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A Noiva do Demônio. Violet Winspear. Digitalização: m­_nolasco73. Formatação: Carmita. CAPÍTULO I



A Noiva do Demô nio

“The Devil’s Darling

Violet Winspear

 

 

 

Dom Diablo tinha olhos de fogo, olhos de demô nio! Paula queria morrer de paixã o nos braç os daquele mexicano...

 

Dom Diablo parecia um personagem saí do de um sonho... ou pesadelo? Ele tinha os olhos negros, profundos, faiscantes de poder, como os de uma ave de rapina mirando sua presa.

" O destino entregou você a mim, Paula. Você irá comigo para o Mé xico e, de hoje em diante, nada nem ningué m poderá nos separar. Você é minha, toda minha, eu sou seu dono e senhor! ” Paula, fascinada, queria fugir mas ficou ali, imobilizada pelo poder daquele estranho, vindo de tã o longe, declarando ter direito sobre ela. Quem seria esse homem? Um deus... ou o demô nio?

 

 

Digitalizaç ã o: m­_nolasco73

Formataç ã o: Carmita


 

Bianca nº 41

Copyright: Violet Winspear

Tí tulo Original: “The Devil’s Darling”

Publicado originalmente em 1975

Digitalizaç ã o: m­_nolasco73


CAPÍ TULO I

 

O vestido era maravilhoso, como aliá s era de se esperar, pois Lucrezia o fizera com o maior carinho para Paula Paget. Suas mã os de fada faziam milagres! O vestido de cor viva ressaltava a suave palidez de Paula, cuja pele tinha um brilho quase transparente. Seu cabelo era brilhante, sedoso e com reflexos dourados, tal qual os ú ltimos raios do sol poente numa tarde de verã o. Os olhos, contrastando com o cabelo loiro, eram castanhos e luminosos. Enfim era uma jovem encantadora.

Seu tutor a adorava e a protegia, sobretudo dos homens que dela se aproximavam... Entretanto, essa noite, havia um rapaz ao seu lado, que insistia em levá -la até o jardim.

— Decididamente você é a ú ltima garota antiquada na face da terra — disse Larry Condamine em tom de brincadeira. – Depois dessa danç a eu esperava pelo menos um beijo! Estou falando sé rio, você tem que demonstrar que beija tã o bem quanto danç a! Uma moç a bonita como você já deve ter nascido sabendo amar, senã o nã o haveria motivo para que a natureza a tivesse dotado de tantas qualidades!

Você nã o é só bonita, Paula, é adorá vel! Venha, minha querida...

Ao atravessarem o jardim, Larry começ ou a se impacientar ao perceber que Paula evitava seus beijos; segurou-a entã o, tentando abraç á -la. Um raio de luar fazia com que seus olhos parecessem mais ardentes, enquanto ele contemplava o belo rosto da jovem.

— Meu Deus, como você é bonita! — exclamou Larry — Acho que eu faria qualquer coisa para conseguir você, mas aquele seu tutor ciumento jamais permitiria que se casasse com um homem que nã o fosse muito rico ou que nã o possuí sse pelo menos alguns milhõ es de dó lares para gastar com você! É incrí vel como Marcus Stonehill a manté m distante dos rapazes sé rios como eu, por exemplo, enquanto a exibe aos ricaç os, à queles jogadores grã -finos que ele sempre convida para sua casa. Sabe o que dizem por aí? Que ele pretende casá -la com o pretendente que der o lance mais alto!

Pauta sentiu os braç os ansiosos do jovem a envolverem. Ouviu entã o o pio de uma ave noturna que lhe desviou a atenç ã o. Aliá s, ela nã o estava nem um pouco interessada nas palavras de Larry Condamine. Estava a par de tudo o que diziam a respeito de Marcus. Alguma coisa era verdade, mas havia també m muita fantasia... Marcus realmente procurava um bom partido para ela, um casamento vantajoso, isto é, um pretendente que tivesse uma fortuna só lida e, nã o um aventureiro qualquer, que tivesse enriquecido à s custas de jogo. Cuidara dela desde que sua mã e morrera. Daisy Paget fora atriz e Paula sabia o quanto Marcus a amara, por isso nã o se importava em obedecê -lo. Apesar de ele ter se apaixonado loucamente por Daisy, ela se casou com um ator pobre, que arruinou sua saú de em teatros de quinta categoria.

