Хелпикс

Главная

Контакты

Случайная статья





CAPÍTULO 8



CAPÍTULO 8

 

 

COM um sorriso nos lábios, Maximus aproximou-se de Dorinda.

— Estou de volta e tenho muito que lhe agradecer… — começou o rapaz.

Mas ela levantou a mão, interrompendo-o.

Kirby perscrutou-lhe o rosto e perguntou, calmamente:

— Que aconteceu? Por que está preocupada?

Foi incrivelmente difícil para Dorinda conseguir falar, mas, de algum modo, pôde dizer:

— Eu… tenho uma coisa para dizer-lhe…

— O que é?

Ela pensou que as palavras jamais lhe chegariam aos lábios, mas ouviu-se dizendo, com voz irreconhecível.

— Letty… ela… foi embora… com a Irmã Teresa.

— Foi embora?

Seu tom era duro.

— A Irmã Teresa levou Letty para Sarawak… ela pede desculpas… mas não quer casar-se com o senhor… deixou-me um bilhete… pedindo-me que lhe desse conhecimento disso.

Por um momento, um pesado silêncio pairou entre eles.

Dorinda não tinha coragem de olhar para Maximus Kirby. Não poderia encarar a expressão de seus olhos, a sua temida fúria.

Então, após um intervalo que lhe pareceu incrivelmente longo, ele exclamou:

— Maldição, por que não me disse a verdade quando eu lhe perguntei?

Havia violência em sua voz e Dorinda sabia que não a poderia suportar por muito tempo.

— Eu… sinto muito — murmurou a moça, saindo correndo da sala.

Dorinda não tinha noção do que estava fazendo, sabia apenas que precisava fugir.

Não podia responder às perguntas que Maximus Kirby certamente lhe faria.

A jovem quase esquecera que Kirby lhe tinha perguntado, no iate, se Letty queria se casar com ele e ela lhe respondera com evasivas.

Agora Dorinda sabia que ele a odiaria por não ter sido sincera, por não ter impedido, como poderia, a situação atual.

Se ela tivesse lhe respondido honestamente, talvez ele tivesse podido evitar de alguma forma que Letty chegasse a Cingapura e se pouparia a humilhação que devia estar sofrendo agora.

— Oh, por que fui tão tola? — perguntava-se Dorinda.

Sem mesmo ter consciência do que fazia, trancou-se nos seus aposentos. Num impulso, apanhou o chapéu e a bolsa com que viajara, desceu correndo os degraus da escada e saiu da casa.

Como de hábito, uma carruagem estava diante do pórtico, com o cocheiro à espera de ordens.

— Para a agência de viagens — disse ela.

Enquanto viajavam, descendo a colina e pelas ruas da cidade, Dorinda só tinha consciência de sua própria infelicidade.

Era preciso voltar imediatamente para a Inglaterra. Não apenas porque não poderia enfrentar a ira de Maximus Kirby, mas também porque não podia ficar sozinha na casa do rapaz.

Dificilmente, depois do acontecido, ele se dignaria dirigir-lhe a palavra. E, além do mais, ela era uma moça solteira, não podia permanecer ali. Tinha que sair de Cingapura o mais depressa possível.

Ao pensamento do que a esperava na Inglaterra, Dorinda teve vontade de chorar, pedir a Kirby, de joelhos se preciso fosse, que a deixasse ficar. Então, a jovem disse a si mesma que precisava pelo menos manter o orgulho, agir como uma senhorita, por mais repreensível que pudesse parecer o comportamento de sua irmã.

Ela voltaria à Inglaterra e esqueceria que durante uma mágica semana tivera a companhia do homem que amava no único período fisicamente normal de sua vida e no qual se comportara como qualquer moça de sua idade.

Apesar de tudo o que o Dr. Johnson dissera, a moça tinha certeza de que, retornando à Inglaterra, o eczema voltaria.

Não talvez tão grave no início, quanto sempre fora, mas o frio do próximo inverno e dos invernos que se seguissem, poderiam de novo transformá-la na criatura fantasmagórica de antes, quando apenas utilizava as escadas traseiras de Alderburne Park, temendo encontrar estranhos.

A carruagem chegou ao escritório da agência de viagens sem que Dorinda tivesse sequer percebido as ruas por onde tinha passado.

A jovem entrou na agência e estendendo a passagem de volta que sempre estivera em sua bolsa, perguntou ao funcionário:

— Qual é o próximo navio que volta à Inglaterra?

