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CAPÍTULO XII



 

Andréa dormiu até bem tarde. Ao despertar, sentiu-se infinitamente mais confiante e ridiculamente ansiosa por ver novamente Axel.

Cari estava na cozinha pondo lenha na lareira. Ela lhe deu um largo sorriso e desejou-lhe Guien Morgen,

Guten Morgen, Fräulein. Wie gehi es Ihnen?

Não falo muito bem alemão — ela lhe explicou com dificuldade em sua própria língua. — Você fala inglês?

— Um pouco. Dormiu bem?

— Oh, sim, muito bem. O... Barão já levantou?

— Oh, ja — afirmou Cari, um tanto constrangido. — Foi levar a baronesa até a estação.

Andréa ficou extremamente surpreendida. — À... Estação? Não com­preendo. Que estação?

— Mahlstrom, Fräulein. A estação de Mahlstrom. A baronesa está voltando para sua casa em Salzburg.

— Sua... Casa? Eu... Achei que a casa dela era aqui.

— Oh, não, Fräulein. Ninguém mora em Mahlstrom, a não ser eu.

— Então a baronesa Sophie mora em Salzburg?

Ja, ja, Salzburg.

Andréa franziu o cenho. Por que Axel lhe dissera que sua tia morava em Mahlstrom, quando isto não era verdade? Qual o sentido de traze-la até ali para apresentá-la, quando poderiam perfeitamente ter ido até Salzburg? Sentindo-se completamente confusa, sentou-se à mesa e Cari ofereceu-lhe torradas e café.

— Obrigada, quero somente o café. Parecia-lhe muitíssimo estranho que Sophie partisse e deixasse Andréa sozinha com seu sobrinho, a menos que Axel... Ele pretendesse levá-la de volta a Grossfeld naquele mesmo dia. Por que ele mentira?

Acabou de tomar o café evoltou a consultar o relógio. Passava das onze e meia e ainda não havia o menor sinal de Axel. Seus nervos se crispavam a cada minuto que passava e ela se sentia totalmente impotente, confinada naquele lugar, sem nenhum meiode transporte que lhe possibilitasse sair de lá.

Era quase meio-dia quando voltouà cozinha e notou que Cari servia a mesa para três.

— Onde está Axel!? Por que demora tanto?  

Cari deu de ombros e Andréa tentou dominar sua respiração ofegante. Sua intuição lhe dizia que algo de errado eslava acontecendo naquele momento, que a ausência de Axel era proposital eela andou de um lado para outro da cozinha, sentindo que as lágrimas teimavam em aflorar-fhe aos olhos. Pela primeira vez sentia-se ansiosa em ver Axel, em conversar com de e até mesmo dispunha-se encontrar explicações para seu com­portamento anterior. Sua atitude na véspera havia conseguido convencê-la de que ele não lhe era indiferente ehá algum tempo sabia que não era indiferentea ele, por mais que quisesse negar o fato. Agora, no entanto, ele desaparecera e apesar de isso parecer um tanto dramático, ela sentia um medo terrível de que fosse verdade.

Ouviu o som de um veículo que se aproximava. Com um grito de alívio, saiu pela porta de trás e foi correndo até o pátio. Então se deteve, confusa. O homem que guiava o veículo não era Axel e sim Tim Brady, advogado e assistente de seu pai. A seu lado encontrava-se nada menos do que Patrick Connolly. Soluçando, saiu correndo em direção a seu pai e quando ele a tomou nos braços, ela derramou uma torrente de lágrimas.

Logo após, Andréa sentava-se na cozinha com seu pai e Tim Brady andava de um lado para o outro, fingindo que não estava ouvindo sua conversa.

— Mas onde está Axel? — indagou Andréa, depois que as lágrimas pararam de correr.    

— A caminho de Salzburg, imagino — replicou seu pai, tomando de volta o lenço que emprestara e guardando-o no bolso do paletó.

— Mas por quê? E o que vocês estão fazendo aqui?

— Há coisas prioritárias — disse Patrick Connolly com impaciência. — Estou com fome e tenho certeza de que o mesmo acontece com Tim. Estamos viajando desde cedo. Sugiro que almocemos. Cari está impa­ciente para nos servir, garanto. Depois poderemos conversar.

— Mas como é que você conhece Cari? — perguntou Andréa, frus­trada. — Já esteve aqui antes?

— Muitas vezes. Agora, perguntas só após o almoço.

Cari serviu o prato da noite anterior, mas Andréa mal tocou na comida. Sentia-se confusa e sua mente estava povoada de perguntas sem resposta.

Seu pai era alguém a quem ela sempre admirara secretamente. Ela c o pai eram parecidos demais para poder conviver durante muito tempo. Quanto mais regras ele estabelecia para ela, mais rebelde ela se tornava. Mesmo assim, existia entre ambos um forte laço afetivo. Quando ele finalmente acabou de comer, os nervos de Andréa estavam a ponto de arrebentar. Notando sua inquietação. Tim Brady levantou-se.

— Acho que vou dar uma espiada no resto do castelo — disse. — Que­ro ver a ala leste.

Andréa forçou um ligeiro sorriso, mas assim que a porta foi fechada, voltou-Se para seu pai. — Agora me diga o que está acontecendo!

— Sim, se você permanecer calma. Caso contrário ficarei muito impa­ciente com você, Andréa. Aliás, você bem que mereceria.

— Mas o que quer dizer com isso?

— Você ainda pergunta!

— Está se referindo a meu compromisso com Axel?

— Entre outras coisas. Você realmente abusa de minha paciência, não?

 — Não sou criança, papai.

— Você nega que fingiu ser sua prima e fez Janete passar por você?

— Mas foi apenas uma brincadeira! Como é que você sabe? Esteve com Janete?

— Não.

— Axel lhe contou?

— Isso mesmo.

— Mas quando? Você disse que já esteve aqui. Como é possível?

— Oh, Andréa, Andréa! Será que você nuncavai aprender? Axel disse que você precisava de uma lição. Fico contente por ter concordado com de.

