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A MARCA DO DEMÔNIO 8 страница



— Ah, que beleza! — exclamou Justine, entusiasmada com a cena. — Gostaria de ser uma pintora para fixar essa paisagem. Talvez seja a luminosidade da atmosfera e das montanhas que tornem a vista tã o maravilhosa em todos os detalhes. Eu tenho a impressã o de estar vivendo num mundo primitivo, antes da civilizaç ã o industrial. Nã o há paredes de concreto nem fachadas de vidro enfumaç ado, nã o há caminhõ es nem carros-tanques repletos de produtos quí micos que poluem a atmosfera. O cé u daqui é limpo e nã o está encoberto pela fumaç a das fá bricas e dos automó veis...

Os dois ouviram o comentá rio em silê ncio. Envergonhada com sua explosã o de franqueza, Justine deu um risinho sem jeito.

— Eu estou parecendo uma turista ingê nua que foi passar as fé rias no estrangeiro. Mas, sem exagero, essa paisagem é divina, gente! Você s nã o acham mais, porque estã o acostumados com ela.

— Cuidado para nã o se apaixonar pela Espanha — disse Artez, virando a cabeç a para trá s. — Caso contrá rio você nã o vai querer voltar mais para seu paí s.

— Eu estou aqui a trabalho e, quando esse trabalho terminar, vou embora sem me sentir presa à Espanha. Eu aprendi a nã o sonhar com as coisas impossí veis.

— Por que impossí veis? — perguntou Cosima virando a cabeç a na direç ã o de Justine.

Nesse momento o carro entrou no portã o da fazenda.

— Ah, nada mudou! — exclamou Cosima ajeitando-se no banco para admirar a casa antiga da fazenda. — Tudo continua como na ú ltima noite em que vim a um baile aqui. Os ciganos cantavam e tocavam violã o no terreiro. É triste saber que tudo continua na mesma, enquanto eu mudei tanto! Nã o posso mais danç ar, rodopiar no terreiro ao som das castanholas, nem atirar flores para os rapazes das sacadas. Ah, por que voltei aqui? Eu estava melhor em casa, trancada no meu quarto. Pelo menos nã o tinha essas recordaç õ es tristes de uma outra é poca.

— Você veio aqui para passar um dia agradá vel na companhia de seus amigos, meu bem — disse Artez com ternura. — Somente os solitá rios sentam-se no escuro, desfiando as lembranç as do passado como contas de um rosá rio.

— Vamos voltar antes que algué m nos veja. Por favor, Artez! — suplicou Cosima com a voz aflita.

— Susana já nos viu — disse Artez desligando o motor do carro.

Com o rosto sorridente e os olhos brilhantes de alegria, Susana, a mulher de Fernando, desceu correndo os degraus do alpendre que levava ao pá tio em frente de casa. Estava de braç os estendidos como se desejasse estreitar todos os ocupantes do carro e os olhos negros cintilavam como contas de vidro. Mã e adorada de dois meninos e de uma menina, Susana amava as visitas inesperadas e as ocasiõ es de extravasar sua alegria exuberante.

Logo atrá s de Susana e de Fernando vinha Lugh Davidson, o inglê s que estava hospedado na casa a fim de adquirir touros de raç a para sua fazenda de criaç ã o na Inglaterra.

— Ah, que saudade eu estava de você, querida! — exclamou Susana estreitando Cosima nos braç os roliç os. — Que bom você ter vindo nos fazer uma visita. Está lembrada de como a gente se divertia antigamente?

— Estou lembrada, Susana. Só que eu nã o posso mais danç ar nem correr como antes. Eu vim somente fazer uma visitinha relâ mpago. Como você está vendo, nã o sou mais a mesma.

— Vamos descer? — disse Artez abrindo a porta do carro e passando os braç os em volta de Cosima, levantando-a com facilidade do banco traseiro. — Fernando, você quer apanhar por favor a cadeira que está no porta-mala? Justine vai lhe mostrar como ela funciona. É o modelo mais moderno que existe. É bem leve e anda sozinha, sem ningué m empurrar.

