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Na Voragem da Paixão 4 страница



Ela não conseguia distinguir se ele estava sendo deliberadamente inde­licado ou não. Não se dignou a responder. Ela caminhou-se para a porta do quarto de Janete, bateu e entrou.

— O barão chegou — anunciou sem a menor emoção. .

Janete estava sentada diante da penteadeira, dando os últimos retoques na maquilagem. Seus olhos brilharam. — É mesmo? Puxa vida! Que tal estou, Andréa?

— Você está muito bonita. Posso lhe dizer que já está pronta? Janete concordou excitada. Andréa voltou a abrir a porta e foi para a sala de estar. Se quiser entrar, Herr Barão... — sugeriu, indo para a janela.

Passaram-se momentos muito significativos depois que ambos se cumpri­mentaram, e tudo o que Andréa ouvia era o farfalhar do cafetã de Janete. Em seguida Axel von Mahlstrom saiu, carregando-a nos braços. Andréa precipitou-se para abrir a porta e ele lhe fez um ligeiro aceno com a cabeça.

Assim que saíram Andréa encostou-se à porta, respirando com difi­culdade. Mais uma vez arrependeu-se amargamente de ter vindo para Grossfeld.

Andréa e Janete jantaram sozinhas no restaurante, para grande desa­pontamento de Janete.

— Pensei que Axel ia jantar conosco! — ela exclamou emburrada.

— Não imaginava que ele conhecesse Herr Lieber tão bem.

 — Acho que ele conhece todo mundo em Grossfeld — observou Andréa calmamente. — Afinal ele vive aqui, não é?

— Oh, sim. — Subitamente Janete tornou-se animada. — Ele me disse que tem um chalé próximo da escola de esqui.

Andréa olhou displicentemente em volta da sala, imaginando o que teria acontecido com a mulher a quem o barão acompanhava da primeira vez que o haviam visto. Talvez agora ele estivesse entregue a aventuras mais rentáveis. Sentiu-se subitamente tensa. Estava pensando demais em Axel von Mahlstrom. Isto, entretanto, cabia a Janete.

Assim que acabaram de jantar, um dos hóspedes levou Janete para o bar e Roy, Susie e os demais se juntaram a eles. Fizeram muitas piadas a respeito do tornozelo de Janete, mas ela levou tudo na brincadeira e Andréa relaxou um pouco.

Estava dançando com Roy quando dois homens surgiram na entrada do bar. Um deles era Nicolas Lieber, o proprietário do hotel; o outro, claro, era Axel von Mahlstrom. Roy também os notou e sorriu.

— Sua prima vai ficar muito contente — ele comentou, indicando a ambos. — Ela gosta de ser centro de atenções, não é mesmo? É este o resultado de ela ter tudo o que quer na vida?

— Tudo que quer... — Andréa interrompeu-se, dando-se conta do que ele queria dizer. — Eu. . . Bem, talvez. . .

— Claro que ela gosta de receber atenções — prosseguiu Roy, sem perceber que Andréa mal o ouvia. Toda sua atenção estava focalizada em Axel von Mahlstrom. Viu-o inclinar-se e dizer algo a Janete, que reagiu corando intensamente.

— Ela não é nem um pouco como você — dizia Roy. — Não é sempre assim que as coisas acontecem?

—- Que coisas?

— As mulheres ou são bonitas ou ricas. As duas coisas jamais coincidem.

Andréa disfarçou um sorriso.

— Você acha, é?

— Meu pai morre de medo que eu seja colhido nas malhas de alguma mulher interessada na fortuna da família.

— É mesmo? E você, o que acha disso?

— Eu costumava concordar com ele, mas desde que a conheci. . .

— Ora, deixe disso! — Andréa quase riu. — Não sou tão inexperiente assim, Roy. Você não está falando a sério e bem sabe disso. Vamos deixar as coisas como elas estão, sim?

Sentiu-se contente ao perceber que a música tornava-se mais agitada e os pares se separavam, dançando cada um para si. Abandonando-se ao ritmo dos tambores, Andréa deixou-se invadir pelo som. Quando a música terminou teve a certeza de que poucas vezes na vida dançara com seme­lhante abandono.

Axel von Mahlstrom ainda estava de pé e inclinou a cabeça em direção a Andréa, que viu em seu gesto uma conotação de desprezo. Claro. Ele a vira dançar e sem dúvida considerava-a uma representante típica da juventude desvairada. Ele que pensasse o que bem entendesse! Estava ainda por demais exaltada com a dança e sua opinião não lhe impor­tava nem um pouco!