— O “Homeric” chegará depois de amanhã à noite e partirá na manhã seguinte, senhorita.

— Por favor, reserve-me uma cabina.

— Com prazer, senhorita.

O funcionário estava tomando nota do seu nome quando um homem entrou na sala.

A moça nem mesmo reparou no recém-chegado até que ele exclamou:

— Lady Dorinda! É Lady Dorinda, não?

Ela voltou-se, surpresa, e viu o rosto familiar de um rapaz que tinha encontrado freqüentemente nas caçadas.

— Oh, Sr. Wakely, eu não esperava encontrá-lo aqui.

— Nem eu — respondeu o rapaz. — Apesar de ter ouvido dizer que sua irmã tinha chegado a Cingapura para casar-se com o Sr. Maximus Kirby. Não pensei que a senhorita a tivesse acompanhado.

Os olhos do recém-chegado estavam perscrutando o rosto da moça e Dorinda soube que, apesar de ser um jovem suficientemente educado para não o declarar, Wakely estava simplesmente estupefato pela mudança em sua aparência.

— A senhorita está muito bem… — murmurou Wakely, sinceramente impressionado.

— Estou marcando minha viagem de volta — respondeu ela, desviando timidamente os olhos diante de tão ostensiva admiração.

— Mas não pode voltar tão depressa! A senhorita mal chegou!

— Tenho motivos para voltar à Inglaterra.

Ela recebeu os papéis que o funcionário lhe estendia e agradeceu.

— Mas precisamos ver-nos de novo, Lady Dorinda — insistiu Anthony Wakely. — Não quer ir ao baile esta noite?

— Baile? — indagou Dorinda.

— Minha irmã vai dar uma festa. A senhorita deve ter ouvido falar a respeito. Sei que há dez dias ela mandou um convite para Lady Lettice e o Sr. Kirby.

— Minha irmã não tem passado bem.

— Bem, se ela não puder estar presente, a senhorita pode e deve… — disse Anthony Wakely, firmemente. — E por que não janta conosco? Não sei se a senhorita sabe, mas minha irmã casou-se com Hugh Armstrong, que tem uma grande plantação em Johore.

— Não, não sabia.

Dorinda lembrou-se vagamente de ter ouvido falar que um dos Wakely morava na região e ela nem pensara em perguntar onde.

— Virá esta noite? — tornou a insistir Anthony Wakely, enquanto saíam da agência de viagens e paravam ao sol, junto à carruagem.

De repente, Dorinda resolveu aceitar o convite. Qualquer programa seria melhor que ficar na casa de Maximus Kirby e enfrentar a sua cólera.

Teria que permanecer ainda lá o dia seguinte e a jovem se perguntava como o poderia suportar.

— Gostaria muito de ir — respondeu, com decisão. — Obrigada pelo convite.

— Irei buscá-la às sete e meia — disse Anthony Wakely. — Se Lady Lettice e o Sr. Kirby mudarem de idéia, minha irmã ficará encantada de tê-los como convidados também para o jantar. Mas, seja como for, prometa que não faltará.

— Prometo — respondeu Dorinda, com um leve sorriso.

O rapaz ajudou-a a subir na carruagem e depois a ficou observando enquanto o veículo se afastava.

Anthony Wakely era um homem de bela aparência e, como a moça bem sabia, um excelente cavaleiro. Dorinda conversara mais vezes com ele que com os habituais participantes das caçadas simplesmente porque, como ela mesma, o rapaz ia até o fim, ultrapassando quase todos os companheiros.

— Irei ao baile — disse Dorinda a si mesma, enquanto a carruagem a levava de volta para a casa de Kirby.

Ela sentia que talvez fosse sua última oportunidade de ser sequer convidada para um semelhante acontecimento.

Mas Dorinda sabia perfeitamente que Anthony Wakely, apesar de ter sido sempre muito delicado com ela nas caçadas, jamais a convidaria, no passado, para um baile ou mesmo para ser seu par numa daquelas reuniões…

Era vagamente reconfortante saber que finalmente um rapaz a olhava com admiração.

Quando chegou à casa, esgueirou-se para seu quarto.

Não havia sinal de Maximus Kirby e ela imaginou que, por ter estado ausente o dia anterior, ele devia ter uma porção de negócios para resolver, além de, provavelmente, não desejar vê-la.

A moça tomou chá em seu quarto e, após um revigorante banho, começou a escolher a roupa. Queria estar pronta quando Anthony Wakely fosse buscá-la.