— Acho melhor você nã o me beijar, — disse ela a Larry, quando sentiu os lá bios mornos e tentadores do rapaz, procurando sua boca — a nã o ser que você queira ser chicoteado por Marcus.

Imediatamente Larry se deteve. Lembrou-se dos boatos que corriam a respeito dos pretendentes que se portavam de forma inconveniente: vá rios haviam sido postos para fora de Stonehill, e a despeito de seu entusiasmo, Larry Condamine nã o pretendia sofrer nenhum vexame desse gê nero...

— Você acha que poderia me amar algum dia? — perguntou ele. — Estou pronto para ir à Austrá lia com uma mulher que queira me acompanhar. Ouvi dizer que lá ainda se pode comprar terras por muito bom preç o. Minha avó me emprestaria o dinheiro, pois vai ficar feliz se me vir bem estabelecido na vida. O que você pensa disso, Pauta? Nã o lhe parece uma boa idé ia?

— Olha só como está bonita alua — desconversou Pauta, tentando se livrar de seu abraç o. Logo em seguida, ela tomou entã o o caminho de casa, onde a festa parecia bastante animada. A casa era de um amigo de Marcus, um dos tantos homens de negó cios com quem ele convivia, principalmente nas mesas de jogo. Negó cios sé rios, no verdadeiro sentido da palavra, aborreciam Marcus terrivelmente. Ele preferia os jogos de azar.

Paula sorriu quando percebeu os passos de Larry atrá s dela. Ele era um bom rapaz, mas o fato de nã o ter dinheiro nã o influí a em seus sentimentos. Se ela o amasse de verdade iria com Larry para a Austrá lia, mesmo contra a vontade de Marcus. Mas amar ainda nã o estava em suas cogitaç õ es... Marcus a convencera de que quando se entrega o coraç ã o, nã o mais se volta atrá s. Quando uma pessoa se apaixona por outra, é mais prová vel que acabe sofrendo, pois o amor poucas vezes traz felicidade...

Paula foi a primeira a se aproximar do terraç o da casa, junto ao salã o principal, onde os convidados danç avam. Percebeu logo que alguma coisa estranha acontecera, pois as pessoas estavam de pé, reunidas em pequenos grupos, falando em voz baixa, parecendo assustadas e chocadas. Paula se deteve, sentindo seu coraç ã o bater descompassadamente. De repente, surgiu no terraç o um homem muito alto, que começ ou a descer as escadas silenciosamente. Seu porte era altivo, mas seus movimentos eram leves e graciosos. Fora esta a impressã o que Paula tivera quando o vira pela primeira vez, em Stonehill. Foram apresentados na biblioteca e quando ele se retirou, Paula, sem que ele percebesse, ficou observando-o atrá s de uma coluna no terraç o. Seu andar era silencioso e estranho...

No dia seguinte, Marcus lhe contou que ele era mexicano e podre de rico.

— Como ele se chama? — perguntou Paula. Ao vê -lo tivera uma sensaç ã o diferente. Despertara-lhe o interesse. Nã o que o tivesse achado bonito... Talvez fosse aquele seu ar meio estranho...

E agora, Dom DiabloEzreldo Ruy vinha caminhando em sua direç ã o, passando por entre os convidados, cortando caminho por um atalho escuro. Quanto mais ele se aproximava, mais negro se tomavam seus olhos. Veio-lhe entã o à mente o julgamento que fizera dele, no dia em que o conhecera:

— Ele tem o olhar de um demô nio — comentou com Marcus.

— Sua mã e deve ter pensado o mesmo a primeira vez que o viu. Por isso lhe deu o nome de Dom Diablo! — disse Marcus, sorrindo e a observando com muito interesse. Ela tentou, entã o, imaginar qual seria a ligaç ã o de seu tutor com aquele homem.

— Você s jogaram cartas juntos? — perguntou a Marcus.

— Minha querida, um homem nunca joga com seu mestre.

— Seu mestre? — perguntou intrigada. — Nã o há mestre para você!

— Nem mesmo Deus ou o diabo? — brincou Marcus.