— Ninguém me oferece um drinque? — ela perguntou, sorrindo pro­vocadoramente para Louis Granam, um dos amigos de Roy, e ele reagiu imediatamente.

— O que você quer tomar?

— Ora, Louis! Então você não sabe?

— Vodca — respondeu Roy secamente, desaprovando aquela euforia inesperada. — Deixe que eu vou buscar.

— Não se incomode — retrucou Louis encaminhando-se para o bar. Roy ficou tenso.

Susie sentindo que a situação se agravava, disse: — Vamos a Ober­laufen amanhã, Herr Barão. Deve ter estado lá mais de uma vez, não?

Axel von Mahlstrom disse que de fato já estivera no ponto mais alto da geleira de Oberlaufen.

— Tenho certeza de que morrerei de medo — acrescentou Susie, rindo nervosamente. — Mas estou decidida a ir.

Louis voltou com a bebida e entregou-a a Andréa, que agradeceu com efusão, numa tentativa de subtrair-se à possessividade de Roy. Susie continuou a conversar animadamente com o barão, permitindo que de vez em quando alguém lhe dirigisse a palavra e Andréa experimentou a bebida.

— Você está querendo me embebedar? — ela perguntou a Louis em voz baixa, porém percebeu que Roy e o barão tinham ouvido o que ela dissera.

— Por que usar uma palavra tão pesada? — respondeu Louis com certa malícia e ambos voltaram a sorrir.

— Afinal, o que você está pretendendo? — perguntou Roy em voz baixa, tomado de ira.

— Acalme-se, Roy — disse-lhe Andréa em tom zombeteiro. — Lembre o que papai lhe disse.

Roy deu um passo em direção a ela, agarrando-a pelo pulso, em uma repetição exata do gesto do barão na noite anterior, e ela gemeu de dor. Quando menos esperava, Axel von Mahlstrom estava a seu lado, e suas palavras obrigaram Roy a largá-la.

 — Dance comigo, Fràulein -— disse em tom absolutamente gélido. — Com sua permissão, sim, Herr Stevens?

Estas palavras não eram um simples convite à dança e sim uma ordem e um desafio. Roy não esboçou a menor reação.

Andréa queria ter recusado. Desejaria ver com que cara ficaria Axel von Mahlstrom quando ela recusasse seu convite, mas com um braço ele a impelia para a pista de dança e com a mão livre pegou seu drinque e entregou-o a um garçom que passava.

Tocavam novamente uma música lenta. Muitos pares dançavam bem próximos, mas o barão a mantinha a uma certa distância-e acompanhava o ritmo com muita formalidade.

Andréa olhou de soslaio para o resto do grupo e viu que Roy e Louis estavam entregues a uma discussão áspera. Janete conversava com Ruth Stevens. Andréa achou que não precisava ser nenhuma telepática para adivinhar o que estavam dizendo. Voltando a atenção para seu compa­nheiro, indagou: — Por que agiu assim?

— Convidando-a para dançar?

— Claro.

— Então não sabe?

— Se soubesse não estaria perguntando, não é mesmo? Não queria dançar com o senhor e certamente não o encorajei.

— Sim, mas ao lado disso estava insinuando uma série de outras coisas, não é mesmo, Fràulein?

— Oh, pare de me chamar de Fràulein, com este seu jeito tão ridículo e formal! Meu nome é Andréa, como deve saber muito bem. Quanto ao outro assunto, não sei a que se refere.

— Sabe, sim, Fràulein. Estava jogando de propósito Stevens contra Graham. Percebi quais eram suas intenções e preferi, como dizê-lo, con­tornar a situação, ja?

O ressentimento de Andréa chegou ao auge. — E o que lhe dá o direito de interferir naquilo que me diz respeito?

Axel encarou-a com certo desprezo. — Não gosto de situações desa­gradáveis, Fràulein. Sinto muito dizê-lo, mas a senhorita as cria.

— Seu...

Andréa tentou livrar-se dele, porém ele a segurava com punho de ferro. Debateu-se momentaneamente e nesse momento a ampla manga de sua túnica afastou-se, revelando a mancha arroxeada que ocupava todo seu punho esquerdo. Axel notou aquilo imediatamente e seus olhos procura­ram os dela, tomados de uma emoção que ela não conseguia identificar. Diante daquela expressão ela parou de resistir, sentindo um nó na garganta.

— Fui eu quem fez isso? — ele perguntou com voz tensa e ela fez que sim.

