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CAPÍTULO 1



CAPÍTULO 1

 

 

 

COM uma expressão de alegria, o Conde de Alderburne levantou os olhos da carta que tinha nas mãos.

— Chegou, Elizabeth! — exclamou ele. A condessa, sentada no outro extremo da mesa do desjejum, olhou-o com surpresa.

— O quê? — perguntou a senhora.

— A carta de Kirby. Você sabe que eu a estava esperando há semanas!

— Sim, é claro, Hugo… e a espera o tornou um bocado desagradável. Que é que ele diz?

O conde olhou de novo a carta, parecendo muito feliz. Finalmente, respondeu:

— Ele pede que Letty vá para Cingapura no mês que vem, no navio “Osaka”.

— Para Cingapura?

A pergunta foi quase um grito e Lady Lettice Burne pousou a xícara na mesa. Sua mão estava trêmula.

— Para Cingapura, papai? — repetiu a moça. — Não… não posso ir…

— Ora, Letty — disse o pai. — Já discutimos esse assunto antes. Você me prometeu que se casaria com Maximus Kirby.

— Mas não em Cingapura, papai. Você disse que ele viria para cá… Além do mais, já faz tanto tempo…

As palavras terminaram num murmúrio. Os belos olhos azuis de Lady Lettice estavam cheios de lágrimas.

— Eu… não quero casar com ele, papai. Não quero casar com ninguém.

— Isso é ridículo, Letty! — interveio a condessa.

Mas, apesar da voz segura, seus olhos revelavam preocupação ao pousarem na filha mais nova.

— Mas, Letty, quando Maximus Kirby veio aqui — disse o conde, como se se dirigisse a uma criancinha — você o achou muito agradável…

— Ele me deu… os periquitos… — respondeu Letty, a voz trêmula. — E eu o achei… muito bondoso… Mas não quero casar com ele nem vou sair desta casa, papai. Quero ficar aqui… com vocês…

Os olhos do conde pousaram no rosto da filha com expressão aparvalhada. O fidalgo não suportava lágrimas e sempre achara difícil recusar o que quer que fosse a Letty.

A moça era muito bonita e o conde sempre apreciara a beleza!

Sim, não havia dúvida de que Lady Lettice Burne era de impressionante formosura. Seu cabelo macio parecia de ouro e a pele era fina e rósea. Tinha olhos azuis orlados de escuras pestanas e uma boca mimosa e bem desenhada, que seria a delícia de qualquer pintor.

Era de se esperar que Lady Lettice fosse a moça mais cortejada, se não na sociedade londrina, ao menos pelos jovens cavalheiros do condado.

Mas embora corressem para o seu lado assim que ela aparecia, logo e inesperadamente se afastavam em busca de mulheres menos bonitas, mas mais interessantes.

Após a primeira temporada da filha em Londres, o conde, um homem inteligente, depressa compreendeu que Letty não ia fazer o brilhante casamento que para a mesma ambicionara.

Mas sempre havia a esperança de que um dos velhos Pares do reino pudesse achar seu belo rosto compensação suficiente para sua quase infantil inteligência.

— Não se trata apenas de sua falta de vivacidade mental… ela nem sequer presta atenção! — disse o conde à mulher, após um baile quando, no final da noite, percebera uma peculiar escassez de pares para a bela Lettice.

— Eu sei, Hugo — respondera a condessa. — Já expliquei a ela milhares de vezes que os homens esperam que as mulheres lhes dêem atenção, ouçam o que eles têm a dizer e riam de suas piadas.

— Mas em que diabos pensa Letty? — explodiu o conde.

— Francamente, Hugo, modere a sua linguagem! — recriminou-o a condessa.

— Desculpe, querida — disse o conde. — Mas você tem que admitir que isto é exasperante! Não há moça mais bonita que Letty e eu estava esperando um genro rico.

A condessa suspirou. Todos contavam com um vantajoso casamento para Letty.

Com Alderburne Park hipotecada e suas dívidas crescendo a cada ano, parecia que o único bem que agora possuíam era a beleza incomparável de Lettice.

Então, já de volta à sua propriedade e quando o conde ainda se ressentia das despesas provocadas pela temporada em Londres, Maximus Kirby aparecera.

De início, o conde não pensara no rapaz como um provável genro.