— Uma lição? — Andréa fitou seu pai. Logo após sentiu um vazio na boca do estômago. — Mas o que você está dizendo? Que espécie de lição? O que tem Axel a ver com isso?

— Dê você a resposta.

— Mas o que você quer saber?

— Suponhamos que tivéssemos nos encontrado em Grossfeld. Como é que você me explicaria seu envolvimento com von Mahlstrom?

— Eu... Nós. . . Ele me pediu em casamento.

— Por quê?

— Ora, por que pergunta? Por que razão as pessoas costumam se casar?

Seu pai sacudiu a cabeça e vasculhando o bolso dele retirou um pequeno gravador. Ao colocá-lo sobre a mesa diante deles Andréa ficou horrorizada. Que tipo de jogo Axel estaria fazendo? Por que dera a gravação a seu pai?

— Sabe o que está nesta fita? Gostaria que você falasse a respeito.

— Aconteceu... Aconteceu durante a noite que eu passei no chalé de Axel. Ele... Ele gravou o que sucedeu.

— E o que sucedeu?

— Nada, eu já disse, nada.

— Acredito em você.

— Sim. Mas... A fita...

Ignorando as tentativas de Andréa de interrompê-lo a todo o momento Patrick apertou o botão e a fita começou a rodar. A voz de Axel era ouvida com nitidez, mas o que ele dizia deixou Andréa gelada:

— Andréa, eu lhe declarei uma vez que não me importava em ser tomado por um caça-dotes. Assim, com a permissão de seu pai, decidi fazer um jogo com você. Conheço seu pai há muitos anos e quando ele a enviou a Grossfeld pediu-me que a observasse de perto, de um jeito bem paternal. Infelizmente você interpretou muito mal o fato de eu ter me| apresentado e então decidi recorrer a subterfúgios. Minha única intenção era assustá-la. Não havia gravação alguma, nem anúncios nos jornais austríacos ou ingleses, como você, aliás, logo descobriu. Mantive seu pai a par do que estava acontecendo, mas tive de continuar o jogo seguindo todas as regras previamente estabelecidas. Não foi muito difícil, você é muito bonita. Ah, seu pai vai gastar dinheiro na restauração do castelo. Ele planeja convertê-lo em um hotel. Mais uma coisa: minha prima, com quem você me viu no dia em que chegou a Grossfeld, sentiu-se muito lisonjeada quando eu lhe disse que você tinha-se enganado a respeito de sua identidade.

Patrick desligou o gravador e só então Andréa percebeu que estava tremendo da cabeça aos pés. Com que então tudo aquilo fora planejado! Tratava-se de dar-lhe uma lição pelo modo como ela o havia tratado! Achava que ele tinha sido cruel para com ela no passado, mas aquilo superava tudo. Agora ela estava liberta de todas as angústias por que passara, com liberdade de ir para onde bem entendesse. Só que ela não queria mais gozar de todos aqueles direitos. . . Seu pai, preocupado, notou seu ar abatido. — Mas o que há? — perguntou. — Está tudo acabado! E muito mais cedo do que eu esperava!

— O que quer dizer com isto?

— Eu não deixaria tudo isto passar em brancas nuvens. Você se comportou de modo abominável para com um homem a quem estimo e respeito. Você tentou colocá-lo em uma posição ridícula, mas ele deu uma resposta à altura! Não acha que já era tempo de receber uma lição?

— Talvez. Janete contou o que eslava acontecendo?

— Não. Mandei vocês duas de férias para que se divertissem e conhe­cessem gente decente. Mas o que aconteceu? Você, no momento em que embarcava no aeroporto em Londres, já estava aborrecida e achou que poderia aliviar o tédio zombando de alguém. Pois bem, Axel fez o feitiço virar contra a feiticeira!

— Mas ele não passa de um instrutor de esqui! Não lhe ocorreu que ele poderia envolvê-lo em seu próprio jogo?

— O que você quer dizer com isso?

— Ele poderia ter feito de verdade tudo aquilo que disse que iria fazer. Aliás, não lhe faltaram oportunidade, não é mesmo?

— Oh, Andréa, como você é cínica! Você não sabe que um homem como Axel von Mahlstrom jamais se rebaixaria a viver dos favores da família de sua mulher? Concordo em que ele não é um homem rico, isto é, materialmente rico. Mas ele tem muito orgulho e se para sobreviver precisa dar aulas de esqui para filhos de nouveaux riches: não se furta a isto. Esperei que minha filha tivesse a inteligência suficiente de perceber este fato por si mesma!

— Eu... Nunca conheci alguém como ele antes — protestou Andréa.

— Acredito.

— Senti-me confusa, principalmente com tudo o que a baronesa disse.

— Sophie von Mahlstrom? Você conheceu a tia de Axel?

— Sim. Ela estava aqui quando chegamos ontem.

— E mesmo? Estava hospedada no castelo?

— Por que não? Axel trouxe-me até aqui para conhecê-la.

— Eu sei. Mas me surpreende muito que ele tenha achado necessário incomodar a tia. Eu não teria dado a você tamanha satisfação.

Andréa sabia o que ele queria dizer. Ela não tinha como verificar se Axel lhe dissera a verdade. E na realidade ele lhe mentira o tempo todo. Era uma humilhação. Meu Deus — pensou desorientada — o que ele fez comigo? Por que não consigo parar de pensar nele?

— Muito bem — prosseguiu Patrick. — Você já decidiu o que vai fazer? Tim e eu vamos voltar para Salzburg. Temos de nos encontrar com os advogados da família Mahlstrom e há outros negócios para resol­ver. Quer vir conosco ou prefere regressar a Grossfeld e ficar lá até o fim das férias? O hotel está reservado por mais uma semana.

Andréa mal conseguia pensar. — Eu... E Janete?

— Ela pode ir nos encontrar em Salzburg, se você quiser vir conosco, Ah, Axel mandou dizer que não mais se aproximará de você, se você decidir regressar a Grossfeld.

