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Violet Winspear. Digitalização: Palas Atenéia. Revisão: Edna Mafik. CAPÍTULO IСтр 1 из 9Следующая ⇒
(The man she married) Violet Winspear
“E quem, tiver algo contra essa união, que fale agora,ou se cale para sempre…” No altar, Glenda esperou um minuto que valeu por uma eternidade. O silêncio na igreja foi total. Simon, seu grande amor, estava ali e não ousou gritar que também a amava, que não a deixaria casar-se com aquele estranho. Ao fim da cerimônia, caminhando pela nave de braço com o marido, Glenda conservou o véu sobre a face. O véu escondia seu rosto pálido em contraste com os cabelos muito ruivos, a cor de âmbar de seus olhos e um forte segredo: casando-se com Malraux d'Ath ela cumpria o destino que estava traçado para outra mulher, uma outra Glenda, que tinha os cabelos de fogo como os dela!
Digitalização: Palas Atenéia Revisão: Edna Mafik CAPÍTULO I
A igreja estava lotada. Há muitos anos o povo de Barton-le-Cross não assistia a um casamento assim tão pomposo. No entanto, todos lamentavam que a mãe da noiva não estivesse viva para presenciar aquela união, esperada há tanto tempo. Edith Hartwell teria ficado muito orgulhosa de ver Glenda naquele suntuoso vestido de cetim branco, a cabeça coberta por uma grinalda de renda finíssima. A noiva entrou na igreja conduzida pelo braço de sir Arthur Brake, que havia sido grande amigo de sua mãe. Os fotógrafos insistiam em que levantasse o véu mas, resistindo aos pedidos, ela atravessou a nave sem se deter, até o altar. A solenidade do ritual emprestava aos seus gestos uma aura de irrealidade, e a visão das altas colunas do templo trazia-lhe à lembrança outra cerimônia, muito triste, completamente diferente da que estava acontecendo naquele momento. Fora num dia chuvoso, há apenas algumas semanas, quando acontecera a missa pela morte de Edith Hartwell. Desde os dez anos Glenda vivia com ela, e todos acreditavam que eram mãe e filha. Mesmo ali não havia quem suspeitasse que aquela moça que diante do altar se unia a Malraux d'Ath não fosse a filha de Edith Hartwell. Além dela, apenas sir Arthur sabia que a verdadeira Glenda tinha morrido há nove anos e estava enterrada na ilha de Malta. — Como poderei levar adiante essa farsa, sir Arthur? — Glenda se lamentara. Vai suportar tudo, minha querida! Você seria incapaz de trair o amor que sentia por Edith e quebrar a jura que lhe fez. Ela foi muito boa ao tirar você do orfanato e proporcionar-lhe uma vida confortável, cheia de carinho. Mas jamais lhe perdoaria se você se recusasse a casar com Malraux d'Ath. Agora, como se estivesse em transe, Glenda desempenhava o papel que lhe fora destinado. Respondeu mecanicamente às palavras do sacerdote, e ao estender a mão para que o alto e sombrio Malraux d'Ath lhe colocasse a aliança no dedo, sentia-se agradecida ao véu que escondia suas feições. Ele acreditava estar se casando com a menina que lhe fora escolhida há dez anos, numa promessa feita ao velho Duval Malraux, preso ao leito de morte. Duval tinha unido a mão de uma garota à do neto, fazendo-os prometer a mesma coisa que anos depois Edith pediria a Glenda. — Eu enganei o velho todos esses anos — balbuciara Edith, muito, agitada, recusando o remédio para abrandar a dor, até que Glenda concordasse em levar às últimas conseqüências aquele pacto. — Nunca contei à família Malraux que a minha filha morreu num cruzeiro e está enterrada em Malta… Eles teriam cortado o dinheiro que me enviavam, mensalmente, e eu não teria meios para viver, entende? Não podia trabalhar, e o velho Duval só me mandava a mesada porque havia resolvido que minha filha se casaria com o neto dele. O som do órgão se fez ouvir mais alto: estava tudo encerrado! Uma Glenda trêmula e pálida acabava de aceitar como marido a um homem que não amava, aliás, que mal conhecia. Conduzida