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DORINDA percebeu que Maximus Kirby procurava as palavras adequadas, mas, antes que ele pudesse responder, a porta se abriu e o Capitão Barnet entrou. Era um homem de meia-idade e, mesmo sem o seu uniforme, qualquer pessoa saberia, pelo seu rosto queimado de sol e pelos pálidos olhos azuis, que ele era um marinheiro. — É muito bom vê-lo de novo, Sr. Kirby — disse o capitão, caminhando na direção de Maximus. O rapaz apertou-lhe a mão e voltou-se para Dorinda: — Quero apresentar-lhe o Capitão Barnet, o comandante do “Ninfa do Mar” e de outros barcos de minha pequena frota. — Que cresce a cada dia — acrescentou o capitão, com um sorriso. Barnet fez uma respeitosa reverência para a jovem. — É uma honra tê-la a bordo, senhorita. — Agora, capitão — continuou Maximus Kirby — Lady Dorinda e eu ficaremos honrados se o senhor consentir em casar-nos. Dorinda olhou para ele com espanto. Por um momento, ninguém falou. Finalmente, o capitão respondeu calmamente, como se aquele fosse o pedido mais natural do mundo: — Certamente, senhor. Acho que há uma Bíblia na gaveta. Ele atravessou a sala enquanto falava. Dorinda, atônita, continuava olhando para Maximus Kirby, achando que não devia ter entendido bem as palavras do rapaz. Mas os olhos cinzentos de Maximus Kirby estavam muito sérios enquanto a fitavam e a moça teve a estranha impressão de que ele estava lhe dizendo alguma coisa que ela não compreendia. Dorinda queria protestar, discutir com ele. Mas sabia que não podia agir assim diante do capitão. Maximus Kirby já tinha sido humilhado demais com o comportamento de Letty. Seria igualmente ruim, senão pior, se ela contestasse sua autoridade diante de um homem que, em última análise, era seu empregado. Dorinda gostaria de pedir-lhe que não levasse adiante sua idéia de vingança por acreditar que tinha sido enganado pelo conde. Enquanto pensava freneticamente que devia pedir para falar a sós com Kirby, o capitão voltou para perto deles, com uma Bíblia nas mãos. — Já a encontrei, senhor. Se estiverem prontos… — disse Barnet, tirando o boné e colocando-o numa pequena mesa. “Não! Não pode fazer isso!”, Dorinda gostaria de dizer, mas, quando Maximus Kirby tomou-lhe a mão, as palavras morreram em seus lábios e, como se sentia fraca demais para desafiá-lo, deixou obedientemente sua mão na do rapaz. A moça sentiu a força daqueles dedos longos e soube que ele estava percebendo o seu tremor. — Estamos prontos, Capitão Barnet — disse Maximus Kirby, em voz baixa. Enquanto o capitão começava a ler as palavras solenes, Dorinda sentia-se despojada de toda personalidade, que não era mais ela própria, mas uma simples escrava do homem que estava a seu lado. Maximus Kirby deu todas as respostas em voz firme, enquanto a voz da moça soava fraca e trêmula. Terminados os votos matrimoniais, ele tirou seu anel com sinete e colocou-o no terceiro dedo da mão esquerda de Dorinda. Era um anel de ouro com uma pequena esmeralda no centro das iniciais do nome do dono. Como num sonho, ela ouviu-o dizer lentamente: — Com este anel, eu te desposo. Com o meu corpo te idolatro. Com todos os meus bens terrenos te doto. Não podia ser verdade! Tudo não passava de uma peça de sua imaginação! Ela não podia estar ouvindo aquelas palavras, que a uniam ao homem que amava apaixonadamente. O Capitão Barnet pigarreou e declarou solenemente: — Com a autoridade de que sou investido como Capitão de Sua Majestade Britânica, a Rainha Vitória, Imperatriz da Índia, eu os declaro marido e mulher e que Deus abençoe a sua união. Ele fechou a Bíblia. Maximus Kirby levou a mão de Dorinda aos lábios. Ela sentiu o calor dos lábios do rapaz, contra a sua pele e, por uma razão que não poderia explicar, teve vontade de chorar. — Meus parabéns, senhor — disse o Capitão Barnet. — E