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CAPÍTULO III



CAPÍTULO III

Glenda ainda estava ali de pé quando uma moça vestida com um uniforme bege saiu do banheiro, de onde vinha o barulho da água enchendo a banheira.

— Já desfiz suas malas, madame — disse a criada sorrindo tímida, e sem conseguir esconder a curiosidade que sentia. — Que vestido e roupas de baixo deseja que eu tire?

Aquela moça havia aparecido no quarto tão de surpresa que Glenda ficou intrigada.

— Existe… existe alguma outra entrada para essa torre? — perguntou esperançosa.

— Na parte de trás, madame.

— Obrigada.

Era ótimo saber que havia uma saída secreta caso tivesse coragem para tomar a decisão acertada. Por que tinha que ficar ali com um homem que não amava e em quem não podia sequer confiar? Oh, como fora tola em aceitar aquele casamento, que não representava nada mais que uma sentença de prisão perpétua!

— Qual é seu nome? — perguntou à empregada.

— Fleur, madame.

A moça a observava com perplexidade. Era evidente que esperava encontrar uma noiva risonha e ansiosa para escolher a roupa que encantaria o marido.

— É um belo nome, Fleur — olhou à sua volta, até que viu uma porta fechada. — Aonde dá aquela porta?

— No quarto de monsieur — respondeu a criada, o rosto ligeiramente corado, o olhar fixo na imensa cama de quatro colunas, sobre a qual pusera a camisola e o pijama para o casal. — Pensei que gostaria que a ajudasse…

Não é necessário. Estou com dor de cabeça e prefiro ficar sozinha por alguns minutos. Eu mesma escolherei o vestido. Não preciso de você agora, pode ir.

— Não quer que lhe traga um comprimido?

— Eu tenho aqui. Descansarei alguns minutos antes de tomar um banho e logo estarei boa. Sinto-me um pouco aturdida porque passei o dia cercada de gente. Compreende?

Fleur fez que sim, mas na realidade não estava entendendo nada. Jovem como era, tinha a cabeça cheia de idéias românticas sobre a noite de núpcias e nada no comportamento da noiva condizia com suas expectativas. Com muita relutância saiu do quarto por uma porta estreita que ficava ao lado do banheiro.

Assim que se viu sozinha, Glenda sentou-se num banco e escondeu o rosto entre as mãos. Estava trêmula, mas procurou se armar de coragem e decidir: ficar ali, e tentar enfrentar uma situação em que tinha se metido em parte por sua culpa, ou fugir pela saída que a criada utilizara, e tentar encontrar uma acomodação para passar a noite?

Teria que ser uma hospedaria na cidadezinha pela qual haviam passado ao virem para o castelo. Sentia menos medo de andar sozinha pelos campos escuros do que de permanecer naquela torre, como um animal preso numa armadilha.

Ficou de pé, respirou fundo algumas vezes e depois abriu a porta por onde Fleur havia desaparecido. Dava para uma escada em caracol, iluminada por uma arandela presa à parede. Desceu correndo os degraus até chegar a uma pesada porta de madeira, com uma tranca de ferro.

Abriu-a sem dificuldade e deu um passo para a escuridão da noite… mas sentiu-se repentinamente presa entre braços de ferro.

— Sabia que tentaria fugir, menina.

Malraux a agarrou com força, obrigando-a a se virar para ele. Seu coração saltou agitado e ela soltou um grito. Não lhe ocorrera que ele pudesse adivinhar suas intenções, e nunca levara um susto tão grande.

— Maldito! — exclamou.

— Sem dúvida!

Seus dedos se enterravam com violência na cintura fina, e logo Glenda compreendeu a inutilidade de lutar contra ele.

— Tire as mãos de cima de mim… Você é insuportável!

— E você é uma idiota.

Então, como se não lhe importasse que ela pudesse se machucar, inclinou-a para trás com brutalidade e silenciou sua boca com a dele. Seus lábios eram duros e ardentes.

Louco de raiva, beijou-a até deixá-la sem fôlego. E mesmo depois de levantar a cabeça ainda a manteve com o corpo colado ao dele.

— Por favor, não vá ter um ataque do coração — zombou.

