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CAPÍTULO II



 

De manhã, os reflexos da á gua do mar brilharam na janela do quarto de Wilma. Ela acordou lentamente de uma noite de sonhos agitados. Tinha lanchado em seu pró prio quarto antes de dormir, pois nã o quis jantar na companhia de Daniel Demonides.

Levantou-se e foi até o pequeno banheiro cor-de-rosa, ao lado do quarto. Tirou a camisola, colocou uma touca de banho e entrou debaixo do chuveiro. Ali, lavou-se com muita espuma e ficou bastante perfumada. Vestiu a lingerie limpinha e seu uniforme impecá vel. Depois, prendeu o cabelo num coque bem firme e arrumado.

Ao olhar-se no espelho, teve certeza de que estava do jeito que Charmides gostava. A patroa nã o permitia maquilagem, exceto por uma fina camada de pó -de-arroz, mas Wilma era uma daquelas garotas inglesas de pele perfeita e brilhante. Seus olhos també m nã o precisavam de nenhuma pintura para realç ar o azul profundo.

Olhou para o reló gio e ficou aliviada: ainda tinha alguns minutos para si mesma. Poderia dar uma arrumadinha em seu pró prio quarto, como costumava fazer todas as manhã s. E mais importante do que isso, tinha de planejar o que faria com relaç ã o ao filho de Charmides...

O que poderia fazer, ignorá -lo? Impossí vel! Aquilo seria como parar no centro da cidade e fingir que os edifí cios nã o estavam lá! Nã o. Ela teria de se comportar como uma verdadeira dama inglesa, extremamente educada. També m teria de impedir que Daniel a tirasse do sé rio de qualquer forma.

Sentou-se um pouco na cadeira de cana-da-í ndia e ficou olhando para o lindo abajur da cabeceira. Talvez devesse confiar em Charmides e contar toda a verdade... Mas será que a patroa acreditaria na sua inocê ncia na histó ria do escâ ndalo? Precisava lhe explicar que tinha ficado tã o vulnerá vel aos vinte anos, apó s a morte de seu amado pai, que acabou caindo nas garras de um homem mais velho e inescrupuloso. Será que Charmides acreditaria nisso? Será que aquela mulher que só pensava em si mesma poderia parar um pouco para compreender os problemas de outra pessoa?

Wilma duvidava disso. Há muitos anos que Charmides era uma mulher muito rica e que se permitia ser egoí sta. E Wilma era apenas a dama de companhia que ela havia contratado para mantê -la confortá vel em seu quarto, de onde quase nunca saí a.

Afora um pequeno problema nas costas, Charmides era uma mulher de boa saú de. Mas, como muitas outras senhoras ricas, acreditava nã o ter saú de nenhuma e tomava cuidados exagerados. Alé m disso, tinha vá rios caprichos: tomar champanhe pela manhã era apenas um de seus " pequenos ví cios", como ela os chamava. Outro deles era receber a visita de um homem charmoso, de quem ela comprava jó ias lindí ssimas que usava na cama.

Nã o, pensou Wilma, nã o poderia contar com a compreensã o de sua patroa. Só teria de tomar cuidado e evitar Daniel Demonides o mais possí vel. Esperava que ele nã o ficasse muito tempo na Mansã o da Lua Cheia.

Cruzando os braç os, saiu do quarto e dirigiu-se ao corredor que levava à enorme suí te da dona da casa.

A manhã estava ensolarada, e pelas janelas entrava o perfume fresco dos eucaliptos do jardim. Lá, uma infinidade de flores abriam suas pé talas em direç ã o ao sol. Serviria o café da manhã para Charmides e iria para o jardim. Costumava tomar seu pró prio café da manhã embaixo de uma á rvore enorme, ao lado de um canteiro cheio de flores vermelhas.

Entrou no quarto, pisando de leve sobre o espesso carpete creme. Foi direto para as janelas e abriu as cortinas. Olhou para a cama enorme com cabeceira em madeira entalhada e brocados de prata. De lá, Charmides soltou um gemido por causa da luz do sol.

Kalimera, madame.

Estava estudando o grego a pedido de Charmides e gostava de empregar as expressõ es que já sabia.

Kalimera... — repetiu a patroa com sono.

— Está uma manhã esplê ndida e espero que a senhora desç a para tomar seu café no jardim. O ar fresco poderia lhe fazer muito bem.

— Pelo amor de Deus, menina, nã o me fale em comida e ar fresco até que eu me arrume um pouco! Venha cá depressa!

Charmides sentou-se na cama, recostada nos travesseiros enormes. Wilma foi até a penteadeira e pegou uma porç ã o de frascos de loç õ es, cremes e adstringentes. Percebeu que a patroa estava agitada por causa da chegada do filho. Com certeza, ela esperava que ele viesse a seu quarto a qualquer momento.

