Хелпикс

Главная

Контакты

Случайная статья





CAPÍTULO V



 

No meio da noite, Wilma teve um pesadelo. Sonhou que corria num tú nel sem fim, atrá s do pai. Tentava gritar, mas a voz nã o saí a.

— Papai... — ela conseguiu gritar por fim.

O grito quase acordou-a e ela revirou-se na cama febrilmente. Logo as lá grimas começ aram a rolar em seu rosto, como as de uma garotinha deixada sozinha num casarã o sem ningué m para consolá -la.

Só que daquela vez havia algué m ali. Wilma foi abraç ada carinhosamente.

— Está tudo bem agora — soou a voz profunda de Daniel. — Você estava sonhando e soltou um grito. Eu estava fumando na janela do corredor e ouvi.

Wilma sentiu o cheiro suave do tabaco. E quando afastou um pouco o rosto, viu o rosto dele à luz prateada da Lua que entrava pela janela.

Ainda um pouco zonza por causa do pesadelo, sua primeira reaç ã o foi se aconchegar naquele homem. Depois teve consciê ncia de que nã o podia ceder ao desejo. Agora Daniel acariciava seu cabelo com toda ternura.

— Você... nã o devia estar aqui — ela murmurou meio trê mula. — Nã o desse jeito... Eu estou bem, por favor... vá embora agora...

Mas ele continuou ali com os braç os ao redor dela. Wilma podia sentir o coraç ã o dele batendo de encontro ao tecido fino de sua camisola. Podia sentir o calor do corpo dele, pois ele usava somente a calç a do pijama.

Começ ou a sentir arrepios e um frio no estô mago. Antes que pudesse conter-se, se pô s a acariciar aquele peito largo e masculino. A pele dele era firme e macia, e Wilma nã o pô de deixar de beijá -la.

Sentiu na boca o gosto suave do sabonete que Daniel usava e um leve aroma masculino.

Quando ele sentiu que os lá bios dela o tocavam, soltou um gemido abafado. A ternura dos carinhos dele transformou-se imediatamente num urgente desejo.

Ele a fez deitar novamente e começ ou a beijar-lhe o pescoç o, abrindo a camisola. Percorria o corpo dela com os lá bios.

Wilma soltou um gemido de desejo, nã o conseguindo mais se controlar. Agora, tudo o que queria era pertencer completamente a Daniel... Nada mais importava, exceto que ali, naquele momento, os dois poderiam conhecer o paraí so.

Ela o puxou para si, sussurrando seu nome... Oh meu Deus! Era maravilhoso ser beijada por Daniel. Nada em sua vida havia sido tã o excitante e agradá vel e ela o amava tanto... Sentir o corpo dele sobre o seu era a coisa mais deliciosa que ela jamais tinha experimentado.

Wilma nã o sentia medo naqueles braç os. Só sentia a consciê ncia deliciosa de sua pró pria feminilidade.

— Você é adorá vel — ele sussurrou em seu ouvido. — Nã o posso esperar, Wilma... Eu te desejo tanto! E é um grande alí vio saber que nã o vou machucá -la.

— Machucar? — ela murmurou, sem compreender. — Daniel, querido, você nunca poderia me machucar estando aqui comigo... Ah, como eu te quero!

— Entã o será perfeito. Nã o preciso me preocupar com sua virgindade.

Wilma fechou-se em silê ncio... Sentia como se tivesse tomado uma ducha gelada. O desejo ardente morreu tã o depressa quanto tinha nascido. Com um empurrã o repentino, ela o afastou e pulou da cama.

— Mas que diabo... Do que você pensa que está brincando? — Daniel explodiu.

— Acabaram-se as brincadeiras. Saia do meu quarto, Daniel! Deixe-me em paz ou eu vou gritar tanto, que acordarei todo mundo! Está me ouvindo? Você nã o conseguirá o que quer. Fingindo que veio me confortar por causa do pesadelo... Tudo o que queria, o tempo todo... Ah, você é bom nisso, Daniel, um verdadeiro especialista. Poderia fazer um anjo corresponder a seus carinhos. Tem um corpo maravilhoso e sabe como usá -lo. Mas tem uma lí ngua cruel e sabe como usá -la també m! Saia do meu quarto e, no futuro, deixe-me em paz!

