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(The burning sands). Violet Winspear. CAPÍTULO I



 

O Califa do Deserto Violet Winspear

O Califa do Deserto ( SABRINA 245)

(The burning sands)

Violet Winspear

Como num sonho fantá stico, Carla se viu arrancada da sua civilizada Londres para cair em pleno deserto do

Marrocos, no meio dos berberes! Zain Hassan bin Hamid, um á rabe belo e sensual, de penetrantes olhos azuis, dono

e senhor daquele lugar, queria que ela se tornasse sua esposa à forç a. E para que Carla nã o fugisse, foi trancafiada

no haré m, vigiado por guardas armados. Mesmo assim, ela desafiou El Zain: — Eu nã o me casaria com você nem que

fosse o ú ltimo homem na face da Terra! — Zain Hassan, poré m, tinha todo o tempo do mundo para subjugar aquela

jovem e indomá vel inglesa e submetê -la à sua fé rrea vontade. Quem venceria o duelo?

CAPÍ TULO I

Um pá lido raio de sol outonal incidiu sobre os cabelos loiros da jovem que folheava uma revista, sentada na

cadeira de vime da varanda.

De repente, seu olhar distraí do concentrou-se num dos pará grafos da seç ã o que publicava pequenos

anú ncios, tais como, venda de casacos de peles de segunda-mã o, perucas de cabelos verdadeiros e objetos de

decoraç ã o e uso domé stico.

" Precisa-se de jovem, nascida na Inglaterra, para exercer o cargo de dama de companhia, na residê ncia de

senhor de posses, vivendo no exterior. "

Carla ficou atô nita. Aquilo parecia um anú ncio da é poca da rainha Vitó ria, quando os ricos fazendeiros das

colô nias inglesas solicitavam moç as para fazerem companhia à s suas esposas e filhas.

Agora, na era dos jatos supersô nicos, as jovens trabalhavam em mil e uma atividades, inclusive naquelas

exercidas antigamente apenas pelos homens. Mas nã o na ocupaç ã o mencionada no anú ncio: aquilo nã o estava mais em

moda. Podia parecer uma piada, nã o fosse o fato de aquela revista ser tradicionalmente sé ria, nã o se prestando a

brincadeiras do gê nero.

Solicitavam uma jovem para ir viver no exterior, mas nã o diziam onde. As interessadas deveriam escrever

para um determinado nú mero de caixa postal, aos cuidados dos editores da revista, em Bride Lane, Londres.

Os olhos verdes de Carla Innocence tornaram-se meditativos. O que mais seduzia naquela oferta de

emprego era a menç ã o de que a pessoa interessada tinha posses. Mas só alguma garota na misé ria, desesperada, que

nã o se importasse com os riscos que correria indo morar numa casa estranha, fora do paí s, é que cairia naquela

armadilha.

O sol já estava se pondo no horizonte quando uma mulher de uniforme branco e azul apareceu à porta da

varanda.

— É hora de se recolher, Carla — falou com a solicitude pró pria das enfermeiras bem treinadas para

trabalharem numa clí nica particular de luxo como aquela. — Nã o queremos que depois de tudo que já penou ainda por

cima apanhe um resfriado.

Pela entonaç ã o, até parecia que estava falando com uma crianç a, e nã o com uma adulta de vinte e quatro

anos, que tinha acabado de passar por uma crise emocional e fí sica arrasadora.

A vida havia sido muito boa para com Carla, mas agora precisava abrir os olhos para a dura realidade: estava

desempregada e numa situaç ã o financeira periclitante. Depois que pagasse a conta da internaç ã o e dos serviç os

mé dicos, iria ficar sem dinheiro algum. Para sobreviver, precisaria começ ar a vender as coisas caras e bonitas que

havia comprado para seu apartamento, até surgir uma nova oportunidade de trabalho.