pelo noivo, dirigiu-se à sacristia para assinar o registro. Seu pensamento voou outra vez ao leito de morte de Edith. Aquela confissão desesperada esclarecia o empenho de sua mãe adotiva em registrá-la como Hartwell, assim que a tirou do orfanato em Llandudno. Quantos recursos sedutores ela utilizara para convencer à menina magricela e tímida de que aceitasse o nome de Glenda! Naquela época, ela não pôde captar o sentido daquilo tudo. Além disso, qual a criança que seria capaz de recusar algo à mulher lindíssima, envolvida em peles e que demonstrava uma ternura tão encantadora? Distraída com essas recordações, Glenda só percebeu que era sua vez de assinar o livro quando a caneta quase lhe caiu das mãos. Num gesto rápido, recuperou-a e escreveu o próprio nome abaixo da letra firme do homem alto e forte, elegantemente vestido num terno cinza, que estava a seu lado. Não pôde evitar uma comparação fora de propósito ao ler: Malraux Armand d'Ath. Esse nome soava tão aristocrático como seu dono… se combinavam! Apenas ela, uma impostora, destoava de tudo. — Levante o véu — disse o noivo de repente. — As pessoas querem ver o seu rosto. Ao ouvir esse pedido, Glenda sentiu que as pernas amoleciam e a vista se turvava. Tentou apoiar-se na mesa, mas não teve tempo e caiu ao chão desmaiada Adiantando-se a todos, sir Arthur correu em seu socorro, depois, justificou o ocorrido a Malraux: — a pobrezinha acabou de perder a mãe. As duas eram muito unidas, e Glenda precisou reunir toda a coragem para suportar o fato de não ter Edith presente ao seu casamento. Mais tarde, quando os recém-casados chegaram ao aeroporto, ela se sentia um pouco melhor. Mas, ao subir no jato que os levaria a Angervilliers, o marido envolveu-lhe a cintura com o braço e outra vez seus nervos ficaram à flor da pele. Assim que o avião partiu, ela se encaminhou à toalete, para tirar alguns grãos de arroz que tinham caído na fina blusa de mousseline que estava usando. Olhou-se ao espelho e se assustou com a palidez do rosto alvo, os olhos cor de âmbar parecendo ainda mais dourados. Malraux teria percebido algum detalhe que denunciasse seu estado de espírito perturbado? Um arrepio percorreu-lhe o corpo ao lembrar-se das palavras do padre, pronunciadas há uma hora: — Peço e exijo de todos, sob pena de responderem no dia terrível do Julgamento Final, quando os segredos de todos os corações serão revelados, que se conhecerem algum fato que impeça essa união pelos laços sagrados do matrimônio, confessem agora, ou se calem para sempre! Seu sangue gelara nas veias… Não fosse o grande carinho que sentia por aquela que havia sido sua verdadeira mãe, não teria encontrado forças para manter-se em silêncio. O desmaio que se seguiu foi de medo e culpa. Algo lhe avisava que Malraux d'Ath era o tipo de homem que podia tornar-se cruel se a confiança que depositava em alguém fosse traída. E, casando-se com ele, Glenda o havia enganado! Para pagar a sua dívida de gratidão a Edith Hartwell, concordara em participar daquela farsa e nem queria imaginar o peso da vingança de Malraux se descobrisse o logro de que fora vítima. Glenda olhou a mão esquerda, e recordou o momento aterrador diante do altar, quando Malraux a olhou intensamente enquanto lhe enfiava o anel no dedo. O que ele estaria pensando naquele instante? Será que lamentava a noiva que lhe haviam escolhido? Era possível… Afinal, em suas veias corria também um pouco de sangue inglês, e ele poderia não compreender a razão daquele enlace, um contrato primitivo entre famílias, difícil de ser entendido por um saxão. E as coisas se tornariam ainda mais complicadas se algum dia ele viesse a saber que a Glenda com quem se casara não passava de uma órfã que Edith Hartwell tinha adotado. Mais ainda: uma órfã que fora escolhida entre dezenas de outras porque possuía a pele branca dos