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CAPÍTULO IX



CAPÍTULO IX

 

O comportamento de Malraux naquelas duas semanas vinha sendo desconcertante. Só se dirigia a Glenda através de cumprimentos secos à hora das refeições e no restante do tempo fingia ignorar a presença da esposa no Château Noir.

Não havia cumprido com suas ameaças e isso, longe de acalmá-la, aumentava-lhe a insegurança. Era como se ele estivesse querendo convencê-la de que o relacionamento deles seria igual ao de tantos casais que vivem sob o mesmo teto mas não mantêm nenhum contato físico.

Glenda sentia-se desnorteada a cada manhã que acordava sozinha na imensa cama de quatro colunas, mas não se deixava iludir com essa atitude do marido. Convencera-se de que aquilo não passava de uma brincadeira de gato e rato e assim que ele a julgasse vencida pela espera, daria o bote. Não ia poupá-la!

Como agora conhecia melhor o castelo, fora fácil para Glenda vencer aqueles dias de solidão. Descobria muitas coisas fascinantes e lindas e já se movimentava ali com muita familiaridade. Apesar disso, não considerava aquela casa seu lar.

Entrava nos salões como se fosse uma hóspede, incerta de ser bem recebida, sentava-se nas poltronas macias ao lado das janelas, e sentia-se como uma intrusa que estava ali sem licença e que se fosse descoberta seria posta na rua.

Havia muitos livros para ler, e, graças à educação que Edith lhe dera, Glenda pôde passar longas horas na biblioteca sem se aborrecer, porque não tinha nenhuma dificuldade com o idioma francês.

Ao longo das compridas galerias estavam quadros italianos e holandeses, que ela adorava examinar, e no sótão, sob os telhados pontudos e negros, encontrou brinquedos antigos, roupas fora de moda e todo tipo de quinquilharia que pertenceram algum dia aos membros da família Malraux.

Esperando conhecer alguma coisa da infância de Mall, Glenda examinou velhos álbuns de fotografias, que tinha achado num dos sótãos. Nessas fotos ele era ainda menino e aparecia ao lado de um homem alto e com fartos bigodes pretos, que ela desconfiou ser Duval Malraux, pois o velho possuía o mesmo olhar autoritário que o neto herdara. Glenda ficou desapontada ao descobrir que Mall tinha deixado de posar para fotos depois dos dezesseis anos, mas aquele rosto sério e magro dava uma idéia de como ele era antes do acidente na fundição.

Continuando sua pesquisa, olhou curiosa para uma pilha de discos com títulos românticos e se perguntou quem os teria escolhido. Tentou imaginar Malraux numa pista de danças, descontraído e feliz, com uma garota nos braços.

Tentando esquecer esse pensamento, Glenda sentou no banquinho de couro, o rosto sujo de poeira, e abriu uma velha caixinha de música, que tocou uma valsa de Brahms.

Imaginou, então, a caixinha de brocado tocando sua melodia infantil num berçário e, num gesto rápido, baixou a tampa antes que aqueles sons evocassem imagens que não agüentaria encarar. Não havia um só instante em que não estivesse alerta para os passos inconfundíveis de Malraux, para o tom grave e modulado de sua voz… ela sabia que numa noite qualquer veria aquele homem alto e moreno na porta do quarto. Ele a fitaria com aqueles olhos cinzentos e frios e a tomaria nos braços com mãos fortes e sem amor… E a faria engravidar. Não! Não podia suportar que seu filho nascesse de uma relação tão fria e impessoal.

Afastou a caixinha de música, mas a melodia ainda ecoava em seus ouvidos quando desceu pela escada em caracol, correndo como se quisesse escapar de seus pensamentos. Quando chegava aos últimos degraus, tropeçou e quase caiu, o coração batendo loucamente no peito.

Nesse momento uma sombra a assustou; era Malraux, vestido com culote e botas.

