosse o demô nio? — E sem hesitar esmagou-lhe os lá bios num beijo sensual.

 



  

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