Daniel sentou na cama lentamente, arrumando o cabelo. A Lua iluminava seu peito, onde uma medalha de ouro estava meio escondida pelos pê los escuros. Wilma sentia que seu desejo por ele ainda continuava vivo dentro dela... Mas tinha sido arrancada de um sonho para a fria e dura realidade!

— Será possí vel que você ainda quer fingir que é a virgem tí mida e nervosa? — ele falou, furioso. — Depois desta demonstraç ã o de ardor, minha querida? Você me quer tanto quanto eu a quero. E demonstrou tanta timidez quanto uma gata no cio, gemendo na escuridã o. Acha que eu sou idiota, Wilma? As virgens tê m medo com seu primeiro amante. Mas você... Deus é testemunha! Nunca tive nos braç os algué m tã o quente, vibrante e real, do tipo que nã o finge que o homem é um bruto e que a mulher é a ví tima. Meu Deus! Você acha que eu nã o sei quando minha parceira me deseja e me corresponde? Por que tem de continuar com esse jogo estú pido?... O que importa? Somos um casal de adultos e sabemos o que queremos... Vamos, Wilma, volte aqui para os meus braç os.

Wilma respirou fundo.

— Tire seus braç os... e seu corpo inteiro do meu quarto, Daniel! Só de ver você... Você me chamou de gata no cio e eu poderia arranhá -lo pelo insulto. Nunca em minha vida deixei homem algum me tocar ou beijar como fez hoje. Eu queria tanto me entregar a você... Queria que me ensinasse todas as alegrias de se estar com um homem. Mas você tinha de estragar tudo desenterrando o passado! Oh, meu Deus! O que eu faç o, Daniel, para convencê -lo de que nunca tive um amante? Devo me matar para provar que só seus lá bios e mã os me tocaram tã o intimamente?

— Nã o sei mais em que acreditar, Wilma. Mas há uma coisa que eu sei: você é tã o capaz de ser cruel comigo quanto eu com você. Na pró xima vez que eu tocá -la, e prometo que isso só acontecerá por acidente, nã o reaja com tanto ardor e sangue quente. Um homem perde o autocontrole quando isso acontece. Se você nã o queria fazer amor comigo, entã o deveria ter contido seus impulsos ardentes antes de me acender completamente.

— Mas...

— Tem alguma idé ia de como estou me sentindo agora? Estou com dor até nos ossos. Até minha cabeç a está doendo! Muito obrigado por isso, minha pequena!

Daniel saiu do quarto, deixando Wilma tremendo. Ela atirou-se na cama, exatamente onde ele estivera. Apertou seu corpo contra aquele lugar ainda quente, mas nã o pô de parar de tremer. Cobriu-se toda, tentando esquecer as coisas horrí veis que tinham dito um ao outro.

O paraí so e o inferno, pensou, desanimada. Eles estavam ligados tanto pelo amor quanto pelo ó dio. E entre os dois sentimentos havia uma separaç ã o tã o frá gil, que poderia ser rompida com simples palavras impensadas. Ela podia ter ignorado o que Daniel tinha dito, mas por trá s daquelas palavras estava a acusaç ã o de que Myles Sadlier havia se aproveitado dela.

Daniel tinha por heranç a a dureza de cará ter dos gregos, principalmente com relaç ã o ao comportamento das mulheres. Mesmo apaixonado, ele nã o podia tirar da cabeç a a cena inesquecí vel do escâ ndalo. De repente, Wilma começ ou a sentir-se mal por ter correspondido a um homem que a desprezava. Correu para o banheiro e lavou o rosto com á gua fria... Que maneira de terminar uma noite tã o româ ntica, pensou com ironia.

