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CAPÍTULO 7



CAPÍTULO 7

 

 

DORINDA ficou petrificada.

Ali permaneceu, horrorizada com os olhos fixos no grande felino, e então, vagamente, de algum lugar de sua mente, veio-lhe a recordação de ter ouvido alguém dizer que se uma pessoa se conservasse absolutamente quieta, um animal não a atacaria.

Nesse momento, um rugido escapou da garganta do tigre que abriu a boca e mostrou os dentes. A moça compreendeu, pela tensão do pescoço e do dorso do animal, que ele estava prestes a saltar.

Mas de tão assustada, Dorinda nada podia fazer, a não ser permanecer onde estava, esperando, indefesa, o ataque das poderosas garras.

De repente, ouviu-se um disparo e a floresta pareceu vibrar.

O tigre caiu como fulminado e um bando de pássaros voou das árvores mais próximas com um ruído que pareceu tão forte quanto o do tiro.

Dorinda sentiu nos ouvidos o eco do disparo e, por um momento, mal pôde acreditar que o perigo tinha passado e o animal não mais a atacaria.

Então, ouviu a voz de Maximus Kirby, num tom de fúria:

— Sua tola! Que lhe deu na cabeça para ir até aí?

Com um esforço que lhe pareceu quase sobre-humano, Dorinda voltou o rosto para Kirby. O rapaz estava atrás dela e parecia transformado, tanta era a raiva que sua fisionomia deixava transparecer.

Kirby a salvara!

Ela gostaria de estender-lhe os braços e esconder o rosto em seu peito.

Mas, antes que pudesse fazer um gesto, Langton veio correndo por entre as árvores para reunir-se a eles.

— O senhor o matou! — exclamou o capataz. — Muito bem, Sr. Kirby. Venho tentando há dez dias apanhar esse tigre. Ele carregou uma das crianças da fazenda ainda não faz uma semana.

Com a raiva ainda estampada no rosto, Maximus Kirby entregou a arma a Langton.

— Tome — disse ele. — Vou levar Miss Hyde ao bangalô.

Pôs a mão nos ombros de Dorinda, enquanto falava, e conduziu a moça de volta ao bangalô pelo caminho que ela tinha usado, por entre as árvores.

Ela sabia que Kirby ainda estava extremamente zangado e o choque por que havia passado a fazia sentir-se agora muito fraca e curiosamente próxima das lágrimas.

— Não sei como a senhorita pôde ser tão imprudente! — censurou o rapaz, no tom que uma babá usaria com uma criança levada. — A senhorita não sabe que é perigoso entrar desarmado na selva?

Dorinda quis responder, mas sua garganta contraída a impedia de falar.

— Por que foi lá? — perguntou Kirby, como se procurasse forçar uma resposta da moça. — Que estava procurando?

Dorinda sentiu que precisava responder e sabia que seria muito ridículo dizer que tivera, por um momento, a sensação de estar numa floresta encantada.

Contudo, numa voz hesitante e muito baixa, afinal respondeu:

— Eu… estava olhando as árvores… e as flores…

Eles já tinham alcançado os degraus da varanda que circundava toda a casa e Maximus Kirby soltou o braço de Dorinda.

Então, quando percebeu a palidez do rosto da jovem e o medo ainda refletido em seus olhos muito abertos, Kirby perguntou, num tom diferente, com uma sombra de riso:

— Se queria flores, por que não apanhou estas?

Enquanto falava, ele se inclinou e colheu uma das orquídeas selvagens que cresciam ao pé dos degraus. Meia dúzia de flores róseas pendiam da haste.

Quando o rapaz estendeu o braço, um sibilo se fez ouvir e algo escuro e ágil saltou sobre ele.

Tudo aconteceu tão depressa que se Dorinda não estivesse olhando, não teria percebido o ocorrido nem o corpo negro e matizado deslizar para longe.

Ela deixou escapar um pequeno grito. Sem uma palavra, Maximus Kirby tirou o paletó e arregaçou a manga da camisa.

Pouco acima do pulso, na pele bronzeada do seu braço, dois pequenos furos se destacavam.