Andréa engoliu em seco. Sua garganta cerrou-se e ela sentia uma vontade desesperada de chorar.

— Muito bem, quando Tim voltar de sua inspeção partiremos — disse ela.

— Sim, partiremos. Você não espera que eu passe a noite aqui, não? -— Mas é tarde demais para ir para Grossfeld.

— Não pretendo ir a lugar algum que não seja a estação. Há um trem às quatro horas, que nos levará até Kufstein. Um amigo meu que talvez você não conheça, Klaus Ziller, é dono de um pequeno aeroporto lá. Ele permite que eu o use sempre que é preciso. Tim e eu tomaremos o avião amanhã, com ou sem você. Você pode telefonar para Janete e combinar o que convenha melhor a ambas.

 

                        CAPITULO XIII

 

Os escritórios da Companhia de Construção Connolly ocupavam os três últimos andares de um edifício no centro de Londres. Havia um espe­lho no elevador e, ao entrar, Andréa mirou-se, sem sentir o menor prazer no que via. Desde que voltara da Áustria, não se importava muito com o que fazia, aonde ia ou o que usava. Lenta, mas obstinadamente, seu pai exercera sua autoridade, transformando-a gradualmente, pelo menos no plano físico, no tipo de filha que ele sempre desejara. Nesse dia, por exemplo, ela ia almoçar com Patrick e um colega seu, aliás, um fato comum durante as últimas semanas. Entretanto, no fundo de si mesma, Andréa sentia o impulso de rebelar-se contra tamanho sujeição. Dominou seus ímpetos de revolta, pois sabia que, se voltasse a pensar, e de verdade, a antiga angústia se apoderaria dela novamente.

Após a espantosa revelação da duplicidade de Axel, sentira-se totalmente desolada, e fora quase impossível esconder sua mágoa de seu pai e de Tim Brady. Não lhe fora nada fácil voltar a Grossfeld, pois Janete protestara por ter de interromper as férias e não era nada simples com­portar-se como se as coisas continuassem na mais perfeita normalidade.

Não voltara a ver Axel. Ele mantivera a promessa de afastar-se dela e Janete ficou intrigada, sem saber por que ele não vinha mais ao hotel. Talvez suas suspeitas aumentassem, se não fosse a chegada providencial de Heinrich Reiter, que passou a ocupar inteiramente seus pensamentos.

Entretanto, o trauma emocional que se abatera sobre Andréa trouxe eventualmente determinados benefícios. Decorrido algum tempo, uma espé­cie, de torpor apoderara-se dela, atenuando a dor incomensurável que sen­tia, de tal modo que peio menos durante o dia conseguia comportar-se racionalmente. Á noite, entretanto, a situação apresentava-se dramática.

Sabia que o amor que Axel despertara tão descuidadamente transformara-se em ódio e amargura. Mas tudo isso acabaria passando. Era apenas uma questão de tempo, e de tudo restaria apenas uma lembrança por demais penosa para ser sequer evocada.

Saiu do elevador e encaminhou-se para a sala de seu pai no fundo do corredor. Ao entrar, a secretária sorriu acolhedoramente.

— Meu pai está me esperando, Sarah — disse Andréa, fechando a porta. — Ele está sozinho?

— Não. Aquele colega a quem ele convidou para almoçar está lá dentro.

— Quem é ele? Você o conhece? — Andréa estava curiosa, pois sentira uma certa hesitação na voz de Sarah.

— Eu... Bem... Por favor, entre, srta. Connolly. Seu pai está a sua espera.

Foi com certa ansiedade que Andréa atravessou a sala de espera. Um instinto obscuro dizia-lhe que o constrangimento de Sarah tinha algo a ver com ela, e teve de se dominar, antes de entrar no escritório de seu pai.

Seus olhos imediatamente pousaram-se sobre o homem alto e louro que se levantara polidamente assim que ela entrara. Axel! Sentiu-se profundamente perturbada e leve de se dominar para não sair correndo do escritório. O que ele estava fazendo lá? Por que seu pai o convidara para ir a seu encontro? Certamente deveria saber que Axel era a última pessoa neste mundo a quem ela haveria de querer ver.

Mas seria rigorosamente verdade? Não sentia ainda o impulso de aproximar-se dele, convidá-lo a enlaçar seus braços em torno dela e colar sua boca irônica à dela? Isso tudo não passava de uma loucura. Aquele era o homem que a enganara, que se divertira às suas custas! Como era possível pensar em lhe dar novas oportunidades? Não! Não!

Forçou um sorriso e respondeu a seu pai com uma segurança que não acreditava possuir.

— Axel, que surpresa! — respondeu, demonstrando uma satisfação aparente. — O que está fazendo aqui?

- Alô, Andréa — respondeu Axel, com aquela rápida reverência que ela conhecia tão bem. — Como tem passado?

Os dois estavam agindo como pessoas que se conheciam apenas ligeiramente e que se tratavam com muita cerimônia, após ficarem algum j tempo sem se ver, pensou Andréa com amargura.

— Vou bem, obrigada — respondeu, sentindo que sua voz estava um pouco mais tensa. — E você?

— Sobrevivendo. — Aqueles olhos cinza a estudaram detidamente. — Você emagreceu.

— Está na moda, você não sabia?

— Você já era suficientemente magra.

— É mesmo? Não imaginei que você notasse.

Notou com satisfação que o rosto dele ficava tenso, ao sentir a agres­sividade contida em sua resposta, porém, com voz bastante controlada, ele respondeu: — Notei, sim.

Patrick Connolly pensou que era tempo de intervir. — Axel, não quer tomar um drinque, antes de irmos para o restaurante? Reservei mesa para há uma hora, portanto, temos bastante tempo.

— Obrigado. Um pouco de uísque não viria mal.

— Eu também tomo. — O pai de Andréa suspirou aliviado, ao sentir que a tensão se atenuava. — E você, Andréa? Acho que a única alter­nativa para uma Coca-Cola é licor.

— Para mim nada, papai.