galeses e os cabelos avermelhados e luminosos que a tornavam tão semelhante à menina falecida. O único traço que as diferenciava era a cor dos olhos que na verdadeira Glenda era de um verde profundo, igual ao da mãe. A custo, Glenda conseguia conter a ansiedade. Suava muito e quase podia ouvir as batidas assustadas do coração, que parecia querer saltar pela boca. Estaria realmente com problemas se Malraux d'Ath tivesse uma boa memória para detalhes. Mas, como já fazia dez anos que o casamento fora combinado, podia ter esperanças de que ele não se lembrasse de que a menina do juramento tinha os olhos verdes, sem nenhum reflexo cor de âmbar. O mais estranho daquela história era o fato de ele, durante todo esse tempo, nunca ter tentado uma aproximação com sua prometida. Nem uma única vez visitara a bela casa branca no alto do morro que fora o lar de Glenda desde a sua adoção. Edith se mudara de Chelsea e não voltara a freqüentar os lugares que faziam parte do passado. As pessoas em Barton-le-Cross por sua vez jamais desconfiaram que não havia laços de sangue entre ambas. O único amigo em que Edith confiara o suficiente para fazer confidencias fora sir Arthur Brake. Ele era um boêmio bem-humorado, que provavelmente a tinha encorajado a continuar com a farsa. Na certa devia saber a quanto montava a pensão que a família d'Ath dava a Edith. Bondosa, afetuosa e extravagante, Edith levava Glenda em viagens e garantia todas as vantagens de uma educação esmerada. Assim, com a afeição de uma filha, Glenda não pudera recusar-se ao casamento dadas as circunstâncias dramáticas em que Edith lhe fizera o pedido. — Não permita que aos olhos dele eu seja considerada uma ladra — dissera a moribunda. — Os d'Aths são muito ricos, mas igualmente, orgulhosos. Ninguém mais, além de sir Arthur, sabe que a minha Glenda está enterrada naquela ilha. Faça isso por mim, querida. Será uma mentira inofensiva. Porém, ao contrário do que Edith imaginara, aquela encenação se revelava grave e perigosa, e o único sentimento que Malraux d'Ath inspirava a Glenda era pavor! Com toda certeza ele se sentiria no direito de pôr as mãos em volta de seu pescoço e a esganar, no momento mesmo em que desvendasse aquela trama. Além disso, Glenda era uma desconhecida, uma vez que tinha sido abandonada, ainda bebê, por sua verdadeira mãe. Reunindo toda a coragem de que dispunha, Glenda voltou ao seu assento no avião. Ainda escondia uma parte do rosto com a aba de um chapeuzinho cinza, complemento do discreto conjunto marfim que vestia. Durante todo tempo, sentira uma compulsão para esconder os olhos, e era com muito esforço que fingia uma naturalidade que não tinha e se sentava ao lado do marido. Mas, o que teria dado na cabeça de Edith para arquitetar todo aquele plano? Como ela pudera colocar Glenda na posição de uma reles impostora apenas para continuar vivendo comodamente com a mesada enviada pelo velho Duval? Se a notícia da morte prematura da garota houvesse sido divulgada, Malraux estaria livre daquela exigência do avô e poderia traçar seu próprio caminho, sem ter sido obrigado a um casamento daqueles. Não havia outra maneira de encarar o fato, e Glenda sofria um agudo sentimento de culpa. Embora as referências não fossem muito claras, sempre tivera conhecimento daquele desejo do velho, através de conversas leves e despreocupadas de Edith, porém acreditava que Malraux seria informado da verdade sobre a sua adoção a tempo. Então, Edith adoecera. Fora operada e, apesar de o mal ter cedido por algum tempo, os estágios finais da doença se sucederam rapidamente. Antes que Glenda pudesse reagir, estava se comprometendo com uma mulher agonizante, que queria ocultar para sempre o fato de ter explorado a família do marido morto. Malraux não vai precisar saber de nada — balbuciava a enferma, com muita dificuldade. — Na França são