— O que andou fazendo? — perguntou ele. — Está com o rosto sujo… esteve no sótão?

— Sim — disse ela, se apoiando no corrimão de ferro, sentindo as pernas bambas.

— Lá em cima só tem velharias que deviam ir para o lixo. Vou tomar café, quer me fazer companhia?

Glenda caminhou ao lado dele, os sentidos despertos para sua aparência viril, e o perfume suave da loção. Os dedos fortes seguravam o chicote de montaria.

— Não há nada de interessante no sótão. Por que em vez de vasculhá-lo você não vem passear a cavalo comigo?

— Por que você nunca me chamou — respondeu ela, surpresa.

— Você também nunca falou que gostaria de vir. Entraram no petit salon e se acomodaram à mesa. Malraux pegou um sanduíche e o comeu com bastante apetite. Depois pediu a Glenda que servisse o café e, enquanto ela fazia isso, ofereceu-lhe um lenço.

— Limpe o rosto e me conte o que estava fazendo.

— Nada, fui ao sótão para passar o tempo.

— Acho que você está sentindo falta do menino.

Glenda concordou com um movimento de cabeça. Os avós de Robert o tinham levado para Boston, onde ele ficaria até a mãe melhorar. Desta vez Malraux estava resolvido a fazer com que a irmã se tratasse seriamente.

— Jeanne vai sair dohospital na sexta-feira — disse ele.

— Ela vai voltar para o castelo?

— Não; acho melhor eu levá-la direto a Paris. Trazê-la de novo para cá significaria reavivar lembranças que ela não tem condições de suportar. Passarei o fim de semana em Paris. Quer me acompanhar?

Aquele convite era tão inesperado que Glenda não sabia o que responder. Quase disse “sim”. Paris era uma linda cidade… Mas um lugar muito romântico! Seria isso o que ele tinha em mente? Envolvê-la num clima propício para a consumação do casamento?

— Estou esperando sua resposta, ma chérie.

— Não, acho melhor não ir, obrigada — respondeu ela, sem encará-lo.

— Permite que eu pergunte por quê? — A voz dele agora era áspera. — Já viajou tanto que pode se dar ao luxo de ser indiferente à cidade mais sofisticada do mundo?

— Não é isso…

— Então devo presumir que é por minha causa? Não tem vontade de viajar comigo?

— Eu atrapalharia… você vai levar Jeanne para a clínica… e tem que se lembrar de que ela não gosta de mim.

— Jeanne sabe o quanto você foi dedicada a Robert.

— Este é o problema. Ela tem ciúmes de mim com o garoto. Eu… eu acho melhor não ir.

— E se eu insistir?

— Você não… — Glenda o olhou e, pela expressão determinada do rosto dele, concluiu que a obrigaria a viajar, se quisesse. Viu a força atlética daqueles ombros másculos e um brilho perigoso nos olhos cinzentos… Malraux não a amava, portanto seria capaz de qualquer coisa… nunca se deteria para não feri-la.

— Pois eu a aconselho a não apostar nisso. Ele se levantou, deu a volta na mesa e se colocou ao lado dela. Segurando-lhe o ombro, disse: — Você não se recusaria a ir a Paris se Simon a convidasse. Não quer ir é comigo. Esta é a verdade.

Foi o orgulho, mais do que a coragem, que a fez responder:

— Realmente. Não quero ir com você.

— Então vá para o inferno! — ele a soltou, deu meia-volta e saiu da sala.

Glenda permaneceu imóvel, e ainda por muito tempo seu coração bateu acelerado. Estava cansada daquela batalha sem trégua. Não podia mais suportar a idéia de continuar sob o mesmo teto convivendo com um inimigo… Por outro lado, até quando resistiria a ele? Não seria melhor procurá-lo e tomar a iniciativa, entregar-se a ele e restabelecer a paz que os dois ansiavam?

