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CAPÍTULO IVCAPÍTULO IV
Malraux ficou parado ao lado da imensa cama, e tudo que Glenda pensava naquele momento é que não iria se entregar à um homem que não amava. Lutaria, pelo menos! — Há uma coisa que você não sabe… tem que me escutar! — Agora não é hora de conversar, chérie. Sua mão alcançou o zíper do vestido dela e o abriu. Sentindo a roupa escorregar a seus pés, ela gritou: — Nunca terá certeza de que o filho é mesmo seu! — O que está dizendo?! — Eu… eu dormi com Simon — disse, recolocando o vestido. Imediatamente ele a encarou com seus olhos cinzentos e gelados, mas que queimavam como fogo. — Diga isso outra vez! — Eu dormi com Simon — ela repetiu de um só fôlego, e em parte estava dizendo a verdade. — E melhor que esteja mentindo, Glenda — ameaçou ele, os dedos duros enterrados na carne macia, o rosto tenso, as cicatrizes parecendo ainda mais sinistras. — Você bem que podia ter desconfiado. Ele é atraente demais para uma moça dizer… dizer “não”. — E, com fria deliberação, pousou o olhar no rosto repuxado e deformado. — Conheço Simon há muito tempo, e me apaixonei por ele desde o primeiro encontro. Nunca contei nada a Edith… minha mãe, porque ela teria ficado abalada, mas depois de sua morte… Bem, não conseguimos mais dominar a paixão que sentíamos… — E quando essa louca paixão chegou ao seu clímax? — perguntou Malraux com a voz carregada de sarcasmo, enquanto os dedos subiam Pelos ombros dela e paravam em volta do pescoço claro e delicado. — O pai de Simon tem uma casa em York, e… e depois da morte de minha mãe fui até lá, passar alguns dias. Aconteceu… estas coisas acontecem. — Foi arrebatada pela paixão e pela figura galante de seu galã? Mas que romântico! — Isso mesmo! — Na verdade ela havia passado uma noite inteira com Simon, que a tinha convidado para um passeio a cavalo pelos campos. Então, como se fossem poucos todos os conhecimentos daquela semana, eles foram surpreendidos pela pior tempestade que já se abatera sobre o York, em vários anos. Abrigaram-se numa velha cabana abandonada, cheia de ratos e teias de aranha, e a chuva continuava a cair, como se o céu todo estivesse sendo despejado naquele lugar. Não havendo possibilidade de voltar para casa até que o temporal amainasse, Simon levou os cavalos para dentro da cabana para protegê-los dos raios e dos trovões que os assustavam. Depois acendeu um fogo na velha lareira e, abraçados para se aquecerem, eles jantaram duas barras de chocolate. Quando Glenda ficou sonolenta, ele a convenceu a dormir um pouco, e somente a acordou quando a tempestade tinha passado. Os dois voltaram para casa às quatro da madrugada, encontrando pelo caminho pássaros mortos e galhos de árvores. Antes de entrarem, Simon a abraçou e beijou. E nesse dia ele falou pela primeira vez que desconfiava de que estavam apaixonados. — Está me contando que Simon, foi seu amante? — As palavras de Malraux interromperam seus pensamentos. — Sim! — ela respondeu com convicção. O que era mais uma mentira entre tantas? Sua vida tinha sido um rosário delas. E pelo menos nesta havia uma ponta de verdade… Talvez Simon e ela pudessem ter se amado, se ambos não tivessem medo do fantasma de Edith, presente ali na cabana. — Sua vigarista! — Glenda enfrentou-o desafiadora, esperando pelo bofetão, mas ele deixou cair os braços e depois ergueu a mão até o lado esquerdo do rosto, como se quisesse esconder as cicatrizes. Os dois se encararam, num silêncio mortal. Ela ainda sentia medo, mas estava contente por tê-lo convencido de que Simon a tinha possuído antes de ele exigir seus direitos de marido; antes de forçá-la a dar-lhe um filho, que seria educado para um dia assumir o comando de todo aquele império, da mesma forma que Malraux fora treinado pelo avô. — Como você disse, eu nunca poderia ter certeza que o filho era meu — disse Malraux, sombriamente. Nunca em sua vida Glenda tinha sido tão cruel. Mas precisava se defender; fazer o impossível para preservar seu amor por Simon. As palavras do jovem oficial lhe vieram a mente: “Sinto que você me pertence. E nada poderá nos separar''. — Malraux, deixe-me partir. Vamos anular o nosso casamento. — Não! Não vou devolvê-la ao seu belo amante. Você vai ficar aqui no Château Noir, com seu marido feio. As pessoas nos apontarão nas ruas e