comuns esses casamentos arranjados, e como ele tem descendência francesa pelo lado materno, não deve se rebelar. E você, minha amada Glenda, tem sido uma verdadeira filha para mim… Nós temos sido muito felizes juntas, não é? Era verdade. Aqueles anos em companhia da mãe adotiva haviam sido muito felizes… Glenda pensava nisso, quando recebeu das mãos de Malraux um copo de vinho. Abaixou a cabeça para não ter que encarar aqueles olhos cinzentos e frios e teve a sensação de que nunca mais seria feliz na vida. Tinha consciência de que seu rosto estava lívido, tão branco quanto as flores que esmagara ao desmaiar na sacristia. Por certo que as pessoas que assistiam à cerimônia pensavam que seu mal-estar fora devido ao nervosismo e à tensão acumulada durante a doença de Edith. Mas a realidade é que ela estava aterrorizada com a idéia de estar casando com aquele estrangeiro sombrio, que não correspondia em nada ao homem que idealizara para marido durante a adolescência. Malraux d'Ath virou-se na poltrona e falou num tom enérgico: — É para beber tudo! Você ainda está muito pálida… Não é comum as noivas desmaiarem daquele jeito. Você estava emocionada demais, não estava? Enquanto ela se esforçava para sorrir, levando o copo até os lábios, ele continuou: — Temos que começar a nos conhecer melhor. Não deve ter sido fácil para você aceitar unir-se a um estranho… Bem, quase um estranho… Afinal, já nos vimos uma vez, quando você era uma adolescente mais descontraída e irrequieta, não é? Glenda bebeu o vinho de um só gole e não ousou levantar os olhos. Então, sem que tivesse tempo de impedi-lo, Malraux tirou-lhe o chapéu e jogou-o para o lado. — Assim é melhor, agora posso ver o seu rosto. Você se tornou uma pessoa muito tímida, bem diferente daquela menina que lançava olhares dengosos para mim. Ele examinava com aberta admiração os fartos cabelos ruivos que, em conjunto com a boca naturalmente vermelha, criavam um lindo contraste com a alvura da pele. Nesse momento, um raio de sol atravessou o vidro da janela e veio tornar os olhos dela ainda mais dourados. Ele pareceu levemente intrigado. — Lembro-me também de suas longas pestanas — murmurou. Assustada pelo rumo que a conversa tomava, Glenda se remexeu nervosa no assento, tentando dissimular a tensão. Reparou nos dedos do marido, segurando o copo de vinho… dedos finos, porém fortes, que tanto podiam acariciar como se transformarem em tenazes sobre o pescoço de uma mulher. — É muito difícil para dois estranhos se sentirem marido e mulher — disse ele, como se estivesse falando para si mesmo. — Todos aqueles juramentos ao pé do altar devem tê-la abalado… Sente-se melhor agora? — Acho que sim. Teria sido bem mais fácil… monsieur, se você tivesse nos visitado enquanto Edith… minha mãe vivia. Por que nunca foi até lá? — Por causa destas marcas — respondeu, apontando para o lado esquerdo do rosto. — Eu era bem diferente, quando nos conhecemos. Isto aconteceu há dois anos, num incêndio em nossa fábrica, e achei melhor que une petite filie mantivesse viva a imagem que tinha de mim antes. Glenda olhou para as cicatrizes que deformavam por completo o lado esquerdo do rosto bronzeado. Sim, ele devia ter sido bonito algum dia, mas, agora, as lesões da pele repuxavam o lábio e o olho, causando uma distorção mais sinistra do que feia. — Doeu muito? — perguntou, impulsiva. Depois enrubesceu e se afundou mais na poltrona, como se quisesse desaparecer. — Que coisa boba de perguntar. Deve ter doído demais! — Doeu mesmo — ele fumava um charuto muito perfumado, que segurava entre os dentes. — Foram as minhas cicatrizes que a assustaram? Será que foi só agora que percebeu que terá que olhar para elas todos os dias? — Eu… eu não sou mais criança! — Não, talvez não. Mas se está se perguntando por que não recorri à operação plástica, ma chérie, é porque quase não