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CAPÍTULO VI



CAPÍTULO VI

 

Os dois se sentaram no tapete e se deliciaram com as torradas quentes, cheias de manteiga e geléia de ameixa. Glenda não perguntou a Robert se ele tinha permissão para comer doce, mas desconfiava, pelo jeito com que sua mãe falara na hora do almoço, que se ela entrasse na biblioteca naquele momento, faria um escândalo e obrigaria o filho a subir imediatamente para escovar os dentes.

— Está gostando, Robert?

Ele balançou a cabeça afirmativamente.

— Quando você era criança também gostava de geléia?

Sua memória voltou ao orfanato, onde as crianças raramente provavam doces. Que surpresa maravilhosa tinha tido quando fora viver em Barton-le-Cross e provou os primeiros bolos recheados de chantilly, com o chá de Darjeeling, que Edith tanto apreciava! Dormindo muito pouco, ela costumava tomar chá durante a noite. No quarto ao lado, Glenda escutava o ruído da colher de prata na fina porcelana, e pensava que aquela mulher era uma fada, que com um passe de mágica a arrancara daquele prédio cinzento e triste do orfanato. Lá não existiam lençóis cor-de-rosa, nem fronhas enfeitadas de rendas, nem tapetes macios ao lado da cama, ou cortinas transparentes e finas que a brisa da noite balança suavemente.

— Sua maman era boazinha? — perguntou Robert.

— Oh, sim, ela era ótima.

— Deixava você brincar com outras crianças?

Aquela pergunta comovente quase fez Glenda chorar. Era um egoísmo cruel de Jeanne negar ao filho a amizade de outras crianças. Nenhum amor podia ser tão absorvente, nenhum ser humano devia ser propriedade de outrem.

— Você tem amigos de sua idade, Robert?

Ele sacudiu a cabeça.

— É porque não vou à escola. Tenho um professor particular que me dá aulas de segunda a sexta. Ele é bravo e diz que não sirvo para matemática. Eu estudo muito, mas erro os problemas, e ele fala que sou vadio.

— Mas você deve ser bom em outras matérias.

— Gosto mesmo é de pintar. Tio Mall diz que pinto cavalos muito bem.

— Pode ser um grande artista quando crescer. Você gostaria?

— Eu… acho que sim. Mas minha mãe diz que tenho que ser advogado, como o meu pai era.

— Acredito que isto a faria feliz, Robert, mas quando crescemos temos que fazer o que gostamos. Se quiser ser pintor deve brigar por isso. Não é qualquer menino que consegue desenhar um cavalo. Você anda muito a cavalo?

— Mamãe não deixa — disse ele, mordendo o lábio. — Mas é porque ela gosta muito de mim, e sou seu único filho. Você tem irmãos, Glenda?

— Não. Também sou filha única, mas minha mãe gostava que eu passeasse a cavalo, e eu tinha um pônei chamado Panqueca.

Robert deu uma risada.

— Que nome engraçado! Por que pôs esse nome nele?

— Porque gostava muito dele, e ele era bonzinho.

Lembrou-se com saudades dos passeios pelos bosques em Barton-le-Cross, das árvores cobertas de neve no inverno e dos caminhos floridos de azaléias no verão. Quanto tinha de agradecer a Edith! Uma adolescência maravilhosa, que nunca conheceria se ela fosse uma mulher convencional, com medo de correr riscos, em vez de viver com classe… embora às custas da família Malraux.

Adorada Edith! Não era um anjo, na acepção do termo, mas possuía a virtude da bondade e da alegria, e Glenda cultuava sua memória. Não seria o casamento com Mall que iria manchá-la.

— É divertido darmos nome a nossos bichos de estimação, ou a nossos amigos. Gostaria de pôr um apelido em você.

— Tem que me chamar de Robert! Mamãe não gostou nada quando tio Mall começou a me chamar de Robbie.

— E você gostava?

O garoto balançou a cabeça, querendo dizer que sim, e lambeu os lábios lambuzados de geléia.

— Mamãe pediu ao tio para deixar de me chamar assim e ele concordou. Mas ficou muito zangado, com uma ruga na testa. Quando eu crescer vou querer ferrar meus cavalos como ele. Titio não deixa que ninguém faça isso, sabia? Ele tem sua forja atrás dos estábulos e algumas vezes deixa que eu segure o cavalo enquanto ajusta as ferraduras em brasa. Os animais não sentem dor, se o trabalho for bem-feito. Tio Mall sabe fazer uma porção de coisas! Você deve ter ficado muito contente por ter se casado com ele!

— Fiquei no céu — murmurou, distante.

Estava imaginando a cena. Malraux nu da cintura para cima no calor escaldante da forja, a pele brilhante de suor, ferrando cavalos como qualquer ajudante de estrebaria. Era uma imagem rude, grosseira, que a fez sentir um arrepio, e depressa afastou-a da mente.

Não queria se lembrar da força descomunal daquele homem, evidente até mesmo quando a esperava imóvel ao pé do altar, no terno impecável. Quando ele segurou sua mão, tão pequenina e branca, em contraste com a dele, grande e escura, teve medo de que a quebrasse.