— O senhor é bastante desagradável quando quer -— eia disse com voz tremula. Os dedos dele afrouxaram e as mãos caíram de lado.

— Sinto muito — ele desculpou-se, e naquele momento ela já não queria mais que ele se afastasse. Haviam parado no meio da pista de dança, mas a iluminação discreta e os outros pares que circulavam escondiam-nos do grupo em torno de Janete. Andréa olhou à sua volta:

— Bem, vamos começar tudo de novo?

— Se é este o seu desejo, Fràulein — ele concordou polidamente. Andréa sentiu-se novamente impaciente.

Chegou mais para perto dele, de modo que ele pudesse rodeá-la com os braços. Ele passou um braço em torno de sua cintura, mas quando se preparava para segurar-lhe a mão ela sacudiu a cabeça e colocou os braços dele em redor de sua cintura, de maneira que pudessem dançar como os demais. Sentiu que ele queria protestar, resistindo quanto podia. As mãos de Andréa pousaram no couro macio de seu blusão. A camisa de seda estava aberta no pescoço, revelando a pele queimada de sol, contrastando intensamente com seu cabelo louro. Imaginou qual seria a sensação de enterrar as mãos naqueles cabelos, qual seria sua aparência quando ele acordava, com a barba azulando-lhe o queixo e o corpo musculoso livre de toda tensão. Um calor perturbador apoderou-se dela. Nesse momento desejou rodear o pescoço dele com os braços, como havia feito com Roy, mas isto requeria mais coragem do que ela possuía naquele momento.

Ele lançou-lhe um olhar livre de quaisquer defesas, profundamente envolvente e que parecia penetrar no mais íntimo de seu ser. — Mas o que está acontecendo?... — disse para si mesma e nesse momento trope­çou. Ele a amparou instintivamente e ela encostou-se nele. Suas roupas já não eram mais barreira para a rigidez de seu corpo. Andréa cerrou os olhos diante daquela emoção que se apoderava dela. Antes que pudes­se se controlar, ele já se afastara e dizia: — Sinto muito, Fràulein, não sei dançar muito bem, como vê.

Andréa tentou encará-lo, mas aquele olhar cinza não lhe dizia nada.

— Foi. . . Minha culpa — disse, protestando.

— É muita gentileza de sua parte, mas conheço minhas limitações — ele afirmou com toda calma. — Vamos voltar para a mesa?

 

                              CAPÍTULO V

 

O resto da noite revelou-se um verdadeiro anticlímax.

Andréa perdera todo o desejo de divertir-se com Roy ou Louis e ver Janete na companhia de Axel von Mahlstrom dava-lhe dor de cabeça. Pouco depois das onze pediu desculpas a todos e subiu para o quarto. Ainda estava acordada quando Axel acompanhou Janete até a porta da suíte e soltou um suspiro de alívio ao perceber que sua prima conseguia ajeitar-se sozinha. Ouviu Axel partir e deitou-se de bruços, enterrando o rosto no travesseiro.

Só conseguiu conciliar o sono de madrugada e quando, na manhã seguinte, Janete entrou em seu quarto, às nove horas, ela dormia profundamente.

— Andréa! — Mancando, Janete aproximou-se da cama e despertou-a. — Andréa, você não vai levantar hoje?

Andréa gemeu e revirou-se na cama, protegendo os olhos do brilho do sol, quando Janete abriu as cortinas. — Que horas são?

— Passa das nove e estou morrendo de fome! — Janete olhou-a com impaciência. — Mas o que é isto? Você não foi se deitar tão tarde assim.

— É que não dormi muito bem — murmurou Andréa, afastando o cabelo dos olhos. — E como é que você está se sentindo? O tornozelo melhorou?

— Já me sinto muito melhor. Mais dois dias e estarei novinha em folha.

— Que bom. — Andréa olhou o relógio. — Puxa, mais de nove horas! Acho melhor eu me vestir.

— Herr Lieber disse que me carregaria para baixo hoje. Axel apre­sentou-nos ontem à noite. É um homem encantador.

Andréa levantou-se e vestiu o penhoar. Sentia-se indisposta e com dor de cabeça, mas atribuiu o fato à noite mal dormido.

— A que horas Herr Lieber ficou de vir? — perguntou.

— Pediu-me para telefonar quando eu ficar pronta. Estava esperando que você levantasse.

— Bem, não me espere. Chame-o e vá tomar o café da manhã. Eu, como sempre, só vou querer um cafezinho, não há necessidade de me esperar.