De fato, a cadeira de rodas era dotada de uma bateria elé trica e de um pequeno motor que acionava as rodas. Possuí a todos os refinamentos da té cnica que o dinheiro podia comprar. Cosima, no entanto, odiava sentar-se nela. Justine imaginava por isso que ela fosse fazer uma cena, mas ela submeteu-se de boa vontade a essa pequena humilhaç ã o, unicamente para fazer a vontade de seu primo.

— Está vendo só que cadeira maravilhosa eu tenho, Susana? Artez faz questã o que eu ande nela, para mostrar como vai mandar em mim depois que nos casarmos.

Nesse momento, Lugh Davidson aproximou-se e cumprimentou os visitantes. Justine estendeu a mã o para o belo inglê s, de quase dois metros de altura, que a contemplou um instante com um sorriso nos olhos, encantado com seus cabelos prateados à luz avermelhada da tarde.

— O sol pode ser terrivelmente cruel para certas mulheres, mas nã o é o seu caso. Seus cabelos sã o mais bonitos à luz do dia que à noite.

— Muito obrigada. Eu estava inquieta por ser a ú nica inglesa no meio de um grupo de espanhó is. Ainda bem que você está aí para me fazer companhia.

— Os espanhó is a intimidam?

— Alguns, pelo menos.

— Artez, por exemplo?

— É, Artez por exemplo! — respondeu Justine com um risinho malicioso.

— Eu ouvi corretamente? Cosima anunciou que está noiva de Artez

— Tudo depende do marido atual conceder o divó rcio — explicou Justine.

— O que você pensa desse casamento? — insistiu Lugh ao notar uma certa reserva na voz dela. — Você é uma româ ntica inveterada e acredita que o destino aproxima duas pessoas, inevitavelmente?

— Bem, pelo que pude observar, Cosima ainda gosta do marido e é mais sensí vel à alegria do momento do que a um sentimento mais profundo.

— O que nã o é o caso de Artez.

— Pois é. Basta um ú nico olhar para se confirmar essa impressã o.

Ela nã o necessitou olhar para vê -lo perto dali, com a mã o no bolso do casaco de couro, a boca fina ligeiramente cerrada e, no alto dos lá bios, o nariz aquilino dos antepassados mouros. Justine examinara o rosto dele de perto e tinha visto como era fundo o oceano de seus olhos; terminava em profundidades primitivas onde ela se sentira perdida.

— Talvez o casamento dê certo — murmurou Lugh. — Os espanhó is estã o acostumados a casar por razõ es de famí lia e tudo que Cosima necessita é de algué m que a defenda e a proteja. Você nã o acha?

— Acho.

Justine nã o acrescentou, poré m, que via pouco entusiasmo por parte dos dois nessa alianç a, a menos que Artez estivesse interessado em casar com a prima para herdar a fazenda. Ela sentiu um sobressalto... Ah, sim, talvez fosse isso! Artez adorava a fazenda e faria qualquer sacrifí cio para possuí -la.

Justine sentiu uma espé cie de tontura ao pensar nessa possibilidade e segurou instintivamente no braç o de Lugh, para nã o perder o equilí brio.

— Desculpe, eu tropecei numa pedra.

— Nã o foi nada. Eu gostei que você se apoiasse em mim.

— Eu nã o o segurei com essa intenç ã o — disse Justine afastando-se dele com vivacidade. — Vamos nos reunir aos outros? Nã o fica bem conversarmos longe deles.

— Você tem receio que eles comentem que nó s gostamos da companhia um do outro? — indagou Lugh, encarando-a com uma expressã o divertida. — Tenho a impressã o de que você tem medo de revelar seus sentimentos verdadeiros, Justine. Você perdeu porventura a confianç a em si mesma?

— E nã o tenho razã o? — disse ela dando um passo na direç ã o dos outros.

Lugh poré m segurou-a pelo cotovelo e levou-a de volta para o meio dos arbustos que estavam espalhados pelo jardim.