Os ané is de diamantes e rubis brilharam em suas mã os, enquanto ela tirava o creme com que tinha dormido. Depois da limpeza de pele, passou pó -de-arroz e batom. Tentava ficar tã o bonita quanto estava no quadro da parede.

Aquela era uma tarefa impossí vel, Wilma pensou. Há muito tempo Charmides já nã o tinha traç os delicados no rosto e agora havia muitas rugas onde antes era tudo lisinho.

Charmides reforç ou o batom, pois seus lá bios tinham perdido a cor natural da juventude. Depois pintou os olhos delicadamente. Wilma podia sentir que a patroa a olhava com certa inveja por sua juventude.

— Temos um hó spede em casa — disse Charmides bruscamente. — Você vai encontrá -lo logo, por isso aviso que se trata de meu filho Daniel. Recebi uma carta dele ontem, dizendo que viria, mas eu sinceramente esperava que mudasse de idé ia. Nó s dois temos valores muito diferentes, entã o sempre entramos em choque. Aconselho você a ficar longe dele o má ximo possí vel. Ele poderia querer divertir-se com você, se é que me entende.

— A senhora já deve saber, madame, que eu nã o costumo ficar por aí, à toa. Mas serei ainda mais discreta. A senhora nã o está... feliz por ele ter vindo visitá -la?

— Para ser franca, Wilma, estou muito surpresa. A ú ltima vez que tive notí cias dele, estava na Suí ç a fazendo acrobacias na neve e convencendo os ricos tolos a investirem em companhias para as quais ele trabalhava. Daniel é o que se poderia chamar de um franco atirador! Troy é que tem o sangue nobre da famí lia.

Wilma lembrou-se do rosto de Daniel. Discordava totalmente da opiniã o de Charmides. Mas a patroa nã o sabia que já o conhecia. E seria um desastre contar-lhe em que situaç ã o eles tinham se conhecido!

— Pegue aqui! — Charmides devolveu os cosmé ticos para Wilma. — Que tal eu estou... nã o, nã o me diga, pelo amor de Deus! A vida de uma mulher é um contí nuo tormento. A princí pio, ela tem uma beleza fantá stica... como a sua... e depois gradualmente cai em ruí nas como uma velha casa. Nã o há nada mais trá gico, acredite, do que ver sua beleza murchar como uma flor arrancada, até que a gente nã o passe de uma má scara de rugas!

— Mas...

— Eu gostaria de quebrar todos os espelhos do mundo, sabia?

— A senhora tem suas lembranç as, madame. Tenho certeza de que tem muitas lembranç as boas... Era realmente linda e seu marido a adorava. Todo mundo sabe disso.

— Ah, sim. Ele gostava de ter meus retratos pintados a ó leo e adorava me ver com vestidos e jó ias maravilhosas. Mas você acha mesmo, minha crianç a inocente, que uma mulher pode preferir um pedestal à cama? Eu tinha um marido milioná rio e ele preferia uma reuniã o de negó cios a um encontro amoroso. Os gregos! Eles nã o sã o os homens mais atenciosos do mundo... embora, à s vezes, Apolo renasç a. Nossa, mas do que é que eu estou falando? É porque Daniel está aqui novamente, acordando velhas feridas e fazendo elas doerem de novo!

— A senhora quer seu café da manhã agora, madame?

Wilma perguntou aquilo, meio embaraç ada por Charmides se abrir tã o intimamente. Gostava da lenda criada sobre a vida da patroa. Gostava de acreditar que Charmides fora a bela e adorada esposa de um dos milioná rios mais famosos dos Estados Unidos. Mas agora a patroa tinha falado com tanta má goa... Como um pouco de acidez num vinho grego.

— Nã o. — Charmides balanç ou a cabeç a. — Nã o estou com apetite ainda... Logo Daniel virá me ver e quero que você esteja aqui. Portanto, terá de esperar para tomar seu pró prio café da manhã.

— Como quiser, madame. Mas a senhora nã o quer ficar sozinha com ele? Faz tanto tempo que você s dois nã o se vê em...

— Faz quase dois anos... Ele me manda presentes de Natal e de aniversá rio, mas estamos separados há tanto tempo que somos quase estranhos. Quando ele era pequeno... Ele era um verdadeiro amor de menino, se é que dá para acreditar!

Wilma nã o sabia em que acreditar... Ela só sabia que ele era um homem verdadeiramente perturbador.

— Venha pentear meu cabelo — disse Charmides secamente. — Aquele coque alto, que me dá mais dignidade.

— Pois nã o, madame.