Carla levantou-se da cadeira e seguiu a enfermeira. As flores da mesinha-de-cabeceira estavam começ ando

a murchar, e o entardecer dava um aspecto melancó lico ao seu quarto, onde, durante as ú ltimas semanas, ela

padecera horrores.

— O que pretende fazer quando nos deixar? — perguntou a enfermeira.

— Oh... Estou pensando em ir trabalhar no estrangeiro.

A enfermeira se espantou e Carla retribuiu o olhar com um leve sorriso irô nico. Todos, no hospital, já sabiam

que ela estava acabada como manequim profissional, e que tinha terminado o noivado com Peter Jameson. Aquela

mesma enfermeira a surpreendera aos prantos, depois de ouvir o veredicto do cirurgiã o que a operara. També m

O Califa do Deserto Violet Winspear

havia sido ela quem apanhara o anel de noivado do chã o, depois de seu acesso de có lera contra o noivo.

" Um anel de jade e pé rolas, para combinar com a cor de seus olhos e de sua pele", dissera Peter, tempos

atrá s, ao pedi-la em casamento e jurar amor eterno.

O mais paté tico é que Carla tinha sofrido o acidente — uma queda violenta do cavalo — justamente na casa

de campo de Peter. O cavalo a atirara de encontro ao tronco de uma á rvore e ela recebera ferimentos graves. Apó s

vá rias intervenç õ es cirú rgicas, havia conseguido sair com vida, mas ficara com um defeito no pé, que nã o mais lhe

permitiria desfilar pelas passarelas. Uma modelo profissional manca? Seria um despropó sito.

— Nã o fique tã o admirada — disse Carla. — Ser manequim, ou esposa de Peter Jameson nã o sã o as ú nicas

ocupaç õ es deste mundo! Existem outros campos e neles eu vou plantar as minhas sementes.

— Oh, Senhor! — A enfermeira pressionou os lá bios com a mã o. — Só espero que nã o vá estragar a sua vida,

fazendo alguma loucura. Mas você está brincando comigo, nã o está?

— Nunca falei tã o sé rio. Durante seis anos andei desfilando e posando por aí. Consegui ganhar um bom

dinheiro, que já gastei. Trabalhei duro, mas també m me diverti. Agora a festa acabou e estou na pior. Portanto,

preciso me mexer para viver, e vou agarrar com unhas e dentes qualquer oportunidade que surja para me afastar da

Inglaterra. Ossos quebrados podem ser recuperados, mas um coraç ã o despedaç ado é bem mais difí cil de consertar.

Quando se tem uma profissã o como a rainha, ou de cantora ou atriz, a pessoa é avaliada de acordo com o seu ú ltimo

desempenho. Eu nã o me importaria de ter rompido o tendã o do tornozelo e de ficar manca se... — Carla se calou na

metade da frase e seus lá bios começ aram a tremer.

Se... Se ela, ao menos tivesse sido amada! Mas Peter Jameson havia saí do de sua vida e, na verdade, ela nã o

o queria de volta. Nã o queria um homem que nã o tivera um mí nimo de compaixã o com ela no momento em que mais

precisava de apoio e solidariedade. A ú nica coisa que ele realmente amara fora seu corpo esguio, seu porte elegante,

seu andar gracioso. Depois do que tinha acontecido, ele a jogara fora, como se fosse uma boneca quebrada.

Os olhos verdes tiveram um lampejo de rancor, o que nã o alterou a beleza daquele rosto de maç ã s

pronunciadas, dando-lhe a aparê ncia que os fotó grafos de propaganda tanto buscavam: o ar sensual e misterioso de

Greta Garbo, a pureza e a inocê ncia de uma gazela.

Que Peter e toda a sua raç a fossem para o inferno! Um amor que nã o resistira, nem por um segundo, ao

primeiro percalç o, era para tornar qualquer criatura descrente. Nunca mais deixaria que as emoç õ es fizessem parte

de qualquer relacionamento seu com outro homem.