Enquanto ele os olhava, Dorinda entrou em ação, apertando-lhe o braço logo acima das marcas para forçar o sangue a correr e colocando depois os lábios na ferida, sugando-a com todas as forças.

Ela o ouviu soltar uma exclamação, mas Kirby não retirou o braço. Langton, correndo, chegou logo em seguida.

— Que aconteceu? — perguntou o capataz.

— Uma serpente!

Langton largou a arma e tirou um lenço do bolso. Amarrou-o no braço de Kirby enquanto Dorinda continuava sugando.

A moça sentiu o veneno na boca e, quando não podia mais sugar, cuspiu-o.

— Esfregue isso na língua e limpe a boca — disse Maximus Kirby, estendendo com a mão livre seu lenço a Dorinda. Era de linho macio e cheirava a água-de-colônia.

A jovem obedeceu, esfregando vivamente a língua para a retirada de possíveis restos do veneno.

Então, ela viu que Langton tinha na mão uma faca, cuja lâmina brilhava à luz do sol.

— Corte fundo! — ordenou Kirby.

Langton obedeceu, cortando duas vezes o braço do patrão. Dorinda viu os lábios de Kirby se apertarem de dor, mas o rapaz permaneceu imóvel e não deu sequer um gemido.

O sangue escorreu pelo seu pulso num filete vermelho e manchou a mão de Langton. O capataz fez o torniquete, apertando-o acima do ferimento.

— Uísque, senhor? — perguntou Langton. — Vamos entrar na casa?

— Claro.

Maximus Kirby subiu os degraus da varanda e Langton correu à sua frente para abrir a porta que dava para a sala de estar.

Era um aposento pequeno, mobiliado parcimoniosamente. Numa mesinha lateral havia uma garrafa de uísque e alguns copos.

Langton apanhou a garrafa, que tinha três quartos de uísque, e encheu um copo, estendendo-o a Kirby, que o tomou depressa.

— O senhor precisa caminhar, para o caso de sobrevir ao coma.

— Eu sei — respondeu Kirby.

— Vou mandar um menino chamar o médico. Pode levar algum tempo, mas vou pedir-lhe que venha o mais depressa possível.

Sem dar resposta, Maximus Kirby terminou o uísque e encheu de novo o copo.

Pela primeira vez desde que a serpente o picara, Dorinda percebeu que ele a olhava.

— Tentarei não ficar inconvenientemente embriagado — comentou o rapaz, com uma sombra de sorriso nos lábios.

— Não tem importância — respondeu ela, em voz baixa. — Vamos começar a caminhar. O senhor sabe o que deve fazer.

Ela recordava a descrição do pai sobre o que acontecera certo verão a um de seus amigos, picado por uma cobra.

A moça sabia que salvaria a vida de Kirby sugando imediatamente o veneno e depois sangrar o ferimento.

Por isso, ela agira tão depressa ao ver que Maximus Kirby tinha sido picado por uma cobra. E, naquelas circunstâncias, Langton fizera exatamente o indispensável. Maximus Kirby tomou o segundo copo de uísque e começou a caminhar lentamente, mas de modo firme, pela sala.

O trajeto era curto, devido ao pequeno tamanho do bangalô, mas, vendo outra porta, Dorinda abriu-a.

Como a jovem esperava, ela dava para o quarto e Dorinda percebeu que se afastasse a mesa para um canto, Maximus Kirby poderia caminhar mais facilmente pelos dois aposentos.

Vendo-a afastar a mesa da sala e uma cadeira no quarto, Kirby compreendeu a intenção da moça e imediatamente começou a andar de um cômodo para outro.

Langton voltou em seguida e informou:

— Mandei um menino buscar o doutor. Ele é bom corredor e sabe onde o Dr. Seng mora.

— Quanto tempo acha que ele demorará a vir? — indagou Dorinda.

— Talvez duas horas — respondeu Langton. — Estamos muito distantes de Cingapura e ele só voltará depois do anoitecer.

O capataz olhou para Kirby e, percebendo que o patrão começava a caminhar com mais dificuldade, disse:

— Ponha o braço em meus ombros, senhor. Será mais fácil se eu o ajudar.

Mais tarde, Dorinda não conseguiu se lembrar exatamente quando Maximus Kirby começou a delirar e ela passou a segurar o outro braço do rapaz.