Glenda encolheu as pernas e as abraçou. Naquela posição parecia uma criança indefesa e sozinha. Percebera pela expressão angustiada de Malraux que ele atribuíra a recusa à repulsa que julgava que as cicatrizes causavam, como se ela não quisesse ser vista ao seu lado em público. Ah, como faria para convencê-lo de que as razões eram bem outras? Paris era uma cidade para amantes… tudo lá lembrava cenários de filmes de amor. Seria um crime visitá-la sem a companhia de alguém por quem não se estivesse apaixonado!

Ah, Paris na primavera, seus cafés com mesinhas sob as árvores, casais românticos de mãos dadas, vinho…

De repente, Glenda desatou num choro convulsivo. Oh, quantos erros havia cometido! Quantos sonhos desfeitos! Apanhou o lenço que o marido lhe dera e enxugou o rosto, sentindo o perfume suave da colônia que ele usava… Estava angustiada, um sentimento de culpa apertando-lhe o peito. O que estava acontecendo com ela?

Por que sempre buscava atribuir segundas intenções a todos os gestos de Malraux? Ele não estaria apenas sendo amável ao convidá-la para aquela viagem?

Levantou-se num impulso e decidiu procurá-lo para esclarecer os reais motivos de sua recusa em acompanhá-lo.

Alguns minutos mais tarde encontrou-o na forja atrás dos estábulos.

Malraux estava nu da cintura para cima, o rosto brilhante pelo reflexo das chamas, e assim que a viu, dirigiu-lhe um olhar amedrontador. Glenda quase recuou em seus propósitos ao ouvir as palavras duras que ele falou:

— Vá meter o nariz em outro lugar. Você já me aborreceu demais hoje.

— Malraux…

— O que é, doçura? Teve um ataque de afeição por mim?

— Por que você tem que ser sempre… sarcástico?

— Não venha dizer que gostaria que eu fosse diferente… queria que eu a perdoasse e me tornasse terno, talvez?

— Eu… eu pensei que você podia me desculpar…

— Será que estou escutando direito? — disse ele, pondo a mão em concha no ouvido. — Você está realmente reconhecendo sua culpa por alguma coisa que fez?

Ela enrubesceu.

— Eu gostaria de ir a Paris… Não quero que você pense que minha decisão tem algo a ver com as suas cicatrizes.

— Mas quanto magnanimidade, chérie! Estou até emocionado por você disfarçar o asco, mas não gostaria que fizesse tanto sacrifício por mim. Por isso não vou levá-la comigo.

— Você está dizendo que não me quer…

Ela não pôde continuar. Sentia-se sufocada por uma onda de humilhação que a invadia… Idiota! Mil vezes idiota é o que ela era! Devia ter adivinhado que Malraux lhe atiraria no rosto a oferta de paz.

— Como se sente sendo rejeitada? — perguntou ele, tranqüilo.

— Você… você devia saber! — revidou ela.

Virou-se para fugir, mas com uma agilidade felina ele a alcançou antes que pudesse dar dois passos. Depois fez com que ela se voltasse e a ergueu no ar. Estupefata, Glenda percebeu que estava sendo jogada nos ombros fortes e carregada como se fosse um saco de batatas.

Calado, ele caminhou entre as árvores, passou pelo pátio e subiu a escada da Tour Etoile. Glenda, grudada à carne nua de Malraux, sabia que ele estava irritadíssimo. A brecha que tentara diminuir tinha aumentado assustadoramente, e agora estava morrendo de ódio dele. Chegando ao quarto, ele a atirou sobre a cama que ainda não tinham partilhado.

Agora ele decidira. Glenda tinha consciência disso, mas nada podia fazer contra a força e a explosão daquele temperamento forte. Encolheu-se assustada enquanto o marido arrancava-lhe as roupas com violência e logo viu-se sob o peso do corpo que tanto a desejava. Tentou lutar, suplicou, gritou… tudo em vão.