para a senhora também, Lady Dorinda. Espero que sejam muito felizes juntos. Em seguida apanhou o boné na mesa, colocou-o na cabeça e, com um último cumprimento, saiu do salão. Dorinda retirou a mão das de Maximus Kirby. O anel era grande demais para o dedo da jovem, que o protegeu com a mão direita para que não escorregasse. Então, indecisa, ela encarou Kirby. — Estamos… mesmo… casados? — perguntou, com esforço. — De acordo com a Lei da Inglaterra, você é minha esposa, Dorinda — respondeu o rapaz. Ela fechou os olhos. — Você… cometeu um engano… — murmurou a jovem, desamparadamente. Dorinda esperava que ele lhe respondesse, mas, em vez disso, Maximus tirou o relógio do bolso. — São pouco mais de quatro da manhã. Você deve estar cansada. Sugiro que vá dormir um pouco. Teremos depois muito tempo para conversar. Enquanto falava, ele atravessava o aposento para abrir uma porta na outra parede. Dorinda seguiu-o, quase automaticamente. A frente do junco parecia ter sido dividida em duas partes, sendo uma o salão e outra o quarto, este muito grande para um navio e tendo no centro a cama mais estranha que Dorinda já vira. Era ornamentada na cabeceira e nos pés com dragões e flores no mesmo estilo da peça de jade com que Maximus Kirby a tinha presenteado. Tudo no quarto era verde: o tapete, as paredes, a cama e as cortinas de seda, compondo um agradável e bizarro ambiente que parecia quase submarino. Dorinda olhou em volta, atônita. Então, Kirby disse: — Vá dormir, Dorinda. Tudo lhe parecerá menos assustador quando acordar. O rapaz saiu depois da cabina, fechando a porta atrás de si. Dorinda permaneceu imóvel na fresca penumbra verde que parecia a caverna de uma sereia. Depois, quase de modo mecânico, porque ele assim lhe ordenara, ela começou a tirar o vestido. Viu um guarda-roupa contra uma das paredes e caminhou até ali para pendurar seu vestido num cabide. Abriu as portas e ficou impressionada. O armário continha vestidos que ela reconheceu imediatamente. Ela os vira havia algumas horas no quarto de Letty e os provara em Londres porque sua irmã se recusara a fazê-lo. E, então, compreendeu. Era apenas mais um exemplo da eficiência de Maximus Kirby. Como Lee Chang Lo tinha lhe contado, as próprias roupas do rapaz tinham cópias em seus iates e os costureiros chineses tinham procedido do mesmo modo com as roupas de Letty. Dorinda pendurou o vestido num cabide, fechou as portas do armário e encontrou, em seguida, uma grande variedade de camisolas, também copiadas do enxoval de Letty, numa gaveta da cômoda. A cômoda era pintada com flores e aves de longas caudas, além de entalhada e dourada nos quatro cantos à maneira chinesa. Dorinda escolheu uma camisola de musselina e, depois de vesti-la, recolheu-se ao leito. Então, apreensivamente, olhou para a porta fechada. Maximus Kirby viria ao seu encontro… como seu marido? Sentiu-se tensa e preocupada. Havia tanta coisa que ela gostaria de tentar explicar-lhe! Mas Kirby tinha razão ao dizer que ela estava cansada. A cama era tão confortável e os travesseiros tão macios! Ela continuou, ainda por muito tempo, olhando a porta, e não soube quando adormeceu…
* * *
O som da água, a suave batida do vento na vela e de novo o som de pequenas ondas que se chocavam contra o casco do navio, chegaram aos ouvidos de Dorinda que imóvel, no leito, se pôs a escutá-los, sem se lembrar de onde se encontrava. E, então, com um súbito temor, recordou-se. Ela estava casada e a bordo do “Ninfa do Mar”! Não fora um sonho. A jovem sentou-se na cama. A cabina estava fresca e em penumbra. Pela porta aberta ela podia ver o salão. Num grande sofá, em frente à porta que dava para a sua cabina, ela avistou Maximus Kirby. Ele estava deitado e dormia a sono solto. Dorinda olhou-o por algum tempo. Depois, deitou-se de novo…