Tornou a pensar no anú ncio.

Um senhor bem de vida estava precisando de uma dama de companhia, a milhares de quilô metros de

distâ ncia do lugar onde seu futuro tinha desmoronado. Nã o queria ficar ali, em Londres, como espectadora, vendo

outra moç a ocupar seu lugar na passarela e em frente à s câ meras fotográ ficas. Nã o era inveja, nã o. Era pura má goa

de ver seu mundo ruir por causa de uma maldita queda de cavalo.

Dali por diante, sua situaç ã o financeira e seu estado fí sico só lhe permitiriam ir morar em alguma pensã o de

subú rbio. Teria que voltar para o martí rio de uma má quina de costura, cosendo roupas alheias, até que seus olhos

ardessem e seus ombros se dobrassem pelo cansaç o. Entã o, sentiu-se como quando tinha dezoito anos e largara

aquela vida pobre e de sacrifí cios, para aventurar-se no mundo da moda. Era um desafio, e seu sangue de londrina da

classe baixa, uma cockney, voltou a ferver.

Em que parte do mundo viveria esse cavalheiro desconhecido responsá vel pelo anú ncio? Estaria ele

precisando de algué m que fizesse companhia a uma esposa invá lida, de algué m que lesse para ela e a entretivesse,

comentando os ú ltimos acontecimentos do paí s de origem? Sim, porque deveria ser algum inglê s morando no

exterior. Tudo bem. Carla teria muito assunto para conversar, e essas pessoas nã o fariam questã o de que ela nã o

pudesse mais andar com a pose e o desembaraç o de uma manequim.

Tornou a pensar no ex-noivo, que, depois de convidá -la para um fim de semana em sua casa de campo, lhe

dera para montar um animal tã o traiç oeiro quanto ele pró prio. Que se danasse! Tinha ficado com tanto ó dio dele que

acabara rasgando sua fotografia em pedacinhos. Que fim mais deprimente para um romance! Nunca mais haveria de

se apaixonar!

— Jamais me passou pela cabeç a que estivesse pensando em ir trabalhar no exterior — disse a enfermeira.

— Nesses ú ltimos dias, me pareceu que você estava aflita com o seu futuro, mas nã o que tivesse um projeto como

esse. O tal trabalho tem alguma coisa a ver com moda?

— Tem muito pouco a ver. Mas, se eu conseguir esse emprego, tenho certeza de que me sairei a contento.

Nada mais me prende à Inglaterra e nã o acho que este meu pé defeituoso possa me deter.

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— Espero que nã o. Estou mais tranqü ila em saber que o rompimento do seu noivado com Peter Jameson nã o

lhe tirou o â nimo.

Carla deu uma risada sarcá stica.

— Pelo menos ele me serviu de liç ã o. No futuro, nã o pretendo mais ser uma tola româ ntica.

— Amor e casamento nã o estã o mais em seus planos?

Até aquela enfermeira eficiente e forte era sujeita a sonhos româ nticos, e o fato de uma moç a tã o linda

fechar seu coraç ã o para o amor a entristecia.

— Risquei a palavra casamento do meu dicioná rio — respondeu Carla, enfá tica. — Os homens nã o estã o

interessados no que existe dentro do corpo da mulher. E quando esse corpo nã o é mais perfeito, entã o, pobrezinha

dela! Ah, mas agora já estou calejada. Se me julgarem novamente um brinquedinho sem alma e quiserem tirar

vantagem de mim, eu vou mostrar a lí ngua afiada que tenho!

Carla se reclinou no travesseiro e passou o braç o por cima da cabeç a. O olhar tinha um brilho que mostrava a

vontade de esganar o primeiro homem que aparecesse diante dela com aquela conversa fiada que Peter havia usado.

Era bonita demais para ficar sozinha e precisava de algué m para tomar conta dela. Pois sim!