Sentia-se exausta, mas nã o conseguia dormir. Saiu para o terraç o e ficou ali, respirando fundo o ar frio da noite. No cé u, a Lua provava que aquela era uma noite perfeita para o amor. Mas para Wilma tinha se tornado uma noite de ó dio. Revia as imagens como num filme mudo... os beijos e os carinhos... E tudo o que era prazer, transformando-se de repente em tristeza e depressã o...

Colocou as mã os sobre a grade fria do terraç o... A eterna ironia do amor era que, nã o importa o quanto se estivesse pró ximo da pessoa amada, nunca se poderia saber exatamente o que ela estava sentindo ou pensando. Os pensamentos e sentimentos precisavam ser expressos em palavras, e nunca poderia perdoar Daniel por ter dito aquelas palavras. Principalmente porque disse enquanto a beijava e tocava seu corpo com ardor e paixã o, bem no momento em que os dois iam experimentar o prazer maior do amor.

Wilma tremeu ao lembrar o que havia sentido naquele momento. Era como se ele a atingisse com uma espada! Agora, mais do que nunca, precisava pensar em seu futuro na Mansã o da Lua Cheia. Daniel tinha todo o direito de permanecer ali o quanto quisesse. E enquanto ele ficasse, seu tormento nã o acabaria. A cada vez que se vissem, a cada vez que fossem obrigados a ser educados um com o outro, ambos lembrariam a cena no quarto dela. Nã o poderiam esquecer que um dia se abandonaram inteiramente ao desejo...

Corou ao lembrar que tinha beijado Daniel e acariciado com igual ardor. Havia gostado de tocar aquela pele, sentir o calor daquele corpo e a pressã o daqueles lá bios sobre os seus. Sua resposta fora ardente. E ele interpretara aquilo erradamente, como se ela fosse uma garota experiente com homens.

Mas somente Kenny Devine a tinha beijado antes. E fora com tanta timidez, que ela nã o sentira nada. Com Daniel, sentira um mundo de sensaç õ es deliciosas e irresistí veis. De tal forma que reagira instintivamente abrindo os lá bios para que ele a beijasse de verdade.

Depois, tinha descoberto o corpo dele com mã os amorosas que nã o precisavam ser guiadas...

Só de lembrar aqueles momentos nos braç os dele, ela sentia novamente a excitaç ã o e a doç ura voluptuosa que podia conseguir ao lado de um homem... Wilma soltou um suspiro profundo. Já nã o sabia se o que sentia era apenas atraç ã o fí sica, uma necessidade que nã o tinha nada a ver com a ternura do amor. Talvez sua solidã o e sua feminilidade a tivessem feito querer Daniel sem que houvesse verdadeiro amor.

Ela nunca tinha amado ningué m antes e talvez estivesse confundindo o desejo do corpo com o do coraç ã o. Duvidava que Daniel tivesse um coraç ã o. O que batia dentro do peito dele era apenas um motor bem construí do, como o que havia dentro do seu carro.

Servia para mantê -lo ativo e capaz de aproveitar os prazeres sem se envolver emocionalmente.

Desejava desesperadamente poder odiá -lo, mas nã o era possí vel.

Daniel tinha entrado de tal forma em seu coraç ã o, que ela sentia palpitaç õ es só em pensar nele. Ele era terrivelmente atraente e quanto mais cedo escapasse dele, melhor. Senã o, em outra ocasiã o, ela nã o resistiria.

Na manhã seguinte ela avisaria Charmides que iria embora, dando a desculpa de que estava com saudade da Inglaterra. Com essa decisã o na cabeç a, Wilma voltou para a cama e dormiu pesadamente sem sonhar.

 

 

A decisã o de Wilma de deixar a Mansã o da Lua Cheia foi inú til. Na manhã seguinte, Inê s entrou em seu quarto para avisar que madame passava mal e precisava dela imediatamente.

Charmides estava largada na cama, apertando o estô mago e dizendo que o quarto rodava. Sentia-se como se estivesse para morrer. Wilma olhou para a caixa de chocolates vazia ao lado da cama. Havia ainda muitas pontas de cigarro, incluindo duas pontas do charuto que Charmides tanto gostava.

