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A MARCA DO DEMÔNIO 5 страница



— A você també m? — perguntou Justine, surpresa. — Como é possí vel isso? Ele gosta tanto de você!

— Eu nã o digo que me maltrate. Nã o é isso. Mas ele é tã o calado e compenetrado que sempre tive medo de me aproximar dele. Tenho a impressã o de que ele mataria uma mulher que brincasse com seus sentimentos. Felizmente, ele nã o gosta de mim desse jeito. O amor que sente por mim é antes uma questã o de afeto, de compreensã o. Você nã o acha que tenho razã o? Para mim, meu primo é o exemplo tí pico do espanhol. As veias da piedade e da compaixã o correm lado a lado no seu coraç ã o. Felizmente ele me deu o lado bom de sua personalidade e guardou o lado ruim para os outros.

Justine concordou com Cosima porque havia muita verdade no comentá rio dela. Artez era de fato o homem que podia ser delicado com uma mulher sensí vel ou com uma crianç a. Quando se tratava de paixã o, no entanto, era o espanhol ardente, que sabia satisfazer os desejos profundos da mulher.

 

Justine havia decidido desde o iní cio de sua estadia na casa que era conveniente evitar a companhia de Artez. Entretanto, depois que Cosima melhorou da gripe e começ ou a sentir-se bem disposta novamente, ela nã o quis mais jantar no quarto e Justine foi forç ada a um contato mais direto com Artez durante as refeiç õ es. A famí lia jantava em geral à s oito e meia e ela foi convidada para fazer parte da mesa.

Anaya, a empregada que servia Cosima desde crianç a, tinha por incumbê ncia dar banho e vestir sua patroa. Justine aproveitou o tempo livre para se preparar cuidadosamente para o jantar.

A mala grande tinha chegado de Madri há alguns dias e ela pô de escolher um vestido longo, pró prio para a ocasiã o; apó s pentear e enrolar os cabelos, passou uma leve camada de pintura no rosto e ficou contente com seu reflexo no espelho. Nã o faria feio na companhia da famí lia Obregon. Estava muito bonita, na realidade, e os cabelos louros tinham uma tonalidade prateada que acentuava o azul dos olhos claros. Ela nã o podia perdoar o comentá rio de Artez que seus cabelos eram tingidos. Imagine se ela se parecia com as louras oxigenadas que freqü entavam as praias da Espanha à procura de um milioná rio!

Olhou para o reló gio de pulso e viu que eram quase oito horas, ocasiã o em que a famí lia se reunia na saleta para tomar o aperitivo. Embora a marquesa vivesse isolada no coraç ã o da Espanha, mantinha uma certa etiqueta social dos velhos tempos.

Justine desceu a escada segurando a saia na mã o para nã o arrastar nos degraus. Ela admirava toda vez que passava por ali o corrimã o de ferro lavrado com desenhos e arabescos de extrema delicadeza. As lâ mpadas estavam acesas nas paredes e, no momento em que parou no primeiro lance da escada e olhou para baixo, teve a impressã o exata de ter saí do do mundo moderno e penetrado numa outra é poca, na qual as casas tinham colunas e arcos em profusã o.

Admirou a beleza dos arranjos de flores dos vasos de cerâ mica nos nichos do vestí bulo, os azulejos com desenhos á rabes que cobriam o piso. Olhou encantada para os arcos e as colunas com inscriç õ es gravadas em baixo-relevo. Quem sabe se uma escrava á rabe tinha andado por aquela sala, balanç ando os guisos dos calcanhares para anunciar sua presenç a?

Estava absorta na contemplaç ã o de tudo isso, quando avistou um vulto afastar-se de trá s de um arco e enxergou um braç o, que levara um cigarro aos lá bios com um gesto indolente de nobre senhor.

Artez nã o disse uma palavra, simplesmente permaneceu parado ali, observando-a em silê ncio, os olhos tã o impenetrá veis quanto as sombras que o tinham ocultado da vista alguns momentos antes. Estava vestido a rigor, com um dinner-jacket impecá vel, uma camisa branca imaculadamente passada e engomada no peito, a calç a preta, justa no corpo, de um caimento perfeito. O brilho das abotoaduras de ouro acentuava a impressã o geral de requinte.