Wilma se pô s a pentear os longos cabelos com cuidado. Pegou grampos na penteadeira e começ ou a prender o coque. Nesse instante a porta do quarto se abriu... e seu coraç ã o pareceu dar um salto.

Daniel entrou devagar. Sua virilidade parecia mais forte em contraste com os brocados de prata e com as cadeiras forradas de seda cor-de-rosa do quarto luxuoso.

Wilma tentou nã o olhar para ele, mas seus olhos pareciam nã o obedecer. Daniel usava uma calç a creme e uma camiseta que realç ava seu bronzeado. A camiseta tinha mangas curtas, deixando de fora seus braç os musculosos e com pê los escuros. Usava també m um cinto de couro de crocodilo bastante discreto e de bom gosto. Embora seus olhos tivessem brilhado em direç ã o a Wilma, nada na sua expressã o revelou que já a conhecia.

Manoula mou! — Ele foi até a cama, abraç ou a mã e e beijou-a nas duas faces. — A senhora parece muito bem... Posso dizer que engordou um pouquinho?

— Você dirá mesmo que eu deteste ouvir, Daniel. Você é que parece bem. Como tem passado?

Endaxi — ele respondeu em grego. Agora olhava deliberadamente para Wilma, como se quisesse saber por que ela ainda permanecia no quarto. — Sua empregada está esperando alguma ordem?

Charmides olhou para Wilma, hesitou um pouco e disse:

— Esta garota toma conta de mim e é de minha inteira confianç a. Ela está aqui há algum tempo e nos damos bem... Avisei a Wilma que você viria me ver e ela sabe que estou um bocado nervosa. Eu prefiro que ela fique aqui, Daniel. Afinal, nã o temos nada muito í ntimo para discutir. Estamos nos tornando estranhos a cada dia que passa. Você vive sua vida e me deixa sozinha para viver a minha, enquanto Wilma está sempre aqui me fazendo companhia.

— Wilma... nã o é um nome muito comum... Só conheci uma pessoa com esse nome, mas foi há muito tempo e bem longe daqui.

Wilma sentiu um arrepio percorrendo seu corpo. Percebia o jogo sutil de Daniel. Embora ele estivesse fingindo que nã o a conhecia, o que dizia tinha duplo sentido. Sentiu uma agonia lenta, como de uma mariposa em volta de uma vela acesa. Queria libertar-se, mas estava presa como numa teia de aranha.

— Bem, Daniel, seu olhar de superioridade nunca diminui — disse Charmides. — Na verdade, ele aumenta com os anos. Nã o, você nã o muda, nã o é? Me lembro de que, logo depois que você nasceu, Helios o carregou para o terraç o e mostrou-o a lua. Eu implorei a ele que nã o fizesse aquilo... Porque você se tornaria um pagã o. Mas ele deu risada. Parecia o deus do sol mostrando seu filho à deusa da lua.

— E o que a senhora está procurando em mim, manoula mou? Está me olhando como se quisesse ver os chifres e o rabo.

— Eles estã o aí, mesmo que eu nã o possa vê -los. Já nã o era tempo de você seguir o exemplo de Troy e arrumar uma boa moç a?

— Filha de algum aristocrata, querida mã e? Ou talvez uma herdeira de um banqueiro de Boston, com muito sangue azul e pouco vermelho?

— Quero garotas boas e bem-educadas para meus filhos. Nenhum filho meu vai desperdiç ar-se com menos do que o melhor.

— Como a senhora é esnobe!

— Uma das vantagens de ser uma milioná ria invá lida, Daniel, é que posso me dar ao luxo de ser intolerante, se eu quiser. Você se diverte com isso! Você sempre se divertiu!

— Eu nã o sou esnobe, querida mã ezinha. Entã o, o Troy arrumou uma noiva? Deve ser uma ó tima garota, posso imaginar, com ar de nobre e milhares de dó lares do pai.

— Milhõ es. — Charmides sorriu e Wilma viu que ela se orgulhava de ter um filho tã o viril. — Você també m se tornou rico, nã o é? Sempre teve boa cabeç a para negó cios e deveria ter tomado conta dos negó cios de seu pai, quando ele pediu. Poderia tê -lo aliviado um pouco e ele talvez vivesse um pouco mais.

— Nã o me culpe pela morte de papai. Ele trabalhava demais porque queria. E eu nã o tinha o menor interesse por navios.

— Nã o. Você queria brincar com lucros e prejuí zos como uma crianç a brinca com blocos de madeira!

— Exatamente. Combina com meu temperamento. Eu nunca pode­ria me sentar atrá s de uma mesa e dar ordens para uma cambada de baju­ladores que fingissem fidelidade na minha frente e planejassem uma trai­ç ã o nas minhas costas. Ouvi dizer que um dos chamados " de confian­ç a" de papai bebeu champanhe no dia em que ele morreu no escritó rio. Papai tinha muito poder e isso o tornava um tirano, no escritó rio e em ca­sa. Esperemos que Troy mantenha a cabeç a no lugar.