— Tem certeza de que não se incomoda?

— Claro que não.

Andréa encaminhou-se para o banheiro e nesse momento Janete indagou:

— Nós não a incomodamos ontem à noite, não é? Axel trouxe-me até aqui.

Andréa sacudiu a cabeça e não olhou para a prima. — Não, vocês não me incomodaram.

— Ainda bem. Quero dizer, depois de tudo o que aconteceu, imagino que Axel fez você se sentir constrangida.

— Do que é que você está falando?

Janete enrubesceu. — Aquela história boba com Roy e Louis. Você estava se expondo ao ridículo, não é mesmo, Andréa? Graças a Deus, Axel estava perto e a coisa não foi adiante.

— Foi isso que ele disse?

— Foi, sim. Olhe, você sempre sabe onde é que mete o nariz, mas realmente agir daquela maneira! Foi um tanto infantil, confesse! A po­bre Susie pensou que Roy e Louis iam se atracar, e note que eles são grandes amigos. — Hesitou. — Foi por isso, é claro, que Axel convidou-a para dançar. Para o bem de Susie e também para o meu.

— Ah, é mesmo?

Andréa sentiu-se tentada a mostrar a Janete o que seu barão bem-amado tinha feito em seu pulso, mas reprimiu-se. Janete tinha razão. Ele a convidara para dançar para afasta-la de Roy e Louis e acalmar a situação. No que lhe dizia respeito, ele conseguira abafar dentro dela todos os impulsos extravagantes, exceto um...

— É isso o que você queria me dizer, Janete? — ela indagou e sua prima pareceu um tanto sem jeito.

— Sim.

— Pois então vou tomar banho, se você não se importa.

Após o café da manhã, que Janete tomou na companhia dos pais de Susie e ao qual Andréa não esteve presente, as duas jovens resolveram tomar parte na excursão a Oberlaufen.

— Vá você, Jan — disse Andréa, quando lhe fizeram a sugestão.

— Eu. . . Eu estou com dor de cabeça.

 Roy encaminhou-se para ela. — Eu me comportarei bem se é isso o que você teme. Andréa. . . Por favor, venha! Gostaria muito que você viesse.

Andréa sacudiu a cabeça, tocada por sua sinceridade. — Não, Roy, hoje não. Talvez outro dia.

— Então também não vou. Ficarei aqui em sua companhia.

— Não! — Andréa atenuou a recusa com um sorriso. — Sincera­mente, Roy, prefiro que você não fique. Hoje não sou lá muito boa companhia. Prefiro ficar sozinha.

— Tem certeza de que não é apenas uma desculpa?

— Claro que não. — Andréa percebeu que Ruth os olhava. — Vá com Ruth. Ao menos uma vez dê-lhe o prazer de sua companhia.

— Não sei o que há com ela. Está sempre se queixando de alguma coisa — disse Roy. — Estou começando a me arrepender por ter-me responsabilizado por ela.

— Faça-lhe companhia por algum tempo — sugeriu Andréa. — Tenho certeza de que ela se modificará.

— Não quero fazer companhia a ela! Não sou mais criança, Andréa. Preciso da companhia de uma mulher e não de uma adolescente.

Andréa sorriu ligeiramente. — Que idade ela tem?

— Dezenove.

— É um ano mais velho do que eu.

— Sim. Mas você sabe o que estou querendo dizer. Você não é como Ruth. Acho que você nunca foi como Ruth. — Enrubesceu. — Você sabe o que quero dizer.

— Sinto muito, mas a idéia de passar o dia com um bando de gente não me atraí. Eu... Bem, prefiro ficar a sós.

— É sua decisão final?

— Sim.

— Então nos veremos hoje á noite? Parece que há um baile à fantasia no Kursaai. — O Kursaai era uma espécie de boate muito conhecida na cidade. — Gostaria de ir?

Andréa hesitou e acabou concordando. Está certo, se minha dor de cabeça não piorar. A que horas você vai?

— Vamos todos nos encontrar no hall depois do jantar. Que ta! nove e meia?

— Ótimo. — Susie, Paul e Louis Graham tinham vindo a seu encontro e ela sorriu para todos. — Divirtam-se!

Janete não sentiu muitos escrúpulos em deixar a prima sozinha durante todo o dia, mas Andréa pensou que se suas posições se invertessem, ela se sentiria obrigada a ficar com Janete. Este era um dos exemplos da diferença que o dinheiro pode fazer. Andréa tinha sentimentos de culpa.

Janete não se incomodava com essas coisas, que não lhe causavam o menor problema de consciência.

