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CAPÍTULO 5



CAPÍTULO 5

 

 

— ESPERANDO? — repetiu a moça, surpresa. — Por quê?

— Pelo sermão que a senhorita certamente pretende me passar.

Dorinda não respondeu. Kirby continuou, maliciosamente:

— Certamente que é sua obrigação, como dama de companhia, me passar uma reprimenda… ou vai deixar o problema com a minha consciência?

— O senhor não me deve explicações pelo que faz, Sr. Kirby.

Após uma pequena pausa, o rapaz perguntou:

— A senhorita ficou chocada?

Ela notou que o seu tom de voz se tinha modificado e respondeu, séria.

— Não sei… realmente, acho que não… acho que compreendo…

Ela o viu sorrir ao luar e pensou perceber naquele sorriso o mesmo trejeito cínico que havia em seus lábios quando ele voltara ao salão.

Dorinda sabia que ele esperava que ela dissesse mais alguma coisa e, de algum modo, sentiu-se levada a esclarecer o que pensava.

— Eu me lembro — disse, lentamente — de que há alguns anos, papai apareceu com um amigo, um velho Par da Coroa, no Derby. O nobre ganhou muito dinheiro nas corridas e quando meu pai o levava à sua casa, na carruagem, ele começou a atirar à multidão toda a prata que tinha nos bolsos. Seu gesto causou confusão e meu pai lhe perguntou:

— Por que está fazendo isso?

— Eles querem dinheiro e eu o tenho — respondeu o nobre.

Dorinda não olhou para Maximus Kirby enquanto falava, tendo sempre os olhos voltados para a silhueta das montanhas e florestas contra o céu.

— Então, acha que estou sendo generoso demais com meus beijos? — indagou o rapaz. — Miss Hyde, a senhorita é uma pessoa estranha…

Ela achou que ele estava rindo às suas custas.

— Não sei por que diz isso.

— Tenho a sensação, uma sensação que não sei explicar a mim mesmo, de que a senhorita não é o que aparenta. O vestido cinzento, a aparência discreta… talvez escondam uma realidade bem diferente.

Dorinda ficou em silêncio.

Pensava que Kirby devia ser um homem muito sensível e estava surpresa pelo interesse que ele parecia ter por ela.

— A senhorita já foi beijada? — perguntou Kirby, de repente.

Dorinda sentiu que enrubescia e desejou que estivesse suficientemente escuro para que ele não reparasse.

— Esse não é o tipo de pergunta que o senhor deveria fazer-me, Sr. Kirby — respondeu a moça, esperando que seu tom de voz exprimisse recriminação.

— Serão os ingleses tão frios quanto se diz? — perguntou Maximus. — Ou será que a senhorita é tão austera quanto as cores dos seus vestidos?

— Acho que é hora de eu me recolher — disse Dorinda, baixinho.

— Estou praticamente convencido — continuou Kirby, como se ela nada tivesse dito — de que sob essa aparência puritana há um coração ardente e talvez um fogo adormecido que ninguém ainda despertou. Eu gostaria de saber a razão.

— Estávamos falando a seu respeito, Sr. Kirby — lembrou a moça.

Ele riu.

— Eu lhe disse, Miss Hyde, que a senhorita é diferente das outras mulheres. É a primeira mulher que não gosta de falar sobre si mesma.

— Mas o senhor gosta de falar de si mesmo — retrucou Dorinda, rapidamente, arrependendo-se no mesmo instante de suas palavras.

Maximus Kirby tornou a rir.

— Então a senhorita também é temperamental! Estou começando a aprender mais do que esperava sobre a senhorita,

Miss Hyde.

— Duvido que o senhor me ache interessante — disse a jovem, numa voz que pretendia ser indiferente. — E, de qualquer modo, já que o senhor vai se casar dentro de duas semanas, logo estarei de volta à Inglaterra.

Ele não respondeu.

Apesar de Kirby continuar imóvel, Dorinda experimentou a sensação de que, de algum modo, ele se aproximara mais dela.

Seu coração batia descompassadamente e ela sentia uma estranha excitação que nunca experimentara antes.

— Sempre confiei em minha intuição — disse Maximus Kirby, após alguns momentos — e neste momento ela me diz que não a deixe voltar à Inglaterra. Mas desconheço por completo a razão…

— Isso lhe dará o que pensar, mas não creio que encontre a resposta — retrucou Dorinda.

Enquanto falava, a moça percebeu que o navio tinha se distanciado da enseada e estava agora em mar aberto, nos Estreitos. Viu, então, alguns barcos com pequenas velas irem ao encontro do iate.