Devia ter fugido antes de pronunciar as palavras que só deviam ser pronunciadas por uma mulher ou um homem apaixonado.

O dia estava acabando e pelas janelas do castelo entravam os últimos raios do sol poente. Com a sala cheia de sombras, iluminada apenas pelo fogo, Glenda começou a sentir a coragem lhe fugir e a consciência lhe recomendar cuidado.

Talvez fosse mais sensato optar pela maneira mais covarde, fugindo do marido sem comunicar-lhe nada. O que realmente não podia era permanecer ali! Malraux não tinha amor para lhe dar… Mas, como queria que o nome da família tivesse continuidade, não a deixaria sozinha naquela noite.

O cair do crepúsculo somado ao fogo que dançava na lareira estimularam a imaginação de Glenda, e ela começou a rememorar os acontecimentos da noite anterior. Sozinha com Malraux na torre, seu corpo grande e forte sobre o dela, seus braços a envolvendo, as mãos de dedos de aço obrigando-a a ceder… Sentia medo ao se lembrar com que facilidade ele a jogara na cama, sem piedade nem ternura.

Orgulho, não piedade, o tinha feito sair do quarto quando lhe pedira para apagar as luzes.

Tudo voltava agora à sua mente, e com tal força, que, quando a porta da biblioteca se abriu de repente, esperou ver Malraux. Mas era Jeanne, que ficou parada na soleira, olhando estarrecida para as xícaras e pratos espalhados ao lado do filho, deitado no tapete.

Depois de alguns segundos de indecisão, ela entrou na sala, os olhos negros parecendo soltar chispas. Robert sentou-se depressa, e Glenda, igualmente assustada com a expressão do rosto dela, preparou-se para o pior.

— Não faz dois dias que você está nesta casa e já está tentando roubar meu filho de mim!

Transtornada, a mulher agarrou o pote de geléia e o atirou contra a parede da lareira, espirrando doce e cacos de vidro por todos os lados. Glenda ficou atônita com essa demonstração de violência.

— Não diga tolices… Não estou fazendo nada disso. E nem poderia!

— Sei muito bem o que quer, sua oportunista! Nós todos sabemos que se casou com meu irmão para ser dona do castelo! Você enfeitiçou meu avô, mas não vai ser fácil dominar Mall. E eu não vou permitir que lance seu feitiço sobre Robert!

Tentou agarrar o menino, mas ele foi mais rápido, ficando de pé num salto, e fugindo para o outro lado da sala.

— Fique calma, Jeanne, que lhe explico tudo. Estávamos apenas tomando chá juntos. O que há de tão terrível nisso? Afinal, você estava descansando e…

— Robert sempre toma lanche comigo! Ele não estaria aqui agora se não o tivesse convencido. Quando eu ficar sozinha com ele vou ensinar-lhe a guardar distância de você. Nada como uma boa surra para aprender a não desobedecer a mãe!

— Não tem por que bater nele!

Movida por forte instinto de proteção, Glenda aproximou-se do menino e pôs o braço em volta de seus ombros. Sentiu-o trêmulo, o corpo gelado. E nem podia ser diferente. Ele era apenas um garoto de sete anos. Como iria entender uma mãe que num instante o sufocava com tanto carinho, e no momento seguinte fazia aquelas ameaças alucinadas de violência física?

Glenda o segurou a seu lado, servindo-lhe de escudo, e enfrentou o olhar enlouquecido de Jeanne.

— Não há razão para castigar Robert. Procure ser sensata e deixe que ele tenha os amigos que quiser. Pode possuir seu corpo mas não sua alma. Ninguém pode fazer isso, se não quiser transformar amor em ressentimentos. É isso o que deseja?

— Amor! O que você sabe sobre o amor? Acredita mesmo que meu irmão a ame? O casamento de vocês foi combinado, sei que é conveniente a ambos. Todo mundo sabia que Edith não tinha fortuna e é óbvio que não lhe deixou nada quando morreu. A generosa quantia que recebia vinha de nós. Meu avô comprou você e Malraux vai tentar tirar um lucro extra do negócio; se entende o que quero dizer. Não estou dizendo que ele não esteja gostando. Com esse seu cabelo ruivo e esses olhos verdes…

Parou de repente no meio da frase, olhando intrigada para a cunhada, cujo rosto estava iluminado pelo sol da tarde. Mas no mesmo instante aquela luz fugidia sumiu, e a sala ficou quase que completamente escura.

— Eu seria capaz de jurar que seus olhos eram verdes — continuou Jeanne, aproximando-se de Glenda. — Lembro-me de que meu avô tinha se encantado com eles, e que chegou até a lhe dar um broche em forma de meia-lua, crivado de pequenas esmeraldas. Para combinar com os seus olhos. Foram as palavras dele!

O coração de Glenda deu um salto no peito. O tempo todo ela temera esse momento em que alguém da casa reparasse na diferença entre os seus olhos e os da menina que estivera ali há muitos anos.

— Como é possível que seus olhos não sejam verdes, como eu me lembro muito bem? — perguntou Jeanne, desconfiada.

— Eu… eu realmente não sei. Olhos azuis tendem a ficar cinzentos e desconfio que os meus perderam o tom esverdeado.

— E onde está o broche que meu avô lhe deu? Ainda o tem?

