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Digitalização: Valeria O.



 

 

“The night of the bulls”

Anne Mather

 

 

 

 

A mú sica dos violinos, as fogueiras, a danç a, o desejo que sentia por Franç ois... Quando percebeu, Dionne estava bebendo vinho da mesma taç a que ele e trocando votos numa cerimô nia de casamento cigano. Daquela noite de paixã o e ê xtase, o que restava agora? Um filho e a dolorosa certeza de ter sido usada e abandonada pelo milioná rio Franç ois St. Salvador. Mas trê s anos e a rejeiç ã o dele nã o haviam destruí do seu amor, e ainda tremia só de pensar em revê -lo. No entanto, tinha de voltar à Franç a e enfrenlá -lo. Só Franç ois poderia lhe dar o dinheiro para o tratamento do filho. E, pelo pequeno Jonathan, Dionne seria capaz de tudo. Até de se humilhar diante do homem que destruí ra a sua vida!

 

 

Digitalizaç ã o: Valeria O.

Revisã o: Carmita


CAPÍ TULO I

 

No começ o de abril, a rajada gelada do mistral sopra das encostas glaciais da Provenç a, uivando sobre a Camargue e todo o vale do rio Ró dano. Nem homens nem animais tentam desafiar sua fú ria, e apenas as í ris e os narcisos, que crescem selvagemente entre os juncos, ousam sugerir que a primavera está chegando ao estuá rio.

Na sua passagem, o mistral deixa muitos estragos. Desesperados, os pá ssaros procuram comida, seguindo a trilha dos cavalos selvagens, cujos cascos marcaram o campo de gelo. Mas, quando o vento se vai, todo o delta volta à vida, colorido como nunca foi nem mesmo no verã o. Nas lagoas azuis e nos pâ ntanos, surgem novamente os abelheiros, de plumagem brilhante, mergulhando para pegar insetos e deslizando sobre a superfí cie da á gua, e os flamingos, com sua elegâ ncia ré gia.

Dionne conhecia tudo isso muito bem, foi naquela é poca do ano, muito tempo atrá s, que chegou pela primeira vez na Provenç a e, desde entã o, aquela regiã o da Franç a tornou-se muito especial para ela. Agora, estava de volta e sentia a mesma emoç ã o de quando partira, trê s anos antes. Mas poderia ter ficado... naquelas circunstâ ncias?

O jato fez uma manobra, preparando-se para pousar, e ela afundou-se no assento, subitamente nervosa. Em minutos, aterrissariam em Marignane e nã o haveria ningué m lá, esperando por ela para dar as boas-vindas.

Um rapaz, sentado no banco de trá s, curvou-se para ela, ansioso. Durante toda a viagem, ele a olhara insistentemente, mas Dionne o tinha desencorajado: nã o queria se envolver com homem algum. Mas como ele percebera seu pâ nico crescente, quase histé rico, tocou-lhe o braç o de leve, dizendo:

— Pardon, mademoiselle, nã o está se sentindo bem?

O sotaque francê s era carregadí ssimo, e a moç a ficou imaginando como saberia que era inglesa. A menos que a tivesse ouvido conversar com a aeromoç a.

Lutando para desembaraç ar o cinto de seguranç a, esboç ou um sorriso.

— Obrigada, monsieur, mas estou bem. A... a aterrissagem sempre me deixa nervosa.

O rapaz concordou com um movimento de cabeç a. Observando-o melhor, notou que era bem atraente. Clâ rry diria que era maluca de nã o aceitar as atenç õ es de um tipã o daqueles. Mas Clâ rry nã o estava lá e Dionne tinha de enfrentar sozinha a situaç ã o. Para cortar a conversa, desviou o olhar para a janela.

A pista se aproximava, numa velocidade vertiginosa. Fechou os olhos e sentiu o solavanco do trem de aterrissagem no chã o. Tinham pousado.