Os barcos tinham estranhas formas e ela recordou o que o Dr. Johnson lhe tinha dito a respeito daquelas embarcações feitas de kajang e bambu, com mastro também de bambu.

Avistou os pequenos barcos sem realmente lhes dar atenção, pensando apenas no que deveria dizer em seguida a Maximus Kirby.

Ela gostaria de continuar conversando com Kirby, mas sabia que procederia corretamente se se retirasse para sua cabina.

No entanto, uma parte de seu cérebro estava voltada para os pequenos barcos que se aproximavam rapidamente, impulsionados, ela via bem agora, não pela força do vento, mas por talvez nove remos em cada lado dos mesmos.

— Não há vento suficiente para que aqueles barcos se movam tão depressa — comentou a moça.

Maximus Kirby voltou-se para a direção que ela apontava e ficou subitamente tenso.

Prahus! — exclamou o rapaz.

— O senhor quer dizer com isso que são piratas? — indagou Dorinda.

Como resposta, Kirby empurrou-a pelo convés na direção da escada.

— Vá para baixo! — ordenou ele.

Dorinda, porém, permaneceu indecisa nas sombras do convés, e enquanto ele desaparecia, olhou de novo para os prahus, cada vez mais próximos do iate.

Tentou recordar-se das muitas histórias que ouvira a respeito dos piratas e lembrou-se apenas de que eles possuíam armas em seus navios.

Não sentiu medo. De algum modo, aqueles seis prahus se aproximando silenciosamente do iate, não pareciam reais. Nem mesmo o ruído dos remos era perceptível enquanto eles se moviam ritmicamente nas águas mansas.

Então, enquanto observava os barcos piratas, Dorinda percebeu de repente que uma súbita atividade se processava à sua volta. Homens rastejavam pelo convés, protegidos pelas grossas cordas enroladas ao longo da amurada.

De onde estava, a jovem podia ver também uma plataforma de flores onde antes tinha sido colocada a gaiola com papagaios e cacatuas, a qual fora recolhida para que, como Dorinda ouvira Maximus explicar a Letty, os pássaros não ficassem assustados, se ventasse muito à noite.

A grande gaiola tinha sido colocada em segurança contra a parte central da estrutura, mas agora mãos silenciosas removiam as flores da plataforma para descobrir canhões.

“Eles vão ser montados sobre uma base giratória para poderem atirar nos piratas qualquer que seja a direção do seu ataque” — pensou Dorinda.

Lembrou-se então de que o Dr. Johnson lhe dissera que os piratas quando encontravam um navio ancorado numa enseada solitária, costumavam abordá-lo silenciosamente e massacrar tripulação e passageiros.

Agora, no entanto, os piratas iam ter uma boa surpresa, pois o convés estava repleto de homens dispostos à luta, armados de adagas, as pequenas espadas com lâmina afiada que os chineses usavam havia muitas gerações.

O primeiro prahu já tinha encostado no iate e a extremidade de sua vela estava ao nível da amurada. Outros dois barcos se aproximaram e Dorinda percebeu que havia três prahus de cada lado do iate.

Mas tudo continuava silencioso!

A jovem jamais poderia imaginar que navios com tão numerosa tripulação pudessem se aproximar tão silenciosamente, que jamais teriam sido percebidos se ela estivesse adormecida.

Então, ouvindo passos na escada, Dorinda procurou ocultar-se ainda mais nas sombras para não ser vista.

Era Maximus Kirby em mangas de camisa, usando uma pistola na mão direita e um cris[1] na outra.

Ele surgiu no convés e gritou:

— Fogo!

Sua voz pareceu mais forte e assustadora devido ao silêncio que a precedeu. E, então, o inferno desabou sobre o iate.

Quando Maximus Kirby gritou sua ordem, cabeças apareceram na amurada do iate, indicando que os piratas estavam tentando a abordagem.

Dorinda pôde vê-los claramente à luz do luar. Seu cabelo era comprido e — ela soube mais tarde — eles o deixavam crescer para que, durante a batalha, sua aparência fosse mais feroz.

Os piratas apareceram na amurada e Dorinda pôde perceber que carregavam escudos de bambu e estavam armados com lanças e crises.

Alguns tinham mosquetes, mas era tanta a confusão que eles atiravam a esmo, sem conseguir acertar.

Os que tinham atingido o convés foram repelidos e caíram, feridos ou mortos, no mar. Dorinda, que tudo observava, teve a impressão de que no combate corpo a corpo Maximus Kirby estava em toda parte.

Aparentemente, o rapaz tinha esgotado a munição da pistola e usava agora o cris contra os piratas.