— Você estava pedindo por isso — disse ele entre dentes — desde que entrou neste castelo, mas saiba, madame, que não precisaria ser desta maneira.

— Não… — Glenda ainda tentou protestar mas foi sufocada pelo corpo do marido que procurava o seu com ânsia incontida, sem se importar se a estava ferindo. A única saída que se apresentava agora era permanecer fria e inerte, e fazer com que ele se sentisse um violentador. Mas como conseguir forças para isso e fingir indiferença àquele homem ardente?

De repente, ela sentiu uma dor violenta e perdeu o controle. Num gesto instintivo, enterrou os dentes nos ombros dele, arrancando sangue.

Dieu! — Ele gemeu, enquanto mergulhava o rosto nos cabelos ruivos da esposa e a paixão explodia total, incontrolável.

O sol acabava de se pôr, emprestando ao horizonte um tom avermelhado. A noite caía suave. O quarto estava silencioso e na penumbra.

Malraux se movimentou na cama e seu braço pesado e forte soltou Glenda. Apoiando-se no cotovelo, ele ficou olhando os lábios dela agora fechados, mas intumescidos pelos beijos trocados.

— Não vou pedir desculpas — disse ele, numa voz velada.

— Como se eu esperasse…

Glenda estava surpresa pela obscuridade do quarto que denunciava o avançado da hora. Tudo acontecera diferente do que havia pensado. Imaginara que Malraux ia possuí-la com ódio e luxúria e que isso despertaria nela uma repulsa incontrolável. Em vez disso, observava agora aquele homem moreno de dentes muito brancos brilhando na meia-luz, sentia-lhe o hálito quente no rosto e não tinha a menor aversão pelo corpo macio, quente e suado que estava colado ao seu.

— Suas mentiras foram desmascaradas, não? — sussurrou ele.

Glenda sabia a que Malraux se referia. Experiente como ele era não tinha sido difícil deduzir que Simon nunca a possuíra.

Ele atirou as cobertas para o lado e saiu da cama. Esticou os braços e depois olhou o relógio.

— Puxa! Você tem idéia de que horas são? Vamos jantar que já estou faminto!

Como não houve resposta, Malraux inclinou-se para ela com uma expressão preocupada no rosto.

— Você está bem, menina?

— Não sou mais menina, Mall.

— Você me provocou e sabe disso.

— Agora eu sei.

— Desta vez, dei-lhe motivos para um divórcio e não tenho defesa.

— Divórcio?!

— Um marido não pode forçar a esposa a ter relações com ele.

Glenda escutou a porta se fechar assim que ele saiu e suas últimas palavras ficaram lhe martelando a mente.

Como tinha sido planejado, Malraux e Jeanne partiram para Paris na sexta-feira. Glenda não compreendia a atitude do marido que não tornou a convidá-la para o acompanhar, nem fez qualquer tentativa de aproximação. Ao contrário, ele fechou-se em si mesmo, agia como se nada tivesse acontecido, o que aumentou ainda mais a insegurança dela. Afinal, era completamente inexperiente com os homens.

Não conseguia tirar da cabeça as sensações que Malraux despertara naquela tarde. Todo seu mundo parecera desabar e ficara desnorteada ao perceber como os homens encaravam o sexo como coisa trivial, como pareciam estar imunes às emoções que nasciam daquele ato.

Durante a adolescência, na companhia de Edith, se habituara a enxergar o relacionamento íntimo de um casal como algo natural e que tinha por propósito apenas gerar filhos.

Mas agora, recordando os gemidos de prazer que Malraux conseguira arrancar dela, sentia as faces queimando e todos os conceitos que alimentara caíram por terra. Era impossível libertar-se do toque das mãos dele em sua carne, desfazendo todas as suas reservas, tornando-a mulher.