A lembranç a desta conversa voltava à memó ria de Paula, enquanto observava a figura alta do espanhol que se dirigia silenciosamente ao seu encontro. Inclinando a cabeç a gentilmente, disse-lhe entã o aquelas palavras que jamais esqueceria:

— Sinto muito, srta. Paget, que seu tutor tenha se sentido mal...

— Como? Onde está ele? Quero vê -lo imediatamente! — exclamou assustada.

— Nã o! — Uma mã o forte e decidida a deteve, sustando seu í mpeto de correr imediatamente para casa. — Nã o há mais nada afazer, senhorita. Marcus teve um enfarte violento, foi fatal. Infelizmente sou eu o portador desta notí cia. Tive que lhe contar, já que você é a pessoa mais chegada a ele! Console-se pensando que foi tudo tã o rá pido que Marcus provavelmente nem sofreu... Foi no momento exato em que ele descartava uma belí ssima quadra de ases! Eu estava assistindo ao jogo e vi o descarte sensacional que tinha na mã o; ele morreu sorrindo, srta. Paget.

— Sorrindo, enquanto morria?

— Sim, senhorita. À s vezes isto també m pode acontecer.

— Mas nã o com Marcus... nã o com Marcus! Ele nã o pode ter morrido — Paula falava alto, agora; as palavras ecoavam em seu coraç ã o, ferindo-o como um punhal. — Ele é tudo o que eu tenho, a ú nica pessoa que eu amo! Marcus! — Saiu correndo como uma gazela assustada e ferida, mas Dom Diablo segurou-a. Carregou-a entã o em seus braç os, conduzindo-a pela escuridã o da noite... ou assim lhe pareceu, pois Paula perdera os sentidos. Quando voltou a si, muito tempo depois, estava em sua cama em Stonehill, com Lucrezia ao seu lado, cercando-a de todos os cuidados.

— Meu bem, você tem que aceitar os fatos e encarar a realidade. É inú til se revoltar dessa maneira. Ele está em paz e agora vai se encontrar de novo com Daisy. Afinal, foi seu ú nico amor, minha querida. Você agora pode pensar nos dois juntos, como nunca puderam estar aqui na terra.

Paula tremia nos braç os da velha governanta italiana, a quem fora confiada logo apó s a morte de sua mã e. Daisy morrera alguns dias depois de dar à luz a Paula.

— Mas Marcus parecia estar tã o bem quando saí mos de casa! Aliá s até notei que estava de ó timo humor, como se tivesse feito uma grande cartada. Parecia feliz e nã o me lembro absolutamente de tê -lo ouvido se queixar de qualquer indisposiç ã o. Lembra-se daquela vez em Florenç a, quando ele se sentiu mal? Oh, Lucrezia, será que foi lá que começ ou? Será que já era uma crise cardí aca e ele guardou segredo para eu nã o ficar preocupada? Era bem do estilo dele fazer uma coisa destas...

— Marcus nã o queria que você sofresse, minha querida — soluç ou a governanta. As lá grimas brotavam de seus olhos, descendo pelo rosto sulcado de rugas. — Ele desejava que sua vida fosse um mar de rosas, sem os problemas que infernizaram e estragaram a vida de sua mã e. Ah, ela era tã o linda, mas quando deixou o marido e procurou por Marcus já era tarde demais para que ele pudesse fazê -la feliz, você entende? Você nã o é mais crianç a, já é uma moç a de vinte anos e precisa enfrentar a realidade da vida.

— Mas ele só tinha quarenta e cinco anos... — Paula voltou a chorar. Nã o se conformava em ter perdido Marcus; sentia-se como se fosse mergulhar num abismo de solidã o, aquela solidã o terrí vel que sempre a assustara. Marcus sempre a defendeu e protegeu. Foi pai, tutor, orientador e amigo. A morte de Daisy o tomara cí nico sob muitos aspectos, mas Paula o amara acima de qualquer julgamento.

— Como poderei suportar tanta dor? -perguntou a Lucrezia. — O que é que eu vou fazer agora? Para onde ir?

Ambas sabiam que a propriedade de Stonehill estava vinculada e que ficaria com um sobrinho de Marcus. A casa grande de pedra que fora seu lar durante vinte anos nã o o seria mais. Seu quarto enorme e confortá vel seria ocupado por outra pessoa, pois o sobrinho de Marcus tinha mulher e filhos e eles jamais haviam aceito Paula como membro da famí lia.