Em breve, muitos corpos ensangüentados jaziam no convés e os piratas sobreviventes estavam tentando a retirada, remando freneticamente para longe do iate do qual tinham se aproximado de modo tão confiante.

Então, os canhões que tinham sido ocultos pelas flores, iniciaram o bombardeio e, um a um, os prahus começaram a afundar.

Os barcos piratas deram alguns tiros, mas apenas um ou dois acertaram o alvo, fazendo o iate oscilar, mas não eram capazes de causar os mesmos danos que os canhões de Kirby.

Cinco prahus tinham afundado em poucos minutos de fogo e Dorinda pôde divisar alguns homens nadando para a praia.

Um prahu quase tinha conseguido atingir em segurança o mar alto, mas um bom tiro de canhão pareceu erguê-lo acima do nível da água, virando-o depois de borco e os homens o abandonaram como ratos.

Tudo parecera tão fantástico, tão irreal, que Dorinda não sentira medo.

Então, quando o fogo cessou e a tripulação de Maximus Kirby olhou os corpos ensangüentados espalhados pelo convés, Dorinda saiu de seu esconderijo.

— Vocês fizeram um bom trabalho! — ouviu Maximus Kirby dizer a seus homens. — Estou orgulhoso de vocês.

Eram todos chineses e malaios, com exceção do capitão, um inglês, e todos o olharam com alegria e satisfação.

Maximus voltou-se para Dorinda.

A jovem pensou que ele ia recriminá-la por não ter obedecido suas ordens, mas percebeu a mancha de sangue em seu ombro, onde a camisa branca fora rasgada por uma espada e exclamou:

— O senhor está ferido!

E, mal terminou de falar, ouviu o grito de Letty.

* * *

 

Fazia muito calor e Dorinda permaneceu no convés, olhando a costa. Era difícil acreditar nos acontecimentos da noite passada. A moça ainda tinha a impressão de que tudo não passara de imaginação.

Quando se levantara naquela manhã, após dormir pesadamente algumas horas, apesar de ter pensado que não conseguiria pregar olho, todos os sinais da batalha tinham sido removidos.

Os corpos tinham desaparecido, o convés estava limpo e novas flores pareciam ter sido acrescentadas à decoração para substituir as prejudicadas no combate.

Entretanto, Maximus Kirby estava usando um curativo no ombro e a Irmã Teresa insistia para que ele usasse também uma tipóia, a fim de prevenir qualquer hemorragia. Aquele ferimento era um dos poucos sinais do ataque dos piratas.

A tripulação também tinha cortes de lâmina de armas brancas no rosto e a Irmã Teresa e Dorinda tinham feito curativos em seus ferimentos.

— A senhorita não precisa ter esse trabalho, Miss Hyde — disse Maximus Kirby ao vê-la cuidando de um profundo ferimento causado por adaga.

A moça levantara a cabeça e lhe sorrira.

— Que espera que eu faça? — perguntou ela. — Que me sente no salão e peça uma bebida fria? — acrescentou, em tom irônico.

Ele não respondeu. Apenas voltou-se para o chinês do qual ela tratava:

— Você é muito corajoso, rapaz!

Dorinda viu um brilho de adoração nos olhos escuros do amarelo antes que Maximus Kirby se afastasse.

O próprio iate não sofrera muitos danos, a não ser dois rombos na linha d’água que seriam reparados quando ancorassem.

Por outro lado, não havia dúvida de que os piratas tinham recebido uma dura lição. Eles agora teriam mais cuidado e não atacariam nenhum navio pertencente a Maximus Kirby.

— Eles se enganaram porque não viram a chaminé do iate — disse Kirby. — São piratas sarebus, muito ativos na costa de Java, e devem ter pensado que relaxamos a vigilância na área de Cingapura.

O maior prejuízo que a batalha causara, como Dorinda e a Irmã Teresa sabiam, tinha sido a Letty.

O tiroteio fora terrível e a assustara muito. Letty gritara por muito tempo depois que a batalha terminara. Na verdade, ela não podia se controlar e só se acalmou depois que a Irmã Teresa lhe deu alguns remédios para fazê-la adormecer.

Na manhã seguinte, Dorinda não fez nenhuma tentativa para que a irmã fosse ao convés. Quando a jovem entrara na cabina de Letty, esta, prostrada, lhe disse:

— Dorinda, quero voltar para casa… não quero mais ficar aqui…

— Letty, você não pode ficar tão impressionada com os acontecimentos da noite passada! Foi um caso raro, pois o Sr. Maximus Kirby praticamente erradicou a pirataria em Cingapura.