— Não, perdi-o há muitos anos… infelizmente.

A verdadeira Glenda Hartwell o havia perdido nas férias em que morrera. Estava na blusa da menina, e, quando ela se debruçou na balaustrada do navio, ele caiu no mar. Edith sempre dizia que aquilo fora um aviso sobre a tragédia que pouco depois lhe levaria a filha.

— Que falta de cuidado, perder aquele broche! Era tão lindo! Eu o queria para mim, mas meu avô me negou. Ele só gostava de meu irmão. Queria que Mall ficasse com a fundição quando crescesse, e só via Mall na frente dele… Daí fugi para Nice quando fiz dezoito anos e me empreguei como recepcionista em um hotel. Foi lá que conheci meu marido… Oh, Gille… — Jeanne escondeu o rosto com as mãos e não conteve um lamento amargurado, quase um grito: — Não posso agüentar! Não posso agüentar!

Aos prantos, deu meia-volta e saiu correndo da biblioteca. Glenda se sentou, tremendo, o braço em volta dos ombros de Robert.

— Coitada da maman… Não será melhor que eu vá atrás dela?

— Não. Ainda não.

Alisou os cabelos dele, negros e brilhantes, tão escuros quanto os de Jeanne, antes da morte do marido. Será que Malraux percebia como a irmã estava próxima de uma depressão nervosa? Ou estava tão absorvido com os interesses econômicos da família que não notava que ela era capaz de praticar alguma loucura, prejudicando até o próprio filho?

Abraçou o menino com carinho. Às vezes os adultos criavam uma dependência tão grande nas crianças que acabavam transformando-as involuntariamente nas vítimas dos problemas que os afligiam. Pensando nisso, Glenda propôs:

— Robert, acho melhor irmos procurar o seu tio e conversarmos com ele sobre a sua mãe. Você é um menino esperto, e deve perceber que ela não está muito bem. Sei que a ama, mas não pode permitir que ela faça alguma coisa que possa feri-lo. Está me entendendo?

— Titio vai mandar minha mãe para o hospital?!

— Não sei. Talvez mande — respondeu, com sinceridade.

— Então quem vai tomar conta de mim? Você toma?

Glenda olhou para a janela. A noite já tinha caído, cobrindo com seu véu negro o vale do Loire, o Cher, o Indre e o Verde Vienne… esse que refletia as torres e torreões do Chinon.

Conhecia esses lugares através dos livros. Por ali andara Joana d'Arc… Naquelas paragens os reis da França tinham construído seus castelos, alguns sombrios como mosteiros, outros tão enfeitados como um bolo de casamento.

Robert estava olhando para ela, cobrando em silêncio uma resposta à sua pergunta. Compreendia muito bem como ele se sentia, pois conhecera de perto a insegurança.

— Eu estou aqui, não estou? — disse, sorrindo, e escondendo dele seus receios.

Pelo jeito teria que ficar pelo menos aquela noite. Havia outras mulheres na casa, mas depois de conhecê-las achava que nenhuma delas tinha condições nem sensibilidade para compreender os medos de uma criança.

Todas pareciam estar às voltas com mil problemas, e seria até cruel deixar Robert entregue a elas. A tia-avó estava velha e doente, e as duas gêmeas não primavam pela sensatez.

— Vamos procurar seu tio.

Tomou o garoto pela mão e foi com ele até o hall.

Chegaram a tempo de ver Malraux saindo apressadamente pela porta da frente, que estava escancarada, deixando entrar o ar frio e chuvoso da noite. Ele vestia capa de chuva e carregava uma lanterna na mão. Dois empregados vestidos também com abrigos impermeáveis seguiam atrás dele.

Rachel estava sentada à mesa do telefone, tentando fazer uma ligação. Um grupo de empregadas cochichava ao pé da escada, parecendo muito assustadas.

Glenda aproximou-se de Rachel, que havia desistido de telefonar.

— O que aconteceu?

Rachel olhou para ela, depois para Robert, e respondeu, hesitante:

— Jeanne tomou uma superdose de calmante e saiu correndo para a floresta… A floresta é densa, e está chovendo muito.

Caiu um silêncio pesado, quebrado por um soluço de Robert, que soltou a mão de Glenda e correu chorando para a porta.

— Mamãe… Mamãe… Quero você!

— Pare, Robert!

Glenda saiu em seu encalço, mas não conseguiu agarrá-lo. Ele era muito mais ágil e conhecia bem os atalhos do jardim. Em poucos minutos sumiu da presença dela e alcançou os homens que procuravam por sua mãe.

A chuva caía torrencialmente e Glenda parou sem fôlego, os cabelos molhados, a roupa colada ao corpo. Estava em pânico e rezou para que não acontecesse nada a ele. Como Jeanne devia se sentir desesperada para fazer uma loucura dessas!

Parecia mesmo decidida a dar cabo da vida. A maioria das tentativas de suicídio não passa de um brado de socorro para que as pessoas em volta ajudem, antes que seja tarde demais. Mas aquele caso era diferente. A floresta em torno do castelo era quase impenetrável, e Jeanne não podia contar com a lua ou com as estrelas para ajudarem Mall e seus homens na busca.