Teve que colocá-lo sobre os ombros e quando tocou a mão de Kirby, percebeu que estava assustadoramente quente e compreendeu que ele tinha febre alta.

Era a reação que eles temiam. O veneno devia ter chegado ao sangue.

Langton convenceu Kirby a beber o restante do uísque e, depois, começaram os três a caminhar de um lado para outro, cada vez mais devagar, enquanto as horas se passavam e Maximus Kirby ia gradualmente perdendo a noção da realidade.

Apenas sua tremenda força de vontade — Dorinda sabia — o mantinha caminhando, enquanto a febre ia implacavelmente enfraquecendo seu corpo.

A moça nada dizia e após algum tempo, fechou os olhos, ouvindo apenas o ruído de seus passos no chão sem tapetes.

Quando a noite caiu, o velho chinês entrou no bangalô com um lampião a querosene e colocou-o na mesa.

Disse alguma coisa a Langton e este transmitiu-a a Dorinda:

— Wong diz que desatrelou os cavalos e levou-os para o estábulo, a fim de passarem a noite.

— Agradeça-lhe, por favor — pediu a moça, logo perguntando se não teria sido melhor se tentasse conduzir a carruagem até a cidade e trazer ela própria socorro. Era, porém, duvidoso que conseguisse dominar os fogosos cavalos e mesmo tomar o caminho certo.

Tinham percorrido, durante a tarde, tantos caminhos diferentes, que Dorinda já não tinha certeza da direção de Cingapura. E, de qualquer modo, não poderia lá chegar antes do cair da noite.

“Nada mais havia a fazer, a não ser o que já tinham feito”, pensou a moça.

E, com um súbito temor, sentindo que o braço de Maximus Kirby parecia mais pesado, Dorinda se perguntou se ele resistiria.

O simples pensamento de que ele podia morrer causou-lhe uma dor indescritível, uma dor que a percorreu toda, como o veneno da cobra que o picara.

Não, ele não podia morrer!

Lembrou-se da conversa entre ambos naquela primeira noite no iate, quando tinha dito a Kirby que ainda havia muita coisa a ser realizada por ele.

— Cingapura não pode perdê-lo — disse a moça a si mesma. — Ele é muito necessário aqui.

Mas Dorinda estava com medo e, enquanto caminhavam penosamente pelos dois cômodos, ela começou a rezar.

— Oh, meu Deus, por favor, salve-o! Ajude-o a recuperar-se. Não permita que ele morra… ele não pode morrer! Não pode!

E, durante a prece, admitiu pela primeira vez que o amava muito.

Amara-o desde que o vira pela primeira vez, saltando do veículo diante de sua casa em Alderburne Park. Amara-o enquanto observava às escondidas, todos os seus gestos e palavras. Amara-o ainda mais quando o vira chegar ao “Osaka”, com olhos apenas para Letty.

Agora sabia que fora ciúme a emoção que a possuíra ao vê-lo beijar a Sr.ª Thompson. Desde que o vira pela primeira vez, ansiara por encontrá-lo de novo. E ouvir sua voz ou contemplá-lo do outro lado da mesa já seria suficiente.

Quando ele estava presente, era como se o tempo se imobilizasse, como se nada mais existisse.

“Eu o amo! Eu o amo!”, gritava-lhe, em pensamento.

E, do fundo de sua alma, com apaixonada intensidade, rezou para que ele vivesse.

As horas se passavam e eles continuavam a caminhar pelos dois cômodos do bangalô.

O suor escorria do rosto de Langton e Dorinda sabia que a camisa do capataz estava ensopada. Seu próprio vestido também estava molhado de suor no local onde o braço de Maximus Kirby se apoiava.

Ela tocou a mão de Kirby e verificou que ainda estava queimando. Olhou seu rosto e percebeu a estranha palidez que embaçava sua pele bronzeada.

— O médico já devia ter chegado! — exclamou a jovem, apavorada.

— Ele podia estar ausente, atendendo a algum chamado — respondeu Langton, em voz cansada. — Hoje há uma festa chinesa. Liberei mais cedo os colonos. Todos devem ter ido à cidade, que fica a um quilômetro e meio daqui.