— A senhora quer que eu chame o dr. Martinson? — perguntou Wilma com simpatia.

Charmides exagerava em seus pequenos ví cios, mas a causa daquilo era bem antiga. Os livros e filmes que ela apreciava, provavam que era uma mulher româ ntica. Mas havia se casado com um homem frio e calculista, preocupado apenas em construir um impé rio para si mesmo. Alé m disso, quando os filhos eram ainda pequenos, Helios os mandou para longe, para estudar. E eles cresceram independentes da mã e, sem lhe dar o carinho que ela precisava.

Apó s a morte de Helios, Charmides perdeu o interesse por quase tudo. Tinha se tornado cada vez mais presa à casa, levando uma vida de luxú ria sem sentido.

Wilma sentiu pena dela e aproximou-se para lhe tirar a temperatura. Charmides estava com febre.

— Acho que vou chamar o mé dico — Wilma disse, um pouco preocupada. — Onde dó i, madame?

Charmides gemeu e indicou o lado esquerdo da barriga. Depois, parecendo confusa, indicou o lugar logo abaixo do umbigo. Wilma apertou ali com cuidado.

— Oh, é bem aí... aí dó i muito — gemeu Charmides. — O que há de errado comigo? Detesto ficar doente e sofrer desse jeito!

Wilma nã o precisava perguntar se Charmides já tinha operado o apê ndice. Nã o havia nenhuma marca de operaç ã o naquela pele branca. Apressou-se a ligar para o telefone particular do dr. Martinson, pois à quela hora ele ainda nã o estaria no consultó rio.

— O que há de errado comigo, Wilma? — perguntou Charmides. — Eu comi muitos chocolates ontem à noite... E també m bebi uma taç a de champanhe no jantar... Será o fí gado?

— Pode ser, madame. Mas acho melhor que o doutor a examine... Ah, bom dia, dr. Martinson. Desculpe-me chamá -lo a esta hora, mas...

Virou-se de costas para a cama, falando baixinho com o mé dico. Ele prometeu que chegaria à mansã o em uma hora. Wilma desligou e foi até Charmides para acomodá -la o melhor possí vel. Refrescou-a com á gua fria, ajudou-a a trocar a camisola e també m trocou a fronha do travesseiro.

— Eu quero meu menino — Charmides pediu de repente.

O coraç ã o de Wilma deu um salto. Claro, nã o seria possí vel evitar o encontro com Daniel. Ainda mais com a possibilidade de que a mã e dele estivesse com apendicite.

— Vou pedir a Inê s para chamá -lo... — Wilma respondeu.

— Nã o, vá você mesma. Diga a Daniel que estou sofrendo e que preciso dele.

— Está bem, madame.

Wilma saiu. Parecia muito controlada em seu uniforme impessoal e com o cabelo preso no coque. Mas por dentro, sentia-se confusa e nervosa, e foi com dificuldade que bateu na porta do quarto de Daniel.

A porta abriu-se imediatamente. Daniel ficou parado, sem sorrir ou dizer bom-dia. Estava vestido com uma calç a preta e uma camisa de seda clara, aberta até metade do peito.

Wilma sentiu que corava até a raiz dos cabelos e precisou de toda coragem para encará -lo. Já imaginava que ele era capaz de olhar algué m com a crueldade do demô nio, mas nã o sabia que aquilo poderia doer tanto.

— O que deseja, srta. Grayson? — ele perguntou quase com violê ncia.

— Sua... mã e nã o está passando muito bem. Tive de telefonar para o mé dico e ele virá logo examiná -la. Ela me mandou chamar você... ela... precisa de você.

A expressã o dele mudou imediatamente. Daniel perguntou ansioso:

— Você tem alguma idé ia do que ela tem?

— Acho que pode ser uma inflamaç ã o do apê ndice. Sei que ela nunca teve problemas desse tipo, mas essas coisas aparecem de uma hora para outra.