Pobre e infeliz mulher, que como um animal ferido cairia na chuva e talvez morresse sob as árvores!

Tremendo de frio e encharcada até os ossos, Glenda voltou para o castelo e encontrou no hall as duas primas do marido conversando com Héloise. Era a tia de Malraux quem estava falando:

— Meus nervos estão em tal estado que já nem sei mais o que fazer! Minha cabeça está latejando e sinto palpitações… Como Jeanne pôde ter feito uma coisa tão egoísta?

— Egoísta? Como assim? — Rachel quis saber.

— As pessoas que tentam se matar não se importam com os problemas que causam aos outros. Bem que pressenti que mais dia, menos dia isso ia acontecer. Era evidente que Jeanne já estava desequilibrada há algum tempo. Ora, todos nós temos uma cruz para carregar! Sempre tive uma saúde delicada, mas ninguém me vê tendo ataques histéricos nem tomando superdoses de sedativos.

— Ela amava Gilles demais — Renée tentou justificar. — E ele morreu tão estupidamente! Se não fosse por Robert, teria sido melhor que tivesse morrido com ele.

— Deixe de falar bobagens — disse Rachel, irritada. — O estado dela piorou hoje, no fim da tarde. Mall já tinha me pedido para entrar em contato com o dr. Corvelle, mas eu não consegui encontrá-lo. A empregada dele às vezes deixa o fone fora do gancho para que ele possa descansar. Marie não devia, fazer isso, mas ele trabalha demais. Não sei o que fazer!

— Uma coisa comum em você!

— Mas que falta de consideração de Jeanne, fazer uma coisa dessas conosco — insistiu Héloise. — Se alguém resolver acabar com a vida, por que não faz isso na intimidade do quarto, sem incomodar as outras pessoas da casa?

Para Glenda, que estava escutando tudo em silêncio, isso foi a gota d'água.

— Oh, calem a boca de uma vez! Nenhuma de vocês se importa com o fato de Robert estar lá fora, na chuva e no escuro, correndo como um animalzinho assustado chorando pela mãe? O que acontecerá se ele encontrar Jeanne…

Não teve fôlego para continuar, tremendo de frio e de raiva.

— Você está ensopada! Também apanhou chuva? — perguntou Renée.

— Tentei impedir que Robert fugisse, mas ele escapou de mim.

— Vai pegar uma pneumonia se não puser uma roupa seca imediatamente. Suba até meu quarto, que lhe arranjarei um roupão. Os homens podem demorar horas até encontrarem Jeanne.

— Obrigada, Renée, mas estou muito preocupada por Robert. Malraux o deixou comigo, e sinto-me responsável se alguma coisa lhe acontecer. Não tenho certeza se ele alcançou o tio e gostaria de sair para procurá-lo.

— Deixe isso comigo, que conheço melhor o lugar — disse Rachel, inesperadamente. — Mande fazer café, Renée, e tente outra vez falar com o médico. Estou pensando se não seria bom avisar também a polícia. O que vocês acham?

— Mall não concordaria com isso — respondeu a irmã. — Se Jeanne estiver bem, só causaria problemas. Ela pode até ter jogado fora algumas pílulas para fingir que tomou tudo.

— Na dúvida, acho melhor nos prepararmos para o pior. Vou ver se encontro pelo menos o garoto.

Dizendo isso, Rachel dirigiu-se ao armário do hall e pegou uma capa de chuva e um chapéu. Deu um até-logo rápido e saiu porta a fora.

Glenda foi convencida a subir com Renée para o quarto. A moça lhe deu uma toalha para secar-se e obrigou-a a vestir um grosso roupão de plush.

— Que maneira de começar sua vida de casada, hein? Esse corre-corre está estragando a lua-de-mel, não está?

Glenda fez que sim. Não ia contar a verdade a Renée. Uma lua-de-mel com Malraux era a coisa que mais desesperadamente queria evitar… mas não às custas da vida de outra pessoa.

Oh, Deus, será que Jeanne tinha mesmo acreditado que ela estava querendo afastar Robert dela?

— Jeanne já tentou se matar alguma vez?

— Não, embora todos esperassem por isso na época em que Gilles morreu. Se aquela pobre criatura não conseguisse realmente viver sem ele, já teria dado fim à vida há tempos.

— Acha, então, que o que está acontecendo agora é pura encenação? Estava escovando os cabelos e observou pelo espelho da penteadeira que Renée parecia muito surpresa. Seus olhos ligeiramente amendoados refletiam o dourado da luz do abajur.

— Ela adora o filho, e não acredito que queira deixá-lo sozinho no mundo. Nunca o perde de vista. E me surpreende que tenha deixado ele passar a tarde toda com você.

Glenda foi até a janela e afastou as cortinas.

— Ela não gostou nada. Encontrou-nos tomando chá e comendo; torradas com geléia na biblioteca e me acusou de estar tentando afastar o filho dela. Depois ameaçou dar uma surra nele. Robert ficou tão assustada que se agarrou a mim… Jeanne saiu chorando da sala e… e agora me sinto culpada pelo que ela fez.

Virou-se e ficou parada, emoldurada pela seda clara das cortinas, o que realçava ainda mais o tom vermelho-escuro de seus cabelos. Seu rosto estava lívido, a não ser pelo tom de âmbar dos olhos.

