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CAPÍTULO 3



CAPÍTULO 3

 

— LADY Anson envia seus cumprimentos e manda dizer que ficará muito honrada se Lady Lettice Burne a visitar em sua cabina.

O camareiro repetiu a mensagem quase sem respirar, com medo de esquecer alguma palavra.

Dorinda, que pusera o livro de lado para ouvi-lo, sorriu.

— Por favor, agradeça a Lady Anson por sua gentileza e diga-lhe que, infelizmente, Lady Lettice Burne ainda não se encontra suficientemente recuperada para sair de seus aposentos ou receber visitas.

— Sim, senhorita.

O camareiro saiu da cabina e Dorinda voltou ao livro.

Aquela troca de recados tornara-se um acontecimento diário desde que o mar ficara mais calmo. Dorinda percebia que Lady Anson fazia o melhor possível para parecer uma boa companheira de viagem, embora ela própria se encontrasse em muito más condições de saúde desde a partida do navio.

E Letty não queria ver ninguém a não ser a Irmã Teresa.

Não somente os enjôos causados pela viagem, mas os acontecimentos anteriores — a saída da casa para um casamento que ela absolutamente não desejava — concorriam para que a jovem experimentasse uma profunda debilidade física e psíquica.

— Não tente fazê-la reagir — aconselhou o Dr. Johnson a Dorinda. — Deixe-a descansar. Tenho certeza de que ela se sentirá melhor quando encontrarmos o sol.

Falava como se o sol fosse remédio para todas as doenças, mas Dorinda não acreditava que o tempo ou clima pudessem modificar a atitude de Letty.

Entretanto, a moça sentia-se sinceramente grata à Irmã Teresa pela ajuda efetiva que prestava a Letty. Já não precisava levantar-se mais que uma ou duas vezes por noite e estava feliz porque tinha tempo para ler.

Agora que o mar estava calmo, ela começou a fazer exercícios de manhã cedo, quando o convés estava praticamente deserto e apenas os ardentes aficionados de cultura física por ele caminhavam, centenas de vezes, pelo menos duas vezes ao dia.

Dorinda percebeu que a maioria dos passageiros era meio insípida.

Havia plantadores de borracha e suas mulheres, seguindo para a Malásia pela primeira vez na vida, funcionários que deixavam a Inglaterra para ocupar diversos postos na Companhia das índias Ocidentais e um grande número de homens de negócios que passavam a maior parte do tempo sentados no bar ou no salão de fumar.

Dorinda não achava tedioso ter tão poucas pessoas com quem falar, pois gostava da Irmã Teresa e achava muito agradável a sua companhia.

A missionária entrou na saleta, fechando atrás de si a porta da cabina de Letty.

— Ela está dormindo? — perguntou Dorinda.

A missionária assentiu, com um gesto de cabeça.

— Quer tomar um refresco?

— Oh, não, obrigada — respondeu a Irmã Teresa. — Hoje é sexta-feira, um dos meus dias de jejum.

— Mas a senhora come alguma coisa, naturalmente.

— O menos possível — retrucou a missionária. — Acho que tenho comido demais a bordo, onde as refeições são sempre regulares e muito fartas para o meu hábito…

— Fale-me do seu trabalho — pediu Dorinda.

A missionária sentou-se em uma das confortáveis poltronas, mas Dorinda notou que ela o fazia de um modo reto e empertigado, como se estivesse determinada a manter sempre a autodisciplina.

— Trabalhei nos Estreitos da Malásia durante doze anos — respondeu a Irmã Teresa. — Antes disso, estive na índia.

— E agora a senhora está em Cingapura?

A missionária sacudiu negativamente a cabeça.

— Não — respondeu ela. — Ajudei a construir as Escolas da Missão Católica em Cingapura e fui depois transferida para Sarawak. Há muita coisa a fazer lá. Inaugurei uma escola para crianças e também um pequeno hospital, que era muito necessário.

— Ouvi dizer que existem caçadores de cabeça em Sarawak. A senhora não tem medo? — indagou Dorinda.

A Irmã Teresa riu.

— Asseguro-lhe que eles não vão cortar a minha cabeça — respondeu ela. — E, como você deve saber, Sarawak tem um rajá branco, Sir Charles Brooke, muito generoso com os missionários e ao qual sempre podemos recorrer nos momentos de dificuldade.