* * * A jovem acordou com a consciência da presença de alguém. Abriu os olhos e viu Maximus Kirby de pé, ao lado da cama. — Trouxe-lhe uma xícara de chá — disse ele, em sua voz grave. Ela o encarou, ainda sonolenta. Estivera sonhando com ele e experimentou uma irreprimível felicidade porque ele estava realmente a seu lado. Então, Dorinda recordou o que se passara na noite anterior! Ele sentou-se na cama, de frente para a esposa, e ela recebeu de suas mãos a xícara de chá. A bebida estava quente e perfumada. Enquanto tomava o chá, Dorinda tinha os olhos fixos em Maximus Kirby. Seu cabelo despenteado caía-lhe sobre os ombros e seu rosto ainda estava morno do contato com o travesseiro. Ainda não acordara de todo. Maximus Kirby pensou que jamais vira uma mulher tão pouco preocupada com a aparência. Dorinda notou que ele usava uma gravata de seda e uma camisa azul de algodão. O cabelo de Kirby parecia úmido. — Estive nadando — explicou ele, como em resposta aos pensamentos da jovem. — Deve ser ótimo… mas é seguro? Maximus Kirby sorriu. — Os marinheiros ficam observando para alertar-me da aproximação de tubarões, mas se eu estivesse em perigo, tenho certeza de que você encontraria algum meio de salvar-me. Dorinda sorriu timidamente. Ele tirou a xícara vazia de suas mãos e colocou-a na mesinha ao lado da cama. — Acho que temos muitas coisas a dizer um ao outro, Dorinda. A jovem encostou-se mais nos travesseiros, como se procurasse defesas contra a sua súbita fraqueza. — Mas, antes de começarmos — continuou ele — quero que me explique por que julga nosso casamento um engano. Dorinda reteve a respiração. “Havia tantas razões que podia lhe dar!”, pensou. Mas expôs a primeira que lhe ocorreu. — Não sou… suficientemente bonita. Kirby sorriu. — Esse é um motivo muito feminino — disse o rapaz, suavemente. Estendeu a mão, segurou o queixo da esposa e levantou-lhe o rosto. — Talvez eu devesse ter-lhe dito antes que você é a pessoa mais bonita que já encontrei em toda a minha vida. Sentiu que Dorinda estremecia e o olhava incredulamente, como se achasse que ele estava se divertindo às suas custas. — É a pura verdade. Você é como as minhas pinturas chinesas. É o que se oculta por trás de seus olhos preocupados, seu narizinho adorável e seus lábios macios que me enfeitiça, me escraviza, me fascina a ponto de eu não me cansar de olhar, não somente para a sua beleza, mas para o que existe no seu íntimo. Dorinda espantou-se com o tom solene da voz do marido. — Está mesmo sendo sincero? — Acha que eu seria capaz de mentir sobre algo tão importante para nós dois? Ele viu a sombra da incredulidade ainda em seus olhos e prosseguiu: — Querida, talvez você esteja se perguntando por que me casei com você dessa forma discreta, sem testemunhas, sem cavalos brancos, sem fogos de artifício. Fez uma pausa antes de perguntar: — Por que acha que eu não quis nenhum desses aparatos? Era claro que Maximus Kirby esperava uma resposta e, após o que lhe pareceu um longo silêncio, Dorinda murmurou, hesitante: — Bem… acho que foi porque… você não se orgulhava tanto de mim… quanto de Letty. Maximus Kirby esboçou um movimento como se fosse tomá-la nos braços, mas pareceu arrepender-se e segurou-lhe apenas a mão. — A razão é que nem eu nem você precisamos desse tipo de ostentação. Acha que eu exporia meus preciosos tesouros a quem não pudesse apreciá-los? Seus dedos pressionaram os dela. — Quero que me acredite quando lhe digo que você foi a única mulher e a única pessoa da Europa que jamais entrou naquelas salas secretas de minha antiga casa para ver as minhas pinturas. Tenho muitas outras e quero mostrá-las… só para você. Dorinda teve a impressão de que algo elétrico passava da mão dele para a sua. Baixinho, numa voz que mal podia ouvir, perguntou: — Está dizendo… que gosta de mim? — Estou dizendo que a amo. Que a amei desde o