— Boa noite — disse Justine, procurando aparentar uma naturalidade que estava longe de sentir. Ela nã o se habituara ainda à elegâ ncia solene dos espanhó is. Nem ao costume que Artez tinha de entrar e sair dos lugares com passos silenciosos de pantera. — Desculpe, eu me assustei.

— Está surpresa de me ver aqui? Pensava que eu fosse um fantasma? Eu pensei que você nã o tinha medo de almas do outro mundo...

— Nã o leve muito a sé rio minhas palavras. Eu me assustei porque sua figura, com essa roupa escura, me lembrou a de um inquisidor espanhol retratado por Goya.

— Ah, sim?

Os dentes brancos brilharam um instante entre os lá bios finos e uma baforada de fumaç a descreveu um cí rculo em volta de sua cabeç a. O perfume das plantas tropicais que vinha do jardim misturava-se com o aroma de tabaco e Justine sentiu novamente uma espé cie de tontura e de fascinaç ã o pelo ambiente estranho da casa. Artez era a ú nica pessoa que sabia de seu trá gico envolvimento com Manolito e isso criava entre os dois uma espé cie de cumplicidade í ntima, perigosa.

— Você nã o gosta de ser comparado com um inquisidor?

— Bem, eu nã o nego que nossa histó ria seja cruel e desumana, mas nem por isso os ingleses sã o anjos, apesar de terem a pele clara e os cabelos louros. Você, por exemplo, dá a impressã o de ser uma criatura meiga e graciosa, mas sabemos que você conhece o ó dio por trá s desses olhos azuis e que você atribuiu a mim os pecados de Manolito.

— A antipatia que sentimos um pelo outro devia tranqü ilizá -lo — comentou Justine com a voz tensa. — Assim, pelo menos, nã o há perigo de que eu corra atrá s de sua proteç ã o... ou de sua fortuna.

— Eu nunca me ofereci para protegê -la e nã o é apenas porque você me odeia. O ó dio de uma mulher é como a picada de um mosquito. Incomoda mas passa depois de um momento. Aliá s, o ó dio e o amor sã o muito parecidos um com o outro para nã o se notar a diferenç a.

— De jeito nenhum! — exclamou Justine com vivacidade. — Eu, pelo menos, nunca confundi um com o outro. Eu senti o ó dio me invadir quando vi Manolito dirigir alucinadamente o carro em cima do meu marido. Eu podia matá -lo a sangue-frio naquele momento, a tal ponto estava cega pelo ó dio.

— Mas depois o ó dio passou — comentou Artez com uma suavidade estudada, soprando uma baforada de fumaç a.

— Manolito mereceu o fim que teve — disse Justine com um movimento brusco da cabeç a. A luz da lâ mpada bateu em cheio em seus cabelos prateados e lanç ou sombras tê nues sobre a pele clara. Os olhos azuis tinham a densidade da meia-noite naquele instante e ela estava tã o nervosa que rasgou o lencinho que segurava na mã o. — Ele jogou com a vida dos outros e pagou o preç o que merecia. Manolito era um homem irresponsá vel e matou um homem bom e generoso, algué m que se dedicava de corpo e alma a salvar a vida dos outros. Matt era um cirurgiã o recé m-formado. Manolito era um milioná rio espanhol, alucinado e imprudente ao volante de um carro. Ah, eu quero que ele fique no inferno!

— Minha cara, o cé u e o inferno sã o aqui na Terra.

Justine voltou-se surpresa e encarou-o no fundo dos olhos.

— Como! Você é espanhol e nã o acredita no inferno?

— Eu sou ateu por convicç ã o. Eu nã o acredito em nada. Alé m disso, minha mã e era inglesa.

— Sua mã e era inglesa? — exclamou Justine espantada. — Ela nã o era irmã da marquesa?