seremos conhecidos como a Bela e a Fera. A partir de agora sua vida será um inferno. Encaminhou-se para Glenda, que alimentava a esperança de que ele não fosse tocá-la, contentando-se apenas em ofendê-la. Sua intenção, porém, não era essa. Depois de trancar a pesada fechadura, ele voltou-se, os olhos brilhando de crueldade, enquanto os dela expressavam terror. — Só existe uma maneira de se lidar com mercadorias falsificadas que chegam às nossas mãos: sem o menor cuidado! É assim que vou tratá-la, Glenda. Avançou sobre ela, segurando-lhe o vestido pelo decote e rasgando-o de cima a baixo, como se fosse papel. Peça por peça, tudo foi estraçalhado e atirado ao chão, e ele não parecia se importar com a repulsa estampada no rosto de Glenda. Da mesma forma, não demonstrava sentir os arranhões e pontapés que ela lhe infligia, em completo desespero naquela batalha desigual. — Estuprador! — Esse grito histérico escapou-lhe da garganta no momento que foi jogada sobre a cama, e teria atravessado as paredes, se não fossem de pedra. Defendendo-se com unhas e dentes, Glenda trouxe do passado todas as palavras de baixo calão que aprendera no orfanato, onde crianças de todas as origens estavam misturadas. Naquele instante ela era uma criatura enlouquecida, presa numa armadilha, desejando escapar a qualquer custo. — Você parece ter vindo da sarjeta — disse Malraux, prendendo-a debaixo de si, e parecendo se excitar com a luta. — Mas que língua suja! O que estava pensando pela manhã, parecendo tão pura ao meu lado? Achou que eu iria tratá-la com delicadeza? Que o que precisava fazer era dizer que sentia muito, mas gostava de outro homem, e que, por favor, eu me afastasse? Se não fosse por esses palavrões, minha cara, eu acharia sua inocência surpreendente. Não admira que o encantador capitão Brake tenha achado tão fácil seduzi-la! — Simon não é como você! Ele não é um bruto sem sentimentos. — Pode ficar descansada porque tenho sentimentos, Glenda, e você partilhará deles. Vai partilhar até o fim! — Prefiro morrer! Ele ainda não tinha conseguido dominá-la, e se tudo que podia fazer era feri-lo com palavras, era isso o que faria! — Seu rosto deformado me dá asco! E se precisa mesmo me possuir, por favor, apague a luz! O sangue pareceu sumir da pele bronzeada, e as cicatrizes ficaram mais lívidas. Ele estava completamente imóvel e só havia vida nos olhos, que brilhavam febris, mostrando um ódio tão intenso que involuntariamente ela teve que fechar os seus. Ficou esperando pela surra… Ou até que ele a estrangulasse. — Dieu! Você tem uma língua de víbora! Soltou-a de repente, como se estivesse enjoado, e saiu da cama deixando-a deitada, os braços abertos, os cabelos espalhados em volta do rosto. Com os olhos semicerrados, ela o viu parado ao lado da cama, alto e moreno, o rosto na sombra. — Por que se casou comigo, Glenda? Os Brake estão muito sem dinheiro? — Foi a vontade de Edith… de minha mãe, antes de morrer — respondeu, tentando se cobrir com a colcha derenda. Não agüentava mais sentir o olhar dele sobre o corpo nu. — Mas que comovente! Naturalmente não tinha nada a ver com dinheiro… — Não somos mercenárias! — Edith… sua mãe… foi generosamente contemplada no testamento de meu avô. — Eu sei… E você conseguiu o que queria: o castelo. — E a pobrezinha da Glenda foi arrancada dos braços de seu soldadinho! Estou penalizado! Ele ficou imóvel na igreja, enquanto você se tornava minha esposa. Francamente, se eu amasse uma mulher não permitiria uma coisa dessas! Eu a roubaria daquele altar, ou então partiria para bem longe. Mas… existem mulheres muito tolas. Bem, não ficarei para perturbar seus sonhos. Não quero que tenha um pesadelo — acrescentou, irônico. Desapareceu pela mesma porta que havia trancado anteriormente, e o quarto ficou em silêncio. Glenda mal podia acreditar que estava sozinha, e por algum tempo seu coração ainda bateu acelerado. Encolhida debaixo da colcha, de vez em quando seu corpo era sacudido por um tremor. Oh, Deus, como pudera ter sido tão cruel com alguém, como havia sido com Malraux, naquela noite? Amargurava-se com o próprio comportamento e tinha certeza de que, enquanto vivesse, não se esqueceria do brilho amargo daqueles olhos negros e profundos. Tarde da noite sentiu o perfume de um charuto, e voltou a ficar tensa. Mas logo percebeu que Malraux