Como ele passaria aqueles dias em Paris, depois que a irmã já estivesse internada? Malraux conhecia bem a cidade romântica e boêmia e na certa tivera casos com várias mulheres ali. E se ele decidisse reviver alguma daquelas antigas paixões? Não seria nada difícil para um homem requintado encontrar lindas mulheres que, envolvidas pelo clima, depois de um jantar sofisticado à luz de velas, não oporiam a menor resistência em ir para a cama.

Glenda o imaginava ao lado de uma beldade elegantíssima, vestindo uma roupa desenhada por um famoso costureiro, perfumada com essências finíssimas, os cabelos na última moda emoldurando um rosto misterioso. A moça levantaria a cabeça para Malraux, que cobriria com beijos apaixonados a boca úmida que lhe era oferecida. Isto aconteceria numa romântica sacada de estilo belle-époque, e em seguida ele a levantaria nos braços fortes sem a menor dificuldade, carregando-a para um quarto em penumbra onde a despiria sem se deparar com qualquer protesto.

Será que ele beijaria o corpo da jovem como fizera com o de Glenda?

Sim. Sua língua quente passearia por todas as curvas da outra e ela murmuraria o nome dele com paixão, e, sorrindo, ambos se entregariam a um êxtase…

Agora, dominada por essas fantasias, Glenda só desejava ficar sozinha. Assim, quando Renée a convidou para ir a uma festa naquele sábado, arranjou uma desculpa qualquer para recusar o oferecimento.

— Mas vai ser muito divertida — insistiu Renée. — Se Mall está em Paris não há razão para que você não saia um pouco.

— Por que ele não levou você? — perguntou Rachel, abaixando o jornal que estava lendo e olhando curiosa para Glenda.

— Jeanne ainda não me aceita como cunhada e por isso achei melhor não ir — ela respondeu, evasiva.

— Oh, Jeanne está meio maluca — disse Renée, enquanto espalhava geléia de damasco numa torrada. — Ela não teria que se internar para tratamento se estivesse normal.

— Não é nada disso — reagiu Rachel. — Ela fez uma coisa que não é sensata: amar perdidamente um homem. Se uma pessoa fica dependendo da outra a este ponto e depois a perde, não lhe sobra razão para viver.

— Mas Jeanne tem Robert — exclamou Renée, olhando espantada para a irmã. — Você vive dizendo que eu sou muito romântica e agora está falando como uma colegial sonhadora. O que a fez ficar assim, cara irmã?

— Realmente o amor não é só romantismo. Às vezes ele maltrata, é muito terra-a-terra para ser parecido com o que se lê nas revistas. Amor é paixão do corpo e do espírito. Você bem viu como destruiu Jeanne quando Gilles morreu.

— Se fosse assim como você diz eu não gostaria de amar. Não acredito que estar apaixonada só pode trazer tristeza e melancolia. E mais, acho que você é muito pessimista. Concorda comigo, Glenda?

Rachel olhou para Glenda por cima da mesa. As três estavam tomando o café da manhã na varanda, sob um céu nublado. De vez em quando o sol surgia entre as nuvens.

— Tenho a impressão de que Glenda concorda bem mais comigo, Renée. Ela sabe o que estou dizendo.

— Sei? — Glenda perguntou.

— Deve saber — disse Rachel, sorrindo com malícia. — Você está completamente apaixonada, não?

Glenda afastou a cadeira, abruptamente.

— Preciso escrever uma carta, me desculpem…

— Então não vai à festa? Gostaria muito de apresentá-la ao meu chefe.

— Do jeito que o tempo está feio, desconfio que vai chover, e geralmente a chuva estraga este tipo de festa. Todos acabam se amontoando na barraca das bebidas e o ambiente fica insuportável.

— Sua estraga-prazeres! — reclamou Renée.

— Ela está triste — caçoou Rachel. — Quando a pessoa que a gente ama está em Paris, dá nisso… Quem sabe onde ele vai e com quem está se encontrando? Eu não deixaria meu marido solto naquela cidade.