Kirby lhe fora apresentado no White’s Club por um Par do reino, que lhe dissera, numa voz que ele julgava abafada, mas que vibrava na Sala Vespertina:

— Tenho um bom negócio para você, Alderburne. Um rapaz que quer comprar cavalos para levar para o Leste. É rico como Creso e paga qualquer preço pelo que deseja.

Mais tarde, o conde descobriu que a última afirmação não era verdadeira.

Maximus Kirby não era o tolo que as palavras do amigo pareciam insinuar. Extremamente rico, era, no entanto, bastante sagaz para valorizar seu dinheiro. Embora preparado para pagar bem pelos melhores cavalos do conde, não estava disposto a levar nenhum que não fosse de primeira classe.

O conde o tinha convidado a visitar Alderburne Park para ver os cavalos.

Fora a condessa quem lançara no cérebro do marido a idéia de que Maximus Kirby era não apenas um homem rico, mas muito bem apessoado.

— Posso dizer sem medo de errar que, embora não seja nenhum nobre, Kirby é certamente bem-nascido. Ele passaria por um cavalheiro em qualquer lugar…

— Ele é um cavalheiro — afirmou a condessa. — E o fato de ser um pouco excêntrico, certamente devido à sua longa permanência no Leste, não o torna pior partido.

— Você está sugerindo…? — indagou o conde, um pouco incrédulo.

— Eu o vi olhando para Letty no jantar, à noite passada — declarou a condessa. — Acho que antes de ir embora ainda falará no assunto com você.

— Mas Letty ia ter que morar muito longe daqui! — exclamou o nobre. — Kirby tem muitas propriedades na Malásia.

— Desde a abertura, há dez anos, do Canal de Suez, não é tão difícil ir ao Leste — retrucou a condessa. — Lorde Avon estava dizendo no outro dia que se pode chegar à Índia em vinte e cinco dias!

— Ele é muito bem apessoado — disse o conde, e certamente não estava se referindo a Lorde Avon.

— Eu o acho maravilhoso — afirmou a condessa.

Não havia dúvida de que Maximus Kirby tinha um firme aliado na mãe de Letty.

E que mulher seria capaz de resistir a um estranho encantador como o jovem milionário? Havia qualquer coisa em Kirby, uma estranha fascinação que fazia lembrar os antigos piratas.

E, além da irresistível atração que exercia sobre as mulheres, Kirby era um esportista, o que o popularizava entre as pessoas de seu próprio sexo.

Era verdade que o rapaz tinha uma audácia que provocava o ciúme de muitos maridos e noivos, mas também era educado e sua personalidade parecia ter levado a Alderburne Park uma lufada de ar fresco.

Comprou não apenas os melhores cavalos do conde, mas também muitos quadros, uma papeleira Rainha Anne e alguns livros da biblioteca, que o conde nunca tinha sequer olhado, desde que herdara a propriedade.

Apenas Dorinda, quando Maximus Kirby já tinha ido embora, reparou, com tristeza, nas prateleiras vazias. Sabia que aquelas prateleiras não iam mais ser recompletadas.

Foi para Dorinda, sentada no outro lado da mesa do desjejum, que Letty apelou agora, os olhos úmidos e os lábios trêmulos.

— Dorinda, você sabe… que não posso me casar… — disse ela, como uma criancinha. — Faça papai compreender que eu… não gosto… os homens me assustam…

— O Sr. Kirby é diferente — respondeu Dorinda. — Pense na sua gentileza em lhe presentear com aqueles periquitos. Estou certa de que, uma vez em Cingapura, você vai poder ter um viveiro inteiro de pássaros exóticos… Vai ser maravilhoso!

— Eu preferia um viveiro aqui mesmo — teimou Letty.

— Aqui é frio demais e as aves morreriam. Mesmo os periquitos estremecem de frio perto da lareira…

A voz de Dorinda era firme, mas suave. Lettice, os olhos fitos no rosto da irmã, era a imagem viva do desconsolo.

Poucas pessoas olhavam assim diretamente para Dorinda. Talvez porque sempre estivesse perdida nos próprios pensamentos e não visse o rosto da irmã como os outros viam.

Podia-se perceber facilmente que até o conde, à mesa do desjejum, evitava olhar para a filha mais velha, mesmo quando a ela se dirigia.

Mas Dorinda já não estranhava que as pessoas olhassem em outra direção quando falavam com ela.