Dionne soltou o cinto, passou a mã o pelos cabelos para verificar se o coque estava em ordem e levantou-se para pegar suas coisas.

Pelo sol, lá fora, pensou, acho que nã o preciso vestir o casaco. Pendurou-o no braç o e apanhou a maleta de mã o no bagageiro.

— Posso ajudar, mademoiselle? — Era ele novamente. A maioria dos passageiros estava desembarcando, despedindo-se da aeromoç a e descendo a escada. Mas o rapaz parecia esperar por ela.

Dionne sorriu, agradecendo, e caminhou para a saí da.

O dia lá fora estava morno. Nem mesmo o ronco ensurdecedor de um jato sobre sua cabeç a estragou a sensaç ã o agradá vel de estar de volta.

Deixando o sentimentalismo de lado, desceu a escada e encaminhou-se para a alfâ ndega.

As formalidades do desembarque foram rá pidas. Os oficiais sorriam para ela, desmanchando-se em amabilidades, com a galanteria peculiar dos franceses diante de uma mulher bonita. Sentiu-se mais confiante para enfrentar o que teria pela frente. Olhou em volta e respirou fundo aquele ar deliciosamente conhecido, uma mistura de flores e mar. Um carro estaria à sua espera, mas nã o sabia como reconhecê -lo. Havia muitos por lá, alé m de vá rios ô nibus que levariam os passageiros até Marselha.

O rapaz do aviã o caminhava casualmente a seu lado. Dionne mordeu o lá bio, impaciente. Gostaria que ele nã o fosse tã o insistente e nã o lhe criasse problemas. Quando se inclinou para ela, fuzilou-o com seus olhos verdes cheios de espanto e aborrecimento.

— Sim, monsieur?

— Está sendo esperada, mademoiselle?

— Estou, obrigada.

Nã o chegava a ser inteiramente mentira.

— Entã o, nã o precisa de uma carona?

— Nã o, obrigada.

Dionne continuou a andar por entre os carros estacionados, tentando achar o da Inter-France. O sol forte, batendo nos vidros e cromados, era ofuscante. Pegou os ó culos escuros na bolsa. Eram grandes e quadrados e escondiam sua expressã o. Esperava que, com isso, o rapaz percebesse que ela nã o estava interessada em flertar e desistisse. Mas lá estava ele novamente a seu lado, dizendo:

— Acho que deixou cair isso aqui, mademoiselle.

Dionne virou-se, pronta para fazer uma grosseria e, surpresa, viu que ele lhe estendia sua reserva no hotel.

— Oh... oh, obrigada. Devo... devo ter deixado cair quando peguei os ó culos. Muito obrigada.

— Foi um prazer, mademoiselle. No entanto, nã o pude deixar de notar que pretende ficar em Aries. Uma cidade linda. Moro bem perto de lá.

— Verdade? — disse, desinteressada, olhando em volta. Onde estaria o maldito carro? — Concordo. É uma cidade muito linda mesmo.

— Tem certeza de que nã o precisa de carona?

— Oh, nã o. Eu aluguei um carro, deve estar por aqui, em algum lugar.

O rapaz deu uma olhada em volta e depois estendeu a mã o para ela.

— Venha. Acho que sei onde encontraremos o seu transporte, mademoiselle.

Parecia saber realmente o que dizia. Quando pegou suas malas, Dionne nã o teve outra alternativa, a nã o ser segui-lo. Em questã o de minutos, descobriu o pequeno Citroen. Ajudou-a a guardar a bagagem e despediu-se:

— Talvez nos encontremos novamente, mademoiselle. Estou sempre em Aries e ficaria muito contente se aceitasse jantar comigo qualquer noite destas.

Dionne sorriu, deixando-o sem resposta. Era melhor mesmo que ele imaginasse que ela era apenas mais uma turista por ali. Nã o poderia nunca suspeitar dos verdadeiros motivos de sua viagem, motivos esses que até ela mesma custava a aceitar.