— Não deve pensar assim, Glenda. Jeanne não gosta que ninguém agrade Robert. Ela fez muita confusão quando Mall tentou convencê-la de que era melhor ser uma mãe menos superprotetora, que abafa seu desenvolvimento normal. Só Deus sabe o que ele se tornará quando for homem, pobrezinho. Gilles nunca aprovaria o que Jeanne está fazendo com aquela criança.

— Ela vive apavorada com o que possa acontecer com ele. Espero que a encontrem logo e que esteja bem. Ela precisa de tratamento para curar a ansiedade. Malraux deve ter percebido que o comportamento dela não é natural.

— Meu primo sabe o que ela passou e acredito que tenha tido receio de aumentar o seu sofrimento. Você pode ter se casado com ele, mas não o conhece bem.

— Mas a culpa não é exatamente minha! Ele não foi a Barton-le-Cross uma única vez, e achou que quando fosse o momento certo eu me casaria com ele. Eu considero isto uma arrogância da parte dele. Você concorda comigo?

Renée encolheu os ombros num gesto de indiferença.

— Se você não quisesse, não precisava casar. Mas, como estavam comentando na igreja, era um negócio vantajoso, especialmente porque depois que sua mãe morreu toda a renda dela voltou outra vez à família Malraux.

— Então também acredita que me casei por interesse! Desconfio que nenhum de vocês pensou que eu… eu tinha prometido à minha mãe que me casaria com Malraux, da mesma forma que ele prometeu a seu avô. No caso dele foi vantajoso se casar comigo porque assim herdou o castelo.

— Pois acho que o próprio Malraux é o marido que a maioria das moças gostaria de ter! Ele foi muito bom para minha irmã e para mim e por isso não vou criticá-lo. É verdade que às vezes é arrogante, mas que mulher aprecia um homem sem fibra? Ou você está apaixonada por aquele oficial loiro que a olhava tão intensamente enquanto você se casava com outro? Pode me contar, sou bem mais romântica do que Rachel.

— Simon é um bom rapaz — disse Glenda, sem se comprometer. — Oh, como gostaria de receber boas notícias sobre Jeanne! Vamos descer para tomar um café?

Atravessou o quarto antes que Renée tivesse tempo de responder, fugindo da curiosidade da outra.

A enorme porta de carvalho estava ainda escancarada e o vento frio trazia a chuva para dentro da casa. O hall estava deserto, a não ser pelas armaduras dos cavaleiros, que pareciam mais sinistras.

Fechando bem o roupão em torno do corpo, Glenda foi até a entrada e sentiu a violência do vento. Seu coração estava cheio de angústia.

— Por misericórdia, meu Deus, faça com que se salvem. Não permita que haja mais tristezas nesta casa — rezou.

— Não fique aí no frio — chamou Renée. — Venha ao salão tomar café.

— Acho que vi uma luz entre as árvores. Talvez os homens estejam voltando. Quem sabe encontraram Jeanne…

Renée foi para perto dela e as duas olharam aflitas quando o facho de luz de uma lanterna apareceu entre a folhagem e depois se alongou pelo pátio. Quando o grupo chegou mais perto, divisaram Malraux carregando um vulto imóvel.

Renée se agarrou a Glenda.

— Oh, não!

Malraux agora podia ser visto melhor, os cabelos negros grudados na cabeça. Rachel vinha logo atrás, segurando Robert pela mão. O rostinho dele estava marcado pelas lágrimas.

— Robert precisa de alguém para tomar conta dele — disse Malraux, transportando a irmã pelo hall.

— E Jeanne? — Glenda não conseguiu perguntar-lhe mais nada.

— Só Deus sabe. Avisaram o médico?

— Não conseguimos entrar em contato com ele. Tentarei outra vez — Renée correu para o telefone, agitada.

Rachel soltou os cabelos que estavam presos dentro do chapéu. Em silêncio, Glenda abriu os braços e o menino correu para ela, apoiando o corpinho trêmulo no seu.

— Tudo está bem agora, meu querido. Vou levar você para cima para se enxugar bem, e depois peço um leite bem quente. O médico vai chegai logo, não se preocupe.

— Coitadinha da maman… Tio Mall tentou, mas não conseguiu que ela respirasse.

— É melhor vir comigo agora, como um bom menino.

Cruzaram juntos o hall e subiram a escada. Agora não havia nada que ela pudesse fazer por Jeanne. A cabeça jogada, a pele acinzentada, restavam poucas esperanças de que ela ainda vivesse, sobretudo se Malraux tinha tentado respiração boca a boca sem resultado.

No alto da escadaria, Robert ainda se voltou, e olhou desesperado para baixo, vendo o tio levar a mãe para a biblioteca. O coração de Glenda sofria pelo garoto. Ele nunca esqueceria aquela noite. Ficaria gravada para sempre em sua mente e ele provavelmente se perguntaria se tinha tido alguma culpa.