— Oh, se eu soubesse…

— O que, minha cara?

— Que você era tão grosseiro!

— Porque não permiti que fugisse de mim? O tempo para isso acabou no momento em que fez seu juramento na igreja. Eu teria aceitado uma recusa sem problemas. Mas você ficou tranqüila e não disse nada quando o padre perguntou se havia algum impedimento para nos unir. Vi seus olhos através do véu e eles me deram a impressão de serem os de uma raposa presa numa armadilha. Mesmo assim você continuou respondendo “sim” a tudo. Quando peguei sua mão para pôr a aliança, parecia um bloco de gelo. Então compreendi por que você ocultava o rosto… Para que eu não ficasse chocado com a sua palidez. Na época em que ficamos noivos, você ainda era romântica, e foi capaz de sussurrar ao ouvido do meu avô que “eu parecia um príncipe. Ele achou muito engraçado e mais tarde me contou: “A menina está encantada com você, meu rapaz. É bom que não a decepcione”.

Ficou em silêncio por alguns instantes e depois completou:

— Sinto muito que tenha ficado desapontada comigo, ma chérie. Mas eu poderia lhe dizer que a recíproca é verdadeira. Você não tem nada da ardente garotinha de que me lembro!

Presa no anel de ferro de seus braços, Glenda pensou em esclarecer tudo naquele mesmo momento. Porém, a verdade só serviria para macular a memória de Edith Hartwell, mostrando-a como alguém que tinha trapaceado para arrancar dinheiro da família Malraux. Glenda não podia fazer uma coisa daquelas e preferiu engolir as palavras que poderiam levar Malraux a entender sua atitude. Era melhor que aquele homem continuasse pensando que ela não agüentava olhá-lo quando na realidade o que a apavorava era ter um estranho por marido.

Na verdade, não podia culpar Edith por essa situação. Aquela mulher adorável e impulsiva havia acolhido a órfã e lhe dado seu amor. Nada Poderia diminuir o carinho que Glenda lhe dedicava, nem apagar a lembrança da primeira vez em que a vira.

— Oh, mas que perninhas mais finas! — Edith tinha dito. — Precisa engordar um pouco, minha queridinha.

Depois arrastou a garota para um lindo restaurante e a enchera de sorvete de chocolate e bombons. Edith não comia muito, mas adorava champanhe, e ficou bebericando sua Bollinger, parecendo aos olhos da pobre menina uma verdadeira fada-madrinha.

Glenda nunca poderia trair aquela mulher que fora tão boa para ela… E manteve a boca fechada, suportando em silêncio a zombaria e a cólera de Malraux.

— Para o inferno, se acha meu rosto desagradável! Você é tão vazia como as outras mulheres…

Os olhos cor de âmbar brilhavam no rosto claro e delicado, vendo ao longe os pesados portões, agora fechados por causa da noite.

— De nada adianta contemplar os portões. Não vai poder escapar de mim. Todas as terras aqui em volta me pertencem. Agora voltemos ao nosso apartamento, e desta vez fará como mandei.

Virando-a de costas, empurrou-a para cima pela escada sinuosa e estreita até chegarem ao quarto de casal. Ela nem ousava pensar nas intenções dele, quando inesperadamente viu-se jogada na cama, forrada com a luxuosa colcha de rendas, e sobre a qual ainda estavam as roupas de dormir de ambos.

— Não quero ser aborrecido outra vez esta noite. Vá tomar seu banho e depois vista algo compatível com uma ceia de casamento. Está me ouvindo?

— Teria que ser surda para não escutar.

— A empregada já desfez suas malas?

Ele percorreu com o olhar o quarto bem mobiliado. Havia uma escrivaninha e uma penteadeira de madeira, enfeitada com madrepérola, e várias poltronas estofadas com cetins pesados e macios, o mesmo das cortinas. A um canto, dois imensos armários com frontões ricamente entalhados.

Malraux abriu os armários e encontrou num deles as roupas de Glenda penduradas. Examinou os vestidos e acabou escolhendo um, de cetim cor de pérola, com uma longa saia.

Atirou-o na cama, ordenando:

— Use esse. E trate de se apressar ou comeremos a ceia na hora do café da manhã.