— Irmã s de criaç ã o, apenas. Meu avô casou duas vezes. Minha mã e pertencia ao segundo casamento. A famí lia encontrou um excelente partido para ela quando completou dezoito anos, mas ela chegou à conclusã o de que nã o gostava do meu pai nem de mim e, pouco depois do meu nascimento, ela saiu de casa com um outro homem e foi morar no estrangeiro. Eu fui criado pela marquesa, minha tia. Meu pai era um homem muito ocupado e nã o tinha tempo para cuidar dos filhos. Era um administrador de obras pú blicas. Mais tarde, ele foi fuzilado pelos anarquistas por ser leal ao rei.

Artez aproximou-se da lâ mpada que estava presa na parede e Justine viu nitidamente a cicatriz que marcava sua face esquerda.

— A Espanha é uma terra de contrastes, de santos e de pecadores. É por isso que fascina tanto as pessoas que vê m morar aqui. Se eu fosse você, tomaria mais cuidado com os espanhó is...

— Eu vou tomar — murmurou Justine. — E o que aconteceu com sua mã e? Você nunca mais a viu?

— Ela casou-se com um inglê s e mora atualmente no norte da Inglaterra. Eu nunca mais a vi.

— Por quê? Você lhe guardou rancor?

Artez limitou-se a balanç ar silenciosamente a cabeç a. Era muito orgulhoso para perdoar a mulher que o abandonara em menino. Justine compreendeu sua reaç ã o porque era parecida com ele nesse ponto — ela també m nã o sabia perdoar nem esquecer. Fizera do ó dio um escudo contra o sofrimento. Agira assim quando perdera o marido.

Ela abaixou a cabeç a e caminhou ao lado dele em direç ã o à saleta onde a famí lia tomava o aperitivo antes do jantar. A marquesa, ao vê -la entrar, voltou-se com animaç ã o para o homem com quem conversava naquele momento.

— Esta é nossa enfermeira inglesa, a amiga de minha filha. Venha aqui, querida. Eu quero lhe apresentar a um amigo nosso que veio à Espanha comprar animais de criaç ã o para sua fazenda.

Lugh Davidson era um homem forte, de ombros largos, e quase tã o moreno de pele quanto Artez. Fitou-a com surpresa e nã o escondeu sua admiraç ã o diante de sua figura cativante.

— Ah, por que nã o tive uma enfermeira como você quando fui operado de apendicite? Muito prazer em conhecê -la, minha querida compatriota.

— O prazer é meu. Nã o imaginava encontrar um inglê s aqui, muito menos comprando animais de criaç ã o. Eu nã o sabia que os espanhó is exportavam seus touros para fora do paí s. Eu pensei que eram mortos em combate nas arenas da Espanha.

Lugh Davidson lanç ou um olhar divertido para Artez, que se aproximou com um cá lice de xerez para Justine.

— Ouviu o que ela disse, amigo? Pelo visto, essa moç a é adversá ria faná tica das corridas de touros, ao contrá rio de muitas inglesas que se sentam nas primeiras filas da arena e que pedem aos gritos as orelhas do touro ao matador.

— Ela julga que os espanhó is de hoje sã o semelhantes aos nossos antepassados. Impiedosos, bá rbaros, crué is como aves de rapina...

Ao dizer essas palavras banhadas de ironia, Artez afastou-se e foi conversar com Cosima, que estava sentada no sofá, com uma manta rendada em cima das pernas. O ú nico adorno que ela usava era uma cruz de ouro que estava presa ao pescoç o por uma correntinha.

— É uma pena o que aconteceu com essa jovem encantadora — comentou Lugh em voz baixa com Justine. — Você acha que ela voltará a andar?

— Dificilmente. O pior foi o marido abandoná -la num momento crí tico. A lealdade e o amor sã o os melhores remé dios que existem no mundo para esses casos. Ela se julga rejeitada e acha que nã o há mais motivo para viver.

— Artez gosta muito de sua prima, pelo que notei. Ele é um homem estranho, você nã o acha? Mesmo assim, penso que seria um excelente marido para ela. Pelo menos nã o a abandonaria nunca. Mas o que se há de fazer? — acrescentou Lugh com um suspiro. — A vida é cheia de altos e baixos.