—- Não tomei o chá com mamãe hoje… Acha que foi… por isso que ela…

— Não, meu bem, Você tem que acreditar que não teve nada a ver com a maneira como sua maman estava se sentindo. Desde que seu pai morreu ela ficou uma mulher triste e solitária, e as coisas que falou para você na biblioteca não foram de coração. Quando ficamos infelizes dizemos coisas de que nos arrependemos mais tarde. Portanto, não fique se culpando. Vai me prometer isso?

Ele fez que sim, balançando o rostinho abatido e pálido. No quarto, deixou que ela o enxugasse e o pusesse na cama. Depois tirou do pulso o relógio e o depositou na mesinha-de-cabeceira. Glenda viu que ele lutava contra as lágrimas.

— Está quentinho agora, Robbie?

Colocou na mesinha a bandeja com o lanche que um empregada acabara de trazer.

— Sim, obrigado, Glenda.

— Quer que eu corte o pão em pedacinhos? Assim pode molhar no ovo.

— Mamãe disse que só nenezinhos comem assim.

Todos nós gostamos de brincar de bebezinhos — disse ela, cortando pão.

— Sei que isto acontece comigo, principalmente quando fico infeliz.

— Ficou muito triste quando a sua maman morreu? — perguntou ele, enquanto quebrava a casca do ovo com a colher.

— Fiquei, mas a minha mãe estava muito doente, sentindo muitas dores, e a morte foi um alívio para ela. Nem sempre a morte é terrível, Robbie. E como se a pessoa voltasse para casa, e nós todos iremos descansar um dia, quando a nossa hora chegar.

— Já deve ter muita gente lá — disse ele, mergulhando o pão na gema do ovo. — Será que o céu não está cheio demais?

— Claro que não! O céu é um lugar especial e muito grande!

— É verdade mesmo?

— Eu não lhe diria uma coisa em que não acreditasse. O ovo está gostoso?

Robert sacudiu a cabeça, mas Glenda percebeu que o interesse dele na conversa ou na comida era desviado a cada instante por uma olhada à porta do quarto da mãe. Oh, Deus, devia ter pensado que aquela criança não poderia passar a noite ali, mesmo que ela ficasse dormindo numa poltrona ao lado de sua cama.

— Gostaria de dormir na Tour Etoile esta noite? Tem um sofá muito gostoso lá e acho que você adoraria dormir numa torre, não?

— Tio Mall vai deixar?

— Claro! Por que não? Agora termine o leite enquanto vou pegar sua escova de dentes no banheiro.

Ele saiu da cama, recolocou o relógio no pulso e depois o robe e os chinelos.

Alguns minutos mais tarde os dois estavam descendo a escada e encontraram Rachel, desanimada, fumando um cigarro.

— Vou levar Robbie para a torre, esta noite — explicou Glenda.

— Ótima idéia. O médico já chegou e mandou chamar uma ambulância. Jeanne está em coma e tem que ir para uma terapia intensiva. Graças a Deus eles estão bem equipados na clínica local. Por ironia foi Mall quem doou a aparelhagem toda…

Maman vai morrer? — perguntou Robert, com voz trêmula.

— Ela está muito doente, Robbie, mas vai ser feito o possível para ajudá-la a ficar boa.

Nesse momento Malraux apareceu na porta da biblioteca e encaminhou-se para eles afastando uma mecha de cabelos que lhe caía sobre a testa.

— Sinto muito pelo que aconteceu — disse Glenda.

— Ela não tinha o direito de chegar a isso.

Levantou o sobrinho nos braços e lhe deu um beijo. Observando-os juntos, Glenda viu novamente uma vaga semelhança, pois um dos lados do rosto de Malraux era perfeito.

— Está tomando conta de Robert? — perguntou ele, olhando-a de frente, as marcas cruéis nítidas agora.

— Sim. Pensei que ele poderia dormir em meu quarto hoje.

— Concordo.

Ele ainda fez mais um carinho no menino, aninhando a cabecinha no ombro forte que há pouco amparara sua mãe.

— Vou com Jeanne para a clínica. As próximas horas são cruciais. Dieu, por que ela foi fazer uma coisas dessas? Fiz de tudo para que se sentisse bem aqui no castelo.

— Talvez ela pensasse que as coisas fossem mudar, agora que você se casou.

Ele se virou para encarar Rachel, que tinha feito o comentário.

— Nunca se falou sobre mudança alguma aqui. Por que as coisas deveriam mudar?

— Todos sabem que as mulheres querem que suas casas e seus maridos sejam só delas, Mall. Eu pelo menos não gostaria de dividir meu marido com um bando de parentes que têm o hábito de sobrecarregá-lo com seus problemas pessoais. Uma jovem esposa poderia achar isso… cansativo, não concorda?

— Pelo amor de Deus, Rachel, você fala como se Glenda e eu fôssemos sonhadores românticos que desejássemos ficar a sós o tempo todo!

— Pode ser que você já tenha superado essa fase, mas sua esposa é muito moça e romântica. Por que ela seria obrigada a dividir o castelo com sua tia doente, sua irmã atormentada e um par de primas pobres?

— Não vamos confundir as coisas. O nosso é um casamento de conveniência mútua. Glenda e eu não nutrimos ilusões, um pelo o outro… não é, ma chérie?