— Nã o quero voltar a ser uma costureirinha do East End. Nã o suportaria mais aquele tipo de vida, depois de

ter sido uma modelo. Sim, enfermeira, eu era isso no passado: uma costureirinha! Foi minha avó quem me pô s diante

de uma má quina de costura, aos dezesseis anos. Penei por dois anos, mas já naquela é poca eu tinha ambiç ã o e ideais.

Sabia que outras moç as cockneys haviam tido ê xito como manequins. Tive sorte e vim a conhecer um fotó grafo

profissional que achou que eu tinha os predicados para me tornar uma delas. Por dois anos fiz sucesso. E foi num dos

coqueté is oferecidos por um ateliê de alta costura que acabei conhecendo o covarde Peter. Sabe que ele chegou a

jurar que me adorava? E a trouxa aqui acreditou. Eu me sentia a pró pria Cinderela. Mas o sapatinho de cristal nã o

cabe mais no meu pé aleijado, e o prí ncipe encantado se foi!

Carla ficou em silê ncio por um momento, vendo, pela janela aberta, a escuridã o caindo lá fora, e sentindo um

calafrio de medo diante do futuro obscuro. A querida e rabugenta avó já estava morta. Ningué m mais se preocupava

com ela, e os ú nicos parentes que tinha moravam na Escó cia. Carla nem os conhecia. Eram primos distantes por parte

de pai, que morrera bem antes de a mã e apanhar aquela pneumonia fatal.

— Entã o, quer dizer que me tomou por alguma grã -fina de sociedade? — perguntou para a enfermeira.

— Sim. Quero dizer, pelo jeito como fala e se comporta, você parece mesmo uma lady. Carla Innocence...

Esse é o seu verdadeiro nome? Desculpe perguntar, mas é um nome um pouco raro.

— Sim. É meu nome verdadeiro. O fotó grafo que me ajudou a escalar os degraus da fama me aconselhou a

conservá -lo. Ele foi um amigã o, assim como Jane, sua mulher. Ensinaram-me a falar corretamente e a ter boas

maneiras. Jane foi atriz das produç õ es teatrais de Stratford-on-Avon e tinha uma dicç ã o perfeita. Sempre serei

grata a ambos.

— E eles nã o poderiam ajudá -la neste momento difí cil? Parecem ser gente boa. Por que nã o os procura antes

de fazer alguma coisa de que possa se arrepender mais tarde?

— Assim como ir para outro paí s e tentar ganhar o meu sustento? — Carla sacudiu com os ombros, num jeito

displicente. — Jane e Harry tê m problemas demais com o pró prio filho, e nã o quero ser mais um transtorno para

eles. De qualquer maneira, com esse meu defeito no pé, Harry nã o poderia fazer mais nada pela minha carreira.

— Mas você tem lindos cabelos. Por que nã o posa para anú ncios de xampu?

— Nã o. No meu caso, o que valia era a maneira como eu me movimentava. Meu modo de andar é que vendia os

produtos. Agora que manco, tenho que enfrentar as conseqü ê ncias. Ou volto para a má quina de costura, ou trabalho

para algué m que nã o se importe que eu nã o seja uma perfeiç ã o fí sica.

— Nã o fale assim, Carla! — A mulher parecia sinceramente penalizada. — Você é uma moç a com tanta classe,

tã o linda e adorá vel... Todos nó s admiramos a coragem com que enfrentou essa situaç ã o toda.

— Ora! Nã o sou assim tã o maravilhosa, enfermeira. Sou até muito fraca e humana, e confesso que fiquei

arrasada com tudo o que aconteceu.

— É compreensí vel. Mas tudo tem soluç ã o, desde que a pessoa deixe o barco correr e conserve a fé.

— Gostaria de acreditar nisso — disse Carla, com uma expressã o cí nica no rosto. — Sempre achei que, se

algué m quer alguma coisa, precisa perseguir o seu ideal. No momento, tudo o que eu quero é fugir.

— E acha que esse trabalho no exterior vai ao encontro dos seus desejos?