Dorinda escovou bem os cabelos diante do espelho até torná-los suaves e brilhantes. Agora que caíam em ondas pelos seus ombros, podia arrumá-los como bem entendesse. Num impulso, puxou-os para o alto da cabeça, prendendo-os em pequenos anéis, de modo a acentuar-lhe a altura e a linha longa e graciosa do seu pescoço.

Olhando-se ao espelho, Dorinda já não via o cabelo brilhante e macio, mas a pele clara e limpa, com a qual nada podia fazer quando estava na Inglaterra.

A moça se levantou.

— Apenas esta noite, serei Cinderela — disse a si mesma. — Irei ao baile, se não tão bonita como Letty, pelo menos com uma bela e atraente aparência. Uma moça de pele limpa e macia e com quem qualquer homem gostaria de dançar.

Dorinda passou de seu quarto ao de Letty e abriu a porta do guarda-roupa da irmã. Era claro que Letty tinha apenas levado consigo os vestidos mais simples do seu enxoval.

Dorinda imaginou que a Irmã Teresa devia ter dito a Letty que aqueles vestidos maravilhosos vindos de Bond Street seriam inúteis numa Missão em Sarawak.

Dorinda conhecia muito bem aqueles vestidos e sabia que lhe cairiam como uma luva. Durante horas ela os estivera provando, escolhendo os ornamentos de cetim, veludo e renda, tudo fazendo para que eles se ajustassem bem ao corpo, revelando as curvas suaves do busto e acentuando uma fina cintura.

Estendeu a mão de modo quase desafiante e escolheu um vestido de crepe verde, que lhe agradava mais particularmente. A cor lhe recordava a do pequeno dragão com que Maximus Kirby a presenteara. Dorinda tentou afastar seu pensamento do rapaz.

Vestiu o vestido e voltou-se para olhar-se no espelho.

Ele revelava cada linha de seu talhe perfeito, e caía em suaves babados dos joelhos para baixo. Babados de tule também cascateavam pelas costas, presos por uma faixa de veludo.

Enquanto se olhava, ela sabia que o verde do vestido destacava a quase incrível brancura de sua pele e aumentava o brilho de seus olhos.

Ela estava bem diferente da figura discreta em que voluntariamente se transformara desde que deixara a Inglaterra como dama de companhia de Letty.

Dorinda lembrou-se de que havia uma pequena rede de cabelo que acompanhava o vestido e abriu uma gaveta da cômoda. Então, quase não pôde acreditar no que viu.

Letty tinha deixado todas as jóias que Maximus Kirby lhe dera! Todas ali estavam, fora dos estojos, jogadas desordenadamente na gaveta.

Reconheceu o anel de noivado e o colar, além da pulseira de safiras que completava o conjunto; as pérolas, o colar das borboletas, tão colorido com seus rubis, diamantes e esmeraldas.

Então, Dorinda reparou num broche que conhecera a vida toda. Um crescente de diamantes que tinha sido de sua mãe e que Letty usava, às vezes, em festas.

A condessa o dera à sua filha mais nova, como presente de casamento.

— Seria absurdo gastar dinheiro num presente caro, nas atuais condições financeiras de seu pai — tinha dito a condessa a Letty. — Por isso resolvi dar-lhe o meu crescente de diamantes.

— Obrigada, mamãe — respondeu Letty, vagamente.

— Você sempre pode devolvê-lo se o Sr. Kirby a cobrir de jóias. Vou sentir falta dele.

— Como pôde Letty deixar aqui esse broche? — perguntou-se Dorinda.

Mas, depois, lembrou-se de que diamantes não eram próprios para Sarawak.

“É melhor levar o broche de volta para mamãe”, pensou Dorinda, apanhando a jóia.

Então, enquanto a tinha na mão, olhou-a por um momento e, depois, prendeu-a na frente do vestido.

A jovem se perguntou o que faria Maximus Kirby com as jóias desprezadas por Letty. Iria vendê-las? Ou as guardaria para a próxima mulher que pedisse em casamento?

O pensamento de que ele podia casar-se causou a Dorinda uma súbita angústia, mas a moça compreendeu que era inútil aquele sofrimento, pois logo estaria longe de Maximus Kirby. E, uma vez de volta à Inglaterra, seria difícil ter notícias dele.

Notícias de seu casamento ou de qualquer de suas atividades dificilmente chegariam a Alderburne Park.