Partiu, vendo pelo espelho retrovisor que ele lhe acenava.

Foi para oeste de Marselha e depois para o norte, seguindo a estrada para Aries atravé s de Plaine de la Crau. Era uma á rea um tanto deserta e pouco convidativa, e apenas raramente via-se que a terra era cultivada.

Lembrou-se de que, uma vez, Franç ois tinha contado uma lenda segundo a qual Hé rcules chegara à quela planí cie, fugindo de uma raç a de gigantes, e pedira a Zeus para ajudá -lo. O deus, entã o, fez chover pedras sobre a planí cie, salvando o heró i da morte.

Franç ois!

Pela primeira vez desde que partira de Londres, deixou que a lembranç a dele voltasse. Era espantoso o que apenas uma lembranç a podia fazer com as emoç õ es de uma pessoa. Pegou a bolsa, tirou um cigarro e acendeu-o, com mã os tré mulas. Nã o costumava fumar. Apenas quando estava sob tensã o. E agora precisava muito tentar relaxar.

Chegou a Aries pouco depois das seis, sentindo-se cansada e desanimada. Foi direto para o hotel, instalou-se, e depois pediu que lhe mandassem um sanduí che para o quarto. Tomou um banho, vestiu um robe de seda, e sentou-se junto da janela, com o lanche e uma xí cara de café.

A brisa agitava suavemente os galhos das á rvores da planí cie e grupos de jovens passeavam de bicicleta. Tudo era tã o calmo, que conseguiu relaxar um pouco os nervos.

As chances de se encontrar com Franç ois eram muito pequenas. Se fosse vê -lo, seria em suas condiç õ es e nã o nas dele. Isso, caso Franç ois concordasse em recebê -la...

Afastou o prato de sanduí che, assim que aqueles pensamentos vieram perturbar sua paz. E se Franç ois se recusasse a vê -la? Podia muito bem fazer isto. Alé m do mais, nã o sabia que ela estava tã o determinada a esclarecer a verdade.

Serviu-se de outra xí cara de café, que segurou com as duas mã os, para esquentá -las. Mentalmente repetiu tudo que tinha de dizer a ele. Seria desastroso, se Franç ois lhe fizesse alguma pergunta que ela nã o soubesse responder. Devia ter a histó ria toda na ponta da lí ngua, para nã o cometer nenhum erro. Tomou o café e colocou a xí cara vazia no pires. Suas mã os nã o tremiam mais, quando abriu a bolsa e tirou de dentro uma carteira de couro. Havia vá rias fotografias.

O menino que a olhava com confianç a e carinho comoveu-a até as lá grimas. Fazia tempo que nã o se permitia chorar. Imaginou o que ele estaria fazendo naquele momento, se estaria se comportando bem com Clarry.

Num impulso, beijou a foto e disse, baixinho:

— Boa noite, Jonathan.

Tornou a guardar as fotografias na carteira e colocou-a na mala maior.

 

 

Acordou na manhã seguinte com o sol forte entrando pela janela. Durante um momento, nã o conseguiu lembrar onde estava e ficou espantada por nã o encontrar a caminha de Jonathan a seu lado. Aos poucos, a consciê ncia voltou e sentiu-se deprimida.

Nã o podia se deixar abater. Pulou da cama e foi até a janela, abrindo as cortinas. Crianç as brincavam no jardim em frente do hotel, correndo atrá s de uma bola e gritando, alegres. Aquela cena fez com que sentisse um aperto no coraç ã o e afastou-se da janela imediatamente.

Mais tarde, depois de vestir uma calç a azul justa e uma blusa branca de gola alta, Dionne examinou-se no espelho, com os cabelos presos num coque e a roupa simples, tinha a aparê ncia elegante de uma madura mulher de negó cios, exatamente a impressã o que queria dar.