Andréa ignorou a ambos e encaminhou-se para a janela, pondo-se a contemplar o panorama da cidade. Estava lutando desesperadamente para não perder a compostura. Era terrível sentir quanto ele conseguia pertur­bá-la. Tinha de demonstrar que sabia competir com ele usando suas próprias armas, mas não sabia como fazê-lo.

Enquanto seu pai e Axel tomavam uísque e discutiam os planos de restauração do castelo de Mahlstrom, o telefone tocou. Patrick desculpou-se e foi atendê-lo. Respondia por monossílabos, demonstrando a impa­ciência que sentia, e ao desligar demonstrava profunda contrariedade.

— Sinto muito, mas tenho más notícias. Houve um deslizamento de terra em uma empreitada nossa nos arredores da cidade. Morreu um homem e vários outros estão soterrados. Tenho de ir para lá imediata­mente. É impossível almoçar com vocês.

— Oh, papai, que coisa terrível! Quer que eu vá com você?

— Não, não há nada que você possa fazer, meu bem. Aliás, eu tam­bém posso fazer muito pouca coisa, porém preciso ir até lá e verificar o que está acontecendo. Você compreende, não é mesmo, Axel? Minha presença lá é imprescindível.

— Claro. E se houver algo que dependa de mim. . .

— Não, não. Sinto muito modificar nossos planos.

Axel fitou Andréa e mais uma vez ela tomou consciência de sua pre­sença perturbadora. — Se sua filha permitir, eu a levarei para almoçar, conforme havíamos planejado.

— Oh. Não!

A exclamação de protesto de Andréa foi imediatamente superada pela aceitação de seu pai. — É muita gentileza de sua parte, Axel — ele disse, com evidente alívio. — Especialmente nestas circunstâncias... — Olhou para Andréa com ar de reprovação. Claro que você almoçará com Axel, Andréa. Que razão teria para recusar?

Patrick Connolly desceu com eles pelo elevador e, assim que chegaram ao térreo, encaminhou-se para o carro. Andréa e Axel foram andando para o restaurante, que era ali perto.

Enquanto ela demorava propositadamente em examinar o cardápio, Axel I ordenou dois coquetéis. De repente tirou o cardápio das mãos de Andréa, colocou-o de lado e a fitou com olhos que expediam chispas.

— Pode deixar que escolho os pratos. Beba logo seu coquetel. Andréa engoliu em seco, diante de tamanha insolência, mas decidiu não lhe dar a menor satisfação, Axel acendeu um charuto: — Está bem, peço-lhe desculpas.

Aquelas palavras tão inesperadas fizeram com que ela o encarasse, admirado. — O que foi que você disse?

— Acho que você ouviu. Apesar de você talvez merecer, não tive a intenção de magoá-la.

— Magoar-me? Sempre achei que você era o homem mais presun­çoso que já conheci.

—- Com que então, não a magoei?

— Não,

— Nosso relacionamento não significa nada para você?

— E como poderia significar? Além do mais, você se esquece de  que sou muito mais jovem do que você. Você me machucou fisicamente. As marcas que você deixou em meu pulso custaram a desaparecer.

— Sinto muito.

— É mesmo? Você não sentiu uma certa satisfação sádica?

Não! —- Havia tensão no tom com que se exprimia. — Não pre­tendia que as coisas chegassem a ponto a que chegaram. Não pude mais exercer controle sobre elas. Mas você... — Ele se interrompeu abrupta­mente e ela sentiu que a velha emoção voltava, ao contemplar o brilho intenso de seu olhar. Tudo, entretanto, foi muito rápido, e ele chamou o, garçom. — Queremos fazer o pedido.

Andréa mal conseguiu lembrar-se do almoço. O encontro fora um desastre, para ambos, e ela sentiu-se aliviada quando o almoço acabou e ele sugeriu que deveriam partir. Ao chegarem à rua, ele chamou um táxi. — Vou levá-la para casa — ele disse, porém ela fez que não.

— Eu posso ir sozinha.

— Como quiser. Então.. . Não é auf wíedersehen, mas adeus?

— Sim. — Um táxi parou ao lado deles e Andréa deu um passo em sua direção.

O modo como ele pronunciava seu nome deixou-os de joelhos bambos, e ele a olhou surpreendido. De repente puxou-a para si, colando sua boca aos lábios trêmulos de Andréa. Ela sentiu que o beijo tornava-se mais ousado e subitamente Axel afastou-se, misturando-se à multidão que passava, até que ela o perdeu de vista.

Ao chegar ao apartamento onde morava com seu pai a ânsia de vomito atingiu um ponto insuportável. E ela a muito custo, conseguiu aliviar-se. Ignorando a sugestão da governanta de que deveria chamar um médico, despiu-se e foi direto para a cama, abrigando-se sob ás cobertas.

No dia seguinte a maquilagem conseguiu disfarçar a palidez e oabati­mento provocados pela mágoa que se apoderara dela. Quando seu pai chegou ao apartamento, por volta do meio-dia, ela estava calma e recomposta.

Ele narrou rapidamente o que tinha acontecido e quais as providencias tomadas, e serviu-se de um uísque, perguntando-lhe: — E então? Como foi o almoço com Axel?

— Como você acha que foi? A comida, lá no Bohemien, é sempre excelente.

— Não me referia à comida. Você e Axel se entenderam bem? Colo­caram tudo em pratos limbos?

-—- Achei que você havia se encarregado disso, papai.

— Não seja irônica comigo, Andréa. Toda essa história com Axel foi iniciativa sua. Fico surpreendido por ver que ele ainda tem paciência com você.

— Não pedi a ele que me levasse para almoçar!

- O que mais lhe restava fazer, nas presentes circunstâncias? Além do que, sei que ele queria conversar com você. Ele esperava que você tivesse superado seus impulsos infantis,

— Não foram impulsos infantis!

— Muito bem dê a eles o nome que quiser. Penso que Axel achava que vocês pudessem se relacionar como dois adultos.