— Se é — concordou Justine, lanç ando um olhar de relance para Artez.

Havia outros convidados para jantar aquela noite. Lugh Davidson, por sua vez, estava hospedado na fazenda de uns conhecidos, que eram criadores de animais de raç a. Ele se sentou ao lado de Justine na mesa e falou sobre a fazenda de criaç ã o que possuí a na Inglaterra. Ela ouviu a conversa com atenç ã o, encantada com a possibilidade de matar saudades de seu paí s.

— Comparada com o interior da Inglaterra, a Espanha é totalmente diferente — disse ela, comendo a salada de frutas que foi servida no fim do jantar, com creme de leite e sorvete.

— O clima é que cria o maior contraste — comentou Lugh. — Você precisa tomar cuidado para nã o se queimar demais. Sua pele é muito clara para o sol daqui.

— Eu ainda nã o fui lá fora nem um dia — disse Justine, voltando-se para Cosima que estava do outro lado da mesa. Ela se lembrou naquele momento que prometera passar apenas uma semana na fazenda, a tí tulo de experiê ncia; a semana terminara e ela nã o decidira ainda se ia ficar ou partir. Ambas as decisõ es lhe causariam tristeza.

Sem querer, levada por seus pensamentos, voltou a cabeç a para Artez que estava sentado ao lado de Cosima. Ela ficou toda arrepiada quando encontrou o olhar dele voltado para si. Quase deixou cair o copo de vinho que segurava na mã o em cima da toalha.

" Nã o olhe para mim desse jeito! " queria gritar para ele. " Se você está lendo meus pensamentos, sabe que é por sua causa que nã o consigo ir embora daqui. "

Artez levantou as sobrancelhas e deu um sorriso, como se tivesse interpretado seu pensamento. Justine afastou lentamente a cabeç a, convencida de que se fosse embora da casa seria unicamente por causa dele.

Ah, que ele fosse para o inferno! pensou com raiva. Cosima necessitava de algué m que tomasse conta dela e que a curasse da depressã o constante, caso contrá rio acabaria cometendo um desatino mais dia menos dia, e a pobre marquesa teria mais um luto terrí vel para lhe pesar na memó ria.

No final do comprido e complicado jantar, que seguia à risca a etiqueta espanhola, Justine aproximou-se silenciosamente de Cosima e murmurou no seu ouvido que estava na hora de ir para a cama.

— Você vai estar cansada amanhã se dormir muito tarde hoje.

— Ela tem razã o — interveio Artez. — Está na hora de dormir, boneca.

Artez estendeu os braç os e estreitou a prima com ternura. Cosima murmurou boa-noite para os convidados com um sorriso triste e, sem protestar, foi levada nos braç os para o quarto.

Artez transportava-a com tanta facilidade como se ela fosse uma crianç a pequena. Atravessou os arcos do vestí bulo e parou diante da porta dos aposentos de Cosima, que Justine abriu de par em par para os dois passarem. Artez entrou no quarto e deitou-a na cama. Cosima afundou a cabeç a no travesseiro com um sorriso de satisfaç ã o.

— Como você é forte, primo — disse, olhando para ele com admiraç ã o.

Todas as noites, antes de dormir, Anaya escovava os cabelos de Cosima até enrolarem nas pontas.

— Nã o sou eu que sou forte, meu bem. É você que é leve como uma pena. Você precisa comer mais para ficar forte. Você se divertiu esta noite? Gostou de rever seus amigos?

— Gostei muito. Fazia um tempã o que Lugh nã o aparecia aqui em casa. — Voltou-se para Justine. — E você, gostou de conversar com ele? Ele é uma simpatia, nã o?

— Realmente, foi uma surpresa encontrar um inglê s aqui. Você nã o quer se preparar para dormir?

Cosima olhou para o reló gio em cima da mesinha de cabeceira.