Depois de olhar de passagem para a esposa, caminhou para a porta que separava os dois quartos, e antes de abri-la se voltou:

— Tenho aqui meu próprio toalete, portanto pode ficar à vontade. Provavelmente não faria bem aos seus nervos se eu sugerisse partilharmos o mesmo banheiro… pelo menos até nos conhecermos melhor.

Logo a porta se fechou com um clique, e Glenda ficou ali parada como se aquela figura morena e arrogante a tivesse cegado. Parecia que não havia jeito de escapar da armadilha em que se achava presa. Os portões agora estavam trancados e sabia que não conseguiria abri-los. Além disso, suspeitava que se os abrisse acionaria um sistema de alarme contra ladrões e não andaria cem metros sem que viessem em seu encalço. Era evidente, somente pelo que já vira ali na torre, que naquele castelo devia haver muita coisa que valia a pena ser roubada.

Descalçou os sapatos e sentiu a espessura agradável do tapete, enquanto caminhava até a escrivaninha, onde havia uma Colombina e um Arlequim de porcelana. Pelos detalhes e colorido tão perfeitos provavelmente eram porcelana de Dresden. Com muito cuidado, examinou a base da estatueta da Colombina. Fora Edith quem a ensinara a apreciar objetos artísticos, assim como a boa música, teatro, e a decifrar textos difíceis, como os de Henry James. Com um leve sorriso, Glenda recordou o quanto protestara quando fora obrigada a ler e interpretar seus escritos.

— Nada que é facilmente compreensível vale a pena realmente — Edith costumava dizer. — E pense só quantas palavras novas conhecerá depois que acabar de ler as obras dele!

Nos dez anos em que tinha convivido com Edith raramente se recusou a fazer alguma coisa que lhe pedisse. No entanto, enquanto examinava o Arlequim, pensava se não teria tido a coragem de se opor ao casamento com Malraux se ela ainda vivesse.

De repente, o relógio de pêndulo em cima da escrivaninha começou a bater e ela viu, assustada, que já eram oito horas e ainda não estava pronta para o jantar.

Correu para o banheiro, tirou a roupa e mergulhou na água morna. Tomou um banho rápido, e se enxugou, usando talco para secar a umidade. Não estava com medo de Malraux, mas não queria que ele entrasse no quarto enquanto não tivesse vestido a roupa de baixo.

Mas foi o que aconteceu! Estava procurando uma calcinha e combinação na gaveta, quando ele entrou porta adentro, magnífico em seu smoking negro.

Je suis enchanté! — disse Malraux, quando ela se voltou com a combinação de seda na mão.

— Eu… eu ainda não estou vestida.

— Estou vendo, chérie — seus olhos a examinaram da cabeça aos pés. — Escolhi um momento afortunado, não?

— Por favor… espere lá fora. Eu… eu não vou me demorar muito…

— Não estou assim tão certo de querer vê-la toda coberta.

Com passos largos aproximou-se dela e foi inútil recuar, pois logo a alcançou.

— Não faça isso, Malraux!

Indiferente aos seus protestos, ele a agarrou pelos ombros ao mesmo tempo em que puxava a combinação que Glenda ainda segurava para atirá-la no tapete. Apertou contra si aquele corpo jovem e deslizou uma das mãos lentamente pelas costas dela chegando até os quadris.

Dieu, que pele macia! Parece um bebê, e de certo modo você é tão inocente quanto um recém-nascido, não é? Venha, vamos fazer com que aconteça logo o que tem que acontecer…

— Não!

Como uma louca, tentou se desvencilhar dele, lutando, dando pontapés, mas Malraux simplesmente sorria daqueles inúteis esforços para escapar de seus braços.

— Sim, ma chérie, não haverá momento mais apropriado, você tem que admitir.

Olhando-o furiosa, descobriu que ele parecia achar aquilo tudo muito engraçado. Será que estava brincando com ela…?

— Você é muito infantil, Glenda!

— Eu? Como assim?

— Os homens têm apetites diversos, mignone. No momento o meu é para uma boa refeição e vários copos de vinho, por mais sedutora que você seja.