— Espero que sim.

— De que nacionalidade é esse seu empregador?

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— Nã o sei.

— Carla! Pense muito antes de tomar qualquer atitude. Muitas coisas estranhas acontecem nesses paí ses

desconhecidos. Seria bem melhor ficar na Inglaterra e arrumar um emprego por aqui mesmo. Com esse rostinho

lindo, nã o vai ter dificuldade. Num escritó rio do centro, por exemplo.

— Para isso é necessá rio preparo e certa experiê ncia. E para trabalhar como balconista é preciso ficar o dia

todo de pé, atendendo a clientela. Do jeito que estou nã o vou poder fazer isso.

— E em maté ria de dinheiro, você está mesmo a zero? — A enfermeira olhou para os caros objetos de

toalete que estavam enfileirados na penteadeira e para o sofisticado reló gio da mesinha-de-cabeceira. —

Certamente deve ter algumas economias. Ouvi dizer que as modelos profissionais ganham bem mais do que

enfermeiras.

— Como já lhe disse, ganhei muito dinheiro, mas gastei, investindo em mim mesma. Agora, se eu quiser

comer, preciso sentar-me à mesa de algum ricaç o, e isso, se tiver a sorte de ser escolhida para esse emprego. Puxa,

enfermeira! Nã o me olhe desse jeito! Já lhe contei que nã o sou uma dessas filhinhas de papai que vivem de papo

para o ar. Ou, quando tê m alguma ocupaç ã o, trabalham em pequenas e elegantes butiques, só para fazer hora, até

que apareç a outro filhinho de papai rico que as sustente. — Carla ergueu o queixo, num desafio. — Nã o lenho outra

opç ã o, senã o usar os recursos que Deus me deu para poder viver. Nã o pretendo terminar os meus dias como minha

pobre mã e, uma operá ria que se acabou no trabalho. De tanta chuva e sereno que apanhou ao voltar para casa tarde

da noite, contraiu uma pneumonia dupla. Farei qualquer coisa, menos seguir o exemplo dela. Qualquer coisa!

Ou olhos verdes tinham agora um brilho de audá cia.

Antigamente, as mulheres nã o iam trabalhar para pessoas e em lugares que nunca tinham visto antes?

Realmente, era um risco enorme, mas ela nã o se deixaria intimidar pelas advertê ncias alheias. De agora em diante,

guardaria segredo de seus planos e nã o diria a ningué m que pretendia responder à quele anú ncio. Era problema dela,

e nã o de outros.

— Tome cuidado — voltou a aconselhar a enfermeira. — Você acabou de passar por uma experiê ncia

traumatizante e está deprimida.

— A senhora é uma mulher bondosa — retrucou Carla. — Mas eu nã o sou mais uma adolescente deslumbrada.

Pode deixar, que saberei me cuidar. Nã o me deseja boa sorte?

A enfermeira ficou olhando, pensativa.

— O que a preocupa agora? — perguntou Carla, com um sorrisinho travesso.

— Estava pensando que, afinal, o seu sobrenome, Innocence, combina com você.

— Sou uma pobre inocente, é isso?

— Talvez ache graç a, mas acho que é verdade.

— Lembre-se de que fui manequim, e nã o uma freira enclausurada.

— Isso nã o quer dizer nada. Nã o altera o fato de que ainda é ingê nua e infantil. Você... Bem... Nã o andou se

expondo por aí, nã o é mesmo? — A enfermeira mordeu o lá bio, antes de acrescentar: — Quero dizer, nó s,

enfermeiras, sabemos dessas coisas... Sabemos com quem estamos lidando quando tratamos de uma paciente na

intimidade...

— Está querendo dizer que eu ainda sou virgem?

— Pois é...

— E é tã o surpreendente assim?

— Bem... É que a vida de uma manequim deve ser muito agitada, e, com a sua aparê ncia, deve ter sido muito

assediada pelos homens.