— Mas ele se mostrou arrogante como sempre.

— É um homem orgulhoso, quanto a isto não há a menor dúvida. São gerações e gerações de orgulho feudal. . . Mesmo assim é um homem admirável.

— Não acho — disse Andréa, dando-lhe as costas. — Com licença. Tenho muito que fazer.

Durante os dias que se seguiram Andréa fez um esforço consciente para esquecer-se do passado. Ajudou a governanta a pôr ordem no aparta­mento, comprou roupas novas e encontrou algumas pessoas de sua antiga turma. Entretanto não conseguia entregar-se verdadeiramente a tudo aquilo.

Uma tarde, quando passava diante da agência de viagens onde sua prima trabalhava, Janete fez-lhe gestos frenéticos para ela entrar.

— Olá, Janete — disse, com um sorriso polido. — O que há de novo? Janete debruçou-se confidencialmente sobre o balcão.

— Andréa, você jamais poderá imaginar! Heinrich está em Londres. Andréa agarrou a bolsa com força. — É mesmo?

— Veio me ver ontem. Vou sair com ele hoje à noite. —- Mas que sorte!

— Não É mesmo? — Janete suspirou, estática. — Oh, Andréa, foram as melhores férias que já tive até hoje! Mas você... Está tão magra! O que há? Ouvi tio Pat dizer a papai que está preocupado com você. Axel esteve em Londres, não é?

Andréa sentiu que ficava rubra. — Esteve, sim.

— Vocês almoçaram juntos, não é?

— Eu... Sim.

— Eu sei. Tio Pai estava falando a respeito com papai. Foi uma pena a história do castelo, não é?

Andréa já se encaminhava para a porta, porém parou no ato. — O que foi que você disse?

— Disse que foi uma pena a história do castelo.                  

— O que você quis dizer com isso?

— Você não sabe?

— Se soubesse, não estaria perguntando, não?

— Penso que não. Bem, acho que não se trata de um segredo. Axel decidiu não vender o castelo à companhia.

— O quê?

— E verdade. Ouvi papai e tio Pat conversarem a respeito. Ele decidiu deixar o castelo arruinar-se de vez.

— Oh, meu Deus! — Andréa mal podia acreditar no que estava ouvin­do. — Por que papai não me falou nada?

— Não sei. Talvez achasse que você não se interessaria. Mas você interessa, não é mesmo? Que vai fazer?

— Eu... Eu sei lá. . . O que posso fazer?

— Talvez você pudesse conversar com seu pai. Ele sabe mais a respeito do assunto do que eu.

— Sim, acho que é isso mesmo o que eu vou fazer. Obrigada Janete. Andréa encaminhou-se imediatamente para um telefone público, ligo para o escritório de seu pai e perguntou-lhe, de chofre, por que ele não lhe dissera nada a respeito da mudança de seus planos.

— Andréa! — Patrick ficara obviamente preocupado. — Andréa! Onde é que você está?

— Perto do escritório, em Oxford Circus.

— Bem, fique aí que vou buscá-la. Pelo telefone não dá para conver­sar. Chego aí em dez minutos.

Ela sentiu-se aliviada por ter com quem conversar sobre aquele aconte­cimento insólito. Assim que seu pai chegou, ela entrou rapidamente no carro, sentindo-se melhor por finalmente poder relaxar. — Você devia ter-me contado, papai! — exclamou Andréa, quase aos prantos. — O que está acontecendo?

— Você é quem deve me dizer. — Tudo o que sei é que Axel decidiu não levar o negócio adiante.

— Mas por que você não me contou?

—- Se você bem se lembra, não estava disposta a discutir o que quer que fosse que dissesse respeito a von Mahlstrom.

Andréa sentiu o gosto das lágrimas que lhe desciam pelo rosto. — Eu... Eu o amo — ela murmurou, com voz tremula.

Fez-se um silêncio profundo e então seu pai suspirou. — Sei. — Fez uma pausa. — Tem certeza?

— Nunca tive tanta certeza de uma coisa, na vida.

— E von Mahlstrom?

— Oh, não, não! Ele pensa em mim como se eu não passasse de uma criança!

— Não acho. Quando ele veio a Londres, há dez dias, insistiu em vê-la.

— Insistiu... Em ver-me?

— Sim. — Seu pai parecia estar pouco à vontade. — Olhe, acho melhor lhe contar tudo de uma vez. Conversamos a respeito do castelo. Perguntei se ele não gostaria de associar-se a nós. Compraríamos a propriedade, restauraríamos e ele tomaria conta de tudo, talvez como... Gerente.

— O que foi que ele disse?

— Ele ficou um bocado zangado. Disse que tinha capacidade de ganhar sua vida por seus próprios meios. Não queria nem um favor meu. Eu res­pondi que estava bem, mas não entendi por que ele ficara tão zangado. Agora tudo parece mais claro.

— Como assim?

— Bem, se eu estivesse na posição dele, acharia que alguém estava tentando se aproveitar de mim.

— Você está insinuando que ele achava que você estava protegendo meus interesses?

— Bem, é possível.

Não! — Andréa sacudiu a cabeça. — Você se engana. Ah, se pelo menos você me dissesse que Axel queria me ver... Em vez de ficar me censurando.

— Olhe. Andréa, essa é uma decisão que cabe a ele tomar. Se quiser saber minha opinião, acho que ele gosta de você, talvez até demais, a ponto de não poder tomar nenhuma atitude a respeito.

— O que quer dizer com isso?

— Como já disse, ele é um homem orgulhoso. Não quer receber nada de mim. Assim sendo, o que ele tem a oferecer a uma jovem como você?

— Ele mesmo — respondeu Andréa com toda a simplicidade, cerrando os olhos por um momento. — Papai, vou para Grossfeld. Quero ver Axel eperguntar-lhe por que ele mudou de opinião a respeito do castelo.

— Você faria uma coisa dessas?

— De um modo ou de outro, tenho que saber. Você compreende, não é mesmo?

