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Acordes do Coração



Acordes do Coraç ã o

 “For the love of Sarah”

Anne Mather

 

 

 

O importante para Rachel era manter segredo a qualquer custo, para dar a sua filha Sara um futuro melhor. E assim, por longos anos, ela afastou-se daquele mundo de incertezas que a cercava e foi viver no interior. Mas o acaso trouxe de volta o dissabor daqueles tempos que Rachel queria esquecer. Mais uma vez aqueles dois homens Joel e James da famí lia Kingdom, vinham atormentar sua existê ncia. E ambos queriam possuir e conquistar o seu coraç ã o por capricho e honra. Numa luta de vida ou morte, eles apostavam na felicidade de Rachel, e ela sabia que enquanto um deles poderia destruí -la, o outro poderia dar-lhe o cé u!

 

 


CAPÍ TULO I

 

 

Joel deixou a rodovia principal no trevo de Salton e rumou para oeste, em direç ã o ao interior. Alé m dos poucos lugarejos que ladeavam a estrada, quiló metros e mais quiló metros de campinas verdejantes estendiam-se na sua frente, entremeados aqui e ali por pequenas casas rú sticas, e a fumaç a que saí a das chaminé s era o ú nico sinal de serem habitadas. Havia naturalmente muitos rebanhos de carneiros que andavam des-preocupadamente pelo meio da estrada, obrigando Joel a brecar o carro de tempos em tempos, e cada minuto de tempo perdido aumentava ainda mais sua impaciê ncia. Em qualquer outra cir­cunstâ ncia, a sensibilidade artí stica que lhe garantia o sucesso na sua profissã o teria reagido favoravelmente ao colorido maravilhoso do entardecer. O pá lido azul-turquesa do horizonte, agora que o sol tinha se posto, fundia-se com a penumbra que se aproximava e fazia as estrelas cintilarem no cé u. A atenç ã o de Joel, no entanto, estava dirigida para outros pensamentos menos agradá veis e nã o sentia nenhuma afinidade com a paisagem varrida pelo vento, a nã o ser irritaç ã o, ao constatar que seu destino estava tã o distante da civili­zaç ã o a que estava habituado. Os carros que vinham na direç ã o contrá ria eram obrigados a se afastar do meio da pista diante da imponê ncia do Mercedes esporte. Joel refletiu, de mau humor, que os motoristas do interior julgavam-se os ú nicos donos da estrada. Nã o estava em condiç ã o de ser generoso nem atencioso no momento; nã o comera nada desde o café da manhã e estava morrendo de vontade de tomar uma bebida gelada para aliviar a frustraç ã o.

Lanç ou um olhar para o reló gio de ouro no pulso. Passavam das sete. Logo seria noite fechada e nã o tinha o menor desejo de rodar por aquela estrada desconhecida no escuro. Foi por essa razã o que nã o parou antes nos postos de serviç o ao longo da rodovia. Calculava que faltavam apenas uns oito ou dez quiló metros para chegara Langth-waite e, com um pouco de sorte, encontraria tudo de que necessitava no pequeno hotel do lugarejo. Pelo menos, até o dia seguinte.

Suspirou e flexionou os dedos da mã o, primeiro os da esquerda, depois os da direita. Saí ra de Londres à s duas da tarde e fizera uma boa mé dia na estrada. Nã o correra, mas també m nã o perdera tempo com paradas inú teis. Sentia-se singularmente relutante em atingir seu objetivo quando partira e, embora essa sensaç ã o hou­vesse desvanecido em parte, durante a viagem, os sentimentos do momento continuavam ainda meio confusos. No í ntimo do coraç ã o havia uma amargura profunda com respeito à s consequê ncias pos­sí veis da viagem, e, por mais que refletisse sobre o caso, nã o che­gava a uma conclusã o se estava agindo certo ou errado.