— Mas… ouvi tudo… ouvi os piratas… — retrucou Letty, teimosamente. — Eles queriam nos matar…

— Eles jamais conseguiriam isso — afirmou Dorinda. — Não com o Sr. Kirby nos defendendo. Ele lutou corajosamente, Letty. Você devia estar orgulhosa de seu noivo.

— Quero ir para casa — repetiu Letty.

Dorinda percebeu que não adiantava no momento argumentar com a irmã e, esperando que ela adormecesse de novo, foi até o convés, determinada a falar claramente com Maximus Kirby sobre as condições da irmã.

— Temo que Lady Lettice tenha ficado assustada demais — disse ela, em resposta às perguntas de Kirby. — Foi um choque muito grande para ela, pois estava na cabina, sem saber o que acontecia. Eu presenciei tudo e por isso não fiquei tão assustada.

— A senhorita devia ter obedecido às minhas ordens — disse ele, com frieza. — Quando dou uma ordem, espero ser obedecido.

— Quanta autoridade! — sorriu Dorinda. — Não pensou no que poderia ter acontecido se não estivéssemos naquele momento no convés?

— Nesse caso, haveria alguém de guarda — retrucou Maximus Kirby. — Sempre há alguém de guarda quando eu me recolho.

O rapaz percebeu que ela ia retrucar e atalhou:

— Está bem, a senhorita tem razão. No futuro, haverá sempre uma sentinela após o escurecer, mas eu lhe asseguro que esses acontecimentos não são agora tão freqüentes. Uma vez em cem viagens, talvez…

— Foi uma falta de sorte que Lady Lettice estivesse a bordo justamente nesta viagem.

Maximus Kirby não soube o que responder ao comentário de Dorinda.

O iate continuava singrando as águas, ao longo da costa. Dorinda soube que chegariam à tardinha a Cingapura e, por causa de Letty, ficou contente por não terem de passar outra noite no mar.

Entretanto, enquanto as horas passavam, aumentava sua preocupação com Letty. A irmã continuava afirmando que queria voltar para casa.

Letty estava em péssimas condições, choramingando e tremendo, pedindo constantemente a presença da Irmã Teresa e estremecendo ao menor ruído. Era evidente que todos os esforços feitos na última semana estavam, lamentavelmente, se tornando inúteis.

Dorinda, determinada a não permitir que Maximus Kirby visse Letty naquele estado, resolvera pedir-lhe que fosse muito gentil e paciente no seu relacionamento com a noiva.

De qualquer modo, a moça tinha a intenção de falar com Kirby antes do casamento sobre o temperamento de Letty, como o pai lhe pedira. Mas, desde a noite anterior, quando os acompanhara ao convés, receando que Maximus Kirby tentasse beijar Letty ou a assustasse de algum modo antes que ela se acostumasse à vida em Cingapura, Dorinda pensava se não seria melhor ter uma conversa séria e imediata com Kirby.

A oportunidade apareceu à tarde, quando a Irmã Teresa desceu para fazer companhia a Letty, na cabina, e Dorinda mais uma vez acomodou-se sob o toldo no convés.

Durante alguns momentos, esteve sozinha. Depois, Maximus Kirby foi ao seu encontro e sentou-se numa cadeira, a seu lado.

— Como está o seu braço? — perguntou Dorinda.

— Foi apenas um arranhão — respondeu Kirby. — A Irmã Teresa faz um tremendo escarcéu por uma coisinha à-toa. Como todas as mulheres, ela gosta de ter um homem à sua mercê.

— Isso é o que normalmente as mulheres dizem a respeito dos homens — retrucou a moça.

Ele a olhou com um sorriso nos lábios e Dorinda disse em voz baixa:

— Eu queria falar com o senhor sobre Lady Lettice.

— Ela está muito abalada?

— Foi um grande choque — respondeu a jovem. — Tendo sempre vivido uma vida muito tranqüila na Inglaterra, Lady Lettice não está acostumada a qualquer espécie de choque…

Após uma breve pausa, sem coragem de encarar Maximus Kirby, Dorinda murmurou, embaraçada:

— Eu gostaria de lhe pedir… antes que se case com Lady Lettice… que seja muito bondoso e paciente com ela.

— Está tentando ensinar-me a tratar minha mulher, Miss Hyde?

Dorinda enrubesceu vivamente. Agora não havia sombras que pudessem esconder seu rubor.

— Oh, não, claro que não — apressou-se a moça a responder, pouco à vontade. — Eu estava apenas… tentando explicar-lhe o temperamento de Lady Lettice… sua atitude em relação ao casamento é bem diferente da da maioria das mulheres.

Suas palavras pareciam incoerentes até para ela mesma. Maximus perguntou:

— Está tentando sugerir, Miss Hyde, que Lady Lettice não quer se casar comigo?