— Sinto-me como um pá ria, como se uma enorme muralha me cercasse e eu estivesse no centro, sozinha, abandonada... É o pior momento da minha vida, acho que nã o vou conseguir suportar...

Mas Paula conseguiu superar o choque dos primeiros dias e enfrentar tudo o que aconteceu nesse meio tempo. Os parentes de seu tio vieram a Stonehill e tomaram todas as providê ncias para o funeral. Marcus seria sepultado no tú mulo da famí lia e Lucrezia ficou encarregada de participar a Paula que a famí lia de Marcus considerava indesejá vel sua presenç a na ocasiã o.

— Sugeriram que você arrumasse suas malas e partisse imediatamente — informou-lhe Lucrezia. — E me deram esse cheque, dizendo que era para você se sustentar até arrumar um emprego.

Pareciam considerá -la uma aventureira qualquer com quem Marcus tivesse vivido e de quem agora tentavam se livrar!

— O cheque que vá para o inferno! — gritou ela, picando-o em pedacinhos. Depois arrumou numa mala as roupas que Marcus lhe comprara para a ú ltima estaç ã o, e com lá grimas nos olhos, desceu correndo a escadaria que dava na biblioteca. Subindo numa cadeira, retirou da parede o retrato de sua mã e. Enquanto tirava a poeira do quadro, o telefone tocou. A princí pio nã o quis atender, pois ainda estava chocada com a atitude dos parentes de Marcus. Mas o telefone continuava a tocar insistentemente e Paula resolveu atender:

— Nã o tem ningué m em casa — respondeu com um fio de voz. -Todos foram ao funeral.

— É a srta. Paget quem está falando? — A voz era profunda e sotaque pronunciado. — Aqui é Dom Diablo.

— Sim, sou eu mesma, senhor. Posso saber o que deseja? — Depois de um momento de silê ncio, ele voltou a falar.

— Desejaria vê -la, senhorita. Irei buscá -la de carro dentro de alguns minutos.

— Eu nã o posso sair agora. Vou deixar Stonehill. Tenho que acabar de arrumar minhas coisas, tomar algumas providê ncias... eu estava quase de saí da...

— Pois vai esperar por mim — ordenou ele. — O que tenho a lhe dizer é muito importante. É um assunto que eu e Marcus discutimos dias antes dele morrer. É absolutamente indispensá vel que ouç a o que tenho a lhe dizer; Marcus nã o me perdoaria se eu nã o o fizesse...

— Eu... eu realmente nã o posso imaginar o que teriam podido discutir e que me dissesse respeito -retrucou ela. Estava ainda muito magoada e nã o tinha vontade de ver ningué m, e muito menos aquele homem que parecia tã o frio e impiedoso quanto os familiares de Marcus.

— Eu sei que Marcus jogava, mas nunca interferi...

— Nã o se trata de jogo, srta. Paget — seu tom era ligeiramente autoritá rio. Parecia habituado a dar ordens e ser prontamente obedecido. — Será que está com medo de se encontrar comigo?

Paula olhou para o reló gio de parede e teve um sobressalto quando ouviu bater as horas. Aquele som, antigamente tã o familiar e amigo, parecia-lhe agora o dobrar de sinos de finados. Era como se chorasse a morte de seu tutor e toda a sua desgraç a...

— Nesse momento, senhor, sou incapaz de sentir qualquer emoç ã o — disse ela a Dom DiabloEzreldo Ruy. — Se julga realmente necessá rio conversar comigo, entã o venha. Eu o espero fora, pois nã o tenho mais o direito de ficar aqui.

E lá estava Paula, sentada nos degraus da escadaria, quando o carro chegou. Vestida de preto, a mala a seu lado, segurava junto ao peito o retrato de sua mã e. A porta do carro se abriu e surgiu a figura alta e esguia de Dom Diablo, impecavelmente vestido num terno cinza-claro. Ele chegou até a escada e se deteve contemplando Paula. Seus misteriosos olhos negros se fixaram em seus cabelos loiros e brilhantes. Olhou para ele. Seus olhos ainda estavam cheios de lá grimas e seu rosto sujo, pois ao pegar o retrato da mã e sujara os dedos de pó.