Mudou a marcha com irritaç ã o, sem desejar investigar os mo­tivos de sua decisã o. Já que estava ali, tinha que ir até o fim. A noite escurecia rapidamente, mas havia luzes na frente e Joel acendeu o farol para ler a placa indicadora, meio escondida atrá s do mato que crescia ao lado da estrada. Quase ia passando a entrada, pensou com irritaç ã o, ao reduzir a marcha do carro. Nã o havia tempo para dú vidas e hesitaç õ es.

O lugarejo consistia num aglomerado de casas construí das em volta de uma praç a. Havia a inevitá vel cabine telefô nica em frente ao correio, uma vendinha, que dava a impressã o de ter um pouco de tudo, e o hotel. O Faisã o Dourado! Joel sorriu com o canto da boca ao ler o luminoso. O nome pelo menos era diferente do de outros hoté is do interior. Nã o era certamente um hotel de luxo, mas se a roupa de cama estivesse limpa e a cerveja bem gelada, nã o fazia objeç ã o.

Alguns adolescentes passeavam na pracinha e a presenç a do Mer­cedes esporte creme despertou alguns comentá rios animados. Joel deixou com relutâ ncia o carro estacionado em frente ao hotel, rezando para que ningué m riscasse a pintura impecá vel com um prego en­ferrujado. Onde estava o encanto do interior que tinha imaginado existir? Desaparecera como tudo o mais? Ainda bem que nã o havia nenhuma vila operá ria nas redondezas, e a cidadezinha ficava longe dos centros industriais para atrair a atenç ã o de possí veis moradores.

Joel trancou o carro, vestiu o casaco forrado de pê lo de carneiro por cima da calç a e da camisa, ajeitou o nó da gravata e entrou no hotel pelo bar, aparentemente o ú nico meio de acesso. Ainda era relativamente cedo e havia somente alguns fregueses na sala, em geral homens de idade. Mas a moç a que atendia era jovem e bonita, especialmente atraente para os que gostam de louras opulentas. Olhou intrigada para o homem moreno e examinou-o de alto a baixo, sem cerimô nia. Dirigiu-lhe em seguida um sorriso simpá tico e cati­vante, como se estivesse bem impressionada com o exame sumá rio.

— Pois nã o?

Joel olhou em volta com uma certa hesitaç ã o.

— Vou tomar um chope. Você s alugam quartos aqui?

A moç a tirou o chope em silê ncio e empurrou o copo espumante em sua direç ã o.

— Quartos para a noite? No hotel? Sim, talvez haja alguns quartos desocupados. Mas nã o tenho certeza se nessa é poca do ano... — Devolveu-lhe o troco e fitou-o com atenç ã o. — Posso per­guntar, se você quiser.

Joel guardou o troco no bolso.

— Se nã o for muito trabalho — disse, levando o copo à boca e bebendo um gole comprido.

A moç a o considerou durante um instante e depois saiu andando em direç ã o à porta dos fundos com um ligeiro movimento dos quadris. Joel sentou-se no banquinho do balcã o. O chope estava gostoso, bem gelado, refrescante e oportuno, apó s muitas horas no volante. Notou que sua presenç a provocou uma pequena dis­cussã o num canto da sala entre dois homens de idade e concluiu que tinham poucos hó spedes naquela é poca do ano.

A moç a voltou acompanhada de um homem de meia-idade. Joel sorriu para o homem, que devolveu o sorriso com uma certa timidez.

— Deseja um quarto? — perguntou o homem, apoiando-se no balcã o. — Pretende demorar-se algum tempo?

— Apenas uma noite.

— Está de passagem?

— Nã o exatamente — disse Joel com um movimento da cabeç a. — Vim resolver um negó cio em casa de um conhecido. O senhor tem um quarto livre?

— É prová vel que sim. Minha mulher já vem vindo. O senhor vai jantar aqui?

Joel controlou o impulso de dizer um desaforo. Naturalmente que queria jantar. Ou o homem achava que nã o era sujeito à s necessidades de um ser humano comum?

— Se for possí vel — disse, com uma calma admirá vel. — Mas nã o queria dar muito trabalho. Bastariam alguns sanduí ches agora e umas torradas com queijo no café da manhã.