— Vamos conversar mais um pouco. Eles nã o vã o fugir...

— Eles vã o pensar que estamos namorando.

— E daí? Você pode ter receio da vida, mas nã o tem motivo para ter medo de mim.

— Nã o é isso, Lugh. Eu tenho que pensar em Cosima. Preciso saber se ela nã o precisa de nada.

— Cosima está distraí da com a conversa.

— Eu sei que está, mas nã o quero fugir das minhas obrigaç õ es. Tenho meu trabalho e vou perder o emprego se Artez pensar que estou flertando com você. Os espanhó is sã o muito circunspectos com os empregados e vim aqui especialmente para cuidar de Cosima. Eu nã o sou um amigo da famí lia, como você!

— Artez nã o é tã o severo quanto você o pinta — disse Lugh com um sorriso. — Ele está olhando para nó s neste momento, mas tenho certeza de que nã o vai despedi-la só porque você está conversando comigo.

Ao ouvir o comentá rio de Lugh, Justine voltou-se instintivamente na direç ã o de Artez e sentiu uma pontada no coraç ã o quando surpreendeu uma expressã o sombria na fisionomia dele. Artez fitava-a com um olhar tã o impenetrá vel, que era impossí vel saber se estava entediado ou simplesmente curioso. Ele acendeu o cigarro e levou-o casualmente à boca no momento em que Justine se soltou por fim da mã o de Lugh. Ela estava com as orelhas vermelhas de vergonha. O que ele ia pensar ao vê -la de mã o dada com Lugh? E ela que fazia questã o de ser uma moç a fria e compenetrada...

Justine procurou recuperar a calma quando caminhou em direç ã o a Cosima, que continuava sendo o centro da conversa entre os donos da casa e os demais convidados.

— Você precisa de alguma coisa? — perguntou em voz baixa, a fim de nã o ser ouvida pelos outros.

— Nã o, muito obrigada. Eu estou bem. Nã o se prenda por minha causa. — Ela voltou-se para os outros. — Se algum de você s cair doente um dia, o que nã o desejo, eu recomendo vivamente uma enfermeira inglesa. Justine nã o apenas é um encanto como me deixa comer chocolate na cama. Afinal, o que mais posso fazer, alé m de ler as revistas da semana e ouvir mú sica?

Todos sorriram com o comentá rio de Cosima e alguns homens dirigiram um olhar interrogativo para Artez, que se destacava dos demais por sua postura incomum. Fernando e Sanches, seu irmã o, eram mais bonitos e elegantes na verdadeira tradiç ã o espanhola mas nã o possuí am o magnetismo pessoal de Artez, que atraí a para si a atenç ã o dos presentes.

— Justine!

Ela levou um susto quando ouviu seu nome ser pronunciado em voz alta por Cosima.

— O que foi?

— Você quer apanhar por favor a bolsa que esqueci no carro? Estou precisando pegar uma coisa nela.

— Pois nã o. Num minuto.

Justine foi até o lado da casa onde o carro estava estacionado e debruç ou-se sobre o banco traseiro para apanhar a bolsa. No momento em que apoiou o pé no estribo estreito do carro, escorregou e quase caiu no chã o. Felizmente, nesse momento, foi amparada por uma mã o forte que a impediu de cair.

— Obrigada — disse ela para Artez. — Se você nã o me segurasse eu teria levado um tombo.

— Por que você nã o abriu a porta do carro em vez de se debruç ar na janela? Seria mais fá cil, as mulheres sã o como gatos. Escolhem sempre o caminho mais complicado e acabam se machucando à toa. Se você tivesse caí do, ia bater com a cabeç a nas pedras da calç ada.

Justine estremeceu instintivamente ao ouvir essas palavras. Artez tinha o dom de acentuar as coisas pelo olhar, pelos gestos. Entretanto, o que a deixou mais nervosa nã o foi pensar que podia bater com a cabeç a nas pedras; foi saber que ele a seguira até o carro. Com que intenç ã o?