Aos vinte anos — quase vinte e um — ela já se tinha convencido de que nunca se casaria. Era-lhe, no entanto, difícil ouvir Lettice, uma jovem tão linda, afirmar freqüentemente que tinha medo dos homens.

Dorinda raramente tinha a oportunidade de conversar com outro homem que não fosse seu pai ou um dos criados. Desde a infância, sofria de uma desfigurante doença de pele que enfeava seu rosto, os braços e as pernas com manchas avermelhadas.

Era fácil esconder os pulsos, que às vezes ficavam piores, e, é claro, também as pernas. Mas não havia como esconder as feias manchas que permanentemente lhe desfiguravam a testa, o lábio superior e o queixo.

No início, os médicos que a condessa procurara tinham dito que se tratava apenas de um sintoma da adolescência.

— Muitas moças têm problemas de pele nessa idade — afirmaram os especialistas. E prescreveram uma porção de cremes e loções que de nada tinham servido, a não ser para aumentar a irritação da pele.

Quando Dorinda completou dezessete anos, a condessa se desesperou. Era o momento de providenciar a apresentação da filha à corte, de levá-la para uma temporada em Londres, dar em sua honra um baile em Alderburne Park. Mas de que adiantaria gastar dinheiro com uma moça da qual quase todos fugiam, se não com desgosto, pelo menos com piedade?

Sem falar nos que desconfiavam de que a doença fosse contagiosa, idéia que os médicos achavam ridícula.

— Mas como vamos prevenir as pessoas de que a doença não pega? — indagou Dorinda. — Não posso usar um cartaz…

Não havia mesmo nada que se pudesse fazer e no final foi a própria Dorinda quem resolveu não forçar a entrada numa sociedade que não a desejava.

— Esqueça-se de mim, mamãe — dissera à condessa. — Guarde esse dinheiro para Letty. Ela vai ser maravilhosa, como todo mundo sabe, e nada do que você possa fazer melhorará a minha aparência.

Era verdade, embora a condessa não o quisesse admitir.

Belos vestidos e chapéus pareciam acentuar a enfermidade de Dorinda. Afinal, resolveram aceitar o inevitável.

Dorinda permanecia em casa e poucas vezes deixava Alderburne Park, a não ser para acompanhar Letty, que exigia sua presença onde quer que fosse.

O tato de Dorinda, ou talvez sua timidez em forçar uma presença indesejável, acabou se tornando um hábito.

Freqüentemente tinha que acompanhar Letty a alguma festa porque, de outra maneira, a irmã não iria. Então, despercebida, Dorinda desaparecia.

Tornou-se exímia em andar sozinha e sem ser vista por Alderburne Park, quando havia hóspedes na propriedade.

Muitas vezes dizia a si mesma, com um sorriso triste, que se parecia com um daqueles fantasmas que se supunha assombrar o sótão ou a ala leste. Mas, ao contrário dos fantasmas, Dorinda era extremamente útil.

— Ora, deixe que Dorinda resolve o caso — costumava dizer o conde. — Ela sabe exatamente o que eu quero.

— Consulte Lady Dorinda sobre o cardápio, cozinheiro — ordenava a condessa. — Você sabe que eu nunca me lembro do nome desses pratos exóticos.

— Quero Dorinda! Onde está Dorinda? — choramingava Letty.

Só Dorinda conseguia restaurar seu bom humor, fazê-la descer a tempo para o jantar ou pentear-lhe o cabelo tão bem como uma cabeleireira profissional.

Fora Dorinda quem, no ano anterior, tentara convencê-la de que o casamento com Kirby seria algo maravilhoso, um acontecimento memorável para toda a família.

— Lembre-se de como será formidável viver sempre ao sol! — tinha dito a Letty, num certo dia enevoado. — Pense nas flores de Cingapura. Acho que você vai poder ter um jardim só de orquídeas. E lá também existem belos, coloridos e brilhantes pássaros, Letty. Você vai adorá-los.

“Eu devia ter sabido”, pensou Dorinda, agora, à mesa do desjejum “que papai transtornaria Letty, dando-lhe a notícia sem a menor preparação.”

— Eu… não quero ir — dizia Letty. — Quero ficar aqui… com Dorinda e você, papai… oh, papai, gosto tanto de vocês… sou feliz aqui. Não quero me casar!