— Não há mais nada que possamos fazer? — indagou Dorinda, desesperadamen-te.

— Nada — respondeu Langton — a não ser obrigá-lo a caminhar.

Dorinda estava praticamente exausta sob o peso de Maximus Kirby e sabia que Langton, apesar de jovem e forte, também se sentia esgotado.

Para frente e para trás — meia-volta — para frente — meia-volta — para trás… deviam ter feito uma porção de vezes… milhares de vezes aquele percurso.

“Não agüento mais”, pensou Dorinda sabendo, no entanto, que não podia falhar ao homem que amava.

Ele tinha que sobreviver!

Agora, fechando os olhos, a moça continuou automaticamente a caminhada. Às vezes, tinha a sensação de que era excessivo o esforço de obrigar seus pés a obedecerem ao comando do cérebro e continuarem caminhando de uma parede a outra.

Ela sentiu o braço de Maximus Kirby escorregando de seu ombro, e, com esforço, recolocou-o na posição. Ao tocá-lo, sentiu-o molhado.

Dorinda não podia acreditar!

Tocou a mão de Kirby, sentindo-a molhada e tépida sob a sua.

Quando atingiram a sala de estar a jovem observou o rosto de Maximus à luz do lampião e verificou que havia suor na fronte e escorrendo pelo rosto.

— A febre cedeu! — gritou a moça. Devia ser um grito de alegria, mas sua voz emitiu apenas um lamento cansado.

— Oh, meu Deus, é verdade! — exclamou Langton. — Vamos levá-lo para a cama.

Recolheram Maximus Kirby ao leito apoiando sua cabeça contra os travesseiros.

Langton trouxe o lampião e Dorinda, examinando o rosto amado, verificou que não se tinha enganado.

A febre havia cedido. A palidez desaparecera da pele bronzeada e Maximus Kirby era um homem normalmente adormecido.

Dorinda foi até o lavatório, mergulhou uma toalha numa bacia de água e voltou ao quarto, refrescando gentilmente o rosto de Kirby. Langton tinha retirado os sapatos de Maximus Kirby que agora respirava suavemente.

— Não podemos fazer mais nada até a chegada do médico — disse Langton.

Caminhou em seguida, pesadamente, para a sala de estar e Dorinda ouviu-o jogar-se numa das poltronas.

Estava exausto. E ela também.

Por um momento, a moça ainda permaneceu à cabeceira de Kirby, olhando-o ternamente.

— Oh, meu Deus… muito obrigada… — murmurou ela.

E, sem saber como, de repente estava no chão e já dormindo, mal a sua cabeça batera no assoalho…

* * *

 

Dorinda acordou com o som de vozes na sala.

Ainda estava deitada no chão, mas alguém — Langton, certamente — colocara um travesseiro sob sua cabeça.

A jovem levantou-se ao ouvir uma voz de homem dizer, no inglês usado pelos chineses:

— Eu estava voltando para casa quando vi o menino à minha espera. Ele me disse que o Sr. Kirby tinha sido picado por uma cobra.

— É verdade, doutor, mas a febre já cedeu.

— Isso é muito bom. Posso vê-lo agora?

Dorinda estava de pé, alisando a saia amarrotada, quando Langton introduziu o médico no quarto.

— Esta é Miss Hyde — apresentou o capataz — que sugou o veneno da serpente logo após a picada…

— Fez o que devia — comentou o médico, um velho chinês com olhos cansados, mas que inspirou confiança a Dorinda.

O doutor examinou o braço de Maximus Kirby, verificando os cortes feitos por Langton.

— O ferimento está limpo — comentou ele.

Auscultou o coração do ferido, tomou seu pulso e colocou a mâo em sua testa.

— Ele vai dormir por algum tempo — disse, afinal, o velho chinês. — Agora ele precisa se recuperar não apenas da mordida da cobra, mas também do uísque que tomou…

— Era o tratamento adequado? — indagou Langton.

O Dr. Seng sorriu.

— É o tratamento inglês — respondeu o médico. — Os chineses usam ervas.

— E são eficazes? — indagou Dorinda.