— Acho que sim, mas, não espere demasiado, Andréa, caso contrario você ficará desapontada.

A primavera fazia-se anunciar, naquela região do Tirol, e apesar de o ar ainda estar frio, o sol começava a esquentar e as flores desabrochavam! Grossfeld parecia à mesma cidadezinha tranqüila de sempre. Andréa alugou um carro e foi direto ao hotel.

Nicolas Lieber, entretanto, pouco a esclareceu.

— Um dia Axel estava aqui, no dia seguinte já não estava mais. Sei para onde foi. Quem sabe está com sua tia, em Salzburg?

A baronesa! Andréa quase se tinha esquecido dela. O que ele dizia era razoável. Talvez Axel tivesse mesmo ido para lá. Valia a pena tentar.

— E...  Baronesa tem telefone? — perguntou.

- Sim, a baronesa tem telefone, Fràulein. Quer que a gente providencie a ligação?

— Eu... Sim. Sim, por favor. Falarei do meu quarto.

— Muito bem. Não demorará muito, Fràulein.

— Oh... Obrigada.

Quando Andréa conseguiu falar com a baronesa, descobriu que ele não se encontrava lá.

— Por que quer entrar em contato cora meu sobrinho, querida? — ela perguntou, com aristocrática autoridade. — Pelo que soube, seu pai já não está mais interessado em restaurar o castelo.

— Oh, mas não é verdade! Foi Axel quem recuou. Meu pai continua tão interessado como sempre.

— É mesmo? — A baronesa parecia surpreendida. — é isso o que você tem a dizer a meu sobrinho?

— Sim. Bem, acho que sim. Mas ele já sabe. Quero dizer, foi ele quem modificou a situação, não meu pai.

A baronesa suspirou.

— Já tentou Mahlstrom? Se Axel foi para lá, está sozinho. Cari deixou Mahlstrom, há alguns dias, para passar duas semanas com sua irmã em Viena.

Assim que Andréa desligou o telefone, ficou durante alguns minutos contemplando o vazio. Finalmente tomou uma resolução e foi a procura de Nicolas Lieber, em seu escritório.

— Como posso ir até Mahlstrom? — perguntou.

Passaram-se vinte e quatro horas até Andréa chegar à pequena estação que servia a aldeia de Mahlstrom. Nervosa devido ao tempo que estava perdendo. Andréa sentiu-se tensa assim que saltou do irem. Ao descobrir que não havia táxi algum que pudesse levá-la até o castelo, ficou ainda mais preocupada. Finalmente o chefe da estação ofereceu-se para conduzi-la até lá e foi através da janela do seu velho Volkswagen que ela viu novamente as chaminés do castelo de Mahlstrom.

Dirigiu-se diretamente para a porta da cozinha, como havia feito da outra vez. e seus dedos tremiam, no momento em que ela bateu à porta: ninguém respondeu. Nervosa, girou a maçaneta da porta. A porta se abriu e ela respirou fundo. Cari jamais teria sido capaz, de viajar e deixar a porta aberta. Entrou com toda cautela. Um resto de lenha ainda crepitava na lareira e ela sentiu-se mais animada. Alguém estava lá agora tinha certeza.

— Axel? - chamou, percebendo que sua voz se perdia na imensidão daqueles salões. — Axel, onde é que você está?

Não se ouvia resposta alguma, e ela sentiu-se muito insegura. O que deveria fazer? Seus nervos estavam tão tensos que a idéia de esperar pacientemente na cozinha até que ele aparecesse pareceu-lhe insuportável. Talvez Axel não se encontrasse lá. Talvez se tratasse de mais alguém, algum amigo de Cari que estava tomando conta do castelo até que de regressasse.

Um som vindo do andar de cima deixou-a gelada. Era um gemido, e ela sentiu como se uma garra lhe comprimisse a garganta. Durante alguns momentos sentiu-se invadida pelo pânico, incapaz de se mexer. O gemido se fez novamente ouvir, desta vez acompanhada de uma praga. O coração de Andréa quase lhe saltava pela boca. Era a voz de Axel. Aos pulos, ela subiu a escada. Agarrando-se ao corrimão, deteve-se no segundo andar e notou que a porta do quarto que ocupara estava aberta.

Aproximando-se lentamente, chegou até o quarto c olhou. Axel estava lá, deitado de costas, e na mesinha-de-cabeceira havia um copo vazio. Esta­va muito pálido, com a fronte coberta de suor. Não a ouvira aproximar-se,

— Axel... — ela murmurou timidamente. — Axel. . . Você está bem? Durante alguns segundos ele não fez nenhum movimento nem emitiu qualquer som. Então voltou a cabeça e pôs-se a contemplá-la, sem acre­ditar no que via. A barba estava por fazer e seu cabelo estava todo em desordem. Ela percebeu um brilho no seu olhar que fez com que seu coração disparasse. Axel tentou se levantar, mal conseguindo manter o equilíbrio.

— Isto é invasão de domicílio — ele disse lentamente. — Por favor, vá embora!

— Vim para me encontrar com você, Axel. — Eu... Mas o que foi? Você está doente? Você está com um aspecto terrível.

—- Estou perfeitamente bem — ele disse, um tanto ríspido. Agora vá embora. Você não tem o menor direito de estar aqui. Já não estou mais negociando o castelo.

— Eu. . . Eu sei. Queria conversar com você a respeito de... — Ele, entretanto, interrompeu-a:

— Ah, percebo. Você veio a mandado de seu pai. Bem, sinto muito, mas não tenho mais nada a dizer.

-— Não vim a mandado de meu pai — disse Andréa com veemência. — Axel, queria vê-lo.

—- Não há mais nada a ser dito! — ele declarou, passando a mão por seu rosto abatido. — Como você vê, não estou em condições de receber visitas.

Andréa prendeu a respiração.

— Que falta total de amabilidade! Axel, por que você decidiu não vender mais o castelo?

— Ah, voltamos novamente ao objetivo de sua visita...