primeiro momento em que a vi. E soube disso quando depois de eu ter beijado a esposa do Sr. Thompson você me acusou de ser muito generoso com meus beijos. Kirby sorriu. — Logo percebi que você era diferente das outras mulheres que eu tinha conhecido. E quando você se comportou tão corajosamente durante o ataque dos piratas e nas nossas conversas, enquanto costeávamos a península, compreendi que algo muito estranho me tinha acontecido. Ele ficou um momento em silêncio antes de prosseguir: — É difícil fazê-la entender, minha amada, mas até então eu nunca tinha conversado realmente com uma mulher. Dorinda tinha os olhos presos em Kirby. O rapaz continuou: — As mulheres sempre me pareceram Aves-do-Paraíso; eu as desejava, cortejava, me divertia com elas, mas… talvez isso até lhe pareça um pouco brutal… sempre as achei facilmente dispensáveis. Dorinda pensou em Pérola Perfeita e em Goldie, certamente duas das Aves-do-Paraíso na vida de Kirby. — Eu jamais conheci realmente uma mulher antes de encontrar você — continuou Maximus. — Era com você que eu queria discutir meus negócios… só você poderia se tornar uma parte não somente do meu coração, mas de toda a minha vida. — Por que acha que sou diferente? — Meu instinto nunca me falhou. Na primeira noite, ele me dizia que você devia permanecer em Cingapura… comigo. O rapaz respirou fundo. — Depois, mostrei-lhe as minhas pinturas. Eu não sabia explicar a mim mesmo por que tinha rompido com meus velhos princípios e a levara àquela parte da casa onde mulher alguma jamais entrara. — Que pensou você, então? — Tive receio. — Receio? — Sim, porque sabia que me estava acontecendo algo que nunca me acontecera antes. — O quê? — Estava loucamente apaixonado. — Como podia ter certeza? — Era o que eu me perguntava. Eu não podia acreditar que meu sentimento era muito mais profundo que um simples desejo momentâneo diante de sua beleza e delicadeza. Mas, no íntimo, sabia que era algo diferente… um desejo que era uma necessidade espiritual… — E, no entanto… não tentou falar a sós comigo depois… — Já lhe disse que eu estava receoso. Temeroso do futuro, inseguro de mim mesmo, talvez pela primeira vez na vida e sem saber como resolver o problema com Letty… e você… — Eu nem imaginava que você pensava em mim! Como é que eu podia saber que você gostava de mim? Ele tomou nas dele a mão de Dorinda e pousou nela o olhar. — Sua mão é tão pequena e, no entanto, logo percebi, ao ver você à mesa, conversando com os meus amigos de modo tão brilhante e inteligente, que toda a minha felicidade cabia dentro dela… — Se ao menos você tivesse me dito… — E isso resolveria alguma coisa? — indagou o rapaz. — Eu passava as noites insones, perguntando a mim mesmo como poderia explicar a Letty que não podia mais desposá-la, procurando desesperadamente uma solução para a armadilha que eu mesmo tinha armado e da qual parecia não haver uma saída honrosa… — Posso compreender como se sentia. — Então, você salvou-me a vida quando aquela serpente me mordeu — continuou Maximus. — E ontem, enquanto voltava a Cingapura, pensei que talvez, por algum milagre, você devia me amar um pouco para ter arriscado sua vida por mim. — Um pouco! — murmurou Dorinda, quase num soluço, lembrando-se de como sofrera com o pensamento de que ele podia morrer. — Quando cheguei em casa, você me disse que Letty tinha ido embora com a Irmã Teresa. — Mas você ficou furioso… furioso comigo! — Apenas porque você me mentira. Eu tinha acreditado na sua sinceridade. Jamais havia pensado que você estivesse ligada ao que — então compreendi — tinha sido um plano para me casar com uma criança que jamais amadureceria. Envergonhada pela lembrança das dez mil libras que Maximus Kirby entregara a seu pai, Dorinda baixou os olhos. — Mas eu estava indescritivelmente feliz por saber que ficara livre! — continuou