— Você está com o rosto sujo como o de uma crianç a – disse ele tirando do bolso um lenç o branco, imaculadamente limpo, e entregando-o a Paula. — Enxugue os olhos, senhorita, e venha comigo.

— Eu... nã o posso fazer isso! — Lanç ou-lhe um olhar angustiado e ao mesmo tempo revoltado. — Quem é o senhor para me dar ordens?

— Sou o homem com quem vai se casar — respondeu prontamente.

Paula levou um choque! Ficou branca como o lenç o que ele lhe oferecera. Sua expressã o era de desespero. Paula, que sempre se sentira segura com Marcus, dava-se conta do que representava para ele a morte de seu tutor. Extravasou entã o toda a sua angú stia, derramando novamente lá grimas copiosas.

— Meu Deus! — Dom Diablo inclinou-se subitamente, e ajudou-a a se levantar. Levou-a entã o até o carro e acomodou-a. Em seguida, colocou seus pertences no bagageiro: a mala, o retrato e o chapé u de palha preta que comprara para usar com seu vestido de jé rsei preto.

Dom Diablo subiu no carro, fechando delicadamente a porta. Tomou-a entã o nos braç os e deixou que ela desabafasse, chorando em seu ombro.

— Há um ditado mexicano que diz que há ocasiõ es para o vinho e há ocasiõ es para a á gua; ocasiõ es para lá grimas e ocasiõ es para alegria. Chore, chore bastante, depois falaremos. Uma conversa sé ria, entre um homem e uma mulher!

Um homem e uma mulher, repetiu Paula em pensamento. Ela e este homem que mal conhecia e que, no entanto, já lhe havia proposto casamento! Enxugou os olhos e limpou o rosto, percebendo entã o que o lenç o impecá vel que lhe dera Dom Diablo, agora estava todo sujo. Devia estar com uma aparê ncia lastimá vel, imaginou. Na pressa de sair, esquecera-se de pentear o cabelo, que agora lhe caí a sobre o rosto. Lanç ou a Dom Diablo um olhar de desafio. Aprendera com Marcus a cuidar muito de si mesma. Andava impecavelmente vestida e bem penteada. Mas a dor que sentia pela morte de Marcus era forte demais para ela se preocupar com sua aparê ncia.

— Creio que manchei seu lenç o, senhor — disse ela. Sua voz tornara-se mais rouca. — Eu podia me oferecer para lavá -lo, mas fui expulsa de Stonehill como se fosse uma intrusa. Nã o tenho mais casa. Nã o é uma ironia eu me encontrar subitamente sem lar e sem recursos? Chega a ser tragicô mico, só que eu nã o consigo ver o lado cô mico da situaç ã o. Gostaria de ter podido levar rosas ao tú mulo de Marcus, mas nem isso pude fazer, pois os parentes dele me proibiram. Só deixaram Lucrezia acompanhar o enterro, pois ela cuidou dele desde que era garoto. É estranho! Nã o consigo imaginar Marcus crianç a. Sempre me pareceu tã o adulto, tã o decidido...

Paula olhou para Dom Diablo, que a observava atentamente.

— Eu gostava profundamente de Marcus; faria qualquer coisa por eIe... — disse ela entre soluç os.

— Fico contente de ouvi-la falar assim. — Seus olhos eram impenetrá veis, e os cí lios espessos acentuavam seu misté rio. Paula tinha quase a certeza de que ele tinha sangue í ndio nas veias. Sua tez bronzeada e os ossos do rosto muito marcados lembravam a figura de um guerreiro asteca. Apesar de seus traç os finos e de sua elegâ ncia viril, Paula sentia por ele uma espé cie de aversã o fí sica. Torcia o lenç o entre seus dedos nervosos, procurando desviar seus olhos dos de Dom Diablo, que parecia ler seus pensamentos com a clareza perturbadora de sua experiê ncia.

— Está com fome, senhorita? Calculo que nã o tenha comido nada de manhã e como já estamos quase na hora do almoç o...

— Realmente eu nã o estava com fome — Paula surpreendeu-se com o fato de Dom Diablo se preocupar com ela. — Bem, acho que agora poderia comer alguma coisa.

— Entã o vamos fazer isso — disse ele. Tirou do banco de trá s, um cesto onde havia frango assado, tomates, salsã o, roscas, vinho e dois copos.