— E quando pretende arranjar um marido? Você nasceu para cuidar de negócios e os homens não gostam disso.

— Talvez. Mas prefiro ter uma carreira de primeira classe do que um homem de segunda… — Rachel virou-se para Glenda: — Pena que você seja tão boazinha. Eu me sentiria culpada se tentasse tirar Malraux de você.

Glenda olhou para a outra, irritada.

— Puxa, isto é que é ser direta.

— Ele é tão excitante na cama quanto eu imagino?

— Rachel! — exclamou Renée verdadeiramente chocada. — Como pode perguntar uma coisa destas?

— Inveja, cara irmã. Em todo caso isto prova a Glenda que eu nunca dormi com Mall, não prova?

— Isso nem me passou pela cabeça — respondeu Glenda, recuperando o sangue-frio.

— Por que não?

— Instinto.

— Por minha causa?

— Não. Por causa dele.

Glenda saiu rapidamente da varanda, trêmula de emoção. Não estava zangada com Rachel, mas a moça ousara pôr em palavras coisas que ela não queria reconhecer. Além da verdade, que procurava nem pensar.

Podia estar loucamente apaixonada… mas não por Malraux!

Ela foi se refugiar num caramanchão escondido, e levou consigo os papéis de carta. O lugar estava decorado com pesados bancos de madeira rústica e no centro havia uma mesinha redonda e cadeiras de junco. Foi aí que sentou-se e abriu a pasta. Tirou envelopes e um maço de papéis, pensando nas palavras que escreveria contando a Simon que breve poderia estar livre, que Malraux assentira em conceder o divórcio e não a impediria de abandonar o castelo. Mas não conseguiu concentrar-se. Começava a escrever e logo sua atenção era desviada para as árvores que balançavam os galhos suavemente.

Depois de tentativas inúteis de iniciar a carta, atirou irritada a caneta para o chão. Quando deu por si estava fora do caramanchão, o rosto encostado à trepadeira de goivos, cujo perfume tão forte lhe subia à cabeça. Nesse momento, enormes pingos de chuva começaram a cair.

Por que se apaixonara por Mall justo agora que ele estava querendo o divórcio? Não havia mais nenhuma esperança de serem felizes juntos. Ele não a amava e tinha deixado isto claro através da indiferença que lhe dedicava. Por que continuar negando que poucas horas nos braços dele tinham sido o paraíso na terra? Naquela tarde em seu coração só havia Malraux, assim como em seus braços só havia lugar para ele. Seus beijos fizeram desaparecer os sonhos de menina, substituindo-os por desejos de mulher. As carícias que lhe fizera tinham despertado nela um prazer que nunca sonhara, e Glenda sentia que pertencia ao marido nesse instante, no meio da chuva, mesmo que ele estivesse em Paris… talvez com outra mulher.

Ela estremeceu ao pensar nisso e, percebendo como estava molhada, voltou ao caramanchão. Sentou-se olhando a chuva cair, aspirando o perfume dos goivos, enquanto cenas do dia do casamento lhe voltavam à memória. Sabia, agora, que tinha sido inevitável que se apaixonasse por aquele homem alto e prepotente, com o rosto marcado por cicatrizes. O feitiço acontecera naquela igreja antiga, com vitrais coloridos… pois o amor é uma espécie de feitiço.

Mas nesse sentimento existiam tonalidades diversas que, misturadas, formavam um todo maravilhoso. Algumas vezes, ele aquece a vida com ternura e companheirismo, outras, dilacera o coração de tanto sofrimento.

Este último caso era onde ela se enquadrava naquele instante. Sofria! Doía-lhe saber que Malraux partira, acreditando que ela não o queria, que o detestava, quando na verdade nunca desejou tanto alguém. Como o faria compreender que não podia viver mais sem seus beijos?

Seria tarde demais para fazer com que ele também a quisesse e a amasse com todo o calor e energia daquele corpo forte?