— Mas, Letty, pense nas roupas maravilhosas que você vai usar — insistiu o conde. — E nas jóias! Maximus Kirby poderá lhe presentear com diamantes muito mais deslumbrantes do que os que pude dar à sua mãe. E pérolas também. Há pérolas maravilhosas em Cingapura!

— Não gosto de pérolas — resmungou Letty.

O conde olhou desalentado para a esposa, no outro lado da mesa.

— Hugo, acho melhor deixar Dorinda falar com Letty a respeito da viagem — disse a condessa, diplomaticamente.

— Tenho de mandar um telegrama a Kirby — observou o conde. — Ele espera que Letty viaje no dia dez de janeiro.

— Não vou! — gritou Letty, levantando-se de repente. — Não vou mesmo! Quero ficar aqui! Vocês não gostam de mim… mas eu não vou…

Em lágrimas, Letty correu pela sala, parecendo tão bonita e graciosa que nos olhos do conde havia mais admiração que raiva.

— Você tem que convencê-la, Dorinda — disse ele, finalmente.

— Certamente o Sr. Kirby não espera que Letty viaje sozinha para Cingapura… — comentou a condessa.

— Claro que não — concordou o conde. — Na sua carta ele diz que nós por certo desejaremos uma companhia para a nossa filha e para isso falou com Lady Anson, esposa do Tenente Governador de Penang, que vai viajar no mesmo navio…

— Uma companhia! — exclamou a condessa. — Claro que sim, mas alguém de quem Letty realmente goste.

— Deve haver alguém — tornou o conde, com uma nota de irritação na voz.

— Claro que deve haver — concordou a condessa. — Mas não sei quem. O Sr. Kirby também vai pagar a despesa da dama de companhia?

O conde consultou novamente a carta.

— Sim, certamente. Ele vai enviar uma chinesa como camareira. Diz que é muito experiente e que já providenciou para que esteja a bordo do “Osaka” em Tilbury, quando Letty embarcar.

— Ele pensa em tudo… — comentou a condessa.

— Bem, hão seria conveniente mandar uma de nossas criadas — observou o conde. — E, de qualquer modo, Letty precisa aprender a usar empregados chineses.

— Acho que são muito bons — disse a condessa, com um tom de inveja na voz. — Honestos, trabalhadores e fiéis aos seus patrões.

— Então, não há problemas com a camareira — declarou o conde. — Mas e a dama de companhia? É claro que Letty precisa de alguém que a mantenha de bom humor.

— Terei de ir com ela, papai — interveio Dorinda, quietamente.

O conde pareceu surpreender-se.

— Você, Dorinda? Claro que isso seria…

Fez uma pausa, como se escolhesse as palavras.

— …embaraçante — completou Dorinda. — Sim, seria, papai, se eu me identificasse. Mas não vou fazer isso. Irei simplesmente como companhia de Letty e ninguém precisa saber que, na verdade, somos irmãs.

Houve um breve silêncio enquanto os pais digeriam a idéia. Finalmente, Dorinda concluiu:

— Quando Letty estiver casada, voltarei.

— Sozinha num navio? — perguntou a condessa.

— Estarei a salvo, mamãe — respondeu Dorinda, em tom galhofeiro.

— Sim, sim, é claro — disse o conde, ligeiramente constrangido. — Mas não é o tipo de comportamento que se deve esperar de uma de minhas filhas…

— Ninguém vai saber que sou sua filha — retrucou Dorinda. — Vou arranjar um nome falso e bem discreto. Posso manter Letty de bom humor. Se eu não a acompanhar, duvido que ela se case com o Sr. Kirby.

Houve um pesado silêncio na sala, como se todos estivessem pensando em como Letty sabia ser difícil quando assim o desejava.

Seu medo do casamento era o resultado de um infeliz incidente que acontecera dois anos antes.

Justamente por sua beleza e porque o conde queria exibi-la, o pai a levara a um baile de caça quando ela ainda não tinha dezesseis anos. Não era um ato sem precedentes, porque muitas das participantes ainda não tinham sido apresentadas à sociedade. Em verdade, várias moças da idade de Lettice iam comparecer à caçada e, depois, ao baile.

Usando um vestido novo, vindo de Londres, e um arranjo de rosas brancas no cabelo, Lettice ofuscava facilmente todas as mulheres do salão, qualquer que fosse a idade.