Dorinda fechou a gaveta da cômoda de Letty e, tendo encontrado a rede que acompanhava o vestido, voltou ao seu próprio quarto.

Olhou o relógio. Eram quase sete e meia. Caminhando na ponta dos pés, foi até a escada.

Não havia ninguém na grande sala do andar térreo, a não ser a criadagem. Apenas o som do relógio quebrava o silêncio. Do jardim vinha o perfume das flores.

Dorinda esperou.

Depois de alguns momentos, ouviu o som de uma carruagem que se aproximava. A jovem desceu correndo a escada e abriu a porta da frente.

Dorinda não se enganara: Anthony Wakely acabava de chegar para levá-la ao baile.

Ela subiu à carruagem antes que ele tivesse tempo de ajudá-la.

— Receei que mudasse de idéia — disse o rapaz.

— Estou ansiosa pelo baile — confessou Dorinda.

— E minha irmã está ansiosa por conhecê-la — disse ele. — Eu lhe contei… como a senhorita estava bonita.

O rapaz se atrapalhou nas palavras e Dorinda imaginou o que ele devia ter dito à irmã. Mas aquilo não importava pois, naquela noite, ela queria ouvir muitos elogios à sua aparência.

Dorinda queria que elogiassem sua beleza, a elegância do vestido, e esquecer que num futuro próximo os ventos frios e as nevadas a transformariam de novo numa pobre criatura evitada por todos.

Ela não estava prestando atenção ao que Anthony Wakely lhe dizia, a não ser quando o rapaz informou que o baile ia ser realizado na antiga residência de Sir Thomas Raffles.

— Oh, eu queria tanto conhecê-la! — exclamou Dorinda.

— Não posso entender como o Sr. Kirby não a levou lá — comentou Wakely. — É um dos pontos turísticos de Cingapura.

Dorinda não respondeu e ele acrescentou:

— Oh, a senhorita me disse que Lady Lettice tem estado doente. Deve ser essa a razão. Quer dizer que ela não estará conosco esta noite?

— Acho que não.

— É uma pena. Eu descrevi ao meu cunhado e seus amigos a beleza de sua irmã, mas é claro que eles não sentirão a falta de Lady Letty quando virem a senhorita.

Dorinda sorriu.

— Não exagere.

— Não estou exagerando — respondeu Anthony. — Eu não sabia que a senhorita era tão bonita. Desculpe se lhe pareço rude…

Anthony Wakely tinha acrescentado as últimas palavras como se temesse ofender a moça.

— Aprecio os seus cumprimentos, Sr. Wakely — respondeu Dorinda.

O jantar foi maravilhoso e Dorinda o teria apreciado muito mais, não fosse a consciência que a acompanhava, o tempo todo, da confusão em que se metera. E o peso das lembranças a impedia de aproveitar a festa.

Ela tentava não recordar Maximus Kirby e, no entanto, cada respiração sua parecia lembrá-lo.

Mas Dorinda não seria humana se não tivesse percebido, desde o momento de sua chegada ao local conhecido como “A Casa Raffles”, que seu sucesso era completo.

Anthony Wakely apresentou-a a todos, orgulhosamente, como se fosse o responsável por sua aparência, e os jovens oficiais dos navios, os fazendeiros e as autoridades do governo se desmancharam em cumprimentos à jovem.

Reunidos à sua volta, eles a olhavam com uma admiração que Dorinda jamais conhecera.

Ela percebia vagamente o despeito das moças e até de algumas das senhoras presentes à festa, mas naquela noite Dorinda não se importava com os sentimentos alheios.

— É o meu “canto do cisne” — disse a si mesma. — Depois de amanhã não estarei mais aqui.

Após o jantar, todos se dirigiram para o salão de danças, antes que os convidados para o baile começassem a chegar e Anthony Wakely exigiu a primeira valsa.

Era maravilhoso valsar sabendo que dançava bem e nenhuma mulher a igualava em elegância. E era ainda mais excitante descobrir que os homens disputavam a inscrição de seus nomes no carnê de baile da jovem, chegando até mesmo a organizar uma lista suplementar quando não havia mais danças a destinar.

— Você é a moça mais bonita que vejo em muitos anos…

— Como não a vi antes?

— Podemos encontrar-nos amanhã?

— Pode conceder-me a próxima dança?

Ela teve que responder, inúmeras vezes, às mesmas perguntas e, justamente porque era uma experiência nova para Dorinda, havia algo de excitante na repetição dos cumprimentos.