— Não é este o objetivo de minha visita. Pelo menos, não diretamente. Só quero saber por que você mudou de idéia. Pare de me olhar como se você... Odiasse-me.

— Desculpe. — Ele se esticou, endireitando os ombros, e de repente encurvou-se, como se uma dor profunda o golpeasse. Ela deu um passo adiante, mas ele a repeliu com um gesto. — É apenas uma ligeira. . . Indi­gestão — disse, com certa relutância. — Olhe, não posso discutir o que quer que seja com você. Você está perdendo tempo. Por favor, desculpe-me perante seu pai por fazê-lo também perder tempo.

— Axel, pare com isso! Pare com isso! O que está acontecendo com você? Você precisa me dizer.

Andréa hesitou, cheirando um copo encontrado na mesa-de-cabeceira. Havia ainda um resto de conhaque e ela compreendeu que ele deveria ter bebido a fim de aliviar a dor que sentia. Pousou o copo e sentou-se na cama, a seu lado.

— Agora me conte — ela insistiu suavemente.

—- Mas o que há para contar? Acho que me intoxiquei. Não havia comida fresca quando cheguei a Mahlstrom, comi o que havia, sem me importar muito. Agora estou sofrendo as conseqüências de minha imprudência.

Andréa contemplou-lhe a cabeça inclinada e então pousou a mão no pescoço de Axel. Ele estremeceu ligeiramente, mas não se afastou, e ela adquiriu mais confiança.

— Por que você não se cuidou, Axel? -— eia murmurou, apoiando-lhe o rosto no ombro.

— Vá embora, por favor, Andréa. Vá embora!

— Não posso, Axel, pelo menos ainda não. — Apoiou a mão na coxa dele, sentindo a musculatura rija. — Só se você me expulsar.

Muito pálido ele ergueu a cabeça e olhou-a.

— Você não sabe o que está dizendo — disse com voz rouca, cobrindo-lhe a mão com a dele.

— Sei, sim.

— Como foi que você chegou até aqui? Quem veio junto?

— Ninguém. Vim sozinha, de trem. Estava em Grossfeld e fui até o chalé.

— Você sabe que... Estamos sozinhos aqui. E agora eu... — Ele se interrompeu, olhando sua mão, que cobria a dela. — O que você está tentando fazer comigo?

— Você me beijou, em Londres — ela murmurou. — Agora posso beijá-lo?

O murmúrio de protesto de Axel foi abafado pela avidez dos lábios de Andréa. Ele agarrou-a, de encontro a seu corpo, e quando ela se aninhou na cama desarrumada, ele deitou-se sobre ela, com todo o peso de seu corpo. Beijou-a repetidas vezes, não deixando a menor dúvida quanto à extensão de seu desejo.

— Não devíamos fazer isso — ele protestou. — Aqui não. Preciso me barbear, preciso mudar de roupa...

— Eu ajudo você a se trocar — ela disse baixinho. — Nunca fiz a barba de ninguém, mas estou disposta a tentar. . .

Notou que o olhar dele se tornava subitamente sombrio. Praguejando, ele se afastou dela, pondo-se de pé.

— Levante-se, Andréa — ele falou, rispidamente. — Não adianta. Não consigo ir adiante.

— Mas o que você está dizendo? O que aconteceu?

— Desça, Andréa. Dê-me tempo para me tornar um pouco mais apre­sentável. Daqui a pouco irei a seu encontro.

Você quer que eu dê tempo para você levantar novamente suas defesas contra mim! — ela declarou, tremula. Caminhou em sua direção, cingindo-lhe a cintura com os braços. — Axel, Axel, eu o amo. Pronto, finalmente eu disse!

— Oh, meu Deus! Andréa, isto tudo é uma loucura!

— Por quê? Por que é uma loucura? Você me deseja, não?

— Claro que sim! Seria um tolo, se tentasse negá-lo. Mas o simples fato de amar alguém não soluciona automaticamente problema algum.

Ele se mostrava inflexível, e não restou a Andréa outra alternativa a não ser obedecer-lhe.

Quando ele veio finalmente a seu encontro, na cozinha, Andréa fervera a água e fizera café.

— Você quer café? — ela perguntou.

— Não, obrigado. — Foi até a lareira e colocou dentro dela uma acha de lenha. — Diga-me uma coisa, seu pai contou-lhe por que eu fui a Londres?

— Ele disse que você foi discutir a venda do castelo.

— É verdade. Mas ele não lhe disse o que eu pretendia fazer com o dinheiro?

— Será que ele sabia? Não, ele não me disse nada.

— É o que eu pensava.

— Mas o que ele deveria ter dito? Você está insinuando que papai escondeu algo importante de mim?

— Não. Não estou insinuando nada disso.

— Axel, por favor, pare de me atormentar desse jeito!

— Eu? Atormentá-la? — Axel riu amargamente. — Oh, Andréa, e você por acaso não acha que está me atormentando, ao vir até aqui. Fazendo com que tudo comece novamente e sabendo que o resultado final será o mesmo?

— Que resultado? Axel você está me deixando confusa.

— Está certo. — Respirou fundo. — Está certo, vou lhe contar. — Fez uma pausa, — A escola de esqui em Grossfeld está à venda. Ofereceram-na a mim. Disse a seu pai que estava pensando em comprá-la com o dinheiro da venda do castelo.

— Oh, Axel! — Os olhos de Andréa brilharam. — O que foi que ele disse?

— Ele sugeriu que eu aceitasse a oferta de gerenciar o hotel que ele pretendia abrir no castelo.

— Ah, sim, ele me contou.

— É mesmo? E ele também disse qual foi minha resposta?

— Sim. Disse também que não conseguiu entender por que você ficou tão zangado.

— Ele não... Entendeu? — Axel cerrou os punhos. — Oh, não, isto não aceito, absolutamente. Ele sabia perfeitamente por que fiquei zangado. Andréa seu pai e eu nos vigiamos durante semanas, como dois adversa­rios, cada um à espera de que o outro desse o primeiro passo.

— Mas. . . Por quê?