O baile estava animado e, infelizmente, o conde não quis sair quando sua esposa pediu. De um modo que a condessa não sabia explicar, Letty tinha se afastado do seu lado e um jovem cavalheiro, arrebatado pela beleza da jovem, a tinha beijado.

Deve ser dito, em defesa do rapaz, que Lettice não protestou diante das suas primeiras investidas. E, quando ele a abraçou e beijou, a jovem ficou tão apavorada que não podia falar ou mover-se.

O moço não percebera que Letty estava completamente alheia às suas intenções. De fato, no início, ela nem mesmo ouvia o que ele estava dizendo. O rapaz a beijou apaixonadamente e só percebeu o que fizera quando ela caiu, desmaiada, a seus pés.

A condessa recebeu confusas desculpas e levou a aterrorizada Letty para casa, onde a entregou aos cuidados de Dorinda.

Para uma moça normal, tal episódio seria facilmente esquecido ou se tornaria piada, mas em Letty deixou uma irremovível cicatriz. Dali em diante, passou a ter medo de todos os homens, por mais calmos e inofensivos que parecessem.

— Você não pode desconfiar de todos os rapazes — dizia-lhe Dorinda, às vezes, num baile. — Aquele é um bom rapaz…

— Não quero dançar com ele — respondia Letty. — Não gosto que os homens me toquem…

— Mas, Letty, querida, eles não vão machucá-la.

— Eles… ficam olhando para mim… ficam dizendo… uma porção de coisas… — protestava Letty.

— Só querem elogiar sua beleza — explicava Dorinda. — Você é muito bonita, Letty, e sabe disso.

— Gosto que você e papai me achem bonita, mas não quero que os homens fiquem olhando para mim…

— Isso é ridículo, Dorinda! — dizia a condessa, não uma, mas dúzias de vezes à filha mais velha. — Ela tem que acabar com essas idéias infantis!

— Devemos dar tempo ao tempo, mamãe — respondia Dorinda.

Mas, consigo mesma, a moça admitia que, a cada dia que passava, Letty achava mais difícil conviver com rapazes.

— Letty não pode voltar atrás! — estava dizendo agora o conde. — Ela não pode desistir de casar com o Sr. Kirby!

— Você ouviu o que ela disse, papai — respondeu Dorinda.

— Bem, mas ela não pode fazer isso! — protestou o conde, com firmeza. — As moças têm que se casar com quem os pais determinam!

Fez uma pausa e depois prosseguiu:

— A semana passada, o duque me dizia que casou as sete filhas sem problemas, todas com abastados fidalgos… Aposto como não teve essa espécie de contrariedade.

— O problema, Hugo, é que você estragou Letty desde criança — acusou a condessa.

— Ora, como é que eu podia adivinhar que ela ia se comportar de maneira tão anormal? — retrucou o conde, aborrecido.

Levantou-se da mesa, empurrando agressivamente a cadeira.

— Deus sabe que já é bem triste não ter um filho para herdar o nome de família. Mas ter duas filhas e ambas tão peculiares… é mais do que qualquer homem pode suportar!

— Hugo, francamente! — repreendeu-o a mulher. — Como pode ser tão mau para Dorinda?

O conde olhou para a filha mais velha e, antes que pudesse acrescentar alguma coisa, a moça disse:

— Não faz mal, papai. Posso entender muito bem. Você está devendo dinheiro ao Sr. Kirby, não é? Por isso Letty tem que se casar com ele.

— Hugo! — exclamou a condessa. — Isso é verdade?

O conde atravessou a sala em direção à lareira acesa.

— Bem, para ser franco, querida… — começou o fidalgo.

— Como é que você pôde fazer uma coisa dessas? — bradou a condessa. — Endividar-se antes mesmo de Letty ter a aliança no dedo! É humilhante demais!

— Eu estava em má situação na época — respondeu o conde. — E ele levou seis dos meus melhores cavalos. Eu precisava de algum dinheiro.

— E o que foi feito do dinheiro que ele pagou pelos cavalos? — insistiu a condessa.

— É preciso perguntar? — retrucou o conde, amargamente. — Os credores não me largavam e você saberia disso se tivesse ouvido pelo menos uma palavra do que tenho lhe contado. Era o caso de entregar a casa ou pedir emprestado a Kirby.

A condessa apertou os lábios.