Ela desceu para a ceia, apesar de não ter fome. Estava tão preocupada com Maximus Kirby que não tinha conseguido comer direito ao jantar.

Tomou, no entanto, um pouco de champanha, o que de certa forma, lhe serviu como válvula de escape para os pensamentos e perguntas que continuavam lhe martelando o cérebro e prejudicando a doce sensação do seu sucesso.

Estava ficando tarde e ela se encontrava no salão de baile, rodeada por meia dúzia de rapazes, esperando pelo início da dança seguinte, quando, de repente, seus olhos foram atraídos para a extremidade da sala.

Dorinda pensou, mais tarde, que devia ter sido instintivo o seu gesto de olhar para a entrada do salão.

Então, viu-o.

Ele acabava de entrar na sala e parecia mais alto, forte e dominador que qualquer dos cavalheiros presentes, como se, diante dele, todos se amesquinhassem.

Então, como se uma corrente elétrica se estabelecesse entre ambos, Maximus Kirby instantaneamente avistou Dorinda e caminhou na sua direção.

Ela ficou imóvel, olhando-o, e, por um momento, as vozes e os risos dos homens que a rodeavam pareceram emudecer. Ela não podia ouvi-los e, de repente, mal percebia sua presença.

Quando Maximus Kirby chegou ao lado da jovem, Anthony Wakely exclamou:

— Sr. Kirby, é um prazer tê-lo conosco! Foi maravilhoso podermos contar com a presença de Lady Dorinda, mas sentimos a sua falta e de Lady Lettice.

Dorinda teve a impressão de que ficara petrificada e percebeu que Maximus Kirby estava também imóvel.

Kirby não respondeu a Anthony Wakely e nem mesmo o olhou. Seus olhos estavam presos ao rosto da jovem. Então, a música recomeçou. Ele deu um passo à frente e pôs o braço em volta de sua cintura.

— Esta é a nossa dança — disse Kirby.

Antes que o parceiro prometido de Dorinda pudesse protestar, ele a conduziu para o meio do salão.

Embora consciente do braço do rapaz em volta da sua cintura, da mão que segurava a sua, Dorinda não ousava olhá-lo e lhe teria sido impossível falar, ainda que sua vida dependesse de uma palavra.

O salão estava repleto, mas Maximus Kirby movia-se desembaraçadamente por entre os dançarinos, conduzindo-a até o outro lado da sala onde as grandes portas abriam para uma varanda.

Kirby parou de dançar e levou Dorinda até o jardim, com o braço firmemente passado pela sua cintura.

Ela queria protestar, dizer que não podia acompanhá-lo, mas sentia-se indefesa e sabia que, na verdade, não tinha escolha, a não ser obedecer.

Eles caminharam até um canto tranqüilo do jardim, onde não podiam ser vistos da casa.

Maximus Kirby deteve-se sob a luz de um lampião meio escondido pelos ramos floridos de uma árvore.

Então, soltou a moça e, encarando-a, exclamou com fúria:

Lady Dorinda! Então, foi mais uma mentira que você me pregou!

— Eu… vim… como dama de companhia de Letty — respondeu Dorinda, em voz baixa — porque pensamos que… seria embaraçoso para mim identificar-me como… sua irmã.

— Embaraçoso?

A palavra soou zombeteira nos lábios do rapaz.

— Então você fazia parte do plano para me impingir como esposa uma criança, uma mulher imatura!

— Não foi assim…

— Agora compreendo exatamente o que aconteceu! — continuou ele. — Compreendo a ambição de seu pai por um genro rico e como caí facilmente na armadilha que ele me preparou!

Tanta fúria vibrava em sua voz que Dorinda estremeceu.

— Ele… não queria enganá-lo…

— Está mentindo! Está mentindo novamente e você, como seus pais e sua irmã, tudo tramaram para que eu parecesse um completo idiota!

— Eu… sinto muito… — balbuciou Dorinda. — Sinceramente.

— Acha que isso é suficiente? — indagou ele. — Que chega para compensar-me do ridículo com que me cobriram, me tornando o alvo dos mexericos dos meus amigos e dos meus empregados?

A dureza de sua voz a fez exclamar, desesperadamente:

— Como posso explicar? Que posso fazer?

Ele a encarou e, à luz da lanterna, Dorinda achou cruel sua expressão.

— Vou lhe dizer o que pode fazer. Uma filha de um conde é semelhante à outra. Você vai se casar comigo. Você veio a Cingapura para ver-me casado. Bem, não quero que fique desapontada. Pode tomar o lugar de sua irmã.