— Ela come demais, nã o é? Nã o seria apenas um mal-estar do estô mago por excesso de comida? Ontem à noite ela se encheu de chocolates.

— Poderia ser o fí gado, mas nã o tenho certeza. Nã o sou realmente uma enfermeira, você sabe.

— E eu sei o que realmente você é!

Passou por Wilma e seguiu em direç ã o ao quarto da mã e. Wilma foi atrá s, ressentida com aquelas ú ltimas palavras. Era impossí vel esquecer o que tinha acontecido na noite passada.

Quando ela entrou no quarto, Daniel estava junto de Charmides, segurando suas mã os.

— Daniel — Charmides quase soluç ava —, nã o posso suportar a idé ia de ir para o hospital. Tenho pavor de que faç am aquelas coisas horrí veis comigo. Você nã o vai deixar que me levem para lá, nã o é? O dr. Martinson me dará algum remé dio e a dor vai passar...

Manoula mou, a senhora tem de encarar a realidade — ele respondeu com firmeza. — Se seu mé dico disser que essa dor é um sintoma de algo grave, entã o terá de fazer o tratamento apropriado. É muito importante, por isso é bom ir se acostumando com a idé ia desde já.

— É, você é duro como uma pedra, como Helios era. Sã o verdadeiros gregos, você s dois. As mulheres nã o significam nada para você s, só servem para dar prazer e consolo... Você nã o tem ternura, e eu... tenho pena da tal garota, mesmo que nã o suporte nem pensar nela! As mulheres precisam de amor, nã o sabe disso?

— A senhora acha que eu nã o a amo, manoula mou? Sabe muito bem que os gregos colocam suas mã es numa categoria muito especial. Vamos, sabe que me preocupo, apesar de nó s termos nossas brigas.

— Você se preocupa realmente com sua velha mã e? Mesmo quando me diz que uso muita maquilagem e como chocolates demais?

Daniel inclinou-se e beijou o rosto dela.

— O diabo lhe deu tanto charme quanto dureza de coraç ã o — Charmides comentou. — Por que nã o me arranja uma nora que eu possa respeitar e admirar? Por que tem de se casar com uma mulher tã o vivida? Você a conheceu num daqueles lugares de jogos que freqü enta?

— Pode-se dizer que sim. Agora, por que a senhora nã o descansa um pouco antes do mé dico chegar? Vamos, deixe-me ajudá -la a deitar. Tudo vai dar certo, mamã ezinha. Nã o precisa ter medo de nada, pois eu vou segurar sua mã o.

Ele ajudou a mã e a deitar-se cuidadosamente. Depois, cobriu-a e beijou seu rosto novamente.

Wilma ficou emocionada ao vê -lo tratar a mã e com tanta ternura... Ah, sim, estava apaixonada por aquele homem atraente e difí cil. Ele era capaz de surpreender tanto a mã e quanto a ela mesma.

— Sabe, Daniel — disse Charmides. — Acredito que você seja capaz de amar loucamente uma mulher. E tenho certeza de que, nesse caso, faria tudo por ela e ela seria a mulher mais feliz do mundo. Ah, porque...

— Nã o vamos recomeç ar com essa conversa, mã ezinha. A senhora ainda está com dor?

Charmides gemeu em resposta.

— Nã o há nada que você possa dar a ela? — Daniel perguntou a Wilma.

— Eu... nã o devo dar nada a ela — Wilma respondeu, atrapalhada. — O dr. Martinson chegará logo e verá exatamente o que há de errado com madame.

— Está querendo dizer que ela tem de suportar a dor sem nenhum alí vio?

— Eu... sinto muito. Uma inflamaç ã o de estô mago pode ser causada por muitas coisas. Prefiro deixar os sintomas se manifestarem, para facilitar o diagnó stico da doenç a. Mas madame é sua mã e, e se você...

— Nã o. Você entende do assunto, já que trabalhou num hospital. Mas ela nã o pode nem tomar uma xí cara de chá com bastante leite?