Ela sempre parecia fria, austera. E agora ainda mais, ao perguntar, rispidamente:

— E quanto é que você pediu ao futuro genro?

Houve um breve silêncio antes da resposta do conde:

— Se quer mesmo saber a verdade, dez mil libras.

A condessa deixou escapar uma exclamação de horror. Depois, sem mais uma palavra, saiu da sala.

Dorinda voltou-se para o pai.

— Sinto muito, papai. Eu não devia ter dito aquilo.

— Não havia mais nada a fazer, Dorinda — afiançou o conde. — As dívidas cresceram de modo alarmante e Kirby ficou simplesmente fascinado com a possibilidade de me emprestar o dinheiro em troca da promessa de que Letty se casaria com ele.

Dorinda suspirou.

— Se ela o recusar agora, papai, você vai ter que devolver o dinheiro.

— Mas você sabe tão bem quanto eu que não o tenho. Você tem visto as minhas contas. Não tenho segredos para você.

— Sim, papai, eu sei. E sei também que não poderá levantar dez mil libras a não ser que venda a casa e o que restou dos quadros da família.

— Na verdade, duvido que valham dez mil libras — retrucou o conde.

— É, não devem valer mesmo — suspirou Dorinda.

O conde caminhou da lareira até a janela e ficou olhando o jardim coberto de neve.

— Pensei que, com o casamento de Lettice, seria fácil vender mais cavalos a Kirby… ou qualquer outra coisa que lhe interessasse. Ele é suficientemente rico para não precisar regatear e negociar com ele seria ótimo para mim.

— Eu sei, papai — respondeu Dorinda. — Assim, só nos resta convencer Letty a se casar com ele. Eu não quis dizer nada diante de mamãe, mas Letty me afirmou uma porção de vezes que prefere morrer a ser tocada por um homem.

— Oh, meu Deus! — exclamou o nobre. — Eu devia ter matado aquele patife que a beijou!

— Se quisermos ser honestos um com o outro — observou Dorinda, calmamente — temos que admitir que, se não fosse ele, seria outro qualquer. Letty não é como as outras moças.

— Mas ela é linda, Dorinda. A mais linda moça do mundo. Ela deve ter sentimentos normais. Todas as mulheres querem ser amadas e casar.

— Nem todas.

— Ela vai acabar se acostumando com a idéia — declarou o conde, tentando convencer-se do que dizia. — Tudo o que você tem a fazer, Dorinda, é convencê-la de que seu noivo será generoso e gentil com ela e dizer a Kirby como ele deve se comportar.

Fez uma pausa antes de acrescentar:

— Pensei que ele viria aqui e eu poderia falar-lhe a respeito desse assunto.

— Por que não vai a Cingapura com Letty, papai? — indagou Dorinda.

— Por duas boas razões — respondeu o nobre. — A primeira é que não fui chamado. A segunda é que as corridas começarão no mês que vem e tenho que estar aqui.

— É verdade — concordou Dorinda. — E é inútil mandar mamãe. Ela não tem paciência com Letty.

— Devo admitir que Letty é capaz de esgotar a paciência de um santo — comentou o conde. — Só você pode convencê-la, Dorinda.

— Então, concorda que eu a acompanhe a Cingapura?

— Não tenho escolha. Mas só Deus sabe como vou sentir a sua falta…

 

 

Dorinda começou a acreditar, nos dias que se seguiram, na sinceridade do pai. Eram tantas as providências que devia tomar antes de viajar! Havia dias em que, ao deitar, não tinha nem ânimo para pensar.

Não bastava manter Letty calma: além das muitas compras a realizar, todos os encargos da casa continuavam a seus cuidados, pois Dorinda cuidava de tudo, até nos menores detalhes.

— Poderei me apresentar como Miss Hyde — disse a moça ao conde. — E, como vou servir de dama de companhia, é melhor que eu pareça um pouco mais velha do que sou… apesar de realmente ninguém me dar atenção.

O pai não a contradisse e ela continuou:

— Encomendei alguns vestidos novos para mim, não muito caros e todos cinza, pois não quero chamar a atenção. As roupas de Letty serão todas coloridas. As cores vivas vão muito bem com a sua pele…

— Compre o que achar melhor, Dorinda — aprovou o nobre. — E não precisa fazer muita economia, já que Kirby me mandou um bom cheque para as despesas. Ele já pagou as passagens e está disposto a cobrir todos os gastos…

— Oh, papai, e você nada nos disse a esse respeito! — reclamou a jovem.