Enquanto Dorinda o olhava, surpresa demais para sequer compreender o sentido de suas palavras, Maximus abraçou-a rudemente, cerrando os braços à volta de seu corpo. Ela deixou escapar um pequeno grito.

O abraço era tão violento que ela mal podia respirar. Então, Kirby inclinou-se e colou seus lábios nos da jovem.

Por um momento, Dorinda só teve consciência de que ele a estava magoando, que seus lábios eram brutais e queimavam os dela.

E, de repente, pareceu-lhe que ele a abraçava ainda mais estreitamente e seu beijo se tornava mais insistente, mais exigente.

Dorinda queria afastá-lo de si, lutar por sua liberdade, mas, em vez disso, sentiu uma onda de fraqueza lhe subir pelo corpo e chegar-lhe à garganta. Uma sensação tão insidiosa e irresistível que ela se abandonou nos braços de Kirby, entregando seus lábios aos dele.

Os lábios do rapaz lhe pareceram mais gentis. Dorinda experimentou uma súbita sensação de espanto e êxtase que jamais julgara possível. Algo tão mágico e arrebatador que parecia lhe arrancar do próprio corpo o coração.

Então, quando pensava que ele ia permitir que os lábios de ambos se separassem, seu beijo se tornou mais doce e Dorinda teve a impressão de que uma faísca elétrica a transpassava. Por um momento, sentiu apenas uma dor cruciante, depois sobreveio o êxtase, além de qualquer descrição e cuja intensidade a fez estremecer.

A moça nunca julgara possível experimentar tal sentimento, mesmo enquanto tentava prolongar-lhe o enlevo e então, de repente, Maximus Kirby levantou a cabeça e Dorinda ficou livre.

Ele ia falar, talvez para acusá-la ou zombar dela, como já tinha feito.

Mas Dorinda sabia que não poderia mais suportar suas acusações, sua revolta e seu desprezo, a declaração de sua decepção, depois daquele mágico momento que fora, enquanto durara, um pedaço do paraíso.

Com um pequeno grito e uma força que ignorava possuir, a jovem se libertou de seus braços e, levantando levemente a saia, correu pelo jardim, movendo-se tão depressa que estava quase fora de vista quando ele percebeu o que acontecera.

Usando seu instinto de autopreservação, Dorinda evitou o salão de baile e esgueirando-se por um corredor que levava à porta principal, parou, ofegante, no topo dos degraus.

— Carruagem, senhorita? — indagou um porteiro.

— Sim, por favor — respondeu Dorinda, com certa dificuldade.

Uma carruagem apareceu e ela entrou no veículo.

— Para onde, senhorita?

— Para o cais.

O cocheiro chicoteou o cansado animal e, quando com um solavanco, a carruagem partiu, Dorinda olhou para trás, não vendo sinal de Maximus Kirby entre as pessoas que estavam deixando a casa.

Ela escondeu o rosto entre as mãos. Agora sabia que não mais poderia vê-lo. Kirby a desprezava, mas ela o amava tanto que, se o revisse, acabaria lhe declarando o seu amor.

Maximus Kirby estava evidentemente furioso quando lhe propôs casamento mas, mesmo que, no dia seguinte, ele repetisse a proposta, a moça sabia que teria de recusá-la. Seria um sofrimento intolerável saber que ele se casava com ela apenas para salvar seu orgulho e que a odiava por julgá-la parte de um plano para enganá-lo.

Exceto em seus planos de casamento, Maximus Kirby sempre tinha sido muito bem sucedido em suas iniciativas. Poderia ele perdoar ou mesmo tolerar uma mulher, que, impensadamente, inadvertidamente, tinha sido em parte responsável pelo seu único fracasso?

Ela o amava muito. Kirby lhe provocava sentimentos que ela não podia controlar e Dorinda nada podia fazer senão colocar um oceano entre eles.

— Não posso vê-lo de novo… não posso… — murmurou para si mesma.

A carruagem diminuiu a marcha e, olhando para o cais, a moça viu as luzes dos navios, verdes e vermelhas, refletidas no mar.

Dorinda tinha certeza de que encontraria alguma agência aberta porque muitos navios sairiam ao amanhecer.

A jovem mandou a carruagem a aguardar e, caminhando pelo pavimento, encontrou, como esperava, um escritório aberto com uma longa lista de futuras viagens.