— Troy nã o é como você!

— Esperemos que ele també m nã o seja como papai!

— Eu amava seu pai!

A voz de Charmides tinha soado com raiva e má goa. Mas para Wilma era claro que sua patroa tinha sido sempre a culpada por sua pró pria infelicidade. Ela poderia ter viajado e se divertido, em vez de ficar presa em seu quarto, com suas lembranç as amargas. Há muito tempo que Charmides se enchia de doces, mas muitas das suas lembranç as eram bem amargas. Ela gostava do luxo, mas ressentia-se de nunca ter experimentado um verdadeiro amor apaixonado.

Naquele instante, Wilma viu-se observando Daniel e se perguntando o quanto ele se pareceria com o pai. Ele olhava para a mã e com frieza e Wilma ficou sem resposta.

— Nã o sei o que a senhora quer dizer com a palavra amor — ele disse. — Imagino que o amor possa ser tã o cheio de tormentos quanto de alegrias. O problema é que no caso de você s, eu nã o presenciei a ternura que imagino que compense a tormenta.

— Helios nunca demonstrou seus sentimentos, exceto quando está vamos a só s!

— Ah, os sentimentos dele! Temos muitos sentimentos com relaç ã o aos animais e passarinhos. Mas o amor entre um homem e uma mulher nã o deveria ser algo mais do que o simples instinto da sobrevivê ncia da espé cie? — Olhou em direç ã o a Wilma, como se seus olhos fossem duas lâ minas afiadas... Ela teve um sobressalto. — Eu pensava — continuou — que o amor entre um homem e uma mulher fosse muito mais do que isso. Talvez fosse romantismo, nã o é? Como os ideais da juventude acabam sendo destruí dos pela desilusã o!

— Você nunca foi româ ntico — Charmides respondeu rispidamente. — Você aproveita os prazeres que aparecerem!

— A senhora está negando os meus sonhos, manoula mou?

— Por acaso há alguma garota em sua vida, Daniel? Veio para me dizer que encontrou algué m, afinal?

— Eu encontrei algué m, mas nã o está nada certo. Terei de lutar com um problema de... preconceito.

— Nã o dos pais dela, nã o é? Eles nã o tê m preconceito contra você, tê m?

— Nã o. Mas nã o quero discutir o problema ainda. Tenho de considerar minhas intenç õ es... se elas sã o sé rias ou nã o, entende? A Mansã o da Lua Cheia me pareceu o lugar mais apropriado, onde eu nã o seria perturbado por questõ es de negó cios.

— Mas você deve saber se quer se casar com a garota. — Charmides olhou-o com exasperaç ã o e curiosidade. — Como ela se chama e de onde é?

— Eu nã o vou contar, querida mã e. Você poderia desaprovar minha escolha e atrapalhar tudo. Nã o vou contar nada até que esteja realmente decidido. Aí entã o, nã o vai fazer a mí nima diferenç a se você aprova ou nã o.

— Ela é bonita?

— Muito bonita. O que eu sinto poderia ser apenas atraç ã o fí sica... tenho de descobrir.

— Ela nã o é uma garota... solta, nã o é? Nã o é ningué m que você tenha encontrado numa estaç ã o de fé rias internacional, nã o é? Eu quero para você uma garota pura. Nã o me interessa se essa é uma palavra fora de moda, ou se é quase impossí vel encontrar algué m assim hoje em dia! Ela merece entrar para a nossa famí lia?

— Pura? Quer dizer que um homem pode entregar-se aos prazeres da juventude, mas uma mulher nã o? Meu Deus, eu nã o sei o que pensar sobre isso! Mas nã o nego meus instintos gregos e quero que ela seja uma boa moç a!

— E você nã o sabe se ela é uma moç a boa e decente?

— Essa garota, manoula mou, é um verdadeiro doce sobre um par de pernas sedutoras. Sinto que, por ela, eu poderia perder completamente minha cabeç a. Mas ao mesmo tempo, poderia estrangulá -la por alterar todas as minhas noç õ es de amor. Eu nã o sou santo e nunca fingi que era. Por isso, nunca esperava reagir como um maldito puritano!

— Espera aí...

— Se há uma coisa que eu nunca fui é um moralista, que condena os outros por serem apenas humanos. Mas de repente, eu conheci essa garota... E ela tem os olhos de um anjo e os instintos de uma gata vira-lata...

— O quê? Você ainda ousa me dizer que está pensando em se casar com uma... mulher à -toa?