— Por incrí vel que pareç a, a maioria dos homens me considera intocá vel. Só estive na mira das objetivas das

má quinas fotográ ficas. Todo o meu charme era usado nas capas de revistas ou nos ví deos de televisã o. Beleza nã o é

documento. Talvez eu até tenha um coraç ã o de pedra, pois cheguei a odiar todos aqueles pseudo-admiradores,

inclusive Peter, que deram o fora quando souberam do veredicto do mé dico: aleijada! Até parecia que ele tinha dito

que eu estava leprosa! — Carla olhou intencionalmente para o dedo anular. — E pensar que usei o anel que ele me

deu, crente de que iria ser sua esposa. Talvez eu amasse apenas a sua linda e confortá vel casa de campo. O amor,

quando é verdadeiro, é també m eterno. Nã o se fala assim?

— Quando se trata do homem certo.

— Nã o me diga! — Carla sorriu apenas com os lá bios, pois seus olhos pareciam duas pedras de gelo. — Nunca

pensei que enfermeiras pudessem ser sentimentais. Elas estã o sempre em contato com o lado pior do ser humano.

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Testemunhar gritos, gemidos e dores deveria lhes afetar a sensibilidade.

— Agora você está sendo cí nica — interveio a enfermeira. — Seja como for, está quase na hora do seu

jantar e vou deixá -la à vontade para tomar banho. Use aquela camisola cor-de-rosa. Fica tã o bem em você.

— E depois de ficar toda lindona, vou fazer a minha refeiç ã o solitá ria nesta clí nica que mal posso pagar? É

verdade! É o que me resta fazer, a nã o ser que alguma alma piedosa se lembre de que eu existo e venha bater um

papo comigo.

— É por sua culpa que as pessoas deixam de visitá -la. Você costuma bater com o telefone na cara quando

tentam uma aproximaç ã o...

— É que sã o todos uns falsos, e, no fundo, detestam entrar num quarto de hospital. Se o fazem, é por

obrigaç ã o, e nã o por simpatia, que eu nã o posso mais danç ar no ritmo acelerado da mú sica deles. Aos olhos dessa

gente, nã o passo de uma invá lida, e, de tanto ser encarada dessa forma, começ o a acreditar que sou mesmo.

— Se é assim que se sente, entã o é melhor se isolar — ponderou a enfermeira. — Saboreie o seu jantar e

depois se distraia com um dos seus livros de Agatha Christie. Você gosta tanto dela!

— É porque me apaixonei pelo personagem central, o detetive Hé rcules. É um nome estrangeiro muito

charmoso. Será que o meu empregador tem um nome tã o sonoro assim? Ficou chocada, enfermeira? Vá cuidar dos

seus pacientes mais dó ceis e esqueç a que eu existo.

— Como se eu pudesse esquecer!

A enfermeira sorriu com desencanto. Uma moç a tã o boa, mas tã o machucada e solitá ria, sem um parente,

sem um amigo leal, com uma carreira de sucesso cortada e um futuro incerto pela frente. Só esperava que ela nã o

tornasse a cair nas mã os de algum homem tã o cruel e egoí sta como aquele noivo, que a tinha deixado depois do

acidente.

Carla se preparou para mais uma noitada de reclusã o. Lavou o rosto pá lido, escovou os dentes perfeitos

como pé rolas, penteou os cabelos e passou uma leve camada de batom nos lá bios ainda descorados pelo recente

sofrimento.

Ao se mirar no espelho, os olhos de esmeralda tinham um lampejo de medo. Andou um pouco pelo quarto com

seu passo incerto, pensando em quanto a vida era injusta. Entã o concluiu: talvez nã o fosse injustiç a, mas apenas o

destino.