Houve de novo uma pausa, antes que Dorinda murmurasse:

— Não, claro que não. É que ela fez uma longa viagem e está agora muito distante de casa, numa terra desconhecida e com um noivo que também não conhece bem. O senhor ficou apenas dois dias em Alderburne Park…

— Pelo que o conde me disse, pensei que a idéia do casamento agradasse a Lady Lettice — respondeu Kirby.

Se Dorinda não estivesse tão preocupada, provavelmente teria se divertido ao verificar que, talvez pela primeira vez na vida, Maximus Kirby encontrava uma mulher que não estava disposta a atirar-se em seus braços antes mesmo que ele lhe pedisse.

— Estou certa de que tudo vai acabar bem — declarou Dorinda. — Se o senhor for paciente e conseguir atrair antes sua confiança…

— Entendo perfeitamente o que a senhorita está tentando dizer-me, Miss Hyde… — disse Maximus, rispidamente, e, levantando-se, em seguida, afastou-se da jovem em passos decididos.

Dorinda preocupada, acompanhou-o com o olhar.

Teriam suas palavras piorado a situação? Teria cometido um erro ao falar com Kirby, despertando no rapaz a suspeita de que as coisas não eram exatamente como ele esperava, antes que descobrisse por si mesmo a verdade?

Não houve oportunidade para outra conversa.

A tardinha, avistaram Cingapura e, embora Dorinda preferisse permanecer no convés, vendo o navio aproximar-se do cais e ancorar na enseada que, segundo lera, era a mais bela e espaçosa do mundo, teve que ir ajudar a Irmã Teresa.

Foi difícil convencer Letty a vestir-se e mais difícil ainda a ser gentil.

Apenas quando ancoraram, pôde Dorinda ir de novo ao convés apreciar a enseada e as centenas de barcos entrando e saindo a todo momento do porto.

Seu único consolo por ter perdido a chegada era a aparência simplesmente maravilhosa de Letty num vestido de musselina branca, enfeitado de fitas rosas. A jovem usava um chapéu de abas largas com arranjos de flores.

Um brilho de admiração perpassou pelos olhos de Maximus Kirby quando tomou as mãos de Letty nas suas, levando-as aos lábios.

— Espero que você esteja melhor — disse o rapaz. — Lamento muito que tenha sido perturbada na última noite…

— Não gosto do mar — respondeu Letty, orgulhosamente. — É assustador.

— Vamos desembarcar agora — observou ele. — E por muito tempo você não vai precisar ver o mar.

Letty nada disse, mas era evidente que ansiava por deixar o iate e esquecer tudo o que a assustara.

Dorinda apertou a mão do capitão e despediu-se de alguns marinheiros. Mas Letty permaneceu de lábios cerrados e obviamente ansiosa para desembarcar. A prancha foi afinal colocada e Maximus Kirby ajudou-a a descer. Duas carruagens estavam à espera no cais, ambas muito bonitas e com toldos de algodão para proteção contra o sol.

Dorinda sabia, sem que fosse preciso lhe ser dito, que Maximus e Letty iriam num dos veículos e ela e a Irmã Teresa no outro. Mas Letty não tinha intenção de se separar delas.

— Você virá comigo? — Dorinda ouviu Maximus Kirby perguntar à noiva, com um sorriso que provavelmente encantaria todas as mulheres do mundo.

— Quero ir com Dorinda e a Irmã Teresa — respondeu Letty. — Quero que elas fiquem comigo.

Maximus Kirby recebeu muito bem a negativa e viajaram os quatro numa das carruagens, na qual, aliás, havia suficiente espaço.

Dorinda teve então a primeira visão da cidade e achou-a tão fascinante quanto esperara. As ruas eram estreitas, as casas altas, com placas presas em argolas de ferro quase tocando umas nas outras, todas com caracteres chineses escritos em vermelho ou preto.

As fachadas das lojas eram enfeitadas com faixas de papel vermelho. Era divertido ver os chineses caminharem em passinhos curtos nos seus sapatos sólidos, as mãos escondidas nas longas mangas da túnica ou carregando uma sombrinha.

As mulheres tinham alfinetes dourados ou prateados nos cabelos e seus rostos eram pintados de branco ou vermelho.

Os chineses pareciam ricos e prósperos, mas os malaios, quase sempre esmulambados, pareciam encarregar-se das tarefas mais grosseiras, como a limpeza das ruas e das fachadas das lojas ou o transporte de grandes volumes na cabeça.

Era difícil ter da cidade mais que uma simples impressão porque os cavalos atravessavam rapidamente as ruas, em direção aos bairros mais ricos onde algumas das casas eram extremamente belas, por seus estilos ou locais de construção.