estava no balcão do quarto dele e o vento trazia-lhe aquele aroma pelas janelas abertas. Permaneceu ainda muito tempo se revirando na cama sem conseguir dormir e viu o dia começar a clarear. Só adormeceu de manhã, e acordou ao meio-dia, quando a sua criada particular entrou no quarto. — Madame descansou bastante — disse Fleur, com um sorriso malicioso, enquanto abria as cortinas, e deixava o sol iluminar o quarto. — Monsieur saiu a cavalo, e avisou que eu não a incomodasse. Glenda sentou-se na cama mas ao ver as roupas rasgadas no chão, e se lembrar de que estava nua, ficou muito vermelha. A criada pegou o vestido com uma expressão de espanto e deu uma olhada para Glenda, que se metia depressa no penhoar de rendas. — Madame, veja só como ficou seu vestido! — Eu sei, Fleur. Dirigiu-se para a penteadeira e começou a desembaraçar os cabelos, pensando nos mexericos que a criada espalharia para as outras empregadas do castelo. Com certeza elas achariam excitante que o marido estivesse tão desesperado para fazer amor com a esposa que não tivera paciência para deixá-la despir-se. — Quer que tente consertá-lo, madame? — Não. Pode jogá-lo fora. Acho que esse aí não tem mais jeito. Da mesma maneira que aquele casamento… Para ela, o pagamento de uma dívida de honra da mãe; para Malraux, uma condição para se apossar do castelo. — O tecido era tão bonito… — comentou Fleur, passando a mão pela saia longa. — Deseja que eu ponha a banheira para encher, ou prefere uma ducha? — Prefiro a ducha. — Glenda achou que não havia razão para pedir a Fleur que não fizesse comentários sobre o vestido rasgado. A moça parecia aceitar o fato como uma demonstração de paixão, sem dúvida teria ficado atônita se imaginasse os acontecimentos da noite anterior. Depois do banho, Glenda foi até o armário escolher a roupa que usaria no almoço com a família. Temia aquele momento, mas tinha que enfrentá-lo. Mais tarde encontraria uma oportunidade para falar em particular com Malraux sobre sua volta para a Inglaterra, pois estava decidida a não permanecer ali. Ele conseguira o que queria com aquele casamento horrível, e não poderia negar-se a atender seu pedido. Graças à generosidade de Edith, Glenda tinha lindos vestidos, e depois de alguns momentos de indecisão, escolheu um branco, de pintinhas negras, simples mas muito elegante. Escovou os cabelos com força, até deixá-los brilhantes, e em seguida fez uma leve maquilagem. — Será que estou bem? — perguntou, sentindo-se um pouco nervosa. Tinha tomado somente uma xícara de café, e sabia que toda a família a esperava para o almoço. — Madame está muito elegante. — Onde aprendeu a falar inglês, Fleur? — Monsieur sempre tem hóspedes ingleses visitando o castelo, além dos parentes por parte do pai. A irmã viúva também mora aqui, com o filho Robert, como já deve saber. Glenda já tinha ouvido falar dessa irmã, chamada Jeanne Talbot. Há poucos anos ela sofrerá um acidente e ficara muito ferida, enquanto que o marido americano morrera. Os dois estavam de férias na Flórida, e tinham se hospedado num hotel servido por elevadores expressos. Numa noite, um dos elevadores falhou e despencou até o chão, matando a maior parte dos passageiros e ferindo dois deles. Jeanne tinha escapado porque o marido a protegera com o próprio corpo. Mas, segundo Edith, seus nervos estavam destruídos. Fleur entregou a Glenda o vaporizador negro que pertencera a Edith. Continha ainda um resto de perfume Arpège, que fora sua marca favorita. Glenda perfumou-se, sentindo mais vivida a lembrança daquela que havia transformado tanto a sua vida. Edith tinha um ar dos anos trinta, usava roupas e penteados daquela época. Glenda nem ousava pensar quanto custara à família Malraux aquele estilo de vida. Glenda olhou sua imagem no espelho e viu uma jovem elegante sofisticada. Afastou-se da penteadeira, sentindo um gosto ácido na boca. As palavras amargas que dissera a Malraux tinham deixado aquele sabor… — É melhor que venha comigo para me mostrar o caminho, Fleur. Tenho medo de me perder. Não sabia que o castelo era tão grande! — Mas a senhora esteve aqui quando era criança, não? — Oh, o tempo apaga muitas coisas. Sentia-se cada vez mais nervosa, o coração quase parando no peito. Era doloroso ter consciência de estar vivendo uma farsa e notar a cada instante que se encontrava mais presa