— Se pretende jantar, então tenho que me vestir…

— Precisa se vestir?

— Claro!

Ele riu, mais para si mesmo.

— Detesto lidar com donzelas ofendidas mas prefiro você assim com esse seu ar virginal.

— Os homens têm uma maneira muito injusta de encarar as mulheres. Por um lado, procuram seduzir todas as que encontram pelo caminho e ao mesmo tempo querem casar-se com uma que ainda não foi seduzida.

— Um homem espera discrição de sua noiva, ma belle. Agora será que posso assistir você se vestir?

— Não. Não pode!

— Então pretende ficar nua?

— Pare com isso e vá embora enquanto me visto.

— Quero ficar e olhar para você.

— Não…

— Sou seu marido e tenho os meus direitos.

— Está fazendo o máximo para… para me embaraçar.

— Você tem que ficar mais à vontade na minha presença.

Beijou-lhe os ombros delicados, e depois a soltou. Foi até uma das poltronas e se deixou cair sentado. Espichando as longas pernas à sua frente.

— É a primeira vez que tenho uma esposa e quero vê-la enquanto se veste. Comece logo, ou ficaremos aqui a noite toda.

— Como você é impertinente!

Agarrou a combinação, sentindo que a pele se tornava rosada com o sangue que circulava mais depressa, sob o olhar devorador do marido. Teve que passar por ele para apanhar a calcinha na gaveta, e depois foi o sofrimento de entrar dentro dela sem perder o equilíbrio.

— Está me fazendo sentir como se eu fosse uma qualquer! Começo a desconfiar que você é um sádico.

— Tolice. Uma mulher fica encantadora quando se veste, bem ao contrário do homem.

— Espero não ser obrigada a assistir a isso!

Pegou o vestido cor de pérola que estava sobre a cama e vestiu-o pela cabeça. Escutou a risada de Malraux às suas costas e logo após sentiu-o fechar o zíper.

Ele a fez voltar-se e sua expressão mostrava admiração.

— Sua mãe lhe ensinou a ter muito bom gosto.

— Ela fez o possível — respondeu Glenda, que percebia o brilho intenso que se filtrava dos olhos semicerrados do marido. — Agora Preciso calçar os sapatos.

— Estou atrapalhando? Não… claro que não.

Foi até o armário e pegou as sandálias de cetim. Nervosa, deixou cair uma delas. Malraux apressou-se em apanhar.

— Venha, Cinderela, sente-se enquanto seu príncipe mais ou menos encantado vai ajudá-la a se calçar.

Aos poucos ela estava aprendendo que não adiantava rebelar-se, e sentou-se no banquinho da penteadeira, observando a cabeça de cabelos negros inclinada a seus pés. De repente, ele ergueu a cabeça, e Glenda não teve tempo de disfarçar o olhar de repulsa quando a luz da mesinha bateu no rosto deformado. A expressão dele adquiriu uma frieza indisfarçável.

— Talvez eu devesse usar máscara de cetim negro, não?

Havia tanta angústia naquelas palavras que ela desejou ter coragem para acariciar as marcas terríveis e assim aliviar o sofrimento que ele devia sentir cada vez que um estranho o olhava e, da mesma maneira que ela, deixava transparecer a repulsa instintiva que aquele rosto transfigurado provocava.

— Deve ter sido um pesadelo estar no meio de um incêndio. Você deve sonhar muitas vezes com isso, não é?

— Algumas — disse ele, seco, e se levantou. Depois olhou-se no espelho e deu as costas para ela. — Sinto muito, Glenda, que tenha um monstro como marido.

— Malraux…

Mas antes mesmo que acabasse de pronunciar seu nome a porta já tinha se fechado atrás dele. Glenda se virou lentamente para o espelho. Sempre fora sensível ao sofrimento dos outros e, se ela e Malraux d'Ath fossem apenas amigos, acharia mais fácil mostrar a compaixão que sentia.