— Lamento muito que a senhora não vá ficar em Cingapura — declarou Dorinda.

Estava pensando na falta que a missionária ia fazer a Letty e como seria confortador saber que havia naquela cidade alguém que gozava da sua estima e confiança.

— Ficarei em Cingapura umas duas ou três semanas — disse a Irmã Teresa. — E posso apresentá-la ao nosso Prior, Padre Pierre Paris, muito estimado na cidade.

A freira sorriu e acrescentou:

— Todo mundo em Cingapura logo o reconhece quando ele caminha pelas ruas com uma sombrinha chinesa numa das mãos e uma bengala na outra.

Dorinda riu.

Ela podia bem imaginar como um padre católico em sua longa batina preta, carregando uma sombrinha chinesa, devia parecer esquisito.

— A maioria das crianças que vocês ajudam é chinesa?

— Há pelo menos vinte e oito nacionalidades diferentes em Cingapura — respondeu a Irmã Teresa. — Mas, no momento, existem cerca de oito mil chineses, que constituem a grande maioria dos habitantes.

— Tantos assim?

— Cingapura é uma comunidade em desenvolvimento — respondeu a missionária. — Você logo vai perceber essa verdade.

— Eu gostaria de agradecer-lhe — disse Dorinda, em voz meiga — por tudo o que fez por Lady Lettice.

Hesitou por um momento e depois perguntou:

— A senhora me ajudaria a fazê-la compreender quanto é importante sua colaboração no trabalho do Sr. Kirby e em tudo o que ele está tentando empreender em benefício da colônia?

— Você conhece o Sr. Maximus Kirby? — indagou a Irmã Teresa.

— Não — respondeu Dorinda. — Mas ouvi muitos comentários a seu respeito.

— Ele é uma pessoa muito especial — disse a Irmã Teresa, lentamente, como se procurasse cada palavra. — Tem um caráter forte, decidido e é muito admirado em Cingapura.

— Ouvi dizer… — começou Dorinda. Mas antes que terminasse de falar, a Irmã Teresa tinha se levantado e, sem dizer mais nada, saíra da cabina.

Dorinda ficou olhando para a porta que se fechara atrás da missionária.

Tinha a incômoda impressão de que a freira lhe falara intencionalmente. Estaria ela pretendendo alertá-la sobre o que Kirby esperava de Letty ou tentava lhe dizer que não achava Letty a pessoa indicada para ele?

— Que posso fazer? — perguntou a jovem a si mesma.

Dorinda começava a pensar que o navio, movendo-se depressa demais, a estava arrastando para uma situação que ela não podia enfrentar e para a qual certamente não achava solução.

Atravessou a saleta e silenciosamente abriu a porta da cabina de Letty. A irmã estava dormindo e, imóvel, Dorinda ficou a contemplá-la, pensando que provavelmente não havia no mundo moça mais bonita.

Letty parecia uma princesa de contos de fada, com seus belos cabelos espalhados pelo travesseiro, as bem desenhadas sobrancelhas sobressaindo na pele clara e o perfeito contorno da boca.

— Ninguém pode parecer mais romântica ou mais feminina — disse Dorinda, baixinho, para si mesma.

Então, em pensamento, reviu o rosto atraente de Maximus Kirby, o rosto, sem dúvida, de um homem de ação. Um homem de caráter e personalidade, como dissera a Irmã Teresa. Um homem que exigiria da vida o que quisesse e certamente obteria.

Insensivelmente, Dorinda começou a rezar para que, de algum modo, Letty pudesse fazê-lo feliz.

Seria possível que duas pessoas tão diferentes, e com tão pouco em comum, fossem capazes de viver juntas?

Com um profundo suspiro a jovem recordou como Letty era indefesa e egocêntrica.

Voltou para sua cabina e apanhou o livro, mas não conseguia ler. Foi até a vigia e viu o sol brilhando sobre o mar, um mar agora tão manso que era difícil acreditar naquela feroz agitação de poucas horas atrás.

Aquela tarde, quando a Irmã Teresa ficou com Letty, Dorinda foi até o convés.