— Nã o é bem isso. A vida é minha, mamã ezinha, e eu escolherei minha pró pria esposa. Se eu decidir que quero essa garota, entã o ela vai aprender a nunca mais sair da linha.

— Daniel... Essa garota nã o é virgem?

— Nã o. Eu tenho de encarar esse fato, mas a senhora pode esquecê -lo. E pode desfazer essa cara de mã e puritana e ofendida. Ela nã o combina com sua maquilagem e seu cabelo.

— Como você ousa?

Charmides pareceu totalmente descontrolada e seus olhos faiscaram. Daniel tinha caminhado suavemente até a porta e começ ava a abri-la.

— Eu vou tomar meu café da manhã agora — ele disse calmamente. — Por que a senhora nã o sai dessa cama e vai dar uma voltinha no meu carro novo? É um modelo italiano, mas com motor de Rolls-Royce. Fantá stico!

— Vá para o inferno, que é o lugar a que você pertence! E leve sua prostituta junto! Se ousar casar com ela...

— Eu me casarei com quem bem entender. Mas quem foi que disse que eu chegaria a esse ponto? Tenho que pensar sobre o assunto. Talvez eu queira apenas levá -la... — Daniel soltou uma risada significativa —... para jantar.

Saiu do quarto e fechou a porta atrá s de si.

— Maldito! — Charmides gritou, furiosa. — Demô nio, filho de Sataná s! — Atirou o espelho de cabeceira em direç ã o à porta. — Eu era uma garota decente! Helios tinha orgulho de mim, mesmo que ele nem sempre mostrasse isso. Amor? Por acaso o amor é tudo?

— Madame... — Wilma tentou esconder seu pró prio estado de nervos. — Seu filho já é um homem maduro e precisa seguir seu pró prio caminho. Ele nã o é mais uma crianç a. Sabe que, se brincar com o fogo, pode se queimar.

— E o que você sabe disso? É uma jovem solteira que nã o sai com homens. Eu tive dois filhos! O que acabou de sair rindo, demorou horas para nascer e me fez sofrer muito durante o parto. E desde entã o ele continua me fazendo sofrer! Ele era um menino tã o bom, mas depois começ ou a brigar com Helios. Entã o foi um inferno, eu lhe digo! Um verdadeiro inferno! A causa disso tudo foi o orgulho e a cabeç a dura de gregos que eles tinham.

— Mas...

— Graç as a Deus que meu outro filho é menos exigente, menos carismá tico. Eu tenho pena da garota que se casar com Daniel, se é que ele vai se casar mesmo! Mas uma garota assim! O corpo dela já foi usado por outro homem! Como ele ousa fazer isso comigo?

— O amor nã o é uma emoç ã o razoá vel, madame. E me pareceu que seu filho gosta muito dessa garota. É a vida dele, como ele mesmo disse.

— Uma vida que ele nã o teria, se eu nã o tivesse sofrido a agonia de dar à luz.

Wilma poderia dizer que Charmides havia passado també m pelo prazer de conceber aquele filho. Mas sentiu que muita coisa tinha sido dita e que a raiva e o ressentimento precisaram se assentar, mesmo que continuassem doendo. Charmides teria de lidar com seus pró prios sentimentos.

— Devo pedir seu café da manhã, madame? — perguntou com naturalidade. — Um café bem quentinho e algo para comer lhe farã o bem. Ah, eu sei que a senhora está aborrecida. E entendo que mesmo crianç as crescidas possam causar dores de coraç ã o. Eu nã o sou feita de gelo, embora pareç a assim.

— E posso saber do que é feita? Você é bonita demais para nã o ter um namorado. Já teve alguma desilusã o?

Wilma nã o esperava por aquela pergunta. Talvez, em outros tempos, ela pudesse confessar seu segredo a Charmides. Mas aquele nã o era o momento para falar sobre Monte Carlo e um divó rcio baseado numa mentira cruel. Baixou a cabeç a e nã o respondeu.

— É. — Charmides suspirou. — Vou querer café e talvez dois croissants. E ovos com presunto defumado, alé m de torradas. Diga a Inê s para trazer a bandeja, enquanto você toma seu pró prio café, Wilma.

— Sim, madame.

— O que você deve pensar sobre meu filho! Vindo para casa desse jeito, com uma notí cia tã o infeliz para sua pobre mã e... Nã o sei como meu pobre coraç ã o agü enta. Querer uma garota como aquela, que ele admite nã o passar de uma gata vira-lata! Daniel está fazendo isso de propó sito. Ele quer me punir por ficar do lado do pai dele, quando Helios quis colocá -lo à frente dos negó cios da famí lia. Nã o faria mal a ele agradar Helios, mas sempre foi tã o voluntarioso e obstinado... Quando Daniel decide alguma coisa, nã o há nada que o faç a mudar de idé ia. Tentar isso seria como tentar tirar um pedaç o de carne da boca de um tigre! Ele vai casar-se com aquela garota, eu sinto isso.