Kirby. — Eu podia então lhe ter pedido que se casasse comigo. Apenas porque achava que devia manter uma certa correção e decoro, não me aproximei de você naquela noite, mas eu certamente não esperava que você fosse ao baile com outro homem. Seus dedos apertaram os dela, magoando-os. — Quando descobri, tarde da noite, que você não estava em seu quarto, dormindo, como eu tinha imaginado, mas numa festa, fui assaltado por uma emoção que até então desconhecia… o ciúme. Kirby sorriu de novo. — No passado, eu tinha sempre zombado dos homens que sentiam ciúmes de suas mulheres. Mas agora sei que a minha imunidade se devia apenas ao fato de eu nunca ter amado de verdade. O tom de sua voz fez Dorinda vibrar. E ela própria se lembrou de como sentira ciúmes de Maximus. — Quando a vi, no baile, cercada por todos aqueles homens, pela primeira vez na minha vida tive ímpetos de cometer assassinato a sangue-frio! Você estava maravilhosa, mas eu pensava apenas em feri-la. De repente, senti-me o próprio homem primitivo, disposto a arrastar a mulher pelos cabelos até sua caverna, subjugando-a inapelavelmente. Ele deu um riso curto. — Você teve sorte, minha querida, por eu não lhe ter oferecido nada mais violento que um beijo. Dorinda enrubesceu ao recordar o que aquele beijo lhe tinha significado. Como se compreendesse, Maximus disse: — Mas quando eu a beijei, percebi duas coisas. — O quê? — Primeiro, que você nunca tinha sido beijada antes. Segundo, que me amava… Dorinda enrubesceu ainda mais e de novo ele ergueu seu queixo para poder encará-la. — É verdade? Você me ama? Não me enganei? — Eu o amo — Dorinda conseguiu murmurar, tremulamente. Então, quando ele se inclinava para beijá-la, a jovem acrescentou, depressa: — Por favor… ainda há uma coisa que preciso lhe contar. Ele afastou-se e esperou. Dorinda não tinha coragem de encará-lo. Permanecia de cabeça inclinada, os cílios longos e escuros sobressaindo em seu rosto. Procurou as palavras adequadas. — Estou esperando — disse Maximus Kirby, com delicadeza. — Não sei como começar… — Então, deixe-me ficar mais confortável… Deitou-se ao lado da esposa, recostando a cabeça nos travesseiros. Puxou-a depois para si, forçando-a a recostar-se em seu braço. Sentiu que ela estremecia e murmurou, carinhosamente: — Assim vai ficar mais fácil para você, querida, por mais difícil que lhe pareça… “Assim era mesmo melhor”, pensou Dorinda. O braço de Kirby lhe dava uma gostosa sensação de segurança. Por algum estranho motivo, já não tinha medo. — Quando você foi a Alderburne Park — começou ela, baixinho — não apareci porque era… muito feia. Eu nunca aparecia quando havia hóspedes porque poderia constrangê-los… com a minha aparência… — E o que havia com ela? Ela sabia que o que lhe ia dizer não era certamente o que Maximus esperava ouvir. — Eu tinha um problema de pele que nenhum dos médicos da Inglaterra conseguiu resolver. Essa doença me desfigurava a tal ponto que as pessoas jamais me olhavam… diretamente. Pelo ligeiro tremor na voz da esposa, Maximus compreendeu como ela devia ter sofrido. — Você deve ter adivinhado que eu só vim a Cingapura porque, de outro modo, Letty não viria — continuou Dorinda. — Papai e eu sabíamos que, ainda que conseguíssemos convencê-la a fazer a viagem, era difícil que ela concordasse em casar com você… A voz de Dorinda morreu de repente. Ela sabia que estava implicada no plano do conde, mas tinha que ser absolutamente honesta. — Continue — pediu ele. — Quando atingimos o Mar Vermelho, um milagre aconteceu. Acordei certa manhã e descobri que o eczema tinha desaparecido e minha pele estava limpa. — Já ouvi falar em fatos semelhantes. — O Dr. Johnson assegurou-me que ele não voltará, a não ser que eu retorne para o clima frio e seco da Inglaterra. — Isso torna as coisas muito simples, não é? É tudo o que