Era gostoso descobrir que, apesar de já ser noite, ela não precisava usar um casaquinho sobre o vestido. O céu estava estrelado e, embora não tão quente quanto durante o dia, a temperatura ainda estava bastante abafada. Uma temperatura morna e úmida que fizera Letty reclamar durante vários dias.

— É que ainda estamos no Mar Vermelho — tinha dito a Irmã Teresa. — Vai melhorar quando chegarmos ao Oceano Índico.

“Pois eu gosto”, pensara Dorinda.

E era verdade. A jovem tinha descoberto que aquele ar úmido a livrara do resfriado crônico que sofria no inverno. Não mais sentia as narinas congestionadas nem a dor de cabeça na altura das têmporas. E respirava melhor, o que era um alívio inesperado.

— Todos ficam resfriados no inverno — disse-lhe a mãe, certa vez. — Portanto, não pense que você é uma exceção.

— E não penso mesmo, mamãe. Só mencionei o fato porque me sinto tão mal…

— Não posso fazer nada! — interrompeu a condessa, com frieza.

Dorinda tinha se sentido magoada com a indiferença da mãe, mas, de certa maneira, a compreendia. Letty vivia reclamando de tudo e a condessa, que sofria de reumatismo durante todo o inverno, tinha padecimentos bastantes para não precisar ouvir as dores alheias.

Seu pai, entretanto, tinha sido muito mais compreensivo.

— Experimente um pouco do meu rape, Dorinda — dissera ele. — Eu o uso quando estou resfriado e me sinto muito melhor.

Dorinda fez o que ele sugeria, mas o resfriado pareceu piorar. Ela achava que o problema talvez fosse causado pelo eczema que lhe desfigurava o rosto e não se tratasse de um resfriado comum.

E, se assim era, nada havia a ser feito. Dorinda passara grande parte de sua vida tomando remédios para a doença e sabia quão ineficazes eles tinham se revelado.

Agora, enquanto observava o mar, a jovem respirou fundo e notou que seu nariz estava muito melhor.

Caminhou pelo convés, procurando os lugares menos freqüentados e, ao ouvir risos provenientes do salão de fumar, compreendeu onde os passageiros, que ainda não tinham se recolhido, procuravam se divertir.

Ouvindo aquelas vozes e risos masculinos, Dorinda pensou que conhecia muito pouco os homens e sabia ainda menos a respeito deles.

E, no entanto, de algum modo, com os problemas que tentara resolver na vila e das confidências recebidas dos muitos empregados de Alderburne Park, ela sentia que conhecia bastante a natureza humana.

E o fato de algumas pessoas se vestirem melhor e viverem melhor, não as tornava menos humanas.

Todas nasciam e morriam, todos ansiavam pela felicidade, do mais humilde escudeiro ou cavalariço, ao mais poderoso imperador.

Dorinda invejava a Irmã Teresa.

A missionária tinha dedicado sua vida à ajuda do próximo e, Dorinda tinha certeza, ela estava completamente segura de que em sua religião podia encontrar a resposta correta para qualquer problema.

Era evidente a fé que inspirava a Irmã Teresa. Podia ser percebida na expressão de seus olhos, no seu modo de falar, ou, quando não estava lendo para Letty, no movimento dos seus dedos em busca das contas do rosário.

— Tenho certeza de que suas preces ajudarão Letty — disse Dorinda a si mesma. — Talvez ela consiga um milagre e Letty se torne normal como a maioria das pessoas. Talvez o casamento a ajude a modificar-se.

Dorinda tentou imaginar a irmã como esposa e mãe, mas não o conseguiu.

“Tudo vai dar certo”, pensou, otimista.

Mas tinha de admitir para si mesma que, quando se preocupava com o futuro, não pensava apenas na felicidade de Letty, mas também na de Maximus Kirby.

Ela queria que o rapaz fosse feliz.

Achava que ele precisava ser feliz em sua vida particular, pois devia ser duro para um homem ter nos ombros tanta responsabilidade e não encontrar em seu lar a paz e a tranqüilidade.

Dorinda ficou olhando as estrelas ainda por algum tempo e, de repente, pensou como seria maravilhoso se estivesse no lugar de Letty, prestes a se casar com o homem mais atraente que já vira.