existe solução para um caso como o meu, além de não me sentir nada disposto a fazer enxertos. Sempre tive mais ossos do que carne no rosto e também nunca fui um galã… — Não são suas cicatrizes que me preocupam… — Está sentindo falta de romantismo, ao se casar com um perfeito desconhecido? — Sim — disse ela, os cabelos vermelhos como uma chama brilhando à luz do sol. — Não faz mal! — exclamou ele, rindo com ironia. — Tudo vai mudar, quando chegarmos ao Château Noir. — Gostaria que me desse… — Não pôde continuar, a voz sumida pela emoção, o coração batendo acelerado. Sentia-se doente de vergonha por tê-lo enganado. Teria algum valor um casamento em que a noiva jurara em nome de uma menina morta? Será que algum dia deixaria de se sentir como uma farsante que pode a qualquer momento ser descoberta e castigada? Ela não fazia a menor idéia da expressão de dor que havia nos próprios olhos, enquanto encarava Malraux d'Ath, e via nele uma determinação inabalável de levar adiante o que havia começado. Ele nunca recuaria. Se despedaçasse o coração de uma mulher, o faria completamente! — Está me pedindo para lhe dar tempo? — perguntou ele, enquanto a fumaça do charuto escapava pelos lábios. — Eu preciso de… Ela uniu as duas mãos, depois de colocar o copo na mesinha. Tremia tanto que se continuasse a segurá-lo na certa o derrubaria no chão. — Mas nós dois sempre soubemos que teríamos que enfrentar este dia — continuou Malraux. — Nem uma única vez sua mãe entrou em contato comigo para dizer que você estava… relutante… é isto? Os anos se passaram e nunca tive informação de nenhuma das duas de que o casamento não se realizaria quando você completasse vinte anos. O tempo dos apelos, minha querida, era antes de ficar diante do altar ao meu lado, e se entregar em minhas mãos. Abruptamente ele pôs seu copo de lado e tirou uma caixinha quadrada do bolso do casaco. Abriu-a e um raio de sol iluminou um anel de ouro, com um brilhante lapidado em forma de coração. — Este anel pertenceu à minha avó. Você deve usá-lo junto com a aliança. — Não… — Sim, Glenda — disse Malraux com firmeza, segurando-lhe a mão com força e energia. Glenda quis se soltar, mas o instinto a preveniu de que era mais sensato ceder. Assim, deixou que ele enfiasse o anel em seu dedo delicado. Sem deixar de fitá-la Malraux levou a mão dela até os lábios, depositou um beijo quente e suave. — Na França é aqui que os homens beijam suas mulheres. As costas das mãos são reservadas para amigos e parentes. A esposa, assim como as amantes, recebem este beijo mais íntimo, e você é minha, Glenda. Estamos unidos para o bem ou para o mal. Portanto, lhe prometo minha lealdade, como espero que você me dê a sua. O mesmo tremor que ela sentira no altar estava voltando, mas agora era tarde demais para que fugisse de tudo. Quase fizera isso! A custo conteve o impulso de confessar tudo ao padre na hora em que fora perguntado se havia algum impedimento para a união legal dos dois. —Não gostou do anel, chérie? Mesmo depois de ter o trabalho de adaptar o aro para que coubesse perfeitamente? — Mas como sabia que ia servir se nunca foi a Barton-le-Cross? Eu bem que poderia ter me tornado… bem diferente do que se lembrava. Meninas mudam… — A cor de seus cabelos não podia mudar. Eles estavam presos em trancas, naquele dia em que meu avô uniu nossas mãos sobre seu leito de enfermo. Com o reflexo do sol, eles pareciam adquirir vida. Esses atributos não mudaram, ma chérie, mas você cresceu bem menos exuberante e menos empolgada com a idéia de ser a dona do Château Noir. Talvez quando voltar a ver o castelo você fique feliz outra vez em saber que vai morar lá. — Eu… acho que vou achá-lo estranho, depois de tantos anos — ela conseguiu dizer. — Acredito que sim — ele concordou, examinando-a com atenção. — E o que foi feito de suas trancas? Seus belos cabelos ruivos