Sem sequer tentar lê-la, ela perguntou ao funcionário chinês quando o próximo navio deixaria o porto.

— Há um que partirá dentro de cinco minutos — respondeu ele. — É um navio de carga, mas também transporta passageiros.

— Para onde vai? — perguntou ela.

— Para Jacarta — respondeu o funcionário.

Por um momento, Dorinda nem mesmo conseguiu lembrar-se onde ficava Jacarta, mas a localização não importava.

— Quero uma cabina de primeira classe.

— Há apenas uma cabina a bordo — declarou o funcionário. — E está desocupada.

Ele extraiu a passagem, aparentemente desinteressado na aparência da jovem ou no fato de que senhoritas em vestidos de noite normalmente nâo querem viajar em navios de carga.

Dorinda abriu a pequena bolsa e, consternada, verificou que não tinha dinheiro.

Por um momento, receou não conseguir viajar, mas, de repente, lembrou-se do crescente de diamantes que usava.

Retirou o broche e estendeu-o ao funcionário.

— É valioso — disse a moça. — Quero trocá-lo por dinheiro.

Imperturbável, o funcionário apanhou o broche e, após olhá-lo sob a luz do lampião pendurado às suas costas, bateu na parede posterior do escritório.

De início, não houve nenhum movimento, mas, afinal, um velho chinês num longo quimono apareceu na sala.

Os dois homens trocaram algumas palavras. O velho apanhou o broche, examinou-o e depois voltou ao aposento contíguo.

Dorinda pensou que aquele tipo de transação devia ser freqüente. As trocas eram bem aceitas pelos chineses e objetos de qualquer natureza sempre podiam ser trocados por dinheiro.

O velho voltou ao escritório e disse algumas palavras ao funcionário, que as traduziu para Dorinda.

— O broche vale cento e cinqüenta libras. Nós lhe oferecemos oitenta.

— Está bem — concordou Dorinda.

Ela pensou que devia ter discutido a insignificância da oferta, mas só tinha um único e urgente desejo: deixar Cingapura no navio que ia sair dentro de alguns minutos.

O funcionário descontou o preço da passagem e entregou o saldo a Dorinda. A moça voltou à carruagem, pagou a corrida, guardou o resto na bolsa e correu para o ancoradouro.

Ao chegar ao navio, os dedos dourados da aurora começavam a aparecer no leste, dissipando a obscuridade.

O navio era pequeno e pobre, com apenas dois conveses, o mais baixo cheio de chineses e malaios pobres, amontoados com as caixas de carga, animais e galinhas.

Uma escada privativa, no entanto, conduzia ao convés superior. Era íngreme e Dorinda levantou um pouco a saia para não tropeçar nos babados de tule.

Um marinheiro chinês a conduziu à sua cabina, localizada perto da chaminé e provavelmente quente. Mas ela estava partindo e o calor não a preocupava, como também pouco importava que a cabina fosse pobre, mobiliada apenas com o beliche, uma cadeira e uma mesa, mais parecendo uma cela de prisão.

O marinheiro fechou a porta e Dorinda deu alguns poucos passos pelo chão sujo de madeira, até chegar à escotilha, de onde olhou a enseada.

O sol já começava a se erguer sobre o mar, e, olhando para Cingapura, através do vidro da vigia, Dorinda sentia ser aquela a última visão de tudo o que para ela tivera alguma significação.

Já não fazia parte daquele mundo, onde agora estava deixando não apenas seu coração, mas toda a sua alma.

As lágrimas lhe assomaram aos olhos e a lembrança do que sentira quando Maximus Kirby a beijara atravessou-a como uma fagulha elétrica.

Nada podia ter sido mais maravilhoso e, no entanto, justamente por esse motivo, ela não podia permitir que o rancor de Kirby a destruísse.

— Eu o amo — murmurou, olhando o mar. — Eu o amo, mas não poderia suportar a sua cólera…

Ela ouviu o sino do navio e um súbito apito partiu da chaminé. Os motores começaram a funcionar, sacudindo a cabina.

Ela estava partindo e não conseguia ver mais nada por entre as lágrimas.

— Adeus, meu amor — murmurou de novo, escondendo o rosto entre as mãos.

Mas um ruído alto e inesperado fez Dorinda voltar-se repentinamente.

Maximus Kirby estava na porta da cabina.

Por um momento, Dorinda, imóvel, nada pôde fazer senão olhá-lo. Então, sem uma palavra, ele foi ao seu encontro, segurou-a pelo pulso e empurrou-a pela porta até o convés.