Passou a mão pelo próprio rosto e tentou imaginar como seria tê-lo cheio de cicatrizes de queimaduras… Talvez fosse possível que uma longa série de cirurgias diminuísse os danos, mas a remoção de cicatrizes podia também causar outras, e Glenda duvidava que Malraux tivesse a paciência e a vaidade necessárias para enfrentar essas operações. Na verdade já a prevenira de que devia se acostumar a vê-lo daquele jeito pelo resto da vida, porque tinha coisas mais importantes para fazer do que satisfazer os desejos de uma mulher frágil, por quem não sentia a menor afeição.

Glenda suspirou profundamente e escovou os cabelos, cortados na moda, realçando o rosto oval. Não costumava usar muita pintura e levou poucos minutos para passar um blush nas faces e o batom rosado na boca carnuda. Seu lábio inferior era mais cheio e levemente marcado no centro.

Olhando-se no espelho, sorriu ao se lembrar do comentário de Simon Brake a respeito:

— Costumam chamar este tipo de boca de “lábios-mordidos-pela-abelha”.

Ele falou aquilo brincando, no dia em que acompanhara ela e Edith a uma peça musical. Glenda tinha, então, dezessete anos e assim que o conhecera tinha ficado fascinada. O filho de sir Arthur Brake atraía os olhares das mulheres quando os três foram até o foyer[1], mas parecia indiferente, só se interessando por ela e Edith. Depois do teatro lhe presenteara com uma caixa de bombons finos, e escrevera no programa que o ator Yul Brynner era maravilhoso. Ela concordava, mas achava Simon muito mais atraente.

O que ele estaria fazendo em Chelsea, naquele instante? Glenda levantou-se do banquinho e alisou a saia. O vestido tinha um decote generoso, o que fazia com que seu colo parecesse muito nu. Depois de alguns segundos de hesitação, colocou no pescoço a corrente de ouro com a cruz que tinha usado naquela manhã.

A efígie[2] brilhava contra a pele clara, e ela pensou na crença de que a cruz afugentava os demônios da noite.

Uma rajada de vento frio, vinda, talvez, de alguma janela aberta, a trouxe à realidade. Levantando um pouco a saia, correu escada abaixo até a sala de estar. Encontrou a mesa posta para dois, com candelabros acesos e a comida esperando num aparador, coberta com tampas de prata.

A saleta estava aquecida e agradável. Glenda fechou a porta atrás de si e caminhou para perto da lareira. Malraux estava abrindo uma garrafa de vinho, e a luz trêmula das velas projetava sua sombra nas paredes brancas e no teto, dando a impressão de que ele a envolvia e a observava.

— Estou vendo que não pôs ruge — ele comentou, arrancando a rolha da garrafa.

— Sinto desapontá-lo, mas nunca uso ruge, e nem saberia como usar.

— Não estou desapontado, minha querida. Você está absolutamente linda!

Despejou o vinho nas taças de cristal e entregou-lhe uma.

— É muito bonita essa cruz que você está usando. Reparei nela esta manhã na igreja.

Foi um presente de casamento. Glenda segurava a taça com as duas mãos e estava trêmula. Cada vez que ficava diante de Malraux sentia-se muito tensa, e as palavras que trocavam sempre pareciam ter um significado especial.

— De quem? — perguntou ele.

— De… um amigo.

— Alguém que me conhece?

— Creio que não. Você nunca esteve em Barton-le-Cross…

— Parece que não me perdoa o fato de não ter estado lá para lhe fazer a corte, hein?

— Pelo menos teríamos nos conhecido melhor.

— Talvez. Mas eu tinha uma empresa para dirigir, e depois aconteceu aquele incêndio e meu rosto demorou um longo tempo para melhorar. Além do mais, nosso casamento já era uma coisa decidida.

— É verdade.

— Essa corrente de ouro combina com você… Mas, geralmente, as noivas recebem como presentes panelas, louças ou coisas do gênero. Quem lhe deu essa cruz?

— O filho de sir Arthur Brake — sua voz parecia tão calma que ninguém diria que, sob o vestido, o coração batia acelerado. — Sir Arthur era um grande amigo de Edith, e foi através dele que conheci o filho.

— Naturalmente — disse Malraux, levantando a taça e examinando a cor da bebida através do cristal. — Por que você não usaria um gage amour no dia de seu casamento?

— Não é um presente de amor!