Então, quase no topo de uma colina com uma paisagem maravilhosa para a enseada, chegaram à casa de Maximus Kirby.

A primeira impressão de Dorinda foi de admiração, pois a cobertura era de telhas de jade verde, com os cantos em estilo chinês ostentando belos dragões de porcelana.

Um vasto pórtico oferecia proteção contra o sol e a chuva, e dava acesso à casa por um longo lance de degraus baixos.

Dorinda não sabia o que poderia esperar, mas a exótica e encantadora casa que Maximus Kirby construíra para Letty ultrapassava em muito suas melhores expectativas.

Estava fresco e, após o brilhante sol que inundava a cidade, o interior da casa parecia escuro.

No enorme salão, depois que seus olhos se acostumaram à penumbra, Dorinda viu verdadeiros tesouros de arte: vasos chineses, mobília marchetada, quadros possivelmente comprados na Europa e, por toda parte, buquês de orquídeas das mais variadas cores.

Era tão belo o conjunto que a jovem quedou-se, imóvel, admirando-o enlevada, até que ouviu Letty dizer, no tom lamuriento que ela tão bem conhecia.

— Quero me deitar… estou me sentindo doente.

— Sim, é claro — respondeu Dorinda. — Estou certa de que alguém nos mostrará os nossos aposentos…

Os aposentos eram realmente tão elegantes quanto alguém poderia esperar após ver as salas do andar térreo. Não estavam muito mobiliados, mas ofereciam conforto e o quarto de Letty tinha sido decorado com um papel de parede chinês estampado com flores rosas e uma profusão de pássaros exóticos.

— Olhe, Letty, mais pássaros! — exclamou Dorinda.

Mas, dessa vez, Letty não estava interessada em coisa alguma.

— Estou doente… quero voltar para a Inglaterra, para casa!

Ela repetiu a frase uma porção de vezes, como um papagaio, a ponto de Dorinda achar que não ia agüentar por muito tempo.

Mas, finalmente, Letty trocou de roupa e deitou-se na grande cama branca com mosquiteiro, que parecia saída de um conto de fadas. A Irmã Teresa deu-lhe algo para beber e Dorinda sabia que em breve ela estaria adormecida.

— Não aprovo calmantes — disse a Irmã Teresa, quando elas deixaram o quarto — mas este é fraquinho… e, além do mais, que podíamos fazer?

— É verdade — comentou Dorinda. — Foi uma tragédia termos sofrido aquele ataque ontem à noite, justamente quando Letty estava de bom humor e até um tanto ansiosa para ver a casa e o jardim…

— Ela sempre se comporta assim? — indagou a missionária.

Dorinda hesitou por um momento e depois resolveu dizer a verdade.

— Algumas vezes ela é melhor que em outras — respondeu a moça. — Mas, como a senhora já viu, Letty acha muito difícil concentrar-se por muito tempo em um determinado objetivo e só gosta das pequenas coisas que a divertem, como pássaros e bonecas…

— E, no entanto, seu pai achou que podia casá-la com um homem como Maximus Kirby! — exclamou a Irmã Teresa.

Dorinda não respondeu. Sabia que não havia nada que pudesse dizer.

Sentia-se pouco à vontade e constrangida quando, com a Irmã Teresa, se reuniu a Maximus Kirby para o jantar.

Kirby era um ótimo anfitrião, mas justamente por ser sensível aos sentimentos alheios, Dorinda percebeu que ele ficara surpreso com o comportamento de Letty.

De algum modo, a jovem tentou suprir as deficiências da irmã.

A Irmã Teresa desculpou-se ao final do jantar e retirou-se, alegando que precisava atender Letty. Maximus Kirby nada fez para retê-la e Dorinda ficou a sós com Maximus na gigantesca sala central da casa. Então, a moça já sabia que os outros aposentos do andar térreo davam para o vasto cômodo.

Dorinda caminhou até o fundo da sala, onde estavam as janelas. A escuridão já era agora bem acentuada, mas no momento da chegada, ela tivera uma rápida visão das árvores e arbustos cobertos por uma profusão de orquídeas em flor.

— Está muito escuro agora para se ver o que quer que seja lá fora — disse Maximus, atrás dela. — Gostaria de conhecer o resto da casa?

— Gostaria muito — respondeu a moça, entusiasticamente.

Dorinda esperava que o seu interesse compensasse de algum modo a ausência de Letty.

A jovem teria ficado muito desapontada se tivesse construído uma casa tão suntuosa para alguém que nem sequer parecia vê-la.

A construção tinha muitas características da arquitetura chinesa, mas também todos os confortos das residências inglesas, tais como banheiros e cozinhas modernos.