Charmides soltou um gemido. Wilma achou que ela estava exagerando seu sofrimento.

— Ah, minhas pobres costas! — Charmides se lastimou. — Como doem, francamente! Quando você terminar seu café, Wilma, venha me fazer uma massagem.

— Pois nã o, madame.

No í ntimo, pensou que concordava com Daniel: um passeio num carro confortá vel pela praia faria muito bem a Charmides. As dores que ela sentia no corpo e no coraç ã o nã o podiam ser aliviadas ficando na cama, nã o importa o quanto aquele quarto fosse luxuoso. Mas Charmides tomaria seu café da manhã reforç ado, seria massageada e fumaria seus cigarros, enquanto lesse as revistas de moda e beleza.

— Eu mesma vou buscar sua bandeja, se a senhora quiser — Wilma ofereceu.

— Nã o, crianç a. Vá, tome seu café da manhã no jardim e ignore aquele nudnik, se você o vir.

— Entã o é o seu filho Troy que é o macher?

— Ora, entã o você sabe um pouco de Yiddish? De onde?

— Meu pai trabalhava entre mú sicos e muitos deles falavam o Yiddish.

Wilma reprimiu um suspiro, lembrando-se de Kenny Devine. Ele gostava dela e a tinha avisado para nã o ir cantar no Hotel Cyrano. Quis casar-se com ela, apó s a morte de seu pai. Mas Wilma era jovem na é poca e muito româ ntica. Nã o aceitou porque tudo o que sentia por Kenny era um afeiç ã o de irmã.

— Há mais coisas por dentro de você, minha menina, do que se pode ver por fora. — Charmides observou subitamente. — Um homem a ma­goou, eu acho. Tome cuidado e nã o deixe que isso se repita.

— Espero que nã o, madame.

Mais uma vez Wilma sentiu-se tentada a contar tudo a Charmides. Só assim estaria livre e nã o correria o risco de Daniel Demonides atormentá -la com seu segredo. Mas, naquele momento, Charmides pegou sua caixa de jó ias e começ ou a remexer nelas como uma crianç a mimada. Wilma conteve-se.

— Vá logo, Wilma — disse a senhora. — Tome seu café da manhã entre os pá ssaros inocentes e esqueç a o mal que o amor faz em nossos coraç õ es tolos. Continue sá bia, minha jovem, e mantenha os homens fora de sua vida.

 

 

Wilma tinha exatamente aquela intenç ã o... Uma intenç ã o que foi cruelmente abalada quando ela chegou à mesa do jardim. Sentado em uma das cadeiras, estava um homem com uma calç a creme e uma camiseta. Ele comia ovos com bacon e cogumelos fritos na manteiga.

Daniel se levantou e esperou até que Wilma sentasse. Depois fez um gesto para os pratos.

— Sirva-se enquanto tudo ainda está quente. Imagino que você sempre tome seu café da manhã debaixo destas á rvores, nã o é?

— É.

Ela serviu seu café nervosamente. Tinha vindo à quele canto quieto do jardim com tanta seguranç a... Se soubesse que Daniel estava lá, teria fugido rapidamente. Mas fugir agora pareceria covardia. Alé m disso, mostraria a ele que sentia medo da sua ameaç a...

— Está fazendo uma manhã esplê ndida, nã o é? — ele comentou. A Fló rida, nesta é poca do ano, é um dos lugares mais agradá veis do mundo... A menos, é claro, que haja um furacã o.

— Você está prevendo a chegada de algum furacã o?

— Eu poderia fazer a mesma pergunta a você, Wilma Bird. Está esperando a chegada de alguma forç a destrutiva?

— Acho que ela já chegou na noite passada. Você realmente tirou sua mã e do sé rio, nã o é? Era essa a sua intenç ã o?

— Você faz bem o gê nero da dama de companhia, nã o é? A sua preocupaç ã o pela minha mã e é realmente sincera?

— Claro que é. Mas eu duvido que simpatia e tolerâ ncia estejam dentro das suas possibilidades de compreensã o.

— Surpreende-me que estejam dentro da sua. Coma seus ovos, antes que eles congelem. Estou certo de que uma mulher jovem e saudá vel como você tem um bom apetite... Que pena que eu nã o possa levá -la para um passeio em meu carro. Acha que minha mã e teria um ataque, se eu a raptasse por algumas horas?

— Sua mã e me demitiria, e é isso o que você gostaria que acontecesse.