— Comece tomando isto, vai lhe fazer bem — disse ele, estendendo-lhe um copo de vinho. Paula percebeu pela expressã o dos olhos dele que nã o adiantaria recusar. Aceitou o vinho e seus olhos se detiveram nos dele, quando, erguendo o copo, brindou:

— A sua saú de, senhorita! Que este vinho alivie sua dor de cabeç a!

Era realmente um homem estranho, pensou Paula, a quem nã o ousaria contrariar. Tomou portanto o vinho e comeu tudo que ele lhe ofereceu sem protestar. Foi bastante agradá vel esse almoç o improvisado. O vinho era da melhor qualidade e Paula começ ou logo a sentir seus efeitos. Por mais estranho que pareç a, a dor de cabeç a começ ou a diminuir, tomando-se suportá vel. Depois da sobremesa, Paula se sentiu mais relaxada. Recostou-se no banco do carro e mergulhou numa espé cie de torpor provocado naturalmente pelo vinho.

Agora nada lhe parecia ter tanta importâ ncia. Talvez Dom Diablo tentasse seduzi-Ia e nã o haveria ningué m para defendê -la, como Marcus o fizera com aquele rapaz atrevido, Rashleigh, que, subindo pela sacada, entrara em seu quarto pela janela, surpreendendo-a de penhoar. Já passava da meia-noite e acontecera apó s a sua festa de dezenove anos. Peter e seu pai, lorde Rashleigh, tinham sido convidados para passar o fim de semana em Stonehill. Foi Peter quem despertou em Paula a consciê ncia de que a maioria dos homens é egoí sta; a partir de entã o passou até mesmo a desprezá -los. Parecia que quando se interessavam por uma garota, só tinham em mente o contato sexual. Naquela noite, quando Paula gritou chamando por Marcus, ele arrastou Peter para fora do quarto e chicoteou-o.

Paula nã o sentiu pena do rapaz. Sempre soube que Marcus podia ser cruel quando necessá rio e, como se sentiu ofendida pela proposta de Peter, achou que a surra foi bem merecida.

— Você disse, Dom Diablo, que tinha algo a me dizer. — Percebeu que falara com certa ousadia. Mas era uma forma de se proteger, já que nã o contava mais com Marcus para defendê -la dos homens que dela se aproximavam por achá -la bonita. Tinha consciê ncia de sua beleza, pois se parecia com a mã e. Quando olhava para a fotografia dela, Paula compreendia por que Marcus Stonehill se apaixonara perdidamente por ela. Ele era o tipo do homem que podia ter tido as mulheres que quisesse, mas preferiu ficar solteiro por causa de Daisy Paget que fugira com um ator pobre e infiel, e que a obrigava a trabalhar em teatros de quinta categoria. Essa vida ingrata prejudicara a saú de de Daisy. Ela morreu muito jovem. Marcus fizera de Daisy o seu mito e Paula fizera de Marcus o seu deus. Ela olhou para Dom Diablo. Sua expressã o era demoní aca!

— Será que seu telefonema nã o foi apenas um pretexto para trazer aqui? — perguntou ela.

— Nã o preciso de pretextos, senhorita — recostou-se no banco, com uma cigarreira de ouro nas mã os. — Você se importa que eu fume? Já notei que o fumo nã o faz parte de seus há bitos.

— Claro que pode fumar, senhor — respondeu quase aliviada, pois qualquer coisa que lhe ocupasse as mã os e os lá bios o impediria de tentar o que ela já pressentia como inevitá vel. Dom Diablo era alto e esguio, mas das mã os, dos ombros, da maneira de caminhar emanava uma grande forç a. Era como se estivesse silenciosamente à espreita de sua presa.

— Marcus jamais gostou de fumar — disse ela. — Dizia sempre que o fumo causava dano à mulher, provocando rugas, dando à pele uma coloraç ã o opaca. Sabe, ele adorava minha mã e e dizia sempre que sua pele era como uma pé tala de rosa. Rosas sempre foram suas flores favoritas e por isso... Paula conteve a respiraç ã o. — Marcus podia ser cruel, mas nunca foi vingativo como os parentes dele. Eles me trataram como se eu fosse amante de Marcus. Sei que algumas pessoas podem nã o acreditar na pureza de nosso relacionamento. Marcus era um homem bonito e um jogador inveterado, mas gostava de mim como se eu fosse sua filha!