Mas os olhos claros e o desenho sensual dos lá bios traí am sua juventude e incerteza. Sentindo-se desamparada, desceu para o restaurante.

Depois do café, foi dirigindo o Citroen até Aries. Apesar de nã o ser grande, era uma cidade de comé rcio intenso e havia sempre muita atividade. Estacionou o carro, desceu, examinou as barracas de peixes e frutos do mar, e olhou as vitrines das lojas, para passar o tempo, até a hora do almoç o.

Tinha resolvido telefonar para St. Salvador por volta do meio-dia, na esperanç a de encontrar Franç ois em casa, mas nã o queria falar nem com o pai nem com a mã e dele. Aquele era um assunto que só dizia respeito a eles dois.

Mandou um cartã o para Clarry, avisando que chegara bem, e continuou a passear pelas ruas, sem destino, sentindo a tensã o e o nervosismo crescerem a cada minuto.

Era desconcertante e irritante estar tã o envolvida emocionalmente naquele assunto. Precisava, de qualquer maneira, se acalmar um pouco, antes de ver ou falar com Franç ois. Nã o queria que ele percebesse como era tola.

Mal se atrevia a pensar na reaç ã o dele com sua volta. Estava casado com Yvonne agora e tinha sua pró pria vida. Se a esposa nã o concordasse, podia até se recusar a recebê -la. Mesmo que aceitasse falar com ela, nã o havia motivo para acreditar que Franç ois emprestaria dinheiro, apenas em nome do relacionamento que havia tido há trê s anos e que, evidentemente, nã o significava mais nada para ele.

Dirigiu de volta ao hotel, pouco depois do meio-dia e foi direto para o há ll, com passos incertos. Tinha visto um telefone pú blico lá. Precisava fazer a ligaç ã o, antes que a coragem a abandonasse.

O nú mero estava anotado num papel, mas nã o precisou dele. Ainda se lembrava, como se tivesse sido no dia anterior. Tré mula, tirou o fone do gancho e pediu linha à telefonista. Quando ouviu a campainha tocar do outro lado, suas mã os ficaram ú midas e teve de fazer um grande esforç o para nã o desligar e desistir de tudo.

Finalmente, uma mulher atendeu.

Oui? Fazenda St. Salvador. Qui est-ce? Dionne perguntou, com dificuldade:

Madame... St. Salvador?

Non, c’est Jeanne. Vous voulez madame St. Salvador?

Non, non! Monsieur St. Salvador. Franç ois St. Salvador, est-il lá?

Jeanne hesitou um momento.

Non, mademoiselle, il est en Avignon.

O coraç ã o de Dionne disparou. Franç ois... em Avignon! Por quanto tempo? Poderia perguntar a Jeanne, que era uma antiga governante na casa, mas nã o sabia se receberia resposta. Já havia percebido um certo tom de reserva na voz da mulher, por nã o saber com quem estava falando, e duvidou que lhe desse mais alguma informaç ã o. Achou mais sensato agradecer e desligar.

Ao sair da cabine telefó nica, encontrou-se com o gerente do hotel, que pareceu preocupado.

— Está pá lida, mademoiselle. Sente-se bem?

— Muito bem, obrigada. Está um dia lindo, nã o é mesmo?

— Lindí ssimo — o homem concordou, e ela subiu correndo para o quarto.

Enquanto se trocava para o almoç o, colocando um vestido de algodã o verde-limã o que Clarry tinha feito para ela, Dionne tentou se controlar e analisar friamente sua situaç ã o. Arrumou o coque, passou um pouco de sombra nos olhos e brilho nos lá bios. Fez tudo isso automaticamente, preocupada com a mudanç a em seus planos.

Nã o tinha contado com aquela resposta pelo telefone. Se ligasse novamente e ele ainda nã o tivesse chegado, a famí lia começ aria a desconfiar, e nã o podia arriscar-se. Mas, como entrar em contato com Franç ois? Nã o fazia sentido dirigir até Avignon, sem ter certeza de encontrá -lo.