— Ah, que encheç ã o ter hora certa para dormir, comer, tomar banho, conversar, até para se distrair... E dizer que houve uma é poca em que eu danç ava todas as noites até as trê s da manhã! Agora nem posso ir sozinha para a cama. Algué m tem que me carregar nos braç os, como se fosse uma crianç a de colo.

— Deixe de se queixar da vida e durma bem — disse Artez segurando a mã o dela e beijando-a com carinho. — Nã o se esqueç a que domingo vamos à fazenda de Fernando, como lhe prometi.

— Claro que nã o vou me esquecer! — disse Cosima, apertando os dedos que Artez lhe estendeu. — Espero que dessa vez você nã o encontre alguma desculpa para tirar o corpo fora na ú ltima hora. Você tem um administrador que toma conta da fazenda e nã o é preciso que esteja o tempo todo aqui. Você promete que nã o vai dar o bolo?

— Prometo — disse Artez com um sorriso. — Você está muito bem esta noite, prima. Seus olhos voltaram a brilhar como antigamente.

Cosima sorriu de contentamento ao ouvir o elogio.

— Estou contente por sua causa. Você é um amor comigo.

— Sua bobinha — disse Artez, roç ando a mã o no seu queixo. — Você sempre foi uma garota encantadora e está farta de saber disso. Nã o precisa ningué m lhe dizer.

— Posso lhe pedir um favor? Mais um?

— Quantos você quiser.

— Justine pode ir conosco domingo à fazenda de Fernando? Ela gostaria de encontrar-se novamente com Lugh e tenho certeza de que vai adorar o passeio depois de passar a semana inteira trancada dentro de casa.

Artez voltou-se na direç ã o de Justine. Ela estava pensando em dar uma desculpa qualquer para nã o ir com os dois quando encontrou o olhar dele fixo no seu.

— Mas claro que sim! Vamos levá -la conosco. Você vai gostar de conhecer a fazenda, Justine, e terá ocasiã o de ver os touros mais belos que se criam na Espanha. Sã o animais reprodutores e nã o de combate. Nã o sã o destinados à arena. Como você deve saber, nem todos os espanhó is aprovam a crueldade das corridas de touros, nem a matanç a dos cavalos estropiados que sã o destinados à arena. Os turistas é que sã o responsá veis por esses espetá culos sangrentos. Alguns deles ficam realmente histé ricos quando vê em o sangue derramado na arena, sobretudo as mulheres, especialmente as que nunca experimentaram esse ê xtase na cama!

— Artez, modos! — exclamou Cosima da cama. — Você nã o precisa agredir Justine com palavras rudes, como se ela fosse uma turista inglesa apaixonada por corridas de touros.

— Ah, nã o se preocupe comigo, Cosima — murmurou Justine com um sorriso sem graç a. — Estou habituada a suportar as agressõ es dos homens e seu primo deixou bem claro desde o iní cio que nã o simpatiza com as inglesas, muito menos comigo. Ele é tã o fervorosamente nacionalista, que nã o aceita ningué m que nã o tenha um pouco de sangue espanhol nas veias. Ele antipatiza solenemente comigo e lhe devolvo na mesma moeda.

— Você faz muito bem — disse Artez com um sorriso irô nico. — Vamos deixar de lado nossas briguinhas, no momento. Vamos todas à fazenda de Fernando no domingo. Afinal, Justine é sua enfermeira, prima, e deve lhe fazer companhia onde você estiver.

Artez afastou-se e saiu do quarto, rumando em direç ã o à sala que tinha sido capela numa outra é poca. Justine acompanhou-o com os olhos durante alguns segundos, pensando dizer que nã o estaria mais na fazenda no domingo, que pretendia partir antes disso. As palavras estavam borbulhando na sua garganta quando Artez fez uma pausa no corredor e voltou-se na sua direç ã o.

— Ah, antes que me esqueç a... Ao contrá rio do que previa, você fez um bom trabalho durante essa semana que passou aqui, enfermeira. Cosima está melhorando a olhos vistos. Nã o está mais com a aparê ncia abatida de antes. — Voltou-se para a prima. — Buenas noches, guapa. Durma bem.