— Acha mesmo? — O olhar dele percorreu a parede cheia de trepadeiras floridas, que atraí am as abelhas. — Essas flores estã o uma beleza. Você tem uma beleza estonteante, sabia? Como uma flor cristalizada.

— Pode guardar os elogios para si mesmo. Eles nã o combinam com meu café da manhã.

— Que tal com o jantar?

— Nã o combinam com nenhuma hora do dia. Portanto, nã o gaste sua saliva com falsas delicadezas.

Agora, ele nã o tirava os olhos de Wilma.

— E pare de me olhar comer — ela exigiu. — Você nã o está no zooló gico, diante de uma jaula!

Ele riu.

— Eu vou fazer com você o que bem entender. Mais café?

— Você vai fazer o quê?

— Você me ouviu, Wilma Bird.

— Francamente!

— É mesmo. Você teria forç as para me impedir, ou vontade? Sabe tã o bem quanto eu que uma abelha é sempre atraí da pela parte mais doce da fruta.

— Por acaso imagina que eu me sinto atraí da por você?

— Você está intrigada, minha querida. E está ligada a mim por um segredo que chocaria minha mã e profundamente. Ela nunca deixa aquela cama vitoriana para vir até aqui embaixo?

— Quase nunca.

Wilma teve de segurar a xí cara com as duas mã os, pois estava tremendo. Ela atraí da por ele? Era verdade que Daniel tinha um fí sico bonito; que sua pele exalava um perfume masculino suave... Mas nã o tinha coraç ã o. E ela nunca mais queria cair nas mã os de um homem cruel.

— Você nã o tenta convencer minha mã e a sair do quarto? — ele perguntou. — O que ela faz o dia todo, come chocolate e pinta as unhas?

— Eu sou apenas a empregada, lembre-se. Nã o posso dar ordens a quem paga meu salá rio.

— Ela precisa ser convencida a sair daquele quarto. Eu nã o sabia que tinha virado uma semi-invá lida até que Troy me escreveu. Meu ir­mã o contou que ela estava com uma semi-enfermeira, morando na man­sã o... Uma jovem chamada Wilma. Onde você aprendeu enfermagem?

— Eu trabalhei como assistente de enfermagem antes de vir para a Mansã o da Lua Cheia.

— Quanta nobreza da sua parte, Wilma.

— Nã o meta o nariz onde nã o deve. Isso nã o combina com o formato dele, que parece bem mais nobre do que você!

— Aí está! Eu disse que você estava atraí da por mim.

— Uma vez admirei uma pantera no zooló gico, mas nã o senti a menor vontade de abraç á -la.

— E você sente uma terrí vel vontade de me abraç ar?

— O perigo de ser mordida seria o mesmo.

— Algumas mulheres de vida fá cil guardam sempre uma lâ mina no cinto. Mas você manté m a sua na lí ngua, nã o é, doç ura?

— Eu aprendi que vale a pena.

Wilma odiou-o por ser chamada daquela maneira. Mas como Daniel continuou sentado folgadamente, nã o pô de deixar de olhá -lo.

É, disse a si mesma, ele é como uma pantera, à s vezes selvagem e feroz.

— As mulheres sã o como cogumelos — disse ele. — Algumas inocentes, enquanto outras sã o bem venenosas. Algumas dã o satisfaç ã o, enquanto outras destroem.

— A inocê ncia parece zumbir em seu ouvido como uma vespa persistente. Será que é pelo fato de você ter tã o pouco dessa qualidade?

— Eu posso ser bom, debaixo desta aparê ncia de frieza.

— Você nã o é muito bom para sua mã e. Está atormentando ela por causa daquela garota. Mas eu nã o acredito que se casaria com uma mulher que já foi de outro homem. Seu orgulho nã o permitiria aceitá -la... você tornaria a vida dela um inferno.

— O que sabe sobre mim e meu orgulho?

— É o orgulho grego, herdado de seu pai. Acho que você é uma segunda ediç ã o de Helios Demonides.

— Meu pai nã o se sentaria aqui e permitiria que uma empregada inglesa falasse com ele como você está falando agora. Ele a poria no seu devido lugar. Mas em vez de fazer isso, eu prefiro admirar seu belo corpo.

— Eu nã o gosto disso!

— Ora, vamos, você adora ter suas pernas expostas, usando apenas a camisa de um pijama masculino. Nunca vi nada que ficasse tã o bem numa jovem. Principalmente quando ela é arrancada da cama, com seu lindo cabelo solto e os olhos ainda brilhantes de amor...

— Cale a boca! — Nã o agü entando mais, Wilma levantou-se rapidamente. Mas ao fazer isso esbarrou na mesa, derrubando café na impecá vel calç a de Daniel. — Ah, meu Deus! — ela lamentou. — Eu tenho que sair daqui... de perto de você!