Glenda estava chocada com aquela franqueza rude, mas sabia que merecia aquelas palavras. Afinal, havia sido grosseira com ele na noite anterior e Malraux não era do tipo capaz de esquecer comentários maldosos que se fizesse à sua pessoa. Mesmo assim, que necessidade havia de levantar aquelas questões diante de terceiros que não tinham nada a ver com o que se passava com o casal?

Como ele era diferente dos homens que ela conhecera em companhia de Edith! Aqueles, sim, compreendiam que as mulheres são seres mais sensíveis, mais emocionais e instáveis, que têm temores que eles não conhecem e por isso precisam ser tratadas com mais tolerância e delicadeza.

Sentiu como se a tivesse esbofeteado na frente da prima. E pela expressão tranqüila e cínica que se estampava em seu rosto, tudo indicava que ele não se importava em dar a Rachel a satisfação de ouvir o que a moça queria: aquele casamento não servia para nada.

— Nenhuma ilusão, realmente — concordou Glenda, friamente. — Robbie está caindo de sono, Mall. Vai carregá-lo até a torre ou eu mesma o levo?

— Eu o levarei… venha comigo.

A chuva tinha passado, mas ainda soprava um vento frio e cortante, quando eles atravessaram o pátio de pedras em direção ao apartamento da torre.

A luz da sala estava acesa e se filtrava suave pelos abajures, espalhando uma tonalidade agradável pelo ambiente. A noite escura e assustadora tinha ficado lá fora, e o aquecimento elétrico e grossas cortinas davam àquele lugar uma gostosa sensação de segurança.

Glenda preferia ficar ali, esquecida dos terríveis acontecimentos daquela noite, mas, como Malraux continuou a subir, seguiu-o até o quarto. Viu-o acomodar o garoto sobre a enorme cama de quatro colunas e não se importou. Ela podia muito bem se arranjar no sofá.

— Acho que é preciso tirar o robe dele — sugeriu. Malraux fez que sim e com muito cuidado ajudou o garoto a se despir.

Caindo de sono, Robert enfiou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos.

— Pobre garoto — disse Malraux. — Está muito esgotado. Você não devia ter deixado ele sair de casa.

— Tentei impedir, mas ele escapou das minhas mãos. Sinto muito, Mall.

— De qualquer forma, depois de uma noite bem-dormida, o que ele passou na floresta vai parecer bem menos terrível. E é melhor mesmo que durma aqui — inclinou-se sobre a cama e murmurou: — Dieu te bênisse, Robert.

— Mamãe vai ficar boa?

— Se le bon Dieu assim o quiser. Faça uma prece por ela. O menino obedeceu, fazendo muito esforço para abrir os olhos por alguns instantes.

— Boa noite. Glenda.

— Durma bem, Robbie — e beijou o rostinho molhado por uma lágrima.

Sentia o coração apertado ao sair do quarto cinco minutos mais tarde para encontrar o marido na sala de baixo.

Malraux esperou que ela se sentasse na poltrona, onde a luz suave do abajur revelou seu rosto pálido e exausto.

— Acho que nós dois precisamos de um conhaque. Tenho ainda um pouco de tempo. E daqui posso escutar quando a ambulância chegar.

— Coitada de Jeanne…

Ele entregou-lhe uma taça bojuda, servindo a bebida a seguir.

— Algo me dizia que isso ia acontecer, mas essas coisas ninguém gosta de admitir — sorveu um largo gole e continuou: — Por um motivo ou por outro nossa vida de casados está começando difícil, não?

— É verdade.

Segurava a taça com as duas mãos, aspirando ao forte aroma do conhaque, o que lhe provocava um leve enjôo. Não queria realmente beber nada, mas se sentia na obrigação de acompanhar Mall, que estava muito agitado.

— Parece que você não gostou do que eu disse para Rachel…

— Não posso criticar você por isso, Malraux. Nós nos casamos mesmo contra a nossa vontade. Por essa razão, quanto mais cedo eu for…

— Escute! A ambulância está chegando! Vou acompanhar Jeanne até a clínica e ficar lá o tempo que se fizer necessário. Enquanto isso, gostaria que você cuidasse do menino, não deixando que ele saia do quarto.

— Mall… — disse ela, pondo-se de pé. — Eu espero… oh, vou rezar para tudo dar certo e sua irmã ficar boa logo.

Depois que ele saiu, Glenda sentou-se outra vez. Estava desalentada, mas não havia outra alternativa a não ser ficar ali e tomar conta do filho de Jeanne, deu um longo suspiro. A sirene da ambulância havia abafado suas últimas palavras e não podia ter certeza de que Malraux tivesse escutado que ela pretendia partir o mais depressa possível.

Em todo o caso, seria uma desconsideração muito grande abandonar o castelo naquele momento. Tinha que pensar em Robert. Percebera desde o início o quanto ele gostara e confiara nela.

Compreendia muito bem como o garoto estava se sentindo. Ela própria já passara por situação semelhante e sabia como era importante uma criança contar com a segurança dos braços amigos e carinhosos de alguém que a amasse.

Glenda depositou a taça de conhaque na mesinha ao lado da poltrona e voltou ao quarto para verificar se Robert não havia acordado com a sirene da ambulância.