Cosima sorriu para Justine depois que Artez saiu do quarto.

— Eu sei no que você está pensando.

— O que é?

Justine tirou-lhe os sapatos e fez uma massagem nos pé s frios antes de colocá -los embaixo da coberta.

— Você tem razã o de achar meu primo tremendamente convencido. Notei que você estava pronta para dizer um desaforo diante de seu comentá rio indelicado.

— Realmente me contive a tempo — confessou Justine. — Nã o exagerei quando disse que nunca conheci ningué m como ele antes. Seu primo julga os outros como se ele fosse um homem perfeito, sem nenhum sentimento de culpa na consciê ncia. Ele é prepotente, intolerante e parcial nos seus julgamentos. Coitada da mulher que casar com ele!

— Talvez ele tenha razã o de ser assim — disse Cosima, tirando o anel de safira que usava durante o dia.

Deitou a cabeç a no travesseiro com um suspiro e observou Justine à luz da lâ mpada de cabeceira, o rosto pensativo e pá lido emoldurado pelos cabelos negros.

— Você gostaria de trocar de lugar comigo? — perguntou, notando o olhar de admiraç ã o que Justine dirigiu ao anel de safira. — Você nã o é rica e nã o tem outra coisa a nã o ser o ordenado que recebe mensalmente. Eu compro sapatos mais caros que seus vestidos de noite. Você é pobre em tudo, mas tem saú de e liberdade para fazer o que bem entende. E só por isso a invejo de todo coraç ã o.

— Nã o se esqueç a de que nã o tenho famí lia para cuidar de mim — disse Justine sem jeito diante da confissã o inesperada de Cosima. — Eu nã o tenho ningué m no mundo, a nã o ser minha madrinha que mora em Madri. Quando estou na Inglaterra, há dias em que me sinto terrivelmente desamparada, sem ningué m para recorrer num momento de dificuldade.

— Nesse caso, por que você nã o casa de novo? A melhor maneira de fugir da solidã o é atirar-se nos braç os de um homem. Você nã o simpatizou com Lugh? Ele é solteiro, rico, generoso e gostou muito de sua companhia, pelo jeito.

Justine limitou-se a sorrir enquanto ajudava-a a retirar o vestido do corpo. Em seguida, puxou o cordã o da campainha na cabeceira da cama para chamar Anaya. Justine nã o desejava ofender a criada espanhola assumindo certas obrigaç õ es que cabiam a ela.

— Eu nã o me caso de novo porque sei que nã o vou encontrar outro homem como Matt — disse Justine apó s um momento. — Prefiro continuar sozinha a correr o risco de me unir a algué m que nã o corresponda à minha expectativa.

— Pois olhe, se Miguel voltasse para mim, eu nã o me importaria que me batesse, me maltratasse, contanto que estivesse aqui, ao meu lado, para poder abraç á -lo, beijá -lo, ouvi-lo falar comigo. Ser judiada pelo homem que se ama nã o é tã o ruim assim. O inferno é estar sem a sua companhia.

— Talvez você tenha razã o — disse Justine pensativamente. Anaya chegou nesse momento. Quando Justine saiu do quarto, Cosima estava conversando com Anaya sobre um produto de beleza que vira anunciado numa revista francesa. Cosima raramente lia um livro, mas era uma leitora assí dua de revistas semanais, sobretudo as femininas.

Justine parou um instante no hall de entrada, onde as arandelas projetavam sombras curiosas nas paredes e nos tapetes. Estava na dú vida se devia passar na sala de estar e dar boa-noite aos convidados. Afinal, era apenas uma enfermeira e nã o uma hó spede da casa. Provavelmente ningué m daria por sua falta.

Voltou-se por isso na direç ã o oposta e atravessou a porta alta que dava para o jardim. A noite estava belí ssima e ela aspirou com alegria o perfume das laranjeiras e dos limoeiros que vinha lá de fora. As folhas das palmeiras farfalhavam baixinho sob a viraç ã o noturna e os vagalumes piscavam entre os arbustos e as á rvores de maior porte. O cé u estava alucinantemente limpo; as estrelas brilhavam com tanta intensidade que Justine ficou parada ali, extasiada, admirando a beleza espetacular da noite espanhola, sem comparaç ã o com o cé u permanentemente encoberto e sujo das cidades grandes como Londres.