Desceu para o restaurante, sentindo uma dor no estô mago que nã o tinha a ver com fome.

Comeu muito pouco, apesar de a sopa de peixe estar deliciosa. Só aceitou uma fruta como sobremesa e tomou duas xí caras de café preto, bem forte.

Mais calma e controlada, foi até a recepç ã o do hotel. Havia poucos hó spedes. Ainda era cedo para os turistas em Aries. Eles chegariam mais tarde, em maio e junho, quando os festivais começ avam e os ciganos se reuniam nas praç as, dando festas.

Dionne apertou o estô mago dolorido. Era tudo tã o familiar... e lhe parecia tã o injusto ter de estar ali exatamente naquela é poca do ano! Chegou a sentir o gosto salgado do pã o e o sabor do vinho vermelho que jorrava da cerâ mica. Podia ouvir o barulho e a mú sica, reviver a emoç ã o de participar de um ritual que se repetia há centenas e centenas de anos...

Apertou os punhos, entre frustrada e zangada. Precisava esquecer tudo aquilo e fazer o que devia ser feito, por mais difí cil que fosse. Pelo bem de Jonathan.

Passou a tarde inteira no hotel, para espanto do gerente, que a considerava uma turista. Vá rias vezes, percebeu que ele a observava, preocupado, mas fingiu nã o notar, para nã o embaraç ar o pobre homem.

À tardinha, deixou o salã o e dirigiu-se ao telefone novamente. Seus joelhos tremiam e teve dificuldades para coordenar os movimentos. Mas, finalmente, conseguiu completar a ligaç ã o.

Uma voz feminina atendeu e, dessa vez, nã o era Jeanne. Era uma voz de menina, de que Dionne se lembrava vagamente. Franç ois tinha uma irmã... Louise.

Excusez mó i — disse, tentando disfarç ar ao má ximo o sotaque inglê s — mais je veux parler avec monsieur Franç ois St. Salvador.

Franç ois? — A menina parecia surpresa. — Qui est lá?

Dionne hesitou. Como é que poderia dizer seu nome, sem criar a situaç ã o constrangedora que tanto queria evitar?

C’est une amie de monsieur St. Salvador. A garota desconfiou:

Mais ê tes-vous anglaise?

Dionne apertou os lá bios: entã o, seu sotaque era tã o carregado assim? O que diria agora? Se negasse ser inglesa, a menina saberia que estava mentindo; se confirmasse, seria ainda pior.

Ce n’est pá s important.

E pela segunda vez desligou, desprezando-se por sua covardia.

Saiu da cabine e subiu para o quarto. Olhando-se no espelho, viu os olhos esverdeados sem brilho e o rosto marcado pela ansiedade. O que faria, agora?

Estava começ ando a se trocar para o jantar, quando bateram à porta.

— Mademoiselle! Mademoiselle! Era voz de mulher. Dionne envolveu-se no robe e foi abrir a porta. A arrumadeira sorriu para ela, sem jeito.

— Telefone para a senhorita. Infelizmente, terá que atender lá em baixo, no hall.

— Tem certeza de que é para mim?

Mais, certainement, mademoiselle. É um homem.

— Um homem? Muito bem, eu... eu vou descer. É só me vestir. Enquanto enfiava rapidamente uma roupa, Dionne procurava uma explicaç ã o para aquilo. Nã o fazia sentido. Louise nã o a teria reconhecido tã o depressa. E, mesmo que tivesse, como saberia onde encontrá -la?

Sentiu as pernas tremerem, quando desceu para atender.

— Mademoiselle King?

Nã o sabia se ficava aliviada ou decepcionada. A voz era bem diferente da de Franç ois. Mais suave, mais jovem e menos perturbadora.

— Quem é?

— Henri Martin, mademoiselle. Nó s nos conhecemos ontem, no aviã o.