Robbie estava tão esgotado pelos acontecimentos daquela noite que dormia um sono pesado, embora bastante agitado. Glenda imaginou que a forte carga emocional que ele recebera poderia provocar-lhe pesadelos e achou melhor manter a luz acesa.

Sem sono e bastante intranqüila, ela pegou uma cadeira e sentou ao lado da janela. Dali podia-se avistar a parte mais importante do castelo, cujas luzes tremulavam fracas, mais parecendo velas ao longe. Que lugar esquisito! Durante o dia aquela construção imponente que dominava todo o vale do Loire tinha uma beleza inegável. Mas agora que a noite estava escura e pesada seu aspecto era tão sombrio! Aquilo valia o preço pelo qual havia sido adquirido? Valia a pena casar-se com uma desconhecida para obter aquele amontoado de paredes?

Quem o comprou devia estar satisfeito. Ela não. O que a faria feliz seria outro tipo de casamento. Seus pensamentos voaram, então, até a Inglaterra, para o quartel de Chelsea. Oh, Simon, Simon! O que ele estaria fazendo naquele exato momento? Será que estaria de guarda? Ou quem sabe havia conseguido folga e viajara para a casa de Yorkshire?

Num ou noutro caso, devia estar pensando nela! E… sofrendo! Enfrentar a situação de ver a mulher que amava nos braços de outro não é fácil. Imaginá-la dormindo todas as noites com um homem como Malraux d'Ath, mais difícil ainda!

Numa tentativa de se livrar daquelas idéias, Glenda debruçou-se sobre o parapeito da janela e contemplou os telhados escuros. Inútil. Nunca sentira tanta saudade de Simon. Mas era um tanto decepcionante saber que ele não era tão determinado quanto Malraux para conseguir o que queria.

Apesar disso, e mesmo conhecendo o caráter dominador do marido, alimentava esperanças e desejava de todo o coração que Simon o enfrentasse e a libertasse das amarras daquela união sem amor, onde só entrava em jogo interesses comerciais e ambições desmesuradas. Isto mesmo. O casamento com ela, por força do cumprimento do testamento do avô, proporcionara a Malraux a posse do Chateau Noir e das terras em volta e lhe dera ainda o controle total sobre as fundições. Matthieu, o outro neto, tinha um alto cargo na diretoria da empresa e uma sólida renda, mas o poder de decisão estava todo nas mãos de Malraux.

E era essa autoridade, aliada à personalidade forte e autoritária, tão diferente da cordialidade de Simon, o que Glenda mais temia.

Seu marido era ameaçador como a noite lá fora, onde o perigo ronda uma mulher que caminhe sozinha e sem proteção. Das sombras, surgiriam mãos que a tocariam na garganta e ela não conseguiria emitir nenhum som e saberia que estava perdida.

Além de ameaçador, sombrio… Sombrio como o destino que ilude as expectativas e desencanta as esperanças de todos. Um sonho pode ser acalentado por muito tempo e o futuro pode ser planejado. Mas quem nos dá a garantia de que nossos sonhos loucos fugirão da esperteza do destino?

Oh, Simon… Por que ele ficou naquela igreja, imóvel e silencioso feito uma estátua, e permitiu que o homem que até aquele dia era uma sombra se transformasse numa presença real que os separava? Ela tinha esperanças… Sim, tinha esperanças de que ele se adiantasse e afastasse para um lado o estrangeiro moreno. Em seguida, diante do padre e dos convidados, declarasse alto e claro: “Esta mulher me pertence”. Ele não fez nada disso e ela se encaminhou para a sacristia ao lado de Malraux d'Ath, quando devia ser ao lado de Simon!

Olhos atentos na escuridão, Glenda viu um pássaro noturno pousar entre as vigas do telhado. Nesse mesmo instante, Robert resmungou qualquer coisa no sono. Ela se afastou da janela e foi até a cama ver se o garoto estava bem. Ficou por longo tempo estudando o rostinho de perfil tão perfeito que se desenhava contra o travesseiro macio.

Era a própria imagem da inocência… mas também do desamparo. Crianças daquela idade necessitam de muita compreensão e carinho porque, embora tenham consciência das coisas, ao mesmo tempo não podem resolver nada por si próprias. Por isso, precisam ser educadas para não viverem numa dependência angustiante dos adultos.

Estava refletindo sobre isso quando ouviu o piado grave e enervante da ave noturna que se aninhava no telhado. Assustada, voltou-se rápido para o interior do quarto e ao deparar com a própria imagem refletida no espelho não pôde evitar uma comparação insólita.

Sim. Realmente ela se parecia com a moça retratada naquele quadro na biblioteca… Cabelos ruivos escuros, pele muito branca, olhos grandes e cheios de apreensão, lábios entreabertos…

Aquele dia tinha sido mesmo muito estranho e assustador! Que outra explicação existiria para estar deixando a imaginação ir tão longe? Por outro lado, analisando friamente a sucessão de infortúnios que se abatera sobre a família Malraux, como não trazer à mente a lenda da jovem que morrera na fogueira? Era tentador justificar tudo aquilo com a maldição que a moça teria jogado sobre todos que viessem a morar no castelo de paredes cinzentas e torreões negros, tão lindo à luz do dia… tão ameaçador quando a noite se aproximava de suas janelas.

 



  

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