— Cosima me pediu para apanhar sua bolsa — explicou Justine sem jeito, ligeiramente encabulada por ele ter chamado sua atenç ã o e desejando que Artez afastasse a mã o de sua cintura antes que algué m notasse o gesto í ntimo.

— Queria lhe dizer uma palavra a respeito de Lugh Davidson. Ele estava importunando você?

— Mas claro que nã o! Por que você diz isso?

— Porque sim! — respondeu Artez com os olhos sombrios, encarando-a fixamente. — Como empregada da marquesa, você nã o precisa se sujeitar aos galanteios dos convidados da casa, a menos que goste de ser solicitada por estranhos. Há mulheres que acham a caç a mais excitante que a captura e talvez você sinta prazer em ser importunada por Lugh.

— De uma forma ou de outra, isso diz respeito unicamente a mim — retrucou Justine com frieza. — Eu nã o sou mais uma adolescente que vive sob a vigilâ ncia do irmã o mais velho. Sei me defender sozinha...

— Pois nã o parece. De qualquer maneira, nã o sou uma autoridade em comportamento de jovens inglesas. Vi apenas que ele a segurou pela mã o e que você estava tentando se soltar.

— E se fosse eu que o estivesse arrastando pela mã o? — perguntou Justine com insolê ncia. — Você nã o tem o direito de se meter na minha vida. Você nã o é meu pai para eu lhe dar satisfaç ã o dos meus atos!

— Eu nã o disse que era. Mas você está num paí s estrangeiro e precisa ser protegida dos lobos, sejam espanhó is ou nã o.

— Ah, é? — exclamou ela com uma risadinha de pouco caso. — Lugh é muito menos lobo que você, para iní cio de conversa! Quem foi que me arrastou para um canto e me beijou à forç a?

— Disso pelo menos você nã o se esqueceu. Eu, pelo menos, tinha a desculpa de ser provocado por você. É isso que você está fazendo agora com Lugh?

— Claro! É só isso que eu sei fazer... seduzir os homens para me vingar da morte do meu marido! Você, sendo espanhol, devia entender tudo sobre vinganç a. Que outro motivo eu tenho para viver a nã o ser para partir o coraç ã o dos homens?

— Tome cuidado para que algué m nã o parta o seu antes disso.

— Como algué m pode partir o que já está quebrado em mil pedaç os? Olhe, eu vou levar a bolsa de Cosima antes que ela fique impaciente e mande algué m saber a causa da minha demora.

— Por falar nisso, você acha que Cosima vai continuar a melhorar como aconteceu nas ú ltimas semanas?

— Acho que sim. Você pode contribuir para sua melhoria mais do que qualquer mé dico ou enfermeiro. Afinal, o casamento ainda é o melhor remé dio para esses casos.

— Remé dio? É assim que você considera o casamento? Um fortificante para levantar o doente da cama? Você nã o acha fantá stico que o destino tenha aproximado Cosima e eu depois de tantos anos?

— Talvez.

— Que outra mulher podia suportar um rosto como o meu? Cosima pelo menos aprecia minha proteç ã o. Ela continua gostando de Miguel, como você deve saber. A ú nica vantagem que eu tenho é ser constante e fiel.

— Você nã o se importa que ela continue gostando do marido que a deixou?

— Nã o, nem um pouco.

— Você se julga superior a essas fraquezas humanas?

— Exatamente. Você acertou em cheio.

— Você s, espanhó is, sã o muito complicados para mim. Ainda bem que logo vou embora daqui.

— Para onde você vai?

— Vou voltar para o hospital onde estava. O trabalho lá é impessoal e as enfermeiras nã o se envolvem com os pacientes. Alé m disso, a gente nã o tem tempo livre para pensar nos problemas pessoais.

— Entendo. Bem, vou deixá -la em paz. Cuide bem de sua paciente. Enquanto isso, vou fazer uma visita à s cocheiras. Quero comparar os cavalos de Fernando com os meus. Ouvi dizer que ele tem um potro que é puro-sangue á rabe, mas eu tenho minhas dú vidas. Hasta luego, Justine.