Rememorou aquela fatí dica sexta-feira em que Peter lhe telefonara:

— Alô, garota! Alguns amigos meus vê m passar o fim de semana comigo e eu gostaria que eles a

conhecessem. O pessoal adora cavalgar de manhã cedo, para abrir o apetite. Traga as botas e umas malhas de

cashmere. Ainda bem que você tem uma boa figura para amazona. Sua figura...

Seu porte altivo e elegante na sela de um cavalo. Esses eram os requisitos, importantes para Peter Jameson.

Ele tinha até passado por cima de sua origem humilde, cm consideraç ã o à sua beleza. Mas agora que estava aleijada,

nã o havia mais nada para considerar.

Estava ciente de que nã o passava de uma cockney, nascida num bairro pobre de Londres. Mas havia

experimentado o gosto pelas coisas da vida, pelo luxo, e nã o se conformava em voltar para a obscuridade.

Tinha chorado muito quando ainda estava fraca e abalada pelas mú ltiplas operaç õ es cirú rgicas. Por fim, suas

lá grimas haviam se cristalizado e ela voltava a usar o espí rito de luta dos humildes para enfrentar o futuro.

Depois do jantar e de uma breve visita de uma das freiras do hospital, foi reler o intrigante anú ncio da

revista.

Finalmente, armou-se de firme determinaç ã o, pegou papel e caneta e escreveu uma carta se candidatando ao

cargo, juntou uma foto recente de quando posara para um anú ncio. No retrato, usava um lindo vestido de seda, uma

estola de peles passada pelos ombros, e os cabelos presos por uma tiara. Ao pescoç o, exibia um estonteante colar

de pé rolas negras que pertenciam à coleç ã o de jó ias de uma duquesa. As pé rolas do prí ncipe Negro. Diziam os

boatos que aquelas contas haviam sido roubadas de uma dama sarracena, no tempo das Cruzadas, por um dos

cavaleiros do rei Ricardo Coraç ã o de Leã o.

Carla olhou para a foto como se fosse o retrato de uma estranha. Aquela moç a tã o glamourosa e bem vestida

seria até uma concorrê ncia desleal à s velhas solteironas que se candidatavam ao emprego do anú ncio.

Contraditoriamente, sentiu medo de que a chamassem.

Apó s colar o selo, deixou o envelope fechado sobre a mesinha-de-cabeceira, num ato displicente, e se

recostou na cama.

Teve um sono breve e agitado e acordou no silê ncio e na obscuridade do quarto, remoendo mais uma vez os

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seus sofrimentos.

Lembrou-se da queda e das dores que sentira ao ser jogada para fora da sela de Grey Lady. Repassou a

maneira brutal como Peter Jameson tinha encerrado o romance, anunciando que iria partir para um safá ri e que, dali

por diante, seriam apenas bons amigos.

— Fique com o anel, garota — dissera ele. — Vale uma pequena fortuna e poderá ajudar a pagar as despesas

do hospital.

— Nã o quero este maldito anel — ela rebatera, reassumindo o sotaque e os modos de uma cockney. — Muito

obrigada, mas as contas sã o problema meu. Como vai aquela é gua temperamental? Ainda nã o quebrou o pescoç o de

algué m ou o dela pró pria?

— Grey Lady tem o temperamento de um cavalo puro-sangue e só aceita cavaleiros com a experiê ncia dos

que nasceram numa sela.

— Pois eu nasci numa cama com colchã o de palha — dissera ela, muito exaltada. — E já que, apesar disso, sou

eu quem vai pagar a tal conta, saia deste meu apartamento carí ssimo e leve este anel de araque!

— Araque? Olhe quem fala! Uma pobre suburbana, metida a grande dama!

Aquilo fora mesmo demais. Fazendo jus à acusaç ã o, ela acabara perdendo as estribeiras e atirando, furiosa,

o anel na cara dele.

— Saia! Desapareç a da minha frente!

Quando a enfermeira entrou no quarto, encontrou-a aos prantos. Carla exigiu que o anel fosso colocado numa

caixinha e entregue, em mã os no apartamento do ex-noivo. O dinheiro que ela poderia levantar com a venda do anel

iria lhe fazer falta, mas o orgulho falou mais alto.