Sabia que, se esse devesse ser o seu destino, estaria naquele momento lhe enviando os seus pensamentos, certa de que eles atravessariam o oceano e chegariam até ele. Imaginou que conversava com Maximus Kirby, e, de súbito, sem que pudesse evitar, que ele a tomava nos braços. Afastou a idéia com temor, ao ver até que ponto tinha sido levada pela imaginação.

— Como posso sequer pensar numa coisa dessas? — perguntou a si mesma.

Depois, com um sorriso triste, lembrou-se de que os sonhos são inofensivos.

Não estava sendo desleal com Letty, pois nenhum mal havia em sonhar com Maximus Kirby. Ele nunca saberia de nada e, quando ela estivesse de volta à Inglaterra, seus sonhos seriam o único consolo de sua vida.

“Apesar de tudo, tenho muita sorte”, pensou Dorinda, sabendo que nada podia impedir a excitação que a lembrança de Kirby, e a certeza de vê-lo brevemente lhe despertavam. Desde que o vira, chegando a Alderburne Park, sentira-se inteiramente enfeitiçada por ele.

— Vou vê-lo de novo! — murmurou consigo mesma.

E lhe pareceu que aquelas palavras de repente criavam asas, atravessavam o oceano e iam ao encontro de Maximus Kirby que aguardava sua futura esposa.

* * *

 

Na manhã seguinte, Dorinda levantou-se cedo para dar seu passeio pelo convés…

Sempre havia ruído no navio. Além do barulho dos motores e do vento nos mastros, ouviam-se os passos apressados dos marinheiros pelo convés na execução das ordens firmes do comando.

Freqüentemente Dorinda ouvia música vinda da terceira classe. Alguns passageiros deviam estar dormindo no convés, agora que o tempo aquecera.

Dorinda gostava dos ruídos. Faziam-na recordar os chilreios dos pássaros que a acordavam em Alderburne Park.

Depois de lavar o rosto, trocou de roupa, ansiosa pelo passeio no convés. Por alguma razão que não sabia explicar, sentia-se especialmente feliz.

Escolheu um dos seus melhores e mais novos vestidos, cujos enfeites brancos suavizavam o cinzento do tecido. Não era necessário usar um casaquinho ou um xale, como o fizera nas últimas manhãs, pois o dia estava quente como na tarde anterior e Dorinda sabia que a temperatura se elevaria quando o sol aparecesse. Letty ia achar, como um grande número de passageiros, que o calor era intolerável.

Dorinda terminou de vestir-se e sentou-se por um momento diante da penteadeira de sua cabina para prender o cabelo.

Seu cabelo era sempre liso e baço, e ela nada podia fazer para melhorar sua própria aparência, a não ser conservá-lo preso em coque.

Não adiantava tentar imitar Letty, pois o cabelo da irmã era ondulado e ela o usava com uma franja na testa e preso no alto da cabeça, como uma coroa.

Desde criança, Dorinda sempre tentara conseguir que ele ficasse um pouco ondulado, mas jamais tivera êxito. Sua babá costumava enrolar seu cabelo com papelotes, todas as noites, antes de levá-la para o leito. Era um processo extremamente desconfortável, mas a jovem crescera conservando o hábito, apesar da ineficácia do método.

Cinco minutos depois de exposto ao ar, o cabelo enrolado voltava a ficar liso e sem vida. Nada o fazia mudar.

— Sempre tive belos cabelos — costumava dizer a condessa, ressentida. — E os de seu pai são também brilhantes e bonitos. Não sei a quem você saiu.

Dorinda não tinha resposta para aqueles comentários. Com o tempo, passava apenas a preocupar-se em manter o cabelo preso.

Agora, diante da penteadeira, a jovem escovou-o automaticamente, em movimentos rápidos, porque tinha pressa em ir para o convés. Juntou o cabelo na nuca, prendendo-o num coque com os grampos e deu um último olhar ao espelho para verificar se ele estava corretamente preso, já meio erguida na cadeira.

Então, espantada, fechou os olhos, e abriu-os de novo para observar o próprio reflexo.

Não podia ser verdade! Devia haver algo errado com aquele espelho!

Apanhou um lenço na penteadeira e passou-o no espelho.

Tornou a olhar-se, com apreensão, temendo estar louca ou sonhando! Aquele rosto no espelho não podia ser o dela! Aquela moça de olhos tímidos, rosto oval e pele lisa, não era, de forma alguma, Dorinda Burne!