— Aquele negócio com você. . . Não deu certo. E seu pai sabia.

— Não deu certo?

— Sim. Sim. Você não se deu conta? Aquela noite que passamos juntos, aqui? Se tia Sophie não tivesse nos interrompido. . . Mas eu tive medo. Foi por isso que pedi a tia Sophie para vir ter conosco.

— E... Ela sabia?

— Dos meus sentimentos? Acho que talvez ela suspeitasse. Não tenho o hábito de invadir quartos e fazer amor com as mulheres que os ocupam.

— Papai ficou sem saber por que você pediu à baronesa para vir a Mahlstrom.

— Era natural. Ele ainda não tinha conhecimento de todos os fatos. Isto só sucedeu mais tarde.

— Quando? Como?

— Oh, Andréa, seu pai e eu tivemos muitas conversas. Como é que vou lhe explicar minha posição? — Fez uma pausa. — Como eu lhe disse na gravação, seu pai e eu nos conhecemos há algum tempo, e suas razões para pedir-me que a vigiasse eram mais do que razoáveis. Foi quan­do eu comecei a me envolver que as coisas começaram a dar para trás.

— Mas por quê?

— Andréa, eu não levei em conta o tipo de reação que iria ter em relação a você. Para mim ficou muito claro como você reagiria a mim, mas eu, muito estupidamente, pensei que ia ficar imune a tudo. Era impossível. Passados alguns dias, eu não conseguia mais prosseguir com aquilo. Foi por isso que eu a mantive longe de mim. Não confiava em mim mesmo.

— Mas você fez coisas tão horríveis!

— Como, por exemplo, ignorá-la. Reconheço que fui muito sujo. Mas não tinha a menor idéia de que você. . . — Ele se interrompeu, sacudindo a cabeça. — Seu pai suspeitava de que algo estava errado, quando eu o chamei, e disse-lhe a verdade.

— O quê?

— Exatamente. Não esperava que a coisa fosse adiante, mas como não sou mentiroso... Seu pai é um homem astuto. Andréa. Foi mais fácil dizer-lhe a verdade.

— Porém, mais tarde. . .

— Mais tarde fui a Londres. Eu a vi. . . Não no dia em que fomos almoçar juntos, mas antes. Eu a vi, mas você não me viu. Pensei comigo mesmo: se pudesse vê-la pelo menos mais uma vez, ter certeza de que ela é feliz. . . Mas você não parecia feliz. Estava pálida e deprimida. Foi então que decidi ir ver seu pai e dizer-lhe que queria conversar com você.

— Mas por que não falou comigo diretamente?

— É assim que as coisas se passam em minha família. E agora você sabe o que seu pai disse. Foi ele quem apresentou o plano relativo ao castelo. Ele sabia como eu reagiria. Mesmo assim, insisti em vê-la. E você sabe o que aconteceu.

Andréa não conseguia mais ficar sentada. Soluçando, atravessou a cozi­nha e atirou-se cm seus braços. Desta vez ele não tentou dete-la.

— Axel, Axel, eu o amo. Se pelo menos você tivesse me dito como se sentia; em vez de nos torturar desta forma!

Axel acariciou-a quase com desespero.

— Andréa, a situação não se alterou. Não adianta. Não posso casar-me com você, mesmo que você queira. Seu pai tinha razão.

Andréa sacudiu a cabeça. Após ter passado por tantas coisas, após acreditar que tudo acabaria dando certo. . . Ele não podia agir daquela maneira! Soluçando, desprendeu-se de seus braços, disfarçando a angústia que se estampara em seu rosto.

— Não precisa-dizer mais nada! — exclamou, tremula. — Tudo ficou muito claro. Você é orgulhoso e arrogante demais para pensar em casar com alguém que tem mais dinheiro do que berço.

— Berço não tem nada a ver com ludo isto.                               

— Não mesmo? Então qual é o impedimento?

— Não pretendo viver às custas de ninguém, como você insinuou certa vez. E não vou prostituir meus princípios, gerenciando um hotel que seu pai comprou unicamente por sua causa!

— Mas eu não disse que você deveria fazer tal coisa.

— Mais cedo ou mais tarde acabaria dizendo. Andréa, durante toda a vida você teve tudo o que desejou.

— Que opinião terrível você tem a meu respeito, não?

— Andréa, eu sou mais velho do que você, falo qu ocê mesma enfati­zou, certa ocasião. Não sou o tipo de homem que encara com superficiali­dade votos de casamento. Não admitiria que você mudasse de idéia por não haver criadas para servi-la, mesadas de seu pai para facilitar a vida dura que você escolheu. ..

— Os preconceitos deixaram você completamente cego! — ela retrucou. Sentia um zumbido nos ouvidos e sabia que não conseguiria agüentar muito mais tempo aquela situação. — Oh, por favor, quero ir embora daqui!

Foi cambaleando até a porta, arrasada pela frustração. De repente sentiu que ele estava bem atrás dela e que sua respiração acariciava-lhe o pescoço. Ele a tomou nos braços, abraçando-a fortemente.

— Oh, Andréa, Andréa! —gemeu Axel. — Não posso deixá-la partir desse jeito, o que devo fazer?

— Case comigo — ela respondeu prontamente, horrorizada com sua temeridade, ao compreender o que tinha dito.

— Não quero viver do dinheiro de seu pai — ele declarou, roçando os lábios na base do pescoço de Andréa.

— Mas eu acaso pedi a você que fizesse isso?

— Não — ele disse, estremecendo, quando ela lhe passou as mãos pelas coxas. — Muito bem. Venderei o castelo e comprarei a escola de esqui, como pretendia. Seremos independentes.

— Será como você quiser — concordou Andréa, enfiando-lhe as mãos debaixo do suéter e acariciando-lhe a carne rija. — Humm, você está com um cheiro tão bom! Oh, Axel, será que não perdemos tempo demais? O chefe da estação vai chegar daqui a pouco e quero fazer amor com você...

 

                                    F I M

 

 



  

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