Wilma fez que nã o com a cabeç a. Será que Daniel nã o percebia o perigo? Se a mã e dele estivesse com apendicite, o mé dico poderia decidir operá -la imediatamente. Em alguns casos, quanto antes o apê ndice for retirado, mais chances havia de evitar complicaç õ es.

Daniel ficou ali parado, com as mã os nos bolsos. Depois, como se tivesse compreendido o que Wilma tinha dito, falou:

— Está certa, é claro, srta. Grayson. Talvez queira sair para tomar sua pró pria xí cara de chá, nã o é? Eu ficarei aqui com minha mã e.

— Está bem. Talvez... eu pudesse trazer chá ou café. Você aceita?

— Diga a Inê s para me trazer um pouco de café.

Daniel virou-se para a cama da mã e novamente, ficando de costas para Wilma. Ela engoliu a dor daquela indiferenç a e desceu a escada como um robô. Parecia que nunca mais experimentaria a alegria e o prazer que tivera na noite anterior.

Fez chá na cozinha, enquanto Inê s levava café para Daniel. Estava terminando de tomar seu chá quando o dr. Martinson chegou. Wilma explicou por que estava preocupada e os dois subiram juntos. Mas quando chegaram à porta do quarto de Charmides, ela resolveu esperar do lado de fora. Daniel estava com a mã e e se o mé dico quisesse a presenç a de Wilma durante o exame, ele pediria.

Ficou ali, olhando por uma das janelas do corredor. Sentia-se muito ansiosa. Por isso, quando Daniel se aproximou, quase deu um pulo de susto.

— Nã o estou carregando um chicote — ele disse secamente. — Por isso, nã o precisa fugir de mim. O mé dico disse que chamará quando acabar de examinar minha mã e... Ele nã o parece preocupado, mas suponho que seja a má scara que todos os mé dicos usam em tais situaç õ es.

Wilma concordou, sem saber o que dizer. Os dois já tinham trocado palavras demais. Seu silê ncio era uma espé cie de defesa contra a atitude fria dele. Daniel, evidentemente, queria que ela se sentisse culpada pelo que acontecera na noite passada. Havia ficado furioso por ela tê -lo atraí do e depois repelido, sem que ele satisfizesse seu desejo.

Nã o era intenç ã o dela fazer aquilo. No entanto, quando Daniel falou com tanta certeza que ela nã o era virgem, havia reagido como uma verdadeira virgem.

Obviamente ele era um homem que só andava com mulheres experientes. E machucava Wilma que ele a classificasse como uma pessoa desse tipo. Ela nã o era mulher para fazer amor com qualquer um, nã o era das que seguem seu caminho tã o logo acabe a noitada.

Wilma ficou ali na janela, mas nã o conseguia ver nada. Só tinha consciê ncia da figura alta e forte ao seu lado. Nenhum dos dois esqueceria facilmente o que haviam dito na noite anterior, nenhum dos dois esqueceria o que haviam sentido... A chama parecia mais fraca, mas ainda estava lá e ambos tinham consciê ncia dela.

— O mé dico está demorando... — Daniel olhou para o reló gio. — Peç o a Deus que nã o tenha encontrado nada de grave nela. Minha mã e nã o é mais tã o jovem e o fato de ficar na cama comendo porcarias só lhe faz mal. Srta. Grayson, nã o pode convencê -la a comer com mais moderaç ã o? Fica sempre parada, vendo-a encher-se de doces e champanhe? Ela sempre amou seus " pequenos ví cios", mas você diz que já trabalhou como enfermeira. Entã o deve saber o perigo desses exageros...

— Sei muito bem disso, mas nã o sou a tutora de sua mã e. Fui empregada para ser sua dama de companhia e nã o para mantê -la numa cela. Quanto tempo você acha que eu permaneceria aqui, se começ asse a dar ordens? É ó bvio que nunca foi empregado de ningué m, senã o saberia que um empregado tem bem poucos direitos. Eu sou apenas uma das empregadas da Mansã o da Lua Cheia e dependo do meu salá rio para comprar roupas e outras coisas... Isso me lembra que tenho algumas centenas de dó lares para lhe devolver. Você colocou na minha bolsa ontem à noite e pensa, evidentemente, que foi enganado.