O navio estava se movendo, a plataforma tinha sido retirada e um marinheiro recolhia a corda.

Sem falar e tão depressa que Dorinda não pôde antecipar o que estava acontecendo, Maximus Kirby ergueu-a nos braços e, apertando-a contra o peito, pulou no cais.

O navio já estava a um metro e mais do ancoradouro, mas o rapaz caiu de pé. Dorinda sentiu como se todo o ar tivesse saído de seu corpo.

Tudo fora tão súbito e inesperado que ela mal pudera perceber o que se passava.

Então, enquanto ela escondia o rosto em seu ombro, lutando para respirar e abalada pelo impacto dos pés de Kirby contra o solo, ouviu, partidos do navio e do cais, os gritos e aplausos dos que ali se encontravam.

Ainda nos braços de Maximus, ela teve a impressão de que o rapaz estava sorrindo enquanto caminhava pelo cais, ao fim do qual um veículo puxado por dois cavalos o esperava. Dorinda compreendeu por que razão ele a alcançara, mas, ao mesmo tempo, se perguntou por que ele tinha resolvido vir buscá-la.

Vestígios de lágrimas ainda eram visíveis em seus olhos e no rosto. Sem uma palavra, Maximus Kirby a colocou num canto da carruagem, tirou um lenço do bolso e enxugou-as.

Seu gesto foi tão gentil que ela sentiu novas lágrimas lhe chegarem aos olhos e, tomando o lenço da mão do rapaz, escondeu nele o rosto, sem poder conter o pranto.

“Por que não me deixou ir embora?”, queria perguntar-lhe.

Mas, no momento, era-lhe impossível pronunciar uma palavra, e não apenas por causa das lágrimas, mas também porque ainda não conseguira normalizar a respiração.

“Como pôde ele arriscar-se a quebrar uma perna pulando daquela maneira?”, perguntava a si mesma, sabendo no entanto, que Kirby, uma vez resolvido a executar uma ação, não lhe teria permitido interferência.

“Eu… preciso falar com ele… preciso fazê-lo entender…”, pensava Dorinda, freneticamente, não tendo, contudo, muita certeza do que ele chegaria a compreender ou como poderia encontrar uma desculpa para o que tinha acontecido.

Mal tinham viajado uma pequena distância quando os cavalos reduziram a marcha e pararam. Dorinda retirou o lenço dos olhos.

Por um momento, ela pensou que nem tinham se movido, pois ainda estavam na enseada, onde avistou dois iates.

Um deles era “O Dragão do Mar”, em que ela viajara na semana anterior, a pintura branca brilhando à luz do sol. E a seu lado, o navio mais fantástico que Dorinda já vira, um junco chinês, com o dobro do tamanho dos juncos que ela tinha visto na costa, pintado de vermelho e dourado, com uma sereia esculpida na proa.

Enquanto ela observava o barco, Maximus Kirby saltou da carruagem, deu a volta até o seu lado e abriu a porta.

— Você pode andar ou quer que eu a carregue?

Eram suas primeiras palavras desde a difícil conversa de ambos no jardim, antes de beijá-la.

Assustada, ela o olhou por um momento, os olhos muito abertos. Então, viu a expressão do rosto de Kirby e seu coração disparou.

Dorinda fitou seus olhos cinzentos e julgou encontrar neles algo que ela não compreendia e não ousava colocar em palavras.

Maximus a auxiliou a descer da carruagem e caminharam juntos a pequena distância que os separava do “Ninfa do Mar”, a bordo do qual ele a ajudou a subir.

Um oficial uniformizado cumprimentou-os.

— Bem-vindo a bordo, senhor.

— Para o mar, Sr. Chang — ordenou Maximus Kirby. — E peça ao Capitão Barnet que venha ao salão imediatamente.

— Sim, senhor.

Maximus Kirby guiou Dorinda até um grande salão que devia ter o comprimento do navio, onde se viam confortáveis sofás, largas poltronas e surpreendentes vasos de flores, além de uma estante cheia de livros e uma mesa encostada à parede.

Dorinda teve apenas uma rápida impressão do ambiente antes de voltar-se para Maximus Kirby. Estava muito pálida e tinha uma pergunta em seus olhos.

Por um momento, olharam-se em silêncio. Depois, numa voz trêmula, ela perguntou:

— Por que me trouxe aqui?




  

© helpiks.su При использовании или копировании материалов прямая ссылка на сайт обязательна.