Ela se lembrava de que ouvira falar numa erva que os chineses e malaios tinham sempre à mâo quando estavam trabalhando na selva.

— Achamos que sim — respondeu o médico. — Vou deixar com o senhor um pouco da erva indicada, Sr. Langton. Convença o Sr. Kirby a tomá-la tão logo acorde.

Retirou um pequeno pacote de sua maleta e colocou-o ao lado da cama.

— Ele é jovem e forte — disse o doutor. — Mas precisa permanecer aqui para descansar pelo menos mais uma noite. Se ele insistir em voltar hoje a Cingapura, dê-lhe uma destas pílulas e ele dormirá.

O médico colocou uma pequena caixa de comprimidos junto à erva e olhou em seguida para Dorinda:

— E a senhorita, Miss Hyde? Está bem?

— Apenas um pouco cansada, doutor — respondeu a moça. — Mas fico muito feliz em saber que o Sr. Kirby está fora de perigo.

O médico assentiu com um movimento de cabeça.

— Foi certamente a sua pronta ação ao sugar o veneno que o salvou — disse ele. — Temos muitas cobras não venenosas nesta parte do mundo, mas a serpente que picou o Sr. Kirby é muito perigosa… sua picada normalmente é fatal.

Ele apanhou a maleta.

— Vai voltar a Cingapura? — perguntou Dorinda.

— Sim — respondeu o médico. — Tenho muitos pacientes à minha espera.

— Seria demais pedir-lhe que me levasse com o senhor? Lady Lettice e a Irmã Teresa se encontram em casa do Sr. Kirby e devem estar muito preocupadas por eu não ter regressado ontem à noite.

— Será uma honra levá-la, senhorita.

Langton insistiu para que Dorinda tomasse uma xícara de chá antes de partir e o Dr. Seng também aceitou um refrigerante.

Depois, eles se despediram e subiram num pequeno veículo puxado por um velho pônei, muito mais lento e menos confortável que o faetonte em que Dorinda tinha viajado ao lado de Maximus Kirby.

Entretanto, ela podia manter a sombrinha sobre sua cabeça e, apesar da demora da viagem, Dorinda achou muito interessante conversar com o Dr. Seng.

O velho médico lhe falou a respeito do país, de seus costumes, os hábitos chineses, o êxito de Maximus Kirby na luta pela melhoria de suas condições de trabalho, levando a prosperidade a tantos lares em Cingapura.

Quando chegaram à casa, Dorinda agradeceu ao médico e convidou-o a entrar.

— Sinto muito, Miss Hyde, mas nâo tenho tempo para aceitar a sua generosa hospitalidade — respondeu ele, formalmente. — Mas posso dizer que foi um grande prazer estar em sua graciosa companhia.

Dorinda agradeceu o cumprimento e entrou correndo na casa à procura da Irmã Teresa e Letty.

Por certo, muito preocupadas com sua ausência na noite anterior, elas a deviam estar aguardando na sala principal. Mas as duas ali não se encontravam e a moça começou a subir os degraus para dirigir-se ao quarto de Letty.

— Onde está Lady Lettice? — perguntou a um dos criados chineses que se encontravam no vestíbulo.

— As moças foram embora — respondeu o chinês.

“Elas devem ter ido visitar a Missão”, pensou Dorinda, enquanto subia a escada.

Surpreendia-a o fato de as duas mulheres não se preocuparem com a sua ausência, mas achando que certamente a Irmã Teresa a julgaria segura na companhia de Maximus Kirby, acabou o considerando natural.

E, no entanto, ela podia ter morrido nas garras do tigre.

Maximus Kirby também podia ter morrido… justamente por ter pensado em apanhar uma flor para ela…

A jovem chegou ao topo da escada e, sabendo que a Irmã Teresa e Letty estavam ausentes, dirigiu-se para o seu próprio quarto, que lhe pareceu muito belo e luxuoso após a austeridade do bangalô do Sr. Langton.

Ela deixou a sombrinha na cadeira e tirou o chapéu, caminhando até a janela. Dorinda nunca se cansava de admirar o jardim cheio de flores e de árvores em floração.