Nada podia ser mais harmoniosamente belo que os pátios, por certo bastante frescos durante a fase mais quente do dia e onde as fontes cantavam nos reservatórios de pedra.

Acima dos pátios havia balcões cobertos no primeiro andar, para os quais abriam os quartos, todos decorados com valiosos tesouros de arte.

Dorinda não esperara que Maximus Kirby tivesse tanto bom gosto. A moça nem sequer considerara aquele aspecto de sua personalidade.

Efeitos maravilhosamente decorativos tinham sido obtidos com o uso de antiqüíssimos azulejos e talhas chinesas, dando à arquitetura uma rara distinção e os quadros, ornamentos e tapetes demonstravam obviamente uma longa e cuidadosa seleção.

Após entrar e sair de vários aposentos, Dorinda percebeu que a nova casa estava ligada à outra, mais velha.

— Comprei uma casa neste local quando vim pela primeira vez a Cingapura — explicou Maximus Kirby. — Apesar de ter feito muitas modificações, conservei intactos alguns cômodos.

Algo no seu modo de falar fez Dorinda perceber que aqueles cômodos deviam ser especiais.

— Posso vê-los? — perguntou a moça.

Ele hesitou um momento antes de responder:

— Se a senhorita fizer mesmo questão…

Eles saíram da enorme versão ocidentalizada de uma casa chinesa para uma casa muito mais velha e menor, onde as salas remanescentes tinham sido construídas em volta de um pequeno pátio. Uma magnólia em flor atraía de imediato a atenção do observador, mas o resto dos arbustos ali existentes eram miniaturas.

Dorinda sabia que as pequenas árvores deviam ser seculares e ela gostaria de observá-las bem sob as lanternas que pendiam de ganchos de ferro. Maximus Kirby porém, conduziu-a a uma sala que, Dorinda logo percebeu, continha a maior parte de seus tesouros pessoais.

Havia bronzes chineses tão antigos que datavam do século XIII antes de Cristo e uma coleção de peças de jade que a fez soltar uma exclamação de encantada admiração.

— Sabe alguma coisa a respeito de jade? — perguntou Kirby.

— Li que os chineses acreditam que o jade é um produto do paraíso e contém força criativa — respondeu Dorinda.

— É verdade — confirmou o rapaz. — Dizem que possui poderes misteriosos para curar o corpo e pode até causar a imortalidade.

Dorinda segurou uma peça de jade, verde como o mar que acabara de singrar.

— Lembro-me que li em alguma parte que o jade também tem o poder de expulsar os maus pensamentos… — sorriu Dorinda.

— Acredita nisso?

— Gostaria de acreditar — respondeu a moça. — Talvez um dia eu venha a possuir uma peça de jade e, quando tiver um mau pensamento, eu a tocarei para que o expulse…

Dorinda tinha falado sem refletir e, temendo que ele julgasse que estava lhe pedindo uma peça de jade de presente, apressou-se a acrescentar:

— Há outro aposento contíguo a este. Posso vê-lo?

Novamente ela julgou perceber uma leve hesitação em Maximus Kirby até que, sem dizer palavra, o rapaz caminhou para a porta da outra sala e girou a maçaneta. Dorinda encontrou-se num estranho aposento, completamente decorado à moda oriental, com almofadões em vez de cadeiras e apenas umas poucas peças de porcelana chinesa em mesinhas baixas. Dorinda olhou em torno de si e deixou escapar uma exclamação de alegria.

Uma das estatuetas tinha a forma de um cavalo moldado em bronze avermelhado, e a jovem a reconheceu imediatamente.

— É Tang, não? Um dos guardiões de uma sepultura.

— Como sabe disso? — indagou Maximus Kirby.

— Li a respeito — respondeu Dorinda. — E queria muito ver um…

Ela tocou o cavalo com as pontas dos dedos, acariciando a suave curva do seu belo pescoço.

— É impossível não admirar essa tensão, esse vigor — murmurou a moça, como se falasse mais para si mesma. — Ele me parece tão vivo, prestes a mover-se…

Maximus Kirby limitou-se a dizer:

— Quero que a senhorita veja meus quadros e me diga o que acha deles.

Com relutância, Dorinda desviou os olhos do cavalo e das outras peças de cerâmica e viu, presas às paredes, três longas telas de evidente antigüidade, pintadas com pincel e quase sem cores.

O primeiro quadro mostrava flores perto de um lago calmo, em cujas margens se erguia um estéril, íngreme e escuro penhasco. Encimava-o uma árvore açoitada pelo vento e seus galhos pareciam frágeis demais para lhe opor resistência.