Nesse momento a mulher que estava sendo esperada entrou na sala.

— É o senhor que deseja um quarto para a noite? — perguntou. Joel balanç ou a cabeç a. — O quarto está pronto. O senhor deve estar com fome, nã o?

— Bem... eu — Joel olhou sem jeito para o marido.

— Está sim, Ellie. O senhor... ainda nã o sei seu nome... está morto de fome.

— Joel Kingdom.

No que lhe pareceu um tempo incrivelmente curto, Joel foi levado até o quarto no primeiro andar, usou o banheiro e jantou numa saleta que parecia ser usada normalmente apenas pela fa-mí lia. Foi servido pessoalmente por Ellie, embora a garç onete loura encontrou uma desculpa para entrar na sala e perguntar se de­sejava mais alguma coisa. Joel nã o pareceu especialmente atraí do pelos encantos da moç a e disse que estava satisfeito com a sopa, o rosbife com salada de batata e a fatia de torta de maç ã.

Ellie entrou na sala no momento em que terminava o segundo copo de vinho. Ficou contente ao perceber que o hó spede havia limpado os pratos.

— Gostou da nossa comida?

Joel balanç ou a cabeç a, fazendo massagem nos mú sculos dolo­ridos dos ombros.

— Estava uma delicia, muito obrigado. A senhora foi muito gentil. O contentamento refletiu-se no rosto cheio e corado.

— Quer dizer que já vai embora amanhã? — perguntou, reco­lhendo os pratos da mesa.

Joel levantou-se.

— Espero que sim. — Ao notar a indelicadeza da resposta, acrescentou sem jeito. — Isto é, se o negó cio que vim tratar aqui nã o me tomar mais tempo. — Deu um suspiro. — Tenho que voltar sem demora para Londres.

— Trabalha em Londres?

— À s vezes, sim.

— Mas mora lá?

— A maior parte do tempo.

A mulher estava procurando evidentemente um pretexto para sondar o tipo de negó cio que seu hó spede viera tratar, mas Joel se fez de desentendido. Suprimiu um bocejo com a mã o e disse:

— Desculpe, tive um dia muito cansativo e estou com um pouco de sono. Vou subir para o quarto.

A mulher procurou ocultar sua frustraç ã o.

— Esteja à vontade. Lembra-se onde é o quarto?

— Perfeitamente — disse Joel com um sorriso. — Boa noite, entã o.

— Boa noite — sorriu a mulher de volta.

Passou pelo vestí bulo em direç ã o à escada. A moç a loura apa­receu na porta do bar.

— Nã o quer tomar um outro chope? Joel balanç ou negativamente a cabeç a.

— Nã o, muito obrigado.

— Já vai deitar tã o cedo?

— Por que nã o? Já passam das dez...

— Meu Deus, dez horas! Como o tempo voa. — Olhou para o alto da escada. — Pensei que em Londres as pessoas dormissem mais tarde.

— Nem todos — disse Joel com secura. — Boa noite.

O quarto era embaixo do só tã o e o teto tinha uma pequena inclinaç ã o. Só podia ficar em pé perto da porta, mas a cama era comprida e confortá vel e seria um prazer poder esticar as pernas doloridas. Fizera giná stica aquela manhã no clube com intenç ã o de relaxar a mente e o corpo mas, pelo visto, nã o fora muito bem-sucedido num sentido nem no outro.

O banheiro nã o tinha chuveiro e contentou-se em lavar o rosto e os braç os antes de voltar para o quarto. Tirou o robe, apagou a luz e enfiou-se embaixo da coberta. A cama estava gelada. O hotel nã o tinha aquecimento centrai. Mas o calor gerado por seus pensamentos logo o aqueceu.

Deitado de costas, com os braç os atrá s da cabeç a, olhou fixa­mente para as flores desbotadas da cortina. Entã o estava ali, em Langthwaite e, em algum lugar perto dali, a um quiló metro de distâ ncia, mais ou menos, morava Rachel, Rachel Gilmour, como se chamava agora, se bem que fosse Rachel mesmo assim.