Então, viu duas cartas sobre a penteadeira e pensou, de início, que tivessem vindo da Inglaterra. Ao segundo olhar, porém, notou que nenhuma delas tinha selo, apesar de estarem ambas a ela endereçadas. Num envelope estava escrito “Dorin-da” e no outro “Miss Hyde”.

Assaltada por um súbito pressentimento, Dorinda apanhou a primeira, cujo envelope levava seu nome, escrita na letra redonda de Letty.

Abriu-o e olhou com apreensão o pedaço de papel. Pensou, a princípio, que o cansaço da noite anterior lhe estava perturbando a compreensão. Leu de novo:

Querida Dorinda

Vou com a Irmã Teresa para Sarawak. Serei feliz ao lado dela e não quero casar com o Sr. Kirby. Por favor, diga-lhe isso. Lamento muito decepcionar papai. Beijos.

Letty

 

Dorinda releu duas vezes a carta e depois, com os dedos trêmulos, abriu a da Irmã Teresa.

Prezada Lady Dorinda.

Letty me deu conhecimento de sua verdadeira identidade, mas, é claro, não mencionei a ninguém o fato. É evidente que a senhorita, irmã dela, compreenderá que, como enfermeira experiente, não posso considerá-la capaz de se casar com homem algum e muito menos com o Sr. Maximus Kirby.

Por isso a estou levando para Sarawak. Olharei por Letty e estou certa de que ela se sentirá feliz na Missão, brincando com as crianças.

Estou assim agindo, não apenas pela felicidade dela, mas também pela do homem que tanto fez por Cingapura. Tenho uma grande admiração e uma enorme gratidão por Maximus Kirby. Sua carreira e sua vida particular não devem ser arruinadas por um mau casamento. Letty não é a mulher ideal para ele. Deixo com a senhorita o encargo de explicar-lhe por que tomei essa atitude.

Que Deus a abençoe.

Sua amiga no amor de Jesus Cristo,

Irmã Teresa

 

Quando Dorinda terminou de ler as cartas, deixou escapar um profundo suspiro e deixou-se cair numa cadeira como se de repente as pernas não pudessem mais sustentar o peso do seu corpo.

Ainda não podia entender direito o que tinha acontecido e, de súbito, sua cabeça e suas pálpebras começaram a pesar como pedras.

— Não há nada que eu possa fazer — disse a si mesma.

Então, justamente porque a situação lhe parecia tão difícil e surpreendente, trocou de roupa e atirou-se na cama.

Dormiu a tarde toda e só acordou ao crepúsculo. Continuou deitada, tentando lembrar-se dos últimos acontecimentos.

E recordou tudo, o tigre do qual fora salva por Maximus Kirby, a serpente que o picara e, depois, as intermináveis caminhadas pelo bangalô, quando o rapaz parecia condenado à morte.

E, enquanto ajudava a amparar Kirby, a súbita descoberta de que o amava apaixonadamente.

Depois, as cartas que encontrara na penteadeira…

“Como puderam elas ter ido embora me deixando a missão impossível de contar a Maximus Kirby a decisão de Letty”, pensou a jovem.

Ele podia não amar Letty, Dorinda estava quase certa de que a irmã não tinha as qualidades necessárias para lhe tocar o coração. Mas ele a escolhera para esposa e tinha espalhado por toda Cingapura a notícia do próximo casamento, antes mesmo de Letty ali chegar. Além do mais, todos os conhecidos e amigos de Maximus Kirby tinham ido àquela casa apresentar-lhe suas congratulações…

Maximus planejara nos mínimos detalhes o casamento, um casamento fabuloso que jamais se apagaria da memória de todos os que a ele comparecessem…

“Pode haver algo mais humilhante do que ser abandonado pela noiva uma semana antes do casamento porque ela preferia a companhia de crianças chinesas numa remota missão católica?”, perguntou-se Dorinda.

— Teria sido melhor se Letty tivesse fugido com outro homem — disse Dorinda a si mesma.

Seria mais que suficiente para ferir profundamente o orgulho masculino, mas preferir uma ilha nativa e primitiva à condição de esposa de Maximus Kirby era algo bem difícil de explicar.

— Como poderei contar-lhe? — perguntava-se a moça, aflita.