Andréa foi à suíte e pegou um romance de bolso, encaminhando-se em seguida para a sala de estar. Acomodou-se em uma poltrona no canto e começou a ler.

Estava lendo a mesma página pela enésima vez, tentando concentrar-se na leitura, quando alguém entrou. Levantou os olhos, surpreendida, e deparou com o olhar calmo e desprovido de paixão de Axel von Mahlstrom. Imediatamente sua dor de cabeça piorou e ela agarrou-se nervosamente a um braço da poltrona.

Axel ficou postado diante dela olhando-a fixamente.

Guten Morgen, Fràulein — ele a saudou com a polidez de sempre. — Vejo quehoje está sozinha.

— Deseja algo, Herr Barão? — perguntou, tomada de uma calma impressionante.

— Soube que sua prima e seus amigos partiram para a geleira de Oberlaufen, Fràulein. Não quis acompanhá-los?

— Obviamente não!

— Não está se sentindo bem, Fràulein?

Não pareço estar bem?

— Para dizer a verdade, não.

Desta vez a impaciência de Andréa tornou-se real. — Obrigada — dis­se com sarcasmo.

— A senhorita está pálida — ele insistiu. —- Acho que não dormiu bem,

— Acha mesmo? — A respiração do Andréa se acelerou, a despeito de sua resolução de permanecer calma. — E o que o leva a semelhante suposição? É verdade que tomou muitobem conta de mim ontem à noite!

Sua expressão endureceu. — Por que precisa sempre ser rude comigo, Fràulein?! — ele exclamou. -— Minha preocupação é sincera. Não sinto o menor prazer em ver alguém indisposto.

— E muito menos seu inimigo.

— Janete contou-me que a Fràulein gosta muito de esquiar, que é quase uma campeã.

Andréa levantou novamente os olhos do livro. — Janete exagerou. Não sei esquiar: ponto final.

— Acho que se subestima, Fràulein, mas é inútil discutir este assunto. Seu... Amigo Stevens disse-me que Fràulein esquiou no monte Feldberg, que não é um lugar para amadores.

— Mas o que importa. . .

 — Importa por que eu gostaria de levá-la para esquiar, Fràulein, Isto é, se conseguir desligar-se deste livro aparentemente tão fascinante!

— E por que haveria de querer me levar para esquiar? — perguntou, atônita.

Uma chispa de ressentimento surgiu em seus olhos. —- Talvez porque eu sinta pena de Fràulein. Abandonada pelos amigos.

— Eles não me abandonaram! Eu preferi não ir.

— Como quiser. Então, vamos?

— Não. — Andréa encontrou um certo prazer em recusar. — Estou com dor de cabeça, por isso não fui com os outros.

-— Pois acho que o ar fresco há de lhe fazer muito bem.

Este pensamento já ocorrera a Andréa, mas ela não pretendia lhe dar aquela satisfação. — Sinto-me perfeitamente bem onde estou, obrigada — replicou secamente. O barão, com uma expressão de desagrado, mur­murou algo e saiu da sala de estar.

Assim que ele saiu, ela se sentiu deprimida. Pôs o livro de lado, levantou-se irritada e caminhou até a janela. O que estava se passando com ela? Claro que ela não haveria de querer ir com ele! Não tinha nada a ver com ele, não gostava dele e não confiava nele. O fato de sua inegável atração sexual despertar nela emoções perturbadoras não mascarava a verdade de que ele não passava de um tipo dos mais presun­çosos. Será que ele pensava que podia simplesmente chegar até ela e convidá-la para esquiar, depois de tratá-la daquela forma? Era ridículo!

No entanto, sua visita a deixara perturbada. Pegou o livro e foi para a suíte. A criada acabava de arrumar os quartos e Andréa foi se trocar.

Ao sair do hotel, aspirou profundamente o ar frio. Sua dor de cabeça melhorou instantaneamente c, caminhando, sentiu-se bem melhor.

Alugou um par de esquis e tomou o teleférico até o topo do monte Feldberg. Enquanto tomava café no bar, ouviu dois alemães falarem de uma tempestade que se aproximava e ao olhar o céu encoberto não duvidou de que ela fosse acontecer de um momento para outro. Até agora tinham tido sorte com o tempo, mas se a neve começasse a cair a situa­ção poderia se prolongar durante vários dias. Durante dias e dias teria de ficar confinada no hotel, na companhia de Janete e dos demais. Essa perspectiva não lhe parecia nem um pouco atraente.