— Tenho certeza disso, senhorita — disse Dom Diablo. — Conheç o as pessoas logo à primeira vista e pode estar certa de que nesse curto perí odo em que conheci Marcus, sempre o considerei um homem inteligente, arguto e rá pido. Sei també m que era um homem honrado apesar de seus há bitos singulares. Nã o está curiosa para saber como nos conhecemos?

— Claro que estou — respondeu ela. — Conheci Marcus a vida toda. Viajei com ele para muitos paí ses, mas nunca o encontramos em nenhum deles. Aliá s també m nunca o ouvi mencionar o seu nome, Dom Diablo.

— Nó s dois nunca nos vimos antes de eu vir a Stonehill. Foi uma missã o curiosa que me trouxe aqui, uma histó ria que ele certamente lhe teria contado, nã o fosse o destino tê -lo levado embora de um modo tã o inesperado! Ouvirá com paciê ncia, senhorita, o que vou lhe contar?

— Nã o tenho nenhum outro compromisso no momento — respondeu com aquela ponta de humor que provocava sempre uma certa perplexidade em Marcus. — Alé m do mais gosto muito de histó rias, senhor.

— Mas sã o fatos reais, senhorita, nã o é ficç ã o — replicou ele. — É uma histó ria que começ ou no Mé xico e terminou, ou melhor, está terminando aqui na Inglaterra. Um dia, em meu paí s, no Estado em que eu vivo, eu montava um cavalo novo e fogoso. Ao desviar de uma cobra o cavalo me atirou no chã o e eu bati a cabeç a contra uma pedra, perdendo a consciê ncia. Com a queda o chapé u caiu da minha cabeç a. Se eu tivesse ficado ali sem sentidos, exposto ao abrasador sol do Mé xico, por uma hora que fosse, teria tido uma meningite, podendo mesmo perder parcialmente a visã o. Talvez a senhorita nã o saiba, mas lá o sol é tã o quente quanto o sol do deserto; é cruel e violento mesmo para quem tem a pele escura como eu. O destino, poré m, fez com que passasse por ali uma camioneta dirigida por um funileiro ambulante. A camioneta, com uma capota de lona, era ao mesmo tempo a casa e o meio de transporte daquele homem. A princí pio, pensei que fosse mexicano, pois tinha a pele muito queimada e estava coberto de trapos. Tive uma grande surpresa quando o ouvi falar. Seu sotaque era inglê s, embora falasse espanhol com fluê ncia. O homem carregou-me entã o para a sombra da camioneta, banhou minha cabeç a com a preciosa á gua de seu cantil, em resumo, salvou-me a vida — Dom Diablo sorria ironicamente. — O funileiro e eu começ amos a conversar e eu descobri que ele trabalhara muitos anos como ator de teatro na Inglaterra, com pouco sucesso poré m. Sua mulher o abandonara entã o por um outro homem e ele, desgostoso, saí ra da Inglaterra indo tentar a sorte na Amé rica do Sul. Depois foi para o Mé xico, onde trabalhava um pouco em cada lugar. Naquele momento trabalhava como funileiro e consertador de panelas, vendedor de potes, panelas e medicamentos patenteados. Descobri que era um homem interessante, pois tinha sempre muitas histó rias para contar. Convidei-o entã o para trabalhar comigo. Ele faria um pouco de tudo. Aceitou logo, pois naquele momento nã o estava em boas condiç õ es de saú de. Pareceu-lhe, pois, maravilhosa a idé ia de viver numa casa; num lar organizado. Como eu já disse, ele tinha uma certa cultura e passamos vá rias noites juntos, conversando, falando um pouco sobre tudo; sobre os imprevistos da vida e tudo o mais... — Dom Diablo fez uma pausa e olhou para Paula com ar pensativo.

— Pois é, senhorita, parece-se com sua mã e e nã o com seu pai. Os olhos dele eram azuis e se sobressaí am no rosto sofrido e queimado de sol.

Paula olhou espantada para Dom Diablo. Ele queria lhe dizer que aquele homem que lhe salvara a vida no Mé xico era seu pai?