Ao voltar para junto de Cosima, Justine refletiu sobre as palavras que ouvira. Felizmente Cosima estava conversando animadamente com uma mulher de idade e nã o estranhou sua demora. A velha senhora estava com uma mantilha preta na cabeç a e com um leque grande na mã o. Pela atenç ã o que lhe davam os convidados, Justine adivinhou que a velha devia ser a parente mais importante da famí lia Castro.

Cosima segurou-a pela mã o e apresentou-a à mulher de idade.

— Madrinha, essa é minha enfermeira inglesa. Ela se chama Justine e foi ela que me tirou do quarto escuro, onde passava os dias inteiros me queixando da vida, e me levou para o ar livre, para eu tomar sol e conversar com as pessoas. Ela parece meiga e delicada mas tem um pulso de ferro. Nã o é mesmo. Justine?

— Tome alguma coisa conosco — sugeriu a mulher de idade, fitando-a com admiraç ã o. — Depois conte as novidades de Londres. Ouvi dizer que há uma loja fabulosa chamada Harrods e que as pessoas costumam passar pelo Ritz depois das compras para contar as fofocas do dia e comer uns sanduí ches de pepino...

— Pode ser — disse Justine com um sorriso. — Infelizmente, nã o freqü ento o Ritz e nã o estou a par dessas novidades. Meu ordenado de enfermeira simplesmente nã o dá para essas extravagâ ncias.

— Mas se você é uma enfermeira tã o competente como Cosima falou, devia pedir um aumento de ordenado! Eu pensei que a classe trabalhista gozasse de maiores privilé gios na Inglaterra. Você pertence a essa classe, nã o é mesmo?

— Sim, pertenç o — respondeu Justine sem perder a calma com as perguntas indiscretas da mulher de idade. Ela sabia que os espanhó is da aristocracia eram terrivelmente esnobes e consideravam outras pessoas como criaturas inferiores. Eles eram mimados desde crianç as por criados que lhes faziam todas as vontades e incluí am todas as pessoas que trabalham na categoria de empregados. Justine comparou o caso dessa mulher orgulhosa com a marquesa, que tinha uma excelente educaç ã o e que a tratava como uma pessoa de casa. A vida contudo fora mais generosa com a mulher de idade, que vivia rodeada de netos e netas. A marquesa, que tinha o coraç ã o terno e generoso, sofrera uma sé rie de tragé dias nos ú ltimos anos. Primeiro a morte do filho na arena, depois a paralisia da filha e o divó rcio iminente. Mesmo assim, ela nã o se tornara amarga nem agressiva, como a mulher de idade com quem conversava no momento.

Um criado aproximou-se e colocou um cá lice de xerez em cima da mesa, diante de Justine.

 -Salud — disse ela, levando o cá lice aos lá bios.

O xerez, como os vinhos que serviam à mesa, vinha das plantaç õ es da fazenda. Cada famí lia preparava uma marca especial de vinho. Era o orgulho dos proprietá rios das fazendas produzir a bebida mais saborosa da regiã o, bem corno ter os filhos mais fortes, as filhas mais bonitas, os cavalos mais puros e as mulheres mais elegantes.

Perto dali, alguns rapazes tomavam vinho enquanto conversavam e comiam sanduí ches frios de galinha.

— O que você acha da Espanha? — perguntou a mulher de idade no momento em que Justine tornou a colocar o cá lice de xerez em cima da mesinha. — Você acha que nossos homens sã o atraentes?

— Eles tê m uma elegâ ncia de andar e de falar como nã o tinha visto em nenhum outro lugar.

— É uma caracterí stica da raç a — comentou a mulher de idade com um sorriso de satisfaç ã o. — Meu filho e seus amigos estã o encantados com seus olhos azuis, mas eu ouvi dizer que o azul nos olhos é uma cor traiç oeira.