Os olhos, verde-acinzentados, pareciam um pouco grandes demais para o rosto sem manchas e, naquele momento, mostravam surpresa.

Seu lábio superior também estava perfeito e o belo desenho da boca era agora bem visível, apesar de um pouco trêmulo.

Com um pequeno grito, Dorinda afastou as mangas do vestido. Os braços estavam limpos, a pele clara. As manchas vermelhas, desfigurantes, tinham desaparecido!

Levantou a saia até os joelhos e baixou as meias. Também as pernas estavam lisas e livres das manchas. Apenas uma ou duas manchas, quase imperceptíveis, ainda eram visíveis nos locais mais atingidos pelo eczema, onde a irritação tinha sido bem acentuada.

— Não pode ser verdade! — exclamou a moça para si mesma.

Tornou a levantar as meias, arrumou o vestido e, correndo, saiu da cabina, atravessando o corredor e descendo a escada para a enfermaria.

Bateu à porta e, como não houvesse logo resposta, bateu de novo.

Sabia que a cabina do médico era contígua e, após alguns momentos, ouviu passos e o médico abriu a porta.

De jaleco e com restos de sabonete num lado do rosto, o doutor, por certo, estava se barbeando quando fora interrompido pelas batidas de Dorinda.

— Que aconteceu, Miss Hyde? Lady Lettice…

— Eu precisava falar com o senhor, doutor — disse a jovem, ofegante. — Olhe… olhe meu rosto. Que se passou? Não compreendo…

Dorinda permanecia no corredor, e estava parcialmente nas sombras, de modo que o médico abriu mais a porta e a moça entrou na enfermaria.

Depois de observar seus olhos grandes, cheios de espanto, o médico sorriu.

— A senhorita conseguiu o melhor remédio do mundo para seu eczema, Miss Hyde.

— Mas… não compreendo… — murmurou a jovem.

— É o ar, minha cara amiga — disse ele. — O ar quente e úmido opera milagres, como a senhorita está vendo.

— Mas não posso acreditar! — exclamou Dorinda, com lágrimas na voz. — É mesmo verdade? O eczema… desapareceu?

— A senhorita pode verificar por si mesma — respondeu o Dr. Johnson. — Já vi o caso acontecer antes, mas não tão depressa nem de modo tão efetivo…

— Então é verdade! — gritou a moça, sufocada.

Atravessou, depois, a enfermaria em direção à parede onde havia um pequeno espelho.

— É mesmo verdade! — repetiu ela, encantada. — Meu rosto e meus braços…

Sua voz se interrompeu e as lágrimas começaram a rolar pelo rosto.

— São lágrimas de felicidade — comentou o médico, mansamente. — Eu não quis fazer-lhe perguntas antes, mas a senhorita sofria há muito tempo de eczema?

— A vida toda.

— Uma vida nova está então começando para a senhorita. Sente-se, Miss Hyde. O camareiro acabou de trazer o meu café e vou lhe servir uma xícara. Esses acontecimentos algo inesperados sempre causam um choque…

— Eu… estou bem — tentou dizer Dorinda.

Mas estava tão fraca que sentiu-se grata por poder sentar-se na poltrona da enfermaria.

O médico aproximou o carrinho com o café e apanhou as xícaras.

Enquanto Dorinda tomava café, ele examinava seu rosto.

— É sem dúvida, uma das mais surpreendentes transformações que já vi — declarou o Dr. Johnson. — Normalmente, são necessários dois ou três dias para que o clima realize a cura.

— Estive no convés por muito tempo à noite passada — explicou a moça.

— Talvez seja essa a explicação — concordou o médico. — Bem, Miss Hyde, se me permite dizer, a senhorita é agora uma moça muito atraente e sua vida vai sofrer uma grande transformação, não é mesmo?

Dorinda olhou-o bem nos olhos, sem compreender.

— Eu quis dizer que já não há mais razão para que a senhorita permaneça todo o tempo trancada em sua cabina — sorriu o médico. — Todos agora vão gostar de vê-la e a senhorita não se sentirá mais embaraçada por isso.

Dorinda suspirou.

— Não posso acreditar — repetiu a moça, olhando os pulsos. — Estou curada para sempre?