Sentiu um gosto amargo na boca. Jamais poderia imaginar que Rachel fosse fazer isso com ele! Apertou as mã os com forç a. Se estivesse ali naquele momento, torceria seu pescoç o!

Mas a raiva era inú til. Seria preferí vel agir com calma e frieza, com a má xima objetividade. Afinal, nã o tinha certeza se Rachel fizera aquilo de propó sito, apenas para magoá -lo, embora a outra alternativa fosse igualmente indigesta...

Descontraiu os mú sculos das mã os e forç ou-se a relaxar a mus­culatura dos ombros. Fazia somente trê s dias que recebera a no­ticia, mas parecia ter transcorrido um tempo enorme...

Estava terminando o retrato a ó leo de Lady Antonia Barrie quando Francis bateu à porta do ateliê. Nã o recebeu com agrado a interrupç ã o. Levantara-se cedo para aproveitar a luz da manhã e Joel recebeu seu irmã o com certa frieza. A princí pio pensou que se tratava de mais uma facada, como Francis tinha o costume de dar.

Depois de ouvir a notí cia em silê ncio, achou preferí vel nã o se envolver na histó ria de famí lia.

— Por que você acha que vou me importar com o casamento de papai? — perguntou com impaciê ncia.

— Claro, para você nã o faz nenhuma diferenç a! — exclamou Francis, andando nervosamente de um lado para o outro da sala.

— Sua avó deixou o suficiente para você se virar. Infelizmente eu nã o tenho parentes ricos do lado materno e, se papai se casar de novo, vai provavelmente me deserdar, como deserdou você!

Joel afastou os cabelos da testa e encarou seu meio-irmã o com um sentimento de frustraç ã o.

— Você nã o se importou na é poca com isso — observou com rispidez. — Alé m disso, lembre-se de que a heranç a de minha avó serviu apenas para me iniciar na minha profissã o. Com você é diferente Francis. Você é o filho ú nico do segundo casamento e, mesmo que papai se case de novo, o que duvido, há poucas pro-babilidades que tenha um outro filho. O velho está com sessenta e trê s anos, meu caro!

— Alguns homens tê m filhos aos noventa! Mas você nã o ouviu tudo ainda. Sabe com quem ele vai se casar?

— Isso faz diferenç a? — perguntou Joel com um movimento dos ombros.

— Evidente que sim. A moç a chama-se Rachel. Rachel Gilmour.

— Hesitou, saboreando o efeito que as palavras produziam. — Ela chamava-se Rachel Abbey quando solteira!

Joel atravessou a sala com algumas passadas largas, segurou o irmã o pela camisa e puxou-o com violê ncia.

— O que você disse? — exclamou furioso. Francis tentou libertar-se e gaguejou a resposta:

— É... a... verdade, Joel! E com Rachel, eu juro!

Joel soltou-o com tanta violê ncia que Francis saiu rodopiando pela sala e foi cair em cima de uma pilha de molduras. Estava com o rosto deformado pela raiva quando se levantou, e espanou a roupa coberta de poeira.

— Eu nã o tenho culpa! — gaguejou com uma careta. — É verdade!

Joel nã o prestou atenç ã o à s suas palavras. Francis nã o ia in­ventar uma histó ria dessas a troco de nada. Apanhou um pacote de cigarros no meio de uma pilha de desenhos, mordeu a biqueira entre os dentes e acendeu-a com as mã os tré mulas. Em seguida, . olhou em silê ncio durante alguns segundos pela janela aberta, avistando os telhados das casas e a curva do rio Tâ misa a alguma distâ ncia dali. Voltou-se finalmente para o irmã o. Francis acendera ura cigarro nesse meio tempo e tragava nervosamente a fumaç a, enquanto observava Joel com o canto dos olhos.

— Conte o que você sabe.

— Prefiro nã o falar nada — disse Francis com nervosismo.

— Nã o me provoque, Francis — murmurou Joel com o rosto tenso. — Eu quero saber tudo.

— Eu me encontrei com ela!

— Você o quê?