Dorinda se sentia tão fraca que se esforçou por comer algumas garfadas dos excelentes pratos que tinham sido levados ao quarto.

Depois de retirada a bandeja, ela permaneceu ainda por muito tempo quieta, na penumbra, sentindo que as palavras contidas nas cartas de Letty e Irmã Teresa continuavam martelando-lhe o cérebro.

Agora, a jovem se perguntava como poderia seu pai ou ela mesma ter achado possível o casamento de Letty com um homem como Maximus Kirby.

No entanto, em Alderburne Park, Letty não parecera tão psicologicamente perturbada quanto durante a viagem. Tudo começara com suas crises de histerismo ao ser afastada do seu ambiente familiar, para depois o físico pavor da tempestade na Baía de Biscaia e, finalmente, o choque do ataque dos piratas.

Ninguém poderia ter sido mais tolerante e compreensivo com ela que Maximus Kirby.

Outro homem teria certamente insistido em maior aproximação com sua futura esposa. Ou, pelo menos, teria exigido que ficassem a sós para conversarem livremente, sem a eterna presença de Dorinda ou da Irmã Teresa.

Maximus Kirby não tinha reclamado. Ele parecia ter compreendido que Letty sofrera um grande choque com o ruído da batalha e o pavor de ser assassinada na cabina.

“Entretanto, ele devia ter sabido”, pensou Dorinda. “Devia ter compreendido, desde o primeiro momento, que Letty, apesar de toda a sua beleza, não era como as outras mulheres.”

Devia ter ficado pelo menos surpreendido com o inusitado interesse que ela demonstrara pelos pássaros e, depois, com o fato de Letty não conseguir manter conversação com nenhum dos convidados que lhe freqüentavam a casa, muitos dos quais de grande importância na vida pública de Maximus Kirby. Apesar de terem todos demonstrado sua grande admiração pela rara formosura de Letty, acabavam achando impossível conversar com ela.

“Mas, apesar de tudo isso, Maximus Kirby queria se casar com Letty”, pensou Dorinda. “Ele tinha feito uma transação com o conde, e pago dez mil libras pelo privilégio de se tornar seu genro.”

Era quase uma afronta à dívida de honra a fuga de Letty às vésperas do casamento. E a Irmã Teresa a tinha ajudado…

Mas a Irmã Teresa pelo menos fora honesta. A missionária tinha dito claramente, em sua carta, que assim procedia não apenas pela felicidade de Letty, mas também pela de Maximus Kirby.

Não havia dúvida de que a freira gostava muito de Maximus Kirby, à sua própria maneira, talvez até de um modo um tanto maternal, já que tinha idade suficiente para ser sua mãe. Era até bem possível que assim se sentisse espiritualmente. Talvez pensando nele como o filho que seus votos de castidade a proibiam de ter.

E Dorinda se perguntou: se Maximus Kirby fosse filho da Irmã Teresa, gostaria a missionária de vê-lo casado com alguém como Letty? A moça sabia a resposta: não.

— Desejo que o Sr. Kirby seja feliz — murmurou ela, na escuridão do seu aposento. — Não gostaria de vê-lo decepcionado, magoado ou humilhado. E ele ficará profundamente magoado se souber que o povo de Cingapura está rindo às suas custas.

Dorinda suspirou fundo.

— Os chineses se compadecerão dele, porque julgam sagrado o compromisso de casamento. E homens como o Dr. Johnson e o comissário de bordo trocarão comentários irônicos em torno do acontecimento. E, inteligente como é, Maximus Kirby saberá exatamente o que todos estarão pensando.

Como um grito saído do fundo de seu próprio coração, ela perguntou a si mesma, em voz alta:

— Que posso fazer para ajudá-lo? Que posso fazer para amenizar esse choque?

A jovem pensou que, se fosse ao cais, talvez pudesse convencer o capitão do “Dragão do Mar” a seguir o navio em que Letty e a Irmã Teresa tinham embarcado.

O rápido iate de Maximus Kirby, logo alcançaria a outra embarcação e talvez ela conseguisse fazer com que as duas voltassem a Cingapura. Mesmo que já tivessem chegado a Sarawak, talvez ela pudesse forçar Letty a voltar.