Apesar dos pensamentos sombrios, divertiu-se imensamente. Esquiar era uma ocupação solitária, um teste de perícia que não podia ser com­partilhado com qualquer pessoa. Já estava escurecendo quando tomou o teleférico. Abaixo, no vale, as luzes começavam a brilhar nas casas. Alguns flocos esparsos de neve começavam a cair; à sua esquerda as árvores que ela e Roy tinham usado como obstáculos convidavam à aventura e, calcando os bastões na neve, ela precipitou-se em direção ao alvo.

A escuridão descera em meio às árvores, mas as pistas que ela e Roy haviam feito ainda eram visíveis. Deslizou por elas, gozando o embalo dos esquis, sentindo quanto era bom poder controlar o movimento de seu corpo. E então, repentinamente, um dos esquis prendeu-se na raiz de uma árvore, impossível de se distinguir na escuridão. Sua perna retor­ceu-se, ela sentiu uma dor insuportável e o esqui partiu-se em dois.

Achou que devia ter perdido a consciência durante alguns minutos, pois quando abriu os olhos parecia estar mais escuro do que antes. As luzes lá embaixo, no vale, já não eram mais pontos esparsos, mas uma massa de luz. A neve agora caía mais pesada. Tomou subitamente cons­ciência da situação desesperadora em que se encontrava e uma onda de pânico apoderou-se dela.

Lutou para não se abandonar à histeria e esforçou-se para levantar-se, arrastando-se com dificuldade para fora do buraco em que caíra. Reprimiu um soluço, enquanto uma dor aguda apoderava-se de sua perna, na altura do joelho. Ao tentar ficar de pé descobriu que a perna não lhe daria o menor apoio.

Agarrando-se ao tronco da árvore que tinha causado sua queda, olhou à sua volta, esperando ver alguém que a socorresse. Não havia ninguém. Se não houvesse nevado tão pesadamente talvez fosse possível encon­trar um ou dois entusiastas, mas do lugar onde se encontrava não via ninguém.

Contemplou as luzes do vale que brilhavam através da cortina de neve que caía. Tinha de chegar até lá, ou morreria. Ninguém sabia que ela tinha ido esquiar. Não sentiriam falta dela até que Janete voltasse e, mesmo então, era possível que sua prima não conseguisse imaginar onde ela estava. Além do mais, no estado em que se encontrava, era possível que permanecesse estirada na sala de estar, esperando que Andréa viesse a seu encontro. Andréa sentia a temperatura baixando cada vez mais. Ela tinha de descer.

A fileira de árvores prolongava-se até o vale. Elas não seguiam a rota observada pelos esquiadores, mas tinham um traçado diagonal. Se con­seguisse apoiar-se de árvore em árvore talvez alcançasse seu objetivo.

A tarefa, entretanto, revelou-se dificílima. O joelho doía terrivelmente e ela agarrava-se às árvores como se fossem salva-vidas, rezando para não perder a sensibilidade das mãos. Deixara os esquis de lado e seus pés doíam.

A descida era terrível, a neve que tombava tornara-se ainda mais espessa e ela mal conseguia distinguir para onde se encaminhava. Então, quando o desespero começava a apoderar-se dela, viu as luzes de um chalé logo abaixo, escondido por algumas árvores. Tomada de excitação, tentou deslocar-se com maior rapidez, e suas luvas, úmidas e escorregadias devido à neve, não conseguiram agarrar-se a mais nada e ela escorregou, rolando colina abaixo, quase perdendo a respiração. Somente a cerca que rodeava o chalé conseguiu deter sua queda e ela permaneceu ali durante alguns minutos, tonta, antes de tentar se movimentar.

Finalmente conseguiu pôr-se novamente de pé e apoiando-se na cerca arrastou-se até o portão. Quando finalmente conseguiu girar a tranca, o portão abriu-se ruidosamente e imediatamente um cachorro começou a latir. Não era um som dos mais amistosos, mas nesse momento a única coisa que lhe importava era uma lareira e uma presença humana.

Alguns degraus conduziam a poria da entrada; galgou-os com suprema dificuldade e bateu. O latido do cachorro tornou-se ainda mais feroz e um terrível pensamento atravessou-lhe a mente. Se o animal estivesse sozinho em casa, o que ela faria? Na certa morreria! Não tinha mais energia para prosseguir.

Quando parecia não lhe restar mais nenhuma esperança ouviu uma voz masculina, falando em alemão e ordenando que o cão silenciasse. Nesse momento a porta se abriu.



  

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