— Pode ser — concordou Justine. — Mas eu acho que, em todos os paí ses, há mulheres que se aproveitam de sua condiç ã o, especialmente quando sã o tentadas por homens insinuantes. Eu tenho uma madrinha em Madri que é diretora de um orfanato, onde as mã es solteiras vã o ter filhos. Nã o é justo acusar as moç as do norte de serem mais livres que as do sul, nem pretender que todas as espanholas sejam inocentes e puras. A verdade é que todas as pessoas, sem distinç ã o de raç a ou de paí s, sã o sujeitas à s paixõ es...

Justine levou o cá lice de xerez aos lá bios e tomou um gole. Ela nã o era espanhola e nã o ia ouvir de cabeç a baixa os comentá rios ferinos da mulher de idade. Era irritante a suposiç ã o comum entre os espanhó is de que as inglesas se apaixonavam pelo primeiro homem moreno que encontravam.

— Você está gostando de algué m no momento? — perguntou a mulher de idade dando um tapinha no joelho dela com o leque fechado. — É por isso que você defende o amor com tanto empenho? O que você vai fazer quando esse seu namorado pular a janela e entrar no seu quarto à noite?

— O homem que eu amava morreu num acidente. Eu vim aqui para trabalhar e nã o para namorar. Nã o sou mais a adolescente que se babava diante do primeiro homem que encontrava.

— Nã o me diga que você, com sua idade, perdeu o gosto da aventura! — exclamou a mulher de idade com um risinho malicioso dirigido aos presentes. — O corpo pode envelhecer, menina, mas o coraç ã o feminino deseja sempre ouvir um homem dizer: " A sus pies, guapa".

— Pode ser, mas eu pessoalmente nã o quero nenhum homem a meus pé s. Tanto mais que eu acho os espanhó is um pouco apimentados demais para meu gosto. Para falar francamente, prefiro ser deixada em paz no meu cantinho.

— Você acha que pode viver sozinha, sem nenhum homem para lhe fazer companhia? Você nã o gostaria de ter um filho que se atirasse nos seus braç os e que a chamasse de mamã e? Você pode ser muito corajosa, mas tenho certeza de que nenhuma moç a espanhola deseja permanecer solteira ou viú va a vida toda!

— Talvez porque elas nã o tenham sido casadas antes com um homem bom e generoso como meu marido.

— Cosima me contou que ele morreu no dia do casamento.

— Foi.

Justine tinha vontade de gritar para todos os presentes que um espanhol imprudente fora o responsá vel pela morte de Matt e que a ú ltima coisa que desejava na vida era substituí -lo no seu coraç ã o por um homem com sangue latino.

Ela respirou aliviada quando Artez interveio na conversa.

— Está ouvindo as ú ltimas fofocas, prima?

O cheiro forte de fumo bateu em cheio no rosto de Justine. Era uma mistura preparada especialmente para ele e parecia penetrar nos poros da pele. Ela continuou sentada onde estava, com as mã os cruzadas em cima dos joelhos, prestando atenç ã o à conversa.

— O que você achou do meu potro? — perguntou Fernando em dado momento.

Artez se voltou e o sol bateu de chapada no seu rosto, descobrindo cruamente a cicatriz que lanhava a face esquerda. No momento em que Justine virou de frente para os dois homens, ela notou o contraste profundo que havia entre as feiç õ es regulares e bem feitas de Fernando e a fisionomia sombria de Artez.

— É um animal esplê ndido, sem dú vida alguma. A questã o é saber se ganha do meu no galope.

— A gente pode tirar isso a limpo — disse Fernando com os olhos brilhantes de animaç ã o.

— Sim, por que nã o?

— O que você aposta?

— O que você gostaria que eu apostasse?

— Seu potro contra o meu! — exclamou Fernando.

Artez refletiu alguns segundos, olhando atentamente para a ponta do cigarro.

— Nã o — disse por fim. — Eu ando a cavalo por prazer e nã o por espí rito de competiç ã o. Eu nã o corro atrá s da lebre, como você, somente atrá s do vento.  

— Você está voltando atrá s? — perguntou Fernando, decepcionado com a recusa do amigo.

— Como posso voltar atrá s se nã o dei minha palavra?