Mas, no íntimo, Dorinda sabia que não haveria argumento capaz de persuadir Letty a fazer o que não desejava.

Era claro que, se tivesse sido mais observadora, teria percebido que a dependência de Letty em relação à Irmã Teresa aumentava a cada momento. Nos últimos dias, Letty quase não se afastara do seu lado, nem mesmo para conversar com Dorinda, como costumava fazer na Inglaterra.

Com a Irmã Teresa, Letty se sentia à vontade e desfrutava uma doce sensação de segurança.

“Não há esperança”, pensou Dorinda. “Mas como poderei contar-lhe isso? Como poderei magoá-lo assim?”

Ela permaneceu em seu quarto, pensando, buscando uma solução, e, como estava muito cansada, acabou adormecendo. Foi, porém, um sono inquieto, nada repousante.

Dorinda acordou cedo e, depois de vestir-se, desceu ao salão principal decidida a falar com Maximus Kirby assim que ele chegasse, para que ele não descobrisse por outras fontes o que tinha acontecido.

Sempre havia a possibilidade de Lee Chang Lo contar a Kirby o que se passara antes que ela pudesse ver o rapaz. Mas, rezando para que tal não acontecesse, a moça entrou na sala do secretário.

Lee Chang Lo levantou-se à sua chegada e fez uma reverência cortês, as mãos cerimoniosamente cruzadas no peito do seu quimono chinês.

— Está melhor, Miss Hyde? — indagou o secretário. — Ouvi dizer que o Sr. Kirby correu perigo de vida.

Dorinda não ficou surpresa ao ver que ele tinha conhecimento do ocorrido.

O Dr. Seng devia ter feito comentários na cidade e numa pequena comunidade como Cingapura, tudo o que se relacionasse com Maximus Kirby era importante.

— O Dr. Seng não quis que o Sr. Kirby voltasse ontem — respondeu ela. — Quando ele chegar, quero ser a primeira a lhe falar.

Lee Chang Lo fez nova reverência.

— Será como a senhorita deseja, Miss Hyde.

— Então, por favor, instrua a criadagem.

— Assim será feito, Miss Hyde.

Dorinda sabia que Lee Chang Lo a compreendia. Não havia nem mesmo necessidade de mencionar Letty ou a Irmã Teresa.

Inteligente como era, o chinês não podia ignorar o que estava acontecendo, ainda que ela não lhe tivesse dito nada.

— Estarei esperando pelo Sr. Kirby na biblioteca.

Dorinda pensava que Maximus Kirby chegaria antes do almoço, mas teve que fazer sozinha aquela refeição e depois voltar à biblioteca, repleta de tantos livros fascinantes, apesar de saber que seria impossível ler qualquer deles.

Podia apenas ficar à janela, olhando o jardim.

Parecia-lhe que até o sol brilhava menos e que o dia estava mais escuro.

Apreensiva, Dorinda se perguntava como poderia contar a Maximus Kirby o que se passara e demonstrar-lhe sua sincera tristeza. Antes de mais nada, como poderia justificar o inqualificável procedimento de Letty?

Com certo sentimento de alívio, a jovem se lembrou que Maximus Kirby desconhecia sua verdadeira identidade. Para o rapaz, ela era apenas uma amiga de Letty, não a irmã da moça que o traíra.

Somente quando o sol já estava bem alto e a maioria das pessoas fazia a sua sesta, foi que Dorinda ouviu o som de uma carruagem parando diante da casa.

Alguns criados correram para a sala, onde, logo depois, soou a voz de Maximus Kirby.

— Sim, estou muito bem, obrigado. Não precisam preocupar-se comigo, está tudo bem.

Um dos criados devia ter-lhe dito que Dorinda estava à sua espera porque ela o ouviu perguntar:

— Onde está Miss Hyde?

— Na biblioteca, senhor.

— Vou falar com ela.

Dorinda teve a impressão de que seu coração falhava uma batida e que lhe era impossível respirar enquanto os fortes e decididos passos de Kirby se aproximavam da biblioteca.

Sua presença pareceu encher todo o cômodo.

Voltando para o rapaz seu rosto muito pálido, Dorinda estremeceu ao pensar no que devia dizer-lhe.




  

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