Glenda se recostou na cadeira de junco, fechou os olhos e escutou a chuva cair sobre as folhas. Os passarinhos faziam uma algazarra em seus abrigos, e o perfume das flores estava ainda mais inebriante. Ela mal dormira naquela noite e se pudesse cochilar um pouco ali no sossego do caramanchão se sentiria reanimada.

Glenda estava cochilando quando um vulto entrou e ficou olhando. Sentiu que Mall estava ali, mas não ousava se mexer, com medo de acordar do que acreditava ser um sonho.

— Glenda, está dormindo?

Ela piscou e arregalou os olhos, mas ele continuava ali, muito alto contra as nuvens cinzentas, ainda com o terno bege com que viajara para Paris.

— Não. Eu estava só cochilando.

— Eu me senti tentado a acordá-la com um beijo, mas isto poderia ser a última coisa que você quisesse.

— Não… Isto é… sim, oh, sim, por favor me beije!

Sem esforço Mall a levantou nos braços e a segurou junto de si. A boca dele, ávida, procurou a sua num beijo apaixonado, enquanto seus corações batiam violentamente.

— Não consegui ficar longe de você — ele murmurou, passando a mão pelos cabelos avermelhados de Glenda. — Internei Jeanne no hospital e comprei uma passagem no primeiro avião, para voltar… Tudo que eu conseguia pensar, chérie, era em você, em amá-la mais uma vez. Como a desejo! Estou ficando louco! Mon amour, ma bien aimée… Je t’aime, je t'adore.

— Oh, Mall, será que está mesmo acontecendo? Me belisque, ou não vou acreditar!

— Quero fazer uma porção de coisas, meu amor, mas beliscar não é uma delas. — Seus lábios a beijaram com ternura. Depois ele a fitou nos olhos. — Graças a Deus você é a mulher de olhos cor de âmbar. A outra não era para mim, mas você é. Diga ainda, feiticeirinha, não pode me amar porque imagina estar apaixonada por aquele soldadinho?

— Simon é muito mais bonzinho do que você mas… mas você, Malraux, é o meu marido.

— Você fala como se realmente sentisse isso — disse ele, aconchegando no peito forte, como se temesse perdê-la.

— Claro que sinto!

Glenda encostou os dedos carinhosamente no rosto marcado e o beijou com ternura. Afastou-se um pouco e, fitando-o com paixão, confessou:

— Quando você foi a Paris e me deixou sozinha tive vontade de morrer!

— Nunca mais irei a parte alguma sem você — prometeu ele. — Tive receio de que me odiasse pelo que aconteceu naquela tarde, mas depois que comecei não pude mais parar. Você é a mulher que mais desejei em minha vida, fico alucinado quando a vejo.

— Eu sempre pressenti que você tinha algo de diabólico, querido, mas tem algo de anjo também — ela olhou para o rosto moreno e marcado. — Você me perdoou, Mall?

— Inteiramente, ma chérie. Eu a perdoei quando você estava em meus braços, tão doce, tão ardente, tão apaixonada.

— Eu, apaixonada? — ela perguntou. — Você é um homem tão sensacional, Malraux, que eu não podia agüentar a idéia de que ficasse decepcionado comigo.

Ele sorriu daquela maneira encantadora que fazia o sangue dela correr mais depressa nas veias.

— Que dia, hoje! Vamos para a torre, para ficar bem juntinhos e nos amarmos?

— Eu adoraria! — ela confessou, apaixonadamente.

Segurando-a nos braços, com um carinho que ela antes não suspeitara nele, Malraux d'Ath levou a esposa para casa… ou melhor, a feiticeira de cabelos de fogo para seu castelo.

 

 

 


[1] Salão, nos teatros, onde os espectadores aguardam o início da sessão, e podem ficar nos intervalos.

[2] Representação plástica da imagem de uma pessoa real ou simbólica (especialmente a que é executada em baixo-relevo ou graficamente)



  

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