Uma súbita nota de medo vibrava em sua voz.

— Depende — respondeu o Dr. Johnson. — Algumas pessoas nunca se curam de todo e as manchas tornam a aparecer quando voltam aos climas frios e secos, mas normalmente sem a intensidade anterior. Para outras pessoas, no entanto, a cura é definitiva. É algo que a senhorita vai ter que descobrir por si mesma.

— E se as manchas voltarem? — indagou Dorinda.

O médico sorriu.

— Bem, então a senhorita vai ter que passar o resto da vida nesta parte do mundo — retrucou ele. — E não duvido que dentro em breve um bocado de rapazes esteja insistindo para que o faça…

Dorinda colocou a xícara no carrinho.

— Eu… agradeço sua bondade e compreensão.

— Achei que o fato podia acontecer — declarou o Dr. Johnson. — Mas não quis dizer nada para não despertar esperanças que podiam não se confirmar. O eczema é uma das doenças mais imprevisíveis…

— Felizmente, no meu caso, as esperanças depressa se confirmaram…

— Há algo ainda que pode ajudá-la — disse o médico. — Especialmente quanto aos seus cabelos. Friccione a cabeça com óleo de oliva antes de lavá-los. Já vi dar ótimos resultados.

— Obrigada — respondeu Dorinda, os olhos brilhantes de alegria. — Muito obrigada por tudo, doutor. Estou tão contente! Ainda não consigo acreditar que seja verdade! Tenho até medo de me olhar de novo no espelho!

— Mas é exatamente o que lhe sugiro fazer — disse o médico. — Sente-se diante do espelho e conheça bem a nova Miss Hyde. Vai ser uma boa surpresa para a senhorita.

Dorinda sorriu-lhe um pouco timidamente antes de sair correndo da cabina.

Nos seus aposentos, sentou-se de novo diante da penteadeira e olhou o espelho.

Era verdade!

A moça no espelho tinha uma pele lisa, limpa e clara como as partes do seu corpo não atingidas pelo eczema.

Um dos médicos consultados por sua mãe tinha afirmado que as vítimas de eczema tinham uma pele fina e clara, especialmente nos locais não atingidos pela doença. Ela agora sabia que o crônico resinado, conseqüência, sem dúvida, de suas condições de saúde, é que tinha inchado seus olhos e os tornado menores do que eram.

Dorinda examinou o queixo, pequeno e ovalado, completando o oval quase perfeito do seu rosto, e, novamente, as lágrimas transbordaram de seus olhos.

— Oh, meu Deus… obrigada, obrigada! — gemeu, baixinho.

Letty e a Irmã Teresa, que estavam tomando café quando Dorinda entrou na cabina, compartilharam sua alegria.

— Oh, Dorinda, como você está bonita! — exclamou Letty.

A Irmã Teresa falou:

— Deus a abençoou, querida, e isso me torna muito mais feliz do que posso dizer…

Dorinda voltou ao espelho dúzias de vezes por hora naquela manhã, para ter certeza de que as manchas não tinham voltado e, a cada vez, se achava mais atraente.

Falou com a Irmã Teresa a respeito do conselho que o médico lhe dera sobre seus cabelos e a missionária lhe disse:

— É uma boa recomendação. Os malaios usam óleo de oliva nos cabelos com bons resultados e os chineses também.

— Não quero deixá-los emplastados…

— Use o óleo apenas na raiz — sugeriu a Irmã Teresa. — O couro cabeludo é a parte afetada pelo eczema e, agora que você está boa, seus cabelos ficarão mais bonitos.

Dorinda aceitou a sugestão da freira e, em poucos dias, enquanto o navio cruzava o oceano, seus cabelos pareciam realmente ter melhorado de aspecto. E, pela primeira vez na vida, ela começou a penteá-lo de modo diferente.

Dorinda aceitou também a sugestão do médico e passou a fazer suas refeições no salão. No início, seus contatos com os outros passageiros limitavam-se a “bom dia” e “boa noite”, mas, agora eles já paravam naturalmente para conversar com ela, movidos não mais pela curiosidade que Letty lhes despertava, mas por motivos inteiramente diversos. E começaram a chegar os convites para chás.

A jovem sentia-se um pouco culpada em relação a Letty.