agora estão cortados na moda… Não estou querendo dizer que não esteja bonita e atraente, mas você ficou muito diferente… Ela sentiu o coração se acelerar, ao ouvir esses comentários. — Você parece… estar desapontado comigo — murmurou, sem querer parecer provocante, mas sua voz tinha um tom levemente rouco, uma característica fascinante que lembrava o sangue galês que corria em suas veias. Malraux inclinou-se para ela, e seus olhos pareciam agora prata líquida. — Na verdade ainda não sei o que sinto por você, Glenda. Mas certamente surpreendeu-me que desmaiasse a meus pés… seria a última coisa que eu esperaria daquela menina tão segura de si que foi até Angervilliers há tantos anos, e não se abalou nem um pouquinho em ficar noiva de um rapaz que já estava na faculdade. Quando meu avô disse que me beijasse, você não titubeou, e beijou-me o rosto. Só que eu não estava deformado naquele tempo, não havia nenhuma razão para sentir aversão… — Não são suas cicatrizes — disse ela, abaixando os olhos que nunca se lembrariam dele como um belo jovem. — Tio Arthur lhe explicou que eu… eu ainda não me recuperei da morte da minha mãe. Eu a amava muito… — Compreendo — disse ele, tocando-a de leve no rosto, seguindo-lhe o contorno das faces, até o canto da boca. — Sofri muito também quando perdi meu avô. Foi ele quem me criou depois que meus pais foram mortos pela explosão de uma bomba em nossa fazenda na Argélia. Os dois morreram queimados na sala de estar… Já eu tive mais sorte. Quando a minha fábrica se incendiou, sofri apenas queimaduras, apesar de as marcas não serem nada agradáveis aos olhos, por mais que você insista que elas não a assustam. — Mas é verdade! — insistiu ela, embora não tivesse a mínima convicção do que dizia, pois aquela pequena deformação lhe dava uma aparência sinistra, que era realçada pelos cabelos e sobrancelhas muito negros… ameaçadores como a noite! — Bem — disse ele, encolhendo os ombros num gesto de indiferença. — Sempre vão existir coisas desagradáveis, como dor, morte… e a retribuição de um amor. — Retribuição de um amor? O que quer dizer com isso? — Nós nos casamos para corresponder a um tipo de amor… o amor egoísta daqueles que cuidaram de nós quando éramos crianças. E nenhum de nós se rebelou, não é? Somos marido e mulher, e agora temos que tentar fazer com que a nossa vida a dois seja a melhor possível. Glenda ficou sentada em silêncio e permitiu que ele enchesse novamente seu copo. Mas não quis comer o salmão defumado. Não conseguiria engolir nada, embora concordasse que o vinho poderia lhe subir à cabeça se não comesse. E, a bem da verdade, queria mesmo que a bebida lhe confundisse os pensamentos, e abrandasse sua culpa. Talvez a tornasse corajosa quando chegasse o momento de entrar no Château Noir, como sua nova dona. Esperava que não fosse um lugar demasiado grande e assustador, com um exército de empregados a quem tivesse que dirigir. Tinha vivido confortavelmente com Edith, em Barton-le-Cross, mas não se acostumara a tomar conta de uma casa muito grande, nem a dar ordens a mordomos e criadas. Com uma necessidade desesperada de fortalecer a coragem, Glenda bebeu o vinho. Tinha consciência de que o marido a observava atentamente através da fumaça do charuto. Como iria conseguir conviver com um estranho, numa intimidade maior do que a que possuíra com qualquer outra pessoa? Edith sempre mantivera um olho vigilante sobre ela, mas Glenda, por sua própria escolha, nunca fora uma moça muito afoita para experimentar o amor. Interessava-se mais pelos lugares que visitava do que pelos homens que se aproximavam. Costumava dar-lhes respostas indiferentes, que depressa os afastavam. Era considerada uma filha devotada. O que era bem diferente de ser uma esposa que sentia medo do homem com quem unha se casado.
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