à teia de mentiras. Tinha que se libertar daquilo tudo. Olhando o vestido rasgado que Fleur carregava no braço, voltou-lhe à lembrança as palavras cruéis que havia trocado com o marido e seu olhar angustiado, quando ela afirmara que não suportava ver o rosto deformado. A criada a conduziu pelas escadas da torre, e depois por um enorme pátio de pedra, até uma porta oval, que estava entreaberta. Sobre a porta havia um entalhe em pedra representando pássaros com longos bicos, e gárgulas por onde as águas escorriam. Misturadas à folhagem, viam-se algumas letras, que provavelmente faziam parte do brasão do primeiro dono daquele castelo. No hall imponente, o sol penetrava pelas janelas góticas, iluminando as pesadas arcas de madeira maciça, as armaduras dos cavaleiros e os elmos inclinados para as enormes espadas. Glenda ficou encantada com aquele ambiente medieval, realçado por enormes candelabros que pendiam de grossas vigas de madeira escura. No centro do hall havia ainda uma escada da mesma madeira escura, coberta por um tapete vermelho vivo. O efeito era de uma viagem no tempo. Todas as marcas do mundo moderno pareciam distantes daquele castelo que, do alto dos montes rochosos onde se erguia, observava o Loire, resistindo aos séculos, imutável. Não era de admirar que Malraux d'Ath quisesse tanto aquela fortaleza para si, assim como não era surpreendente que achasse um casamento sem amor um preço aceitável! Mas Glenda não podia aceitar aquilo… E, se ele a deixasse partir, voltaria para Simon, finalmente desobrigada de seu compromisso com Edith Hartwell. Estremeceu quando Fleur tocou em seu braço. — Madame, aquela entrada é a do salão. A família já deve estar esperando para o almoço. — Obrigada, Fleur. Reunindo a coragem de que dispunha, Glenda atravessou o hall até a porta oval, como as outras. Ao transpor o umbral da porta, imediatamente as pessoas que estavam lá dentro se calaram, dirigindo seus olhares para ela, examinando-a da cabeça aos pés. Sua vontade era sair correndo. — Enfim chegou, ma chère. Em trajes de montaria, a figura alta e elegante de Malraux se destacou do grupo e veio em sua direção. — Estive contando que você quis descansar um pouco, esta manhã. Está mais disposta agora, chérie? Glenda enrubesceu e ficou ainda mais desconcertada ao perceber seu olhar ameaçador. Ele estava de costas para a família e, quando se inclinou para beijá-la, não foram doces as palavras que sussurrou: — Não ouse demonstrar nada! Sabendo que devia fingir que tudo estava bem entre os dois, ela se deixou conduzir pelo braço até seus familiares. Mas por que ele continuava com aquela encenação depois dos acontecimentos da noite anterior? Aquilo não tinha sido suficiente para conscientizá-lo de que não podiam viver sob o mesmo teto? — Ma chère, quero apresentá-la à minha tia Héloise, que sentiu muito não poder estar presente ao nosso casamento. Tante, esta é Glenda. A velha senhora tinha um rosto pálido. Vivia à base de analgésicos desde que sofrerá o acidente em que fraturara a bacia. Mas seus olhos eram muito doces. Estava com um elegante vestido escuro, enfeitado com uma linda gola de rendas e usava um par de brincos de pérolas. Sua aparência era a de quem nunca precisou se preocupar com a sobrevivência e sempre dispôs de todo conforto. — Ouvi dizer, minha querida, que você estava uma noiva deslumbrante. Gostaria muito de ter podido ir. A igreja era muito antiga e bela, não? Mas não faz mal, verei as fotografias. Ao ouvi-la, Glenda lembrou com saudades de Edith. Então, com um movimento instintivo, abaixou-se e beijou-lhe o rosto. Surpreendida por aquele gesto, Héloise exclamou: — Minha filha! E abraçou-a com muito carinho. Glenda sentiu pena dela. Aquela mulher sempre fora mimada e protegida, mas agora vivia um momento de solidão tendo que enfrentar sozinha uma convalescência difícil. Logo depois foi reapresentada a Renée e Rachel, primas de Malraux, que haviam assistido à cerimônia, mas que tinham voltado imediatamente para a França. Eram gêmeas, mas completamente diferentes uma da outra. Rachel possuía cabelos negros, um corpo bonito, e trabalhava como secretária para a Companhia Malraux. Renée, mais exuberante, não quis ficar na empresa da família e conseguiu um emprego numa fábrica de vinhos. Ela criticara o champanhe servido no casamento, e Malraux