Dorinda olhou longamente a tela antes de Maximus perguntar:

— Que está vendo?

— Sei que a pintura chinesa é mais subjetiva que objetiva, a predominância do espiritual sobre o material — a moça fez uma pausa antes de continuar, lentamente: — Acho que as flores e o lago simbolizam a nossa tranqüila e rotineira existência.

— Continue.

Ela julgou perceber um brilho de surpresa nos olhos de Kirby.

— Posso estar errada — prosseguiu Dorinda. — Mas acho que, tem uma significação: em vez de nos conformarmos com as flores e o lago, devemos escalar o penhasco. A escalada é penosa e o vento frio e impiedoso, mas só assim poderemos realmente nos aprimorar e realizar…

Um silêncio os envolveu e Dorinda sentiu de um modo inexplicável que ela e Maximus Kirby estavam muito próximos.

Então, o rapaz estendeu a mão e, tomando-lhe o braço, levou-a à outra parede, de onde pendia a segunda tela.

— E esta?

Dorinda sentiu-se perturbada com o gesto de Kirby que, embora simples, parecia torná-la sua propriedade.

Havia qualquer coisa tão magnética e vital em Kirby que ela subitamente se sentiu fraca e dependente, desejando poder recostar-se nele e saber que ele a protegia.

Maximus retirou a mão e Dorinda procurou pensar apenas no quadro, no qual o artista parecia também ter usado o menor número possível de pinceladas. Entretanto, sua pintura causava profunda impressão ao primeiro olhar.

O quadro mostrava uma ponte sob a qual corria um rio.

“O rio da vida!”, pensou Dorinda.

Também se viam flores e uma árvore repleta de frutos encimada por uma nuvem. E ali igualmente apareciam os picos de uma montanha, brilhando intensamente, em conseqüência do sol ou da neve.

Os dois se entreolharam e tornaram de novo a contemplar o rio e a ponte.

— Que acha disso?

— Não tenho certeza — respondeu Dorinda. — Acredito que tenha diferentes significações para diferentes observadores. Esse quadro me faz sentir algo que não posso expressar em palavras.

A jovem hesitou antes de continuar:

— Talvez eu possa vir olhá-lo outras vezes até estar certa da mensagem que ele me transmite.

Kirby nada comentou. Dorinda olhou em volta e sentiu que havia no aposento uma estranha paz.

— Tenho certeza de que o senhor vem aqui quando está preocupado ou perturbado — disse a moça. — Acho que esta sala é o coração de sua casa.

Assim que as pronunciou, percebeu que as palavras soavam indiscretas, exageradas, apesar de terem chegado espontaneamente a seus lábios.

Dorinda pensou que Maximus Kirby fosse rir dela, mas, em vez disso, o rapaz a levou de volta à nova casa que tinha construído para Letty.

A jovem esperou que ele a convidasse para sentar-se um pouco, a fim de continuarem a conversa, mas Kirby a conduziu até o pé da escada e Dorinda compreendeu que devia se recolher.

Ela estendeu a mão.

— Boa noite, Sr. Kirby — disse a moça. — Obrigada por ter me mostrado sua bela casa.

— Fico satisfeito em saber que ela lhe agradou… — respondeu ele, convencionalmente, tendo no rosto uma incompreensível expressão.

O rapaz parecia de repente tão frio e distante que Dorinda se perguntou se o teria ofendido de alguma forma. Então, sem esperar sequer que ela começasse a subir os degraus, Kirby fez uma ligeira reverência e afastou-se.

Dorinda recolheu-se ao leito ainda preocupada com a reação de Kirby. Deitada na escuridão, começou a pensar em tudo o que lhe acontecera desde que Maximus tinha ido ao seu encontro no “Osaka”.

— Ele é tão estranho, tão imprevisível! — disse a si mesma.

Dorinda lembrou-se de que todos o consideravam um homem simplesmente fantástico e lhe faziam as mais extraordinárias referências. Mas ninguém mencionara sua excepcional cultura, capaz de sobrepujar de muito a de qualquer pessoa que ela conhecia…

Ela podia imaginar seu próprio pai, conhecedor da arquitetura inglesa, talvez apreciando pinturas chinesas, mas sem conseguir entendê-las.

Aquelas formas de arte não despertavam o interesse dos cavalheiros que freqüentavam Alderburne Park, como o faziam a Maximus Kirby.

Quem era, realmente, aquele homem estranho, imprevisível, que em breve se tornaria seu cunhado?

— Meu cunhado!

Dorinda murmurou as palavras na escuridão e enterrou o rosto no travesseiro numa vã tentativa de escapar à súbita dor que elas lhe causavam.




  

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