tinha a me dizer? — Não… ainda há uma coisa… — O quê? Ela escondeu o rosto no ombro do marido. — Você disse… — murmurou Dorinda — que gostava de conversar comigo… que me acha inteligente… mas como fui tão feia, não sei nada sobre o amor… os homens. E… tenho medo de entediá-lo. Kirby retirou o braço e, enquanto Dorinda voltava a recostar-se nos travesseiros, ele a encarou e disse: — Acha que eu gostaria que você aprendesse com outros homens os segredos do amor? Eu mesmo lhe ensinarei, minha querida — seus lábios se apertaram por um momento e ele acrescentou: — Matarei qualquer homem que ouse tocá-la! Você é minha! Dorinda reteve a respiração ao sentir a violência do seu tom de voz. Então, Maximus continuou: — Adorada, você é tudo que eu queria encontrar numa mulher, tudo o que eu sonhei e procurei, sem acreditar que pudesse existir, a não ser em minha própria imaginação. — É… verdade? — Vou lhe provar… — sua voz era bem grave. Maximus Kirby inclinou-se e os lábios de ambos ficaram muito próximos. — Eu a amo, amo-a mais que tudo na vida e finalmente encontrei a mulher dos meus sonhos, a mulher a quem entreguei minha alma e meu coração. Seus lábios se encontraram. Foi um misto de dor e prazer, o sentimento que, como uma faísca elétrica, atavessou o corpo de Dorinda. Kirby estreitou cada vez mais o abraço até que ela não mais pôde pensar, mas apenas sentir, no êxtase selvagem e incontrolável, que eles eram um só corpo, uma só alma… Ouvia-se apenas o som da água batendo no casco de madeira e do vento agitando levemente as velas.
— Você… ainda me ama? — sussurrou uma voz débil. Maximus Kirby atraiu mais para si a esposa. O corpo de Dorinda era macio e dócil. — Era a pergunta que eu ia lhe fazer, minha querida. — Eu… não o desapontei? — Adorada, será que preciso lhe dizer que foram os momentos mais maravilhosos de toda a minha vida? Dorinda deu um leve suspiro. — Eu não sabia… que o amor era assim. — Assim como? — Como um fogo, um relâmpago. Sempre pensei que era doce e tranqüilo, gentil, delicado, não assim tão intenso… quase doloroso… Ele sorriu e beijou-lhe a testa. — Você o descreveu muito bem, minha querida. É o que os chineses chamam de “gume da suprema alegria”. — É exatamente isso. Ela deixou escapar um pequeno grito. — Oh, Max, agora sei… — Sabe o quê? — O que sua pintura significa… aquela que eu não consegui entender. — Diga. — Os dois riachos que se reúnem sob a ponte são o homem e a mulher unidos pelo casamento. As nuvens são a vida cotidiana, o mundo rotineiro que somos obrigados a viver. Mas os picos brancos, vividos contra o céu, são o êxtase que encontramos juntos… quando nos amamos… Maximus inclinou-se para fitá-la. — Foi assim que eu a fiz sentir? — Você sabe que sim. — Oh, minha adorada, era isso o que eu desejava, por isso rezei… — Amar você foi… ao mesmo tempo uma agonia e uma glória indescritíveis… Havia um novo brilho nos olhos de Dorinda. Mesmo na penumbra da cabina, sua pele tinha uma nova transparência, um matiz de pérola. — Ainda acha que nosso casamento foi um engano? — perguntou Kirby. — Não… é maravilhoso… Kirby fitou-a durante um longo momento e Dorinda pensou que ele ia beijá-la de novo na boca, mas o marido moveu primeiro os lábios sobre suas sobrancelhas. Depois, beijou-lhe os olhos, as orelhas, o pescoço, provocando-lhe estranhas e desconhecidas sensações. — Eu o amo — murmurou Dorinda, entreabrindo os lábios. — Eu o amo, meu maravilhoso, magnífico marido. Os beijos de Kirby se tornaram mais exigentes e o corpo de Dorinda estremeceu sob o do esposo. Sua boca exigia dela a mais completa rendição. Os lábios eram ardentes e apaixonados. E, então, tiveram apenas consciência dos picos das montanhas e do “gume da suprema alegria”.
FIM
[1] Cris — punhal malaio de lâmina ondulada.
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