— Então tem alguma significação especial, petite? Você deve saber que no coração da França ainda existe gente que se benze quando as sombras da noite caem, e o rio Loire brilha em seu leito noturno.

Glenda sustentou o olhar firme de Malraux, que levantou a taça num brinde.

Bonheur! — os dois disseram ao mesmo tempo.

Felicidade…? Como ela poderia acreditar naquela palavra se deixara o coração com outro homem? E não havia meios de fazer com que deixasse de comparar o que sentia junto a Malraux com as emoções que experimentara ao lado de Simon.

O rapaz tinha colocado aquela corrente em seu pescoço e, fitando-a com adoração, dissera:

— Use esta cruz e saberei que está pensando em mim, mesmo se casando com ele! Se Shakespeare fosse o autor de nossa história, eu a mataria em vez de permitir que levasse adiante este maldito juramento!

Glenda tomou um longo gole para abafar a angústia que a invadiu naquele momento.

— Não se toma um Montrachet como se fosse refrigerante! — protestou Malraux.

— Minha garganta estava seca e…

— E seus olhos parecem meio chorosos… Foi uma pena que sua mãe não estivesse a seu lado, mas restou-lhe alguns amigos, como sir Arthur e seu filho.

Glenda olhou para o marido, mas o rosto dele estava impenetrável.

— Vamos jantar — disse ele. — Estou faminto!

A refeição começava com trufas com creme, e Malraux observava enquanto ela comia, deliciada.

— Há uma crença de que as trufas eram a comida dos reis. Um alimento afrodisíaco que torna as mulheres mais ternas e os homens mais apaixonados.

— É por isso que as estamos comendo hoje? — perguntou ela, apenas para não ficar calada.

Não podia ter esperanças de que ele a quisesse com paixão. Sabendo que não havia amor entre os dois, ele a trataria como se a tivesse adquirido num mercado de escravas… O que de certo modo era verdade, pois ela estava pagando as contas de Edith Hartwell e até as suas próprias. Tinha sido com o dinheiro dos Malraux que ela a educara, mandando-a para os melhores colégios; que lhe presenteara com roupas luxuosas e elegantes, além das viagens ao exterior e festas requintadas. Edith insistira para que ela debutasse, um costume entre as pessoas da alta classe média, a que Glenda passou a pertencer após a adoção.

Tudo fora muito bom e proveitoso, mas na mente de Glenda sempre esteve presente a idéia de que tudo aquilo teria que ser pago… Até que um dia ficou sabendo, pela boca de Edith, qual era o preço. Quis protestar, resistir, pensou até em fugir, pois já naquela época seu coração batia mais depressa quando o telefone tocava, esperando que fosse Simon. Durante a temporada em que debutou, Edith tinha alugado um apartamento em Londres, mas logo percebeu que ela estava se apegando a Simon, e assim voltaram rapidamente para Barton-le-Cross.

— Você tem que se lembrar de que já está prometida a alguém — Edith lhe dissera, com muito tato. — Sei que Simon é atraente, especialmente de uniforme, mas os Brake não têm dinheiro!

Glenda comeu rapidamente dois corações de alcachofra, quase sem apreciar a comida que estava excelente.

“Por onde eu andaria agora, se Edith Hartwell nunca tivesse visitado aquele orfanato?”, pensou.

Como sua vida teria sido diferente! Muito provavelmente seria agora uma datilografa num escritório sem vida, ou mesmo uma operária numa fábrica.

Nunca teria ido a festas no Claridge, nem a chás no Ritz, na companhia de um elegante oficial da Guarda Real Inglesa.

Mas também não teria sido obrigada a casar-se com um completo desconhecido.

O homem a quem amava estava distante, e havia assistido ao seu casamento com aquele outro, meio francês, alto e magro, o rosto deformado por uma cicatriz.

Será que Glenda tinha tido a louca esperança de que, quando o padre perguntasse se havia algum impedimento para aquela união, Simon se adiantasse e dissesse a todos que aquela mulher lhe pertencia?

Porque era esse o sentimento de Glenda em relação a ele, desde a noite em York… Aquela noite em que desabara uma violenta tempestade sobre os campos do Yorkshire.