O conde pareceu um pouco envergonhado.

— Não queria que sua mãe soubesse — confessou ele. — Ela não gosta que eu tome dinheiro emprestado de ninguém e sabendo que devo tanto a Kirby não toleraria nova dívida.

— É melhor não preocupá-la — concordou Dorinda.

O conde colocou a mão em seu ombro.

— Você é uma boa moça, Dorinda, e mais sensível do que qualquer filho poderia ser. É uma pena…

Deixou a frase inacabada. Dorinda sabia que o pai sentia-se frustrado por ter a esposa lhe dado apenas duas filhas e nenhuma delas plenamente satisfatória…

Aquela noite, a jovem se olhou no espelho do quarto e viu que as horríveis marcas continuavam em seu rosto.

“Se eu fosse bonita como Letty” — pensou ela — “me casaria com alguém que pudesse ajudar papai, que se sentiria muito orgulhoso se eu me tornasse marquesa ou duquesa.”

Pensou então em Maximus Kirby e seu coração deu um salto.

De uma janela do primeiro andar ela o vira chegar caminhando ao lado do conde, que fora ao seu encontro em Londres. Dorinda pensara, na ocasião, que nunca vira um homem tão atraente.

Naquele momento, não pudera observar cada detalhe de seu rosto másculo e, no entanto, os ombros largos, o modo como usava o chapéu, seus gestos firmes, tudo a levara a crer que Maximus Kirby fosse realmente especial.

Saíra da janela para o topo da escada a fim de aguardar a entrada do jovem no grande vestíbulo da casa e, escondida num vão, como costumava fazer em criança, pudera vê-lo transpor a porta principal. Divisara, então, claramente, o rosto do rapaz e algo acontecera ao seu coração. Dorinda nunca pensara que um homem pudesse ser tão fascinante.

Suas feições não eram clássicas, mas a força de seu olhar, a expressão dos lábios e o bronze da pele combinavam-se magnificamente para dar-lhe uma aparência que a moça jamais poderia esquecer.

Maximus Kirby tinha ficado dois dias em Alderburne Park e, durante esse tempo, jamais encontrara Dorinda, não podendo, portanto, imaginar que ela observasse todos os seus movimentos.

Da galeria perto da sala de jantar, Dorinda vira o pai lhe mostrar a casa e os estábulos, tendo ouvido sua voz grave e morna, que parecera vibrar no coração da moça.

Percebera também quando o conde o apresentara a Letty e Maximus entregara à sua irmã os dois periquitos que trouxera de Cingapura.

Até na sua ausência, ela ouvia o pai falar a seu respeito e mesmo a voz sempre fria de sua mãe parecia ter adquirido um novo calor.

Embora nunca aparecesse quando havia hóspedes, Dorinda, na segunda noite da visita de Maximus Kirby, tinha se sentado por muito tempo ao espelho, pensando num modo de disfarçar as feias manchas do seu rosto a fim de poder descer para o jantar, que contaria com a presença de alguns convidados do conde, ansiosos por conhecerem o homem mais comentado de Londres.

— Todo mundo está falando do Sr. Kirby — Dorinda ouviu o Lorde Tenente declarar. — Dizem que a própria rainha o convidou a visitar o Castelo de Windsor, para ouvir pessoalmente as maravilhas que ele conseguiu realizar em Cingapura.

— Que maravilhas? — perguntou o conde, com indisfarçado interesse.

— Meu marido lhe contará como o Sr. Kirby melhorou o porto e construiu novos edifícios, além de uma porção de realizações de que não me lembro no momento — respondera a duquesa.

“Eu gostaria de ouvir a descrição desses melhoramentos” — dissera Dorinda para si mesma.

E então, com horror, descobrira que novas manchas avermelhadas apareciam perto do canto de seus olhos, provavelmente devido às caçadas que fizera na semana anterior, uma das poucas diversões a que se permitia, embora fugisse dos grandes grupos, preferindo os dias de pouco movimento.

Sendo uma amazona excepcional, facilmente se distanciava das outras mulheres e, muitas vezes, era, no fim do dia, a única participante da caçada, quando todos, já cansados, voltavam para suas casas.