Artez amassou a ponta do cigarro com um movimento firme da mã o. Havia sempre mil e um subentendidos nas conversas em torno de um tema central. Justine tinha a impressã o de que Fernando estava tentando provar a si mesmo, e aos outros, que era um homem superior a Artez, mais corajoso, mais disposto a arriscar seus bens numa aposta perigosa.

— Eu nã o sabia que você era medroso — insistiu Fernando. — Se eu perder a aposta, você ganha meu potro. Você já me viu lamentar alguma coisa que perdi no jogo?

— Que importâ ncia tem isso? O valor do meu potro está no prazer que ele me dá quando monto nele e passeio pela fazenda. Ele nã o é um cavalo como os outros. Eu o amansei pessoalmente, com carinho, e nã o vou arriscá -lo numa aposta estú pida.

Um silê ncio pesado seguiu-se a essas palavras de Artez. Fernando deu uma risada e balanç ou os ombros, com um gesto expressivo das mã os.

— Eu me lembro que Manolito se queixou um dia que você nunca foi vê -lo combater um touro na arena. Será que aquele incê ndio, há tantos anos, apagou seu fogo, amigo?

No momento em que Justine ouviu as palavras de Fernando, levantou-se bruscamente da cadeira e atirou a bebida que havia no copo na cara do belo espanhol. Ouviram-se exclamaç õ es de espanto por parte da mã e de Fernando e das outras mulheres que estavam presentes. Ningué m podia compreender a razã o do seu gesto.

— Como você pode brincar com uma coisa dessas? — exclamou Justine de pé, com os olhos brilhantes de raiva. — Eu vi pessoas serem levadas para o hospital com queimaduras de terceiro grau e posso dizer que nã o existe sofrimento pior do que esse. Você devia ter vergonha de dizer uma coisa dessa, Fernando!

Nesse momento, Susana apareceu na porta de casa segurando pela mã o uma menina pequena que começ ou a chorar quando viu o pai enxugando o rosto.

— O que foi que aconteceu? — exclamou Susana.

— Nã o foi nada — disse Artez, segurando a crianç a pequena no colo. — Está tudo bem.

Susana aproximou-se do marido e apalpou a camisa ú mida, manchada de vinho. A mã e de Fernando levantou-se da cadeira e dirigiu a Justine um olhar indignado.

— Como você ousa fazer uma coisas dessas com meu filho?

— Um pouco de vinho nã o faz mal a ningué m — disse Justine com um sorriso sem graç a.

— Sua insolente! — exclamou a mulher, abanando-se furiosamente com o leque.

Susana deu o braç o à sogra e levou-a para dentro de casa.

— Ningué m vai me contar o que aconteceu? — perguntou Cosima com uma gargalhada. — Fernando está com uma cara de quem quer matar algué m. Por que Justine tomou a defesa do meu primo? Artez está acostumado com esses comentá rios maldosos. Ele nã o se importa a mí nima com a opiniã o dos outros. Qual! Quem podia imaginar. Eu juro que nunca vi nada igual na vida!

— Minha camisa está manchada para sempre — disse Fernando voltando-se para Justine com um sorriso sem graç a no canto da boca.

— Você tem boa pontaria. Sem falar que tem també m um temperamento violento. Coitado do homem que casar com você! Eu nã o queria estar na pele dele...

— Venha comigo, querido. Vamos trocar essa camisa molhada — disse Susana dando o braç o ao marido.

Artez estava parado a alguns passos dali, com a menina pequena no colo. Atravé s da chuva fina que caí a do repuxo, Justine viu Fernando fazer uma parada e comentar em voz baixa com Artez. A menina estendeu os braç os para o pai, que a segurou no colo e a levou para dentro de casa.

 

 

CAPÍ TULO VII

 

A tarde na fazenda foi festejada com mú sicas e danç as que começ aram logo depois da sesta, quando os convidados seguiram o exemplo da famí lia e descansaram uma hora em quartos ventilados até o sol perder um pouco de sua intensidade.



  

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