— Vamos até o convés, Letty — insistia ela. — Você vai gostar do passeio.

— Está quente demais! — queixava-se Letty.

Finalmente, Dorinda e a Irmã Teresa conseguiram convencê-la a ir até o convés, onde ela poderia sentar-se, à sombra, numa espreguiçadeira com almofadas confortáveis.

A presença de Letty atraía a curiosidade geral e todos passavam por ela várias vezes, detendo-se os já conhecidos de Dorinda, para conversar um pouco. A jovem apresentou uma ou duas pessoas à irmã e, por serem de meia-idade, Letty mostrou-se simplesmente cativante.

— Ouvi dizer que Lady Lettice cativou o navio inteiro — comentou o Dr. Johnson aquela noite com Dorinda.

— Lady Lettice está bem melhor — respondeu Dorinda. — E esperamos que esteja totalmente recuperada quando chegarmos a Málaca.

— O comissário de bordo a avisou de que Maximus Kirby vai encontrá-la lá? — perguntou o médico.

— Ouvi dizer que deixaremos o navio em Málaca e iremos para Cingapura no iate do Sr. Kirby — respondeu a jovem.

— Vocês terão então um comboio triunfal — riu o doutor. — E receberão, quando desembarcarem, uma suntuosa recepção!

— Oh, não! — exclamou Dorinda.

— Mas é claro — afirmou o médico. — Que mais espera de Kirby? Ele é um homem dos grandes espetáculos e, aposto com a senhorita, Miss Hyde, que seu casamento nada ficará a dever a uma cerimônia de coroação.

— Como sabe disso?

— Conheço Max — respondeu o médico. — Ele nunca pôde fazer nada com discrição. Lembre-se do que estou lhe dizendo, vai ser o maior espetáculo que Cingapura já viu. Só desejo estar presente.

Dorinda sentiu seu coração confranger-se.

Se eram aqueles os planos, como reagiria Letty?

E, por estar angustiada, resolveu confidenciar à Irmã Teresa os seus temores.

— O Dr. Johnson me disse que tem certeza de que o Sr. Kirby está planejando um grande casamento para ele e Lady Lettice — declarou a jovem.

— Ficarei surpresa se não for um magnífico acontecimento — sorriu a missionária. — Pelo menos, é o que seus amigos chineses esperam… sem falar no resto da colônia.

— Mas Letty… — começou Dorinda. E não havia necessidade de continuar.

O sorriso desapareceu dos lábios da Irmã Teresa.

— Eu sei — disse ela, devagar. — Mas acho que ela poderá até gostar se lhe for explicado antecipadamente o que deve esperar. O que não acredito, Miss Hyde, é que ela possa suportar qualquer espécie de choque.

— Tem razão — concordou Dorinda, pensando no choque que Letty sentira quando fora beijada inesperadamente e quando seu pai lhe dissera brutalmente que ela devia partir para Cingapura dentro de poucas semanas.

Viera, em seguida, o choque da despedida dos pais e, depois, os violentos enjôos causados pelo mar bravio.

— Ajude-me, Irmã Teresa — pediu Dorinda, impulsivamente. — Não pode ficar com Letty até o casamento? Depois, terei que voltar para casa e ela será obrigada a arranjar-se sozinha, mas, até lá, fique conosco, por favor. Tenho certeza de que o Sr. Kirby não se importará.

— Maximus Kirby e eu somos velhos amigos — declarou a missionária. — Ele tem sido muito generoso comigo e de várias maneiras. Ajudou-me a levar adiante o projeto da escola da Missão para crianças chinesas quando todos apostavam que ia ser um fracasso.

— Então, por favor, fique conosco… pela felicidade dele e de Lady Lettice — insistiu Dorinda.

A Irmã Teresa sorriu.

— A qualquer momento você vai dizer que é minha obrigação…

— E é — Dorinda afirmou. — Estou certa disso!

Dorinda passou o dia inteiro tentando explicar a Letty como era importante que ela ajudasse o marido a desenvolver Cingapura, tornando-a um grande porto marítimo.

— É de grande significação para o mundo, Letty — disse Dorinda. — E não é excitante pensar que você poderá colaborar nesse desenvolvimento? Talvez até lhe ergam um dia uma estátua, como fizeram com Sir Thomas Raffles!