Dionne recostou-se na parede da cabine.

— Ah... monsieur Martin. Eu nã o sabia o seu nome.

— Descobri o seu na reserva do hotel, lembra? Está bem instalada aí?

— Oh, sim, tudo ó timo. Por que telefonou? Ele pareceu desconcertado.

— Por que estou telefonando? Mas é claro que sabe, mademoiselle. Quero convidá -la para jantar hoje.

— Sinto muito, nã o posso.

— Porquê?

— Estou... cansada. Nã o sinto nenhuma vontade de jantar fora, monsieur.

— Estou desolado.

— Sinto muito

— Que tal amanhã?

— Nã o sei o que vou fazer amanhã. — Isso, pelo menos, era a pura verdade.

— Está ferindo minha sensibilidade. Por favor, nã o podemos almoç ar, entã o?

— Outro dia, talvez — Dionne disse, com firmeza, e desligou. Voltou para o quarto e atirou-se na cama. A amargura crescia em seu peito, sufocando-a. Sentia-se terrivelmente sozinha e desamparada. Nem mesmo pensar em Jonathan e Clarry à sua espera, na Inglaterra, fazia com que se animasse. Os dois tinham ficado tã o confiantes, e até o momento ela nã o conseguira nada.

Nã o suportaria jantar numa mesa solitá ria, no restaurante quase vazio. Desceu e saiu pelas ruas escuras. A noite estava quente, mas de vez em quando uma brisa suave soprava. Respirou fundo. Amanhã seria outro dia. Nã o estava vencida ainda.

Tomou uma xí cara de café e comeu um doce num bar à s margens do Ró dano, depois caminhou na direç ã o da arena. Tinha estado lá diversas vezes com Franç ois, assistindo à quele espetá culo que podia causar ná useas no estô mago mais resistente. Os famosos touros da Camargue eram animais ferozes e traiç oeiros. Dionne nã o conseguia entender o que levava os homens a brincar daquele jeito com a morte. Alguns dos mais conhecidos matadores da Espanha iam tomar parte na corrida na arena de Aries, enfrentando — e à s vezes sendo retalhados — chifres cortantes dos bichos.

Lembrou-se de ter observado Franç ois no curral com os touros e de como ficava petrificada ao vê -lo repetir os gestos com a capa que, na arena, despertavam gritos entusiasmados de Olé! Houve é pocas em que chegou a odiá -lo por sujeitá -la a tal ansiedade angustiante. Tinha fugido uma vez, mas ele a seguiu, agarrando-a e cobrindo-a de beijos, fazendo com que só pensasse em seu desejo por ele...

Sentiu-se novamente agoniada. Como tinham voado aqueles meses em que realizara seus sonhos mais loucos e como tinha sido torturante a separaç ã o.

Voltou do passeio à s nove e meia, já um pouco mais calma. Sentia-se cansada e pronta para uma boa noite de sono. Recusou-se a pensar no que poderia acontecer no dia seguinte. Era inú til tentar especular sobre algo ainda tã o nebuloso.

Entrou no hall e atravessou silenciosamente o tapete verde-escuro. Parecia deserto, mas, quando se aproximou da escada, um homem levantou-se de uma cadeira pró xima e bloqueou seu caminho.

Assustada, Dionne examinou-o de alto a baixo. Usava botas de cano longo, calç a e casaco cinzentos, era alto e elegante. Seu rosto estava nas sombras, mas, antes mesmo que desse um passo à frente, ficando sob uma lâ mpada, ela reconheceu-o. Um arrepio na espinha avisou-a de que o momento tã o esperado e temido tinha chegado. Recuou, levando as mã os aos lá bios pá lidos e tré mulos.

— Alo, Dionne — ele disse, com aquele sotaque que ela achava encantador, mas num tom rude que a feriu. — Posso saber o que está fazendo aqui e por que queria falar comigo?

 



  

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