— Eu... me encontrei com Rachel. Ah, por amor de Deus, Joel, nã o olhe para mim com essa cara! Eu nã o tenho culpa.

— Continue. Quando você a encontrou?

— Ontem à noite. Com papai. É verdade! — exclamou, ao ver Joel atirar a cigarrilha no chã o e pisá -la com o salto do sapato. — Os dois jantaram juntos ontem à noite.

— Onde?

Joel deu um passo à frente e Francis recuou instintivamente.

— No... Peruccios. Encontrei os dois sem querer. Juro!

Joel balanç ou incredulamente a cabeç a de um lado para o outro.

— Conte do iní cio.

Francis puxou uma tragada comprida e soprou a fumaç a para o alto.

— Eu desconfiava, de uns tempos para cá, que havia uma mulher na histó ria. Depois que mamã e... foi embora... eu comecei a desconfiar.

— Pare de dar voltas, cara! Vá diretamente ao assunto!

— Bem... há uma semana atrá s, papai me disse... que havia realmente algué m...

— E você nã o me falou nada!

— Eu ia contar mais tarde. Como você disse, papai está com sessenta e trê s anos. Imaginei que a mulher... a tal mulher... seria da mesma idade dele.

— Está bom, está bom. Continue.

— Nã o perguntei nada. Ele me contou espontaneamente que o nome dela era Rachel, Rachel Gilmour.

— Só isso?

— Nã o. Ele disse que ela vinha do interior. Que trabalhava num lugarejo chamado Langht... Langthwaite... ou algo parecido... como governante de um coronel aposentado.

— Governante de um coronel aposentado? — repetiu Joel, incredulamente.

— Foi isso que ele disse.

— Você deve estar enganado...

— Juro que foi. Eu encontrei Rachel...

— Nã o falo nisso. Refiro-me ao trabalho dela — disse Joel com os punhos cerrados. — Você sabe que Rachel estava na fa­culdade quando...

— Quando você s se conheceram? Eu sei disso. Mas ela terminou os estudos, por acaso? E nã o se esqueç a que isso foi seis anos atrá s. Ela se casou depois disso. Teve um filho.

— Um filho? — exclamou Joel com o rosto branco. — Quem lhe disse isso?

— Papai. — Francis apagou o cigarro no cinzeiro grande de á gata e levantou a cabeç a. — Foi por isso que se empregou como governante. Pensa bem, nã o é fá cil uma mulher arranjar um em­prego com um filho para criar.

— E o marido? — perguntou Joel, com os olhos apertados por baixo das pá lpebras pesadas.

— Nã o tenho idé ia. Morreu, provavelmente. Papai disse que ela é viú va.

— Viuva? — repetiu Joel, andando nervosamente pela sala. — Nã o é possí vel! — Voltou-se para o irmã o. — Será que tudo isso nã o é uma jogada do velho?

— O que você quer dizer?

— Nã o sei, nã o sei — disse Joel, balanç ando a cabeç a. — Papai me odeia por ter contrariado seus planos a meu respeito.

— Eu nã o creio que ele o odeia...

— Ah, nã o? Pois eu tenho certeza. E posso jurar que vai casar com Rachel somente para se vingar de mim.

. — Você está sonhando!

— Estou mesmo? — Mudou de tom. — Foi só isso que ele contou?

— Hum.

— E o que ele comentou quando contou isso a você?

— Eu já repeti tudo que ouvi.

— Menos a maneira como você encontrou os dois ontem à noite.

Francis deu um suspiro.

— Foi por acaso. Papai nã o sabe que vi os dois juntos.

— Ah, nã o?

— Fui jogar no Freddi, mas estava sem dinheiro...

— Como sempre.

— Lembrei de pedir emprestado a Perry, o dono do Peruccios. Foi lá que vi os dois numa mesa.

— Você foi embora em seguida?

— Hum.

— A que horas foi isso?

— À s onze horas da noite, mais ou menos.

— E agora sã o oito e trinta da manhã. O que você fez nesse meio tempo?

Francis balanç ou a cabeç a sem jeito.