— É. Por esse preç o eu poderia ter conseguido uma mulher de muita categoria. Mas você nã o passa de uma amadora, nã o é? Continue sendo dama de companhia, minha querida. O salá rio nã o deve ser tã o bom, mas você corre menos risco de ser estrangulada pelo homem com quem fizer o que fez comigo!

—- Eu nã o o levei a... Você entrou no meu quarto... Eu nã o o convidei. Você me tomou nos braç os e...

— E você nã o gelou exatamente quando eu a beijei, nã o é? Nã o, o gelo veio depois, quando eu já estava ardendo de desejo. Sua grande trapaceira! Devia ter continuado para que você merecesse cada um daqueles dó lares... Assim como mereceu os de Sadlier! Suponho que ele nã o tenha se comportado como um cavalheiro! Eu é que fui bobo. Mas tente mais uma vez comigo, Wilma, e eu esquecerei minha educaç ã o completamente. Nã o deixarei você escapar com tanta graç a e dignidade.

Wilma só conseguia olhá -lo, nã o conseguia responder à quele ataque. Como ele podia pensar que ela havia aceitado dinheiro de Myles Sadlier? Que ela atraí a os homens de propó sito para repeli-los quando estavam mais frá geis? Naquele momento, o rosto de Daniel parecia esculpido em aç o.

— Como você deve me desprezar — Wilma disse por fim.

De repente, as lá grimas começ aram a rolar pelo rosto dela, por mais que tentasse segurá -las. Wilma virou-se e limpou o rosto, furiosa consigo mesma.

— Como chora lindamente — ele comentou com ironia. — Como as lá grimas rolam fá cil, fazendo seus olhos parecerem violetas na chuva. Meu Deus, como você é bonita! Tem todas as armas para derrubar um homem completamente. Mas agora eu já a conheç o, minha pequena, e será um prazer enorme desarmá -la no pró ximo combate.

— Nã o haverá pró ximo combate. Vou deixar a Mansã o da Lua Cheia. Vou para bem longe daqui, onde nã o terei de fugir de você nunca mais. Nã o posso agü entar, você deturpa a verdade de forma que eu sempre pareç a errada. Você me disse aquela coisa intolerá vel quando estava a ponto de fazer amor comigo...

— O que foi que eu disse?

— Meu Deus, nã o finja que esqueceu!

— Por favor, esclareç a. Me lembro de ter dito algumas coisas. Mas eu nã o estava com a cabeç a no lugar, se é que você me entende. Vamos, que coisa terrí vel eu disse que transformou você numa pedra de gelo?

— Deve saber muito bem! Me beijou daquele jeito e me abraç ou como se eu significasse alguma coisa para você... Você esperava nã o me machucar quando disse aquela coisa cruel e barata sobre nã o ter de se preocupar porque eu nã o era...

Wilma nã o conseguiu continuar. Nem era preciso, porque Daniel tinha compreendido.

— O que há de tã o terrí vel na verdade? — ele perguntou. — Nenhuma virgem se comporta tã o bem nos braç os do primeiro homem...

— Como sabe? Tem o há bito de seduzir virgens? Eu pensei que preferisse o tipo de mulher vulgar, que aproveita os prazeres como quem toma um drinque num bar. Vem como vai, sem restriç õ es... Embora eu esteja esquecendo, é claro, que um de seus envolvimentos tenha causado complicaç õ es. Ela era virgem?

— Acabo de perceber que o amor devia ser sempre feito em silê ncio, exceto pelos pequenos sons que fazem parte do prazer. Entã o, se eu tivesse mantido a boca fechada e fingido que acreditava em você, teria boas lembranç as da noite passada, em vez de um horrí vel... digamos, arrependimento? Você é linda e tem uns lá bios que eu poderia devorar, mas pelo amor de Deus, nã o finja que é uma florzinha tí mida esperando ser colhida. Eu a vi logo depois de você ser colhida e foi uma cena inesquecí vel!