O vento frio, o ar gelado e a chuva, porém, cobravam seus dividendos. Seu eczema — o nome que os médicos tinham dado à sua doença de pele — piorava sensivelmente depois de um dia de caçada.

Mas valia a pena, ou, pelo menos, assim pensava Dorinda, ao fim de uma daquelas jornadas.

Agora, porém, que tanto queria conhecer Maximus Kirby, odiava como nunca a doença que o destino lhe reservara.

Como poderia aparecer assim na sala de estar? Seria insuportável ver Maximus Kirby olhá-la com piedade ou desviar, constrangido, os olhos de seu rosto, como todos costumavam fazer.

Ela o viu deixar a casa na manhã seguinte, já sabendo que ele pedira a mão de Letty e o conde prometera que, dentro de um ano, quando a filha fizesse dezoito anos, eles poderiam casar.

— Foi uma visita maravilhosa — Dorinda ouviu Maximus dizer ao conde, no vestíbulo.

— Tivemos muito prazer em contar com a sua presença, Kirby — respondeu o conde. — Gostaríamos que ficasse um pouco mais.

— Nada me seria mais agradável — respondeu Maximus — mas tenho que ir amanhã a Windsor e no dia seguinte voltarei a Cingapura.

— Tenho certeza de que está ansioso para voltar ao sol — tornou o conde.

— Na verdade, trata-se de voltar ao trabalho — respondeu Maximus Kirby. — Vim à Inglaterra para comprar máquinas e equipamentos modernos e encontrar novos empresários para os planos de expansão da cidade, da enseada e de parte da selva. É nisso que Sua Majestade está interessada.

— Ouvi falar dos seus milagres por lá — declarou o conde. — Chamam-no até de “rei não coroado de Cingapura”…

Maximus Kirby sorriu.

— Sua Majestade não gostaria de saber disso. Não, sou apenas um humilde servidor da Inglaterra e, na verdade, estou apenas dando seguimento aos planos de Sir Thomas Raffles. A ele a Inglaterra deve a posse de Cingapura.

— Era um grande homem — afirmou o conde.

— Muito grande, pelo menos na parte do mundo de onde venho — confirmou Kirby. — Espero que um dia o senhor visite Cingapura e veja o que ele realizou.

— Um dia, quem sabe?

Houve um curto silêncio e depois, Kirby disse:

— Eu lhe escreverei a respeito dos preparativos para o casamento. Primeiro quero terminar a casa que estou construindo. Tenho certeza de que Lady Lettice gostará dela.

— Eu também — declarou o conde.

— Então, obrigado por tudo e até a vista — despediu-se Kirby.

Os dois homens apertaram-se as mãos e Kirby desceu os degraus da entrada, caminhando em direção à pequena diligência que o esperava.

Dorinda ficou a observá-lo enquanto ele se afastava e, depois, correu para seu quarto, de onde podia ver a frente da casa.

Ele já tinha subido no veículo e, aparentemente, dissera ao cocheiro que o conduziria, pois as rédeas estavam em suas mãos.

Fazia frio e Kirby usava uma capa, tendo o chapéu meio de lado sobre o cabelo escuro. Seu aspecto era majestoso — um homem decidido, que certamente despertaria admiração onde quer que fosse. E, no entanto, algo mais emanava de sua personalidade — pensou Dorinda. Uma espécie de encanto, de poder mágico, de vitalidade, que se fizera sentir desde a primeira vez que o vira.

Dorinda pensou, desconsoladamente, que agora ele estava indo embora e nunca mais o veria.

E, no entanto, não conseguiria esquecê-lo.

Era como se tivessem sido visitados por um habitante de outro planeta. Ele não fazia parte da Inglaterra, vinha do outro lado do universo e talvez na realidade tivessem pouco em comum.

Embaixo, na escada que levava à porta principal, o conde acenava para seu hóspede. Maximus Kirby levantou o chapéu.

Dorinda viu-o sorrir e teve a impressão de que era um sorriso vitorioso. Uma certa contorção em seus lábios e um brilho especial em seus olhos demonstravam que ele estava satisfeito.

“O que o terá alegrado tanto?” — perguntou-se Dorinda. Mas ela sabia a resposta: Maximus Kirby tinha vindo a Alderburne Park para conseguir uma esposa… e isso era exatamente o que acabava de realizar!



  

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