Virou-se e começ ou a correr. Mas suas pernas tremiam e Daniel alcanç ou-a facilmente, segurando-a.

— Deixe-me ir! Nã o permito que me trate desse jeito... Como se eu fosse uma mulher à toa!

— Por acaso você esperava que eu a tratasse como uma virgem? Eu estava lá, Wilma. Vi aquele porco produtor de cinema e o brilho satisfeito na cara dele! Como pô de deixar um tipo como aquele tocar um dedo em você?

— Ele nã o tocou... nunca! Aquilo tudo foi um golpe imundo e um pesadelo... você nã o entende? Ele me drogou! Colocou alguma coisa no suco de tomate que eu estava bebendo!

Daniel olhou-a com uma expressã o dura.

— Isso é verdade e Deus é sua testemunha?

— Eu quero cair morta se isso é mentira!

— Entã o você nã o queria... nã o cooperou? Ele a seduziu enquanto estava inconsciente?

— Nã o.

— Entã o o que você está dizendo?

— Ele nã o tocou em mim... Nunca!

Daniel largou-a finalmente.

— Quantas coisas uma mulher como você é capaz de dizer! Ele a tocou e muito bem. Era evidente para qualquer um que visse a esposa dele arrancá -la do quarto. Seu cabelo estava todo despenteado e você usava aquela camisa de pijama que mostrava até suas coxas! E tinha o corpo marcado... eu vi isso com meus pró prios olhos!

— É, eu sei. Quando recuperei a consciê ncia, a esposa dele estava me batendo com a bolsa, que tinha fecho de tartaruga. E... eu fico com a pele marcada com muita facilidade.

— Claro, aposto que sim.

Daniel olhou-a de alto a baixo. Era evidente que nã o acreditava em uma só palavra do que Wilma havia dito. Ningué m teria mesmo acreditado. E foi por isso que ela nã o tentou se defender na é poca. Alé m disso, os jornais teriam gostado ainda mais de divulgar os detalhes da histó ria. Com certeza, sairia em grandes letras: " Cantora violada inconsciente". Dos dois males, Wilma optou pelo menor: que todos pensassem que tinha um caso com Myles Sadlier.

Casos daqueles eram bastante comuns. Mas quem acreditaria que um homem como Sadlier tinha resistido à tentaç ã o de fazer amor com ela? Só ela sabia da verdade. Depois de vesti-la com seu pijama, ele havia esperado até que a esposa chegasse e os descobrisse juntos. E se o cabelo dela estava despenteado, era porque a esposa de Sadlier praticamente a arrastara para fora da cama.

Wilma tremeu ao lembrar-se desses detalhes. Sentia vontade de fugir e de se esconder. Daniel continuava olhando-a com ironia, e todas as sensaç õ es daquela noite voltaram: a vergonha, o desamparo.

De repente, sentiu as lá grimas escorrendo pelo rosto. Tentou esconder que estava chorando e conseguiu dizer finalmente:

— Vou embora daqui. Nã o posso ficar com essa nuvem preta sobre minha cabeç a.

— Nã o — disse Daniel. Quando Wilma olhou para ele, sua expressã o ainda era dura. Mas parecia que a raiva tinha passado e que, de alguma forma, estava mais terno. Wilma esperou, sem compreender bem o que ele queria. — Nã o posso permitir que deixe minha mã e — ele explicou. — Ela é uma mulher muito sozinha e já se acostumou com você. Acho que seria bem melhor se ficasse.

— Nã o, acho que é melhor eu ir embora.

— Por quê? Por minha causa? Eu vou embora daqui a algum tempo. E, sem dú vida, foi uma experiê ncia traumá tica para você descobrir a vida que estava levando. Se permitir que saia daqui, posso estar mandando você de volta... à perdiç ã o.

Wilma nã o gostou do que ouviu mas pensou que, de fato, nã o queria realmente deixar aquela casa, que tinha se tornado um lar para ela. E també m era verdade que Daniel Demonides em breve faria suas malas, beijaria sua mã e e partiria. Por que entã o se deixaria expulsar?

— É melhor voltar para o lado de Charmides — Daniel disse. — Ela provavelmente precisa de você para alguma coisa. Nã o vou mais tocar nesse assunto com você. Posso ver o quanto se arrepende de ter se envolvido com um homem como Sadlier.

Wilma nã o conseguiu dizer uma palavra.

— E deixe de lado essa tristeza — ele mandou. — Ou entã o minha mã e vai querer saber o que há de errado. Ela pode pensar que eu andei atormentando você.

— E tal coisa nunca passou pela sua cabeç a, nã o é? — Ela ironizou e saiu dali, sentindo o coraç ã o mais pesado do que nunca.

 

 



  

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