Ao perceber o choque e o espanto dela, esclareceu:

— Sim, srta. Paget. Quando Charles Paget foi atingido por uma doenç a incurá vel deu-me uma miniatura que ele usava sempre pendurada ao pescoç o. Era a fotografia de uma mulher belí ssima com quem fora casado há muitos anos. Contou-me que a tratara muito mal. Fez-me esta confissã o algumas horas antes de morrer. Disse-me també m que ela procurara o homem que teria sido um melhor marido para ela. Como Daisy estava grá vida e Paget sabia que Marcus Stonehill se ocuparia da crianç a, deixou que as coisas tomassem este rumo. Poré m, antes de morrer pediu-me que se alguma vez eu fosse à Inglaterra, procurasse Stonehill para ver se a crianç a estava feliz e bem cuidada. E foi exatamente o que eu fiz, srta. Paget, quando cheguei à Inglaterra para tratar de negó cios. — Tirou entã o do bolso uma miniatura de porta-retrato que lhe fora dado pelo pai de Paula. A foto estava um pouco desbotada, mas as feiç õ es eram bastante ní tidas. Sem dú vida alguma era Daisy. — Esta mulher encantadora era sua mã e, senhorita.

— Agora entendo — disse Paula. — Meu pai se chamava Charles. Mas é incrí vel, senhor!

— Segurava a miniatura, tentando imaginá -la pendurada ao pescoç o daquele homem queimado pelo sol, viajando por tantos paí ses, passando por tantas dificuldades e que nã o passara de um estranho para ela, durante todos esses anos. Tentou retroceder no tempo, tentando dar forma à imagem de seu pai. E tudo isso no mesmo dia em que o outro homem que cuidara tã o bem dela se fora deste mundo!

— Nã o é assim tã o incrí vel, é um jogo do destino. O destino a entregou a Marcus Stonehill e Marcus a entregou a mim...

Novamente suas palavras atingiram em cheio o coraç ã o de Paula, fazendo-o bater tã o forte que mal podia respirar.

— O que quer dizer com isso? — os dedos dela apertavam a miniatura.

— Exatamente o que ouviu. Você agora está sob meus cuidados, se bem que isto seja um pouco teatral.

— Somente Marcus podia falar desse jeito — contestou Paula veementemente. — Só ele tinha direitos sobre mim e mesmo assim porque eu consentia...

— A senhorita sempre o obedecia, nã o é mesmo?

— Mas eu gostava dele! Foi a ú nica pessoa que se preocupou comigo depois que minha mã e morreu! É claro pois que eu fizesse de tudo para agradá -lo. Era a ú nica maneira de retribuir o que fazia por mim; se dependesse de meu pai, eu teria sido obrigada a ir para um orfanato!

— Concordo plenamente, senhorita — Dom Diablo inclinou um pouco a cabeç a para a frente, observando-a com uma expressã o estranha. Ele parecia nã o pertencer a este mundo ou pelo menos essa era a impressã o de Paula. Tinha os olhos de uma ave de rapina, mirando sua presa antes de atacá -la. Ela se reclinou para trá s, afastando-se para a ponta do banco a fim de ficar o mais longe possí vel dele. Pela primeira vez na sua vida sentiu medo. — Marcus queria que você se tomasse minha esposa. Ele e eu falamos sobre esse assunto quando vim a Stonehill. Como Marcus sabia de suas precá rias condiç õ es de saú de, queria ter a certeza de que a deixaria protegida para o resto da vida. Duvida de mim, senhorita? Conhecia seu tutor melhor do que ningué m, sabia que ele planejava um casamento rico para você.

Paula encolheu-se, tensa como um felino prestes a dar o pulo, como se quisesse gritar, agarrar-se a algué m e lutar pela sua liberdade. No entanto ficou ali, imobilizada pelo estranho fascí nio daquele homem, que vinha de tã o longe declarando ter direitos sobre ela, agora que Marcus morrera.

— Sabe que estou falando a verdade, nã o é? — a voz dele tornou-se grave, com um leve tom de ameaç a... — Sabe que se Marcus vivesse, ele mesmo lhe diria que aprovava plenamente o nosso casamento?

— Mas se o senhor mal me conhece, nã o me ama... — respondeu Paula, com voz embargada.

— Senhorita, no Mé xico, a intimidade e o amor vê m depois do casamento!

 



  

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