— Eu nã o sabia o que fazer. Nã o sabia se devia contar ou nã o a você.

— Por quê?

— Fiquei na dú vida. Andei quiló metros a pé. Voltei para casa à s quatro da manhã. Pensei em ligar para você, mas achei que você podia estar ocupado.

Joel entendeu o subentendido da explicaç ã o, lanç ou um olhar para o retrato de Lady Antonia e atravessou a sala em direç ã o à porta.

— Vou fazer um café. Heron só vai chegar mais tarde. Podemos tomar na cozinha.

Naquele mesmo dia, à tarde, Joel ficou sabendo que Rachel tinha voltado para o interior. Todas as dú vidas que podia ter sobre a veracidade da histó ria dissiparam-se durante a conversa que manteve com o pai. James Kingdom parecia muito contente com sua decisã o e nã o se furtou a abordar o assunto quando soube que Joel tinha sido informado dos seus planos por intermé dio do filho mais moç o. Joel engoliu sua frustraç ã o quando enfrentou a fisionomia sorridente do pai e dirigiu toda a sua raiva contra Rachel. Como podia ter feito aquilo? Repetiu consigo mesmo uma dezena de vezes. Como podia ter aceitado o casamento? A resposta era simples: ela o odiava e queria vingar-se dele casando com o pai.

De qualquer maneira, nã o podia deixar que as coisas fossem adiante. Tinha que defender os direitos de Francis. Pelo menos foi a desculpa que deu a si mesmo para disfarç ar seu egoí smo. Se Rachel tinha um filho, isso provava que era fé rtil, e o pai ainda era um homem forte e viril. Duas mulheres eram suficientes para qualquer homem, pensou Joel amargamente, sem lembrar que a primeira esposa de James, sua mã e, morrera logo depois do parto. Tudo isso, poré m, acontecera trê s dias atrá s. Neste meio tempo, Francis descobriu o endereç o do coronel em cuja casa Rachel tra­balhava. Nã o era um lugar muito difí cil de encontrar, pensou Joel, até começ ar a longa viagem pelas estradinhas do interior...

Voltou-se com nervosismo na cama estreita, desejando estar deitado na cama larga do seu apartamento. Nã o comentara a viagem com ningué m, e sabia que É rica ficaria curiosa por saber detalhes quando voltasse. É rica...

Pensou na moç a com quem pretendia se casar. Os ú ltimos seis anos haviam mudado muito a lembranç a que guardava de Rachel. Embora recordasse nitidamente sua aparê ncia, era difí cil colocar a imagem dela na perspectiva certa. Alé m do mais, nã o desejava, no momento, lembrar-se de Rachel, a nã o ser quando fosse amanhã na tal casa...

Seis anos. Era muito tempo. Com que idade ela estava? Vinte e quatro anos? Era dez anos mais moç a que ele. Deu um suspiro. Como podia entender que uma adolescente de dezoito anos hou­vesse exercido uma fascinaç ã o tã o grande sobre ele? Fascinaç ã o que abusou, pensou com raiva. Bem, tudo isso eram coisas do passado. Se bem que nenhuma outra mulher, antes ou depois, exercera uma atraç ã o tã o forte quanto Rachel. Quando a encon­trasse, no dia seguinte, ela ia ouvir umas boas! Como tinha coragem? Repetiu pela centé sima vez. Como tinha coragem de ca­sar-se com seu pai? A menos que fizesse aquilo de propó sito, para feri-lo. A idé ia tomou conta de sua imaginaç ã o e sentiu um arrepio de ó dio. O pai, provavelmente, era cú mplice na histó ria!

Mesmo assim, nã o podia acreditar. Mas que outro motivo ela podia ter? Virou a cabeç a com impaciê ncia no travesseiro e arre­pendeu-se de nã o ter tomado um outra drinque no bar. Um uí sque duplo, sem á gua, teria acalmado seus nervos, entorpecido o cansaç o que o impedia de dormir, amortecido o desejo de vinganç a que lhe corroí a a imaginaç ã o.

 

 



  

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