— Pare com isso... por favor! — ela gritou, como se estivesse sendo atacada fisicamente. — Assim que o dr. Martinson terminar o exame, vou pegar minhas coisas e vou embora. Nã o posso mais ficar aqui! Nã o tenho coragem para isso!

— Se minha mã e precisar de você, você fica. A atraç ã o que sentimos é puramente fí sica... Estamos brigando como cã o e gato porque ontem você me acendeu como nunca nenhuma mulher fez e depois me deixou a ver navios. Repito, srta. Grayson, nã o sairá desta casa se minha mã e ainda precisar de seus serviç os.

— Nã o posso mais ficar. Você nã o pode me forç ar...

— Quer apostar? Sem dú vida, tem um contrato com minha mã e que exige que você dê aviso pré vio de um mê s, antes de deixar o emprego. E, sem dú vida, ela está com o documento que permite que você trabalhe na Amé rica. Posso pegar esse documento à hora que quiser. E tente encontrar outro emprego sem ele.

— Acho que você é o homem mais cruel que jamais encontrei. Quem quer que o aborreç a, realmente arranja encrenca, nã o é?

— É. Desprezo seu tipo de provocaç ã o.

— E eu desprezo valentõ es como você! Nã o pode me manter aqui contra minha vontade! Usarei o dinheiro que você me deu para fugir!

— Experimente, minha pequena. Telefonarei para a polí cia e acusarei você de roubar o dinheiro de mim.

— Você... nã o ousaria!

— É só me provocar. Sou capaz de fazer qualquer coisa. Algumas centenas de dó lares... é dinheiro demais para uma dama de companhia. E tente convencer algué m de que fui eu quem lhe deu o dinheiro. Eles morrerã o de dar risada, ou a tomarã o por uma mulher à -toa. Qual das duas alternativas prefere, ladra ou mulher à -toa?

— Eu odeio você! É um valentã o arrogante, que quer tudo à sua maneira, nã o importa o que isso signifique para os outros! Como eu gostaria de vê -lo de joelhos, à mercê de alguma coisa mais forte do que você. Eu ia delirar de alegria!

O que ele ia responder, Wilma nã o ficou sabendo. Naquele exato momento, o dr. Martinson saiu do quarto. Daniel foi ao encontro dele.

— Como está minha mã e? Ela tem algum problema sé rio?

— Eu acabo de telefonar para chamar uma ambulâ ncia. Madame Demonides está com o apê ndice inflamado, como a srta. Grayson suspeitava. Quanto antes a levarmos para o hospital, melhor. O apê ndice poderia romper a qualquer momento, mas nã o há necessidade de alarme. O coraç ã o dela está bom e a operaç ã o será relativamente simples.

O mé dico olhou para Wilma, que parecia muito nervosa.

— Ainda bem que me chamou logo, srta. Grayson. E ainda bem que percebeu que nã o se tratava de um mal-estar de estô mago. Soube que madame Demonides teve um jantar bem pesado ontem à noite. E també m comeu uma quantidade considerá vel de doces... Acho que a partir de hoje ela terá que mudar seus há bitos alimentares. Espero que você cuide para que ela mantenha a dieta que eu aconselhar.

— Pois nã o, doutor.

Aquele nã o era o momento para dizer que ela ia pedir demissã o. Wilma viu Daniel entrar no quarto da mã e... Ele iria com ela na ambulâ ncia, segurando sua mã o, como havia prometido. Mas quando ele voltasse do hospital, Wilma teria de viver naquela mansã o com ele.

Ela nã o ousava prever o futuro... Ver aquele homem todos os dias... saber que a cada noite ele dormiria a pouca distâ ncia do seu quarto... O que aconteceria na pró xima vez que tivesse um pesadelo e acordasse nos braç os dele?

 

 



  

© helpiks.su При использовании или копировании материалов прямая ссылка на сайт обязательна.