Lágrimas de saudade desciam pelo seu rosto no momento em que estendeu a mão para a taça de vinho e tomou a bebida. Ainda bem que Malraux se virará de costas e estava preparando um prato especial, na mesinha ao lado.

Ele contava que um amigo, dono de um restaurante, é quem o havia ensinado a fazê-lo:

— Logo depois de meu acidente, Raf chegou à conclusão de que, se eu não me distraísse, poderia sofrer um distúrbio nervoso. Foi então que teve uma idéia simples, mas que funcionou: ensinou-me a cozinhar e especialmente a fascinante arte de fazer crêpes-suzette. Voilà!

Virou-se com a frigideira na mão, e havia um perfume acre de laranja e conhaque desprendendo-se das deliciosas panquecas em chamas. As labaredas dançavam alegremente, iluminando o rosto marcado de Malraux, enquanto ele se curvava sobre o prato de Glenda.

— Se um dia a fundição falir, já sei o que vou fazer. Vou virar um chef de cuisine.

— Você não tem o menor jeito de cozinheiro.

— Pareço com o que, então?

Se tivesse coragem Glenda diria que ele era uma sombra escura que tapara a luz do sol, roubando-lhe as horas que podia passar ao lado do homem a quem amava.

A tristeza de se ver ali, com Malraux, quando queria estar com outro a dominou. Por que Simon a deixara se casar? Como podia ter permitido aquilo, quando tinha dito que a amava?

— Coma seu crêpe enquanto ainda está quente.

Ela pegou o garfo e obedeceu.

— E então, qual é o veredito? — perguntou ele.

— Delicioso.

— Você diz isso sem a menor alma…

— Mas o que queria que eu dissesse? Quer que eu pule de alegria?

— Não seja infantil…

— Só por não ter ficado radiante ao comer uma panqueca?!

— Obrigado, minha querida, pelo entusiasmo — abruptamente ele estendeu a mão e segurou-lhe a corrente de ouro. — Não falei muito sobre isto, mas não quero que a use outra vez.

— Eu… eu a usarei quando quiser!

— Não. Se lhe digo para não usar, é isto o que quero!

— Não vou permitir que mande em mim…

— Não pretendo mandar em você, mas também não quero ter uma esposa que use uma cruz que a faz lembrar-se de outro homem. Entendeu?

Ela umedeceu os lábios secos com a ponta da língua.

— Esta corrente é um presente e gosto muito dela. Hoje em dia as esposas não recebem mais ordens para usar isto ou aquilo! A Idade Média já acabou há muito tempo.

Os dois olhares se enfrentaram, e ele sorriu levemente:

— Seu gênio combina com esse seu cabelo vermelho. Você se parece com uma raposa, com fogo dentro do coração. Tenho dúvidas se não preferia que você tivesse crescido tagarela como era quando menina. Talvez hoje gostasse de forrar os móveis com fazendas estampadas de flores e adorasse comer enormes bolos de creme.

— Qual é a diferença entre bolos e crêpes-suzette?

Percebeu que ele fazia esforço para manter o controle, enquanto retirava a frigideira da mesa.

— Você era uma criança meiga, ou minha memória está me pregando uma peça?

Glenda sentiu o coração bater mais depressa… E se lhe contasse agora que nunca tinha estado antes naquele castelo, e que não soubera de sua existência até ser uma adolescente? Qual seria a reação dele? Será que pediria a anulação do casamento? Ele aproximou-se dela, seu vulto negro a separando de tudo.

— Meiga ou não, você agora é minha, petite sorcière.

— Eu não…

Malraux a silenciou, colocando o dedo sobre seus lábios.

— Não insista em discutir comigo, minha querida. Existem mulheres que são belas por causa do tom alvo e acetinado da pele, em contraste com os cabelos que captam luzes e sombras. Você tem uma beleza estranha, Glenda, e é uma qualidade que eu gostaria que nossos filhos herdassem.

— Malraux, por favor, me escute…

— Quieta! Desta vez silenciou-a com um beijo, fazendo-a levantar-se da cadeira e tomando-a nos braços. Apagou as velas e carregou-a, pela escada iluminada pelas arandelas, até o quarto de dormir.



  

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