— Uma estátua minha? — exclamou Letty, com um brilho de interesse no olhar.

— Sim, uma grande estátua branca — respondeu Dorinda. — E talvez com um periquito na mão…

— Eu gostaria mesmo disso — afirmou Letty. — A Irmã Teresa diz que verei belos passarinhos em Cingapura.

— É verdade. Belos martins-pescadores, coloridos surucuás e grandes cegonhas que pousam nos telhados — confirmou Dorinda. — Já li sobre isso num livro.

— Uma porção de belos pássaros! — exclamou Letty.

— Você vai poder sentar-se em seu jardim cheio de flores — continuou Dorinda. — E os pássaros estarão cantando nas árvores. Você poderá alimentá-los e talvez até consiga, não tenho certeza, uma Ave-do-Paraíso.

Letty bateu palmas. E, vendo-a interessada, Dorinda foi apanhar alguns livros na cabina e sentou-se a seu lado no convés para ler-lhe o que diziam sobre os pássaros da Malásia.

— Tenho certeza de que tudo irá bem — confidenciou à Irmã Teresa um dia antes de chegarem aos Estreitos de Málaca.

— Tenho rezado por Lady Lettice — declarou a missionária. — É a moça mais bonita que já vi.

Dorinda tinha a impressão de que a Irmã Teresa, a exemplo de si própria, estava tentando parecer mais otimista do que realmente se sentia. Mas nenhuma das duas ousava expressar uma à outra suas dúvidas.

O navio parou em Penang onde se despediram de Lady Anson, cujo marido, o excelente Governador-Geral Sir Archibold Anson, um veterano da Criméia, que era muito estimado pela população, estava à sua espera.

Depois, quando seguiam a costa, Dorinda teve sua primeira visão da Malásia, uma região de grandes montanhas vulcânicas e luxuriante vegetação. Quando estavam suficientemente próximos da praia, a jovem pôde ver as estranhas casas que os malásios construíam para si mesmos sobre as árvores.

— Eles agem assim para evitar o excesso de calor — disse-lhe o Dr. Johnson. — São também suficientemente sensíveis para quando possível, escolherem árvores frutíferas, o que lhes assegura alimento fácil e gratuito… além de sombra, o que é o principal.

Dorinda soltou uma exclamação de prazer quando viu pela primeira vez mulheres trabalhando entre as árvores, usando grandes chapéus cônicos.

— Sua raça é muito sensível e prática — continuou o médico. — Um chinês sempre tem uma boa razão para as suas ações.

O que mais impressionou Dorinda, enquanto o navio se movia lentamente ao longo da costa, foi o grande número de crianças que avistou no litoral, crianças malaias nadando nas praias e cavalgando búfalos e crianças chinesas trabalhando com os pais na agricultura.

— Para os malaios, é uma calamidade não ter filhos — explicou o médico. — Aqui as crianças constituem quarenta e cinco por cento da população, proporção muito maior que na Inglaterra.

— Os garotos têm seus atrativos — comentou Dorinda, olhando os corpos bronzeados e brilhantes, o cabelo escuro e liso e os olhos curiosos.

— Não há nada mais atraente para mim que as crianças chinesas — disse o médico. — A senhora deve pedir à Irmã Teresa que lhe mostre a Escola da Missão que ela fundou.

— Ela já me falou nisso — respondeu Dorinda.

— Aquela missionária é uma santa, pode ter certeza — declarou o Dr. Johnson. — Luta como uma leoa por suas crianças, mas enfrenta sem protestos os maiores desconfortos…

— Eu lhe sou muito grata por a termos conhecido através do senhor e por toda a ajuda que ela tem prestado a Lady Letty.

— Amanhã saberemos se essa ajuda foi realmente efetiva — disse o médico.

O coração de Dorinda deu um salto quando ela recordou que, no dia seguinte, chegariam a Málaca. Maximus Kirby as estaria esperando e, pela primeira vez, Dorinda sentia medo do encontro. Não havia motivo para receios. Podia olhá-lo nos olhos em condições de igualdade. Agora era uma moça como qualquer outra.

— E, no entanto por que temo o encontro? — perguntou-se honestamente. Seria apenas uma questão de igualdade, aquele seu desesperado desejo de vê-lo de novo?




  

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