tinha rido e comentado que o fato de ela gostar tanto de seu patrão não tornava seu vinho de melhor qualidade. — Apreciei muito seu vestido de noiva, Glenda — disse Rachel, a voz fria e controlada, combinando com sua aparência. — Um estilo clássico e despojado mas de muito efeito, especialmente porque realçava seus cabelos. Esse tom avermelhado é natural? — Claro que é natural! — interferiu Malraux, impaciente. — A cor dos cabelos de Glenda era exatamente esta, quando ela esteve aqui, um pouco antes de nosso avô morrer. Raquel continuou: — Je suis desolée. Tenho a impressão de que o irrito, mas suponho que no início os maridos tendam a achar que as esposas não têm defeitos, mesmo quando o casamento é arranjado — e olhando novamente para Glenda: — Não se costuma fazer isso em seu país, não é? Vocês acreditam que é preciso haver amor para duas pessoas se casarem… — O que a faz supor que Glenda e eu não estamos apaixonados? Um risinho cínico se desenhou nos lábios da prima. — Nunca o achei capaz de gostar de alguém, Malraux. Você só se preocupa com os negócios… Mas, diga-me uma coisa, Glenda: quem era aquele rapaz alto, loiro e tão encantador, que estava no lado direito do altar? Não pude deixar de notá-lo! E nas duas ou três vezes em que o observei percebi que ele tinha os olhos grudados em você. E seu parente ou algum amigo muito próximo? Malraux ouviu impassível a resposta diplomática da esposa: — O pai dele foi um grande amigo de minha mãe. Ele é filho de sir Arthur Brake, que me entregou ao seu primo. — Entretanto… — Rachel observava com atenção o rosto de Glenda. — É uma palavra curiosa essa que você usou. Sente-se realmente como se tivesse sido entregue a alguém? — Você faz perguntas demais, prima. Devia ter ido trabalhar no Departamento do Imposto de Renda. Vamos, Glenda, quero que conheça agora minha irmã. Foi um alívio ser afastada daquela moça curiosa, que tivera muita Percepção e tirara conclusões com que agora atormentava Malraux. Sim, disse Glenda a si mesma, aquela jovem morena, bela e elegante parecia estar intimamente magoada com o casamento do primo. Os sentimentos que nutria por ele deviam ir muito além do parentesco que os unia. Glenda olhou de soslaio para o marido, reparando no corpo bonito e bem proporcionado, no sombrio orgulho do rosto… o rosto que Rachel conhecera antes de ter sido marcado pelo fogo. Jeanne Talbot não se parecia com o irmão. Seus cabelos eram prateados, o rosto bonito e delicado, mas não havia vida nos olhos e ela parecia estar a quilômetros dali. Um menino tristonho estava sentado ao seu lado no sofá. Quando ele levantou os olhos do livro que estava lendo, Glenda ficou perturbada. Nunca tinha visto uma criança com expressão tão melancólica. Aquele garoto jamais se afastava da mãe, que tinha um medo mórbido de perdê-lo. — Esta é sua nova tia, Robert. Espero que se tornem amigos — Malraux os apresentou. “Por favor, não diga isto. Vou deixar você ainda hoje”, pensou ela. O garoto ficou de pé e se inclinou com cerimônia. — Como vai? — Estou contente por conhecê-lo, Robert — disse Glenda, tocada por suas maneiras sérias e contidas, como se fosse um adulto. — Você ainda sente o mesmo encantamento pelo castelo? — perguntou Jeanne, de uma maneira apática. Imediatamente Glenda ficou alerta. Aquela observação a prevenia de que a verdadeira Glenda a tinha conhecido quando criança. — O Château Noir tem uma beleza indiscutível — murmurou. — Acho que seria uma ótima idéia se Robert a levasse para dar uma volta pela propriedade, depois do almoço. Você precisa se reencontrar com seu novo lar — sugeriu Malraux. “Não! Este lugar nunca será o meu lar, porque não ficarei aqui.” — Talvez Robert tenha outra coisa que prefira fazer — disse em voz alta. — Nada disso, chérie. Ele precisa tirar o nariz de dentro dos livros e vai gostar do passeio. Leve-a até os estábulos, Robert, e mostre a ela o salgueiro que a lenda conta que nasceu no lugar onde feiticeira foi queimada. Quando criança você também deve ter visto a árvore, Glenda, e escutado a história. — Está bem — ela cedeu — Mas… gostaria de falar com você em particular mais tarde, Malraux. Ele deu um sorriso irônico. — Quer mesmo? Teremos todo o tempo do mundo para isso. Estou envaidecido de que deseje ficar sozinha comigo.
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