A conversa que tivera com Cosima voltou a sua lembranç a. Era uma felicidade realmente gozar de saú de, passear no jardim à noite, nã o depender de ningué m, fazer o que lhe passasse pela cabeç a, onde e quando quisesse. Pobre Cosima! Passava o dia inteiro numa cadeira de rodas e dormia numa cama enorme de dossel, tendo ao lado, em cima da mesinha de cabeceira, uma caixinha de jó ias. Dependia dos outros para tudo, era frá gil e indefesa como uma crianç a pequena, e nã o tinha a menor idé ia de que Manolito, seu irmã o, era o responsá vel pela infelicidade de Justine.

Manolito nascera naquela casa; brincara naquele jardim quando era crianç a e fora ali provavelmente que beijara sua primeira namorada.

As copas das á rvores balanç avam sob a brisa noturna. Justine sentiu um tremor lhe percorrer o corpo quando o sereno penetrou na blusa leve de cambraia. Ou nã o era o frio que lhe causava uma sensaç ã o estranha na espinha? Ela voltou rapidamente a cabeç a, como se sentisse uma presenç a ali. Havia fantasmas naquela casa, como em todas as fazendas muito antigas? No instante seguinte, avistou um vulto branco parado embaixo da buganví lia que se erguia no meio do pá tio. Sentiu o coraç ã o disparar a toda e ia gritar quando uma mã o encobriu sua boca.

— Você vai assustar os outros... Nã o grite!

Ela estava imobilizada, sem poder se mover ou dizer alguma coisa. Tinha a sensaç ã o exata de estar transformada numa está tua de pedra. As pontas dos dedos das mã os e dos pé s estavam geladas de susto. Os olhos negros fitavam-na atentamente sob a luz baç a do pá tio.

— Sou eu. Você nã o precisa se assustar.

— Você se move com a rapidez de um animal. Eu nã o ouvi seus passos... Você estava me seguindo?

— Por que razã o haveria de segui-la?

— Nã o sei. Talvez você esteja tentando me expulsar de casa. Ou entã o...

— Ou entã o?

— Você está querendo saber se eu sou uma mulher fá cil.

Era a primeira vez que ela tinha a coragem de abordar o problema que a inquietava desde que chegara na casa. Sabia perfeitamente que a atraç ã o sexual podia surgir entre duas pessoas que se odiavam. Era o oposto do amor, mas podia ser igualmente forte e incontrolá vel. Era disso justamente que tinha medo, de ser arrastada sem querer para regiõ es desconhecidas.

— É natural que me sinta atraí do por você... Afinal, moramos na mesma casa e mantemos uma certa intimidade. O ó dio no fundo é uma emoç ã o tã o envolvente quanto o amor. Você me odeia, nã o é verdade?

A pergunta inesperada deixou-a atordoada no primeiro instante. Ela afastou-se dele e apoiou-se no galho da buganví lia. Os perfumes envolventes da noite impregnavam o ar, penetravam em suas narinas, asfixiavam-na.

Ela deu uma exclamaç ã o de susto quando Artez colocou a mã o na sua nuca, por baixo dos cabelos soltos, como se fosse o caule de uma planta que pudesse ser arrancada da terra ou quebrada nos dedos.

— Ningué m pode conviver com os mortos — disse Artez, indiferente a sua tentativa de soltar-se de sua mã o. — Muito menos você, com sua natureza sensí vel. Se você me odeia é porque está viva e nã o foi enterrada com algué m que nunca mais encontrará na vida.

— Solte-me!

No instante em que ela se debateu para se libertar, ele afrouxou os dedos que seguravam o pescoç o. Com a outra mã o, no entanto, cingiu-a pela cintura e virou-a na sua direç ã o, dominando-a com a mesma facilidade com que amansava os potros bravos da fazenda.



  

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