Graç as à quele orgulho, Carla se mantivera sempre integra, ao contrá rio de muitas colegas suas. Talvez por

isso Peter a pedira em casamento. Era a ú nica forma de possuí -la. Nesse ponto, ela seguira ao pé da letra os

conselhos da avó.

— Cuidado, minha menina. O dia em que os homens perderem o respeito por você, estará perdida. Evite cair

na conversa desses conquistadores que só querem se divertir.

Mais o desejo parecia que tornava os homens mentirosos. Eles diziam coisas que realmente nã o sentiam,

como havia acontecido com Peter.

— Cortaria um braç o por você — dissera ele certa vez, e ela, tonta, tinha acreditado.

Se algum outro homem viesse com essa conversa de novo! Iria ouvir poucas e boas!

O amor era uma cruel armadilha, uma ilusã o passageira. Ainda bem que ela descobrira isso a tempo. Nunca

mais iria ser ferida... Nunca mais passaria por idiota.

Tornou a adormecer, exausta de tanto pensar e, quando acordou novamente para tomar o chá da noite, notou

que o envelope selado tinha sumido do criado mudo.

Seu coraç ã o disparou pelo susto. Na verdade, achava que no dia seguinte iria raciocinar melhor e destruiria

aquela carta, pensando numa soluç ã o mais ajuizada para o seu problema.

Mas algué m devia ter entrado no quarto enquanto dormia e, vendo o envelope selado, havia tomado a

iniciativa de colocá -lo na caixa do correio.

E se o anunciante fosse algum sá dico, um maní aco sexual que usava daquele recurso para atrair mulheres

desprevenidas? E se, na melhor das hipó teses, fosse um homem sozinho, e nã o tivesse nem esposa, nem filhos?

Carla tomou seu chá, tentando esquecer a carta. Nos dias que se seguiram, pouco pensou no assunto, até que

o cirurgiã o que a havia operado veio lhe fazer uma visita.

— Você tem demonstrado muita bravura — disse ele. — Posso garantir-lhe que esse pequeno inconveniente

nã o vai afetar sua vida como mulher. Portanto, nã o se deixe abater quando tiver que enfrentar o mundo lá fora

novamente.

Carla poderia ter respondido que aquele " pequeno inconveniente" afetava, e muito, a sua vida profissional.

Mas preferiu nã o esticar o assunto com lamú rias.

— Vou tentar. E obrigada por tudo o que fez por mim, doutor.

— Foi uma satisfaç ã o tratar de uma moç a como você e procurar minimizar as conseqü ê ncias do acidente.

Tem algum plano para o futuro?

— Alguns — disse ela vagamente. — Um deles, com toda a certeza, é manter distâ ncia de cavalos.

— Ah, mas você nã o deve ter medo daquilo que a magoou. Ao contrá rio, deve impor-se um desafio. Só assim

perderá esse complexo. Equitaç ã o é um esporte saudá vel, e posso até imaginar como você deve ficar elegante numa

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sela. Já lhe dei alta. Pretende deixar a clí nica amanhã cedo, nã o é?

Ela confirmou, sentindo um aperto dentro do peito. A vida, lá fora, nã o seria mais aquela sucessã o de

desfiles de moda, filmagens de comerciais de tevê, festas e coqueté is, danç as nos clubes noturnos e nos iates de

luxo ancorados à s margens do Tamisa. Uma mudanç a radical de vida a esperava fora daquelas paredes. E Carla,

claro, tinha medo.

— Eu lhe desejo boa sorte — disse o mé dico. — Naturalmente, antes, de mais nada, seria bom tirar umas

fé rias para ajudar na recuperaç ã o.

— Vou ver o que posso fazer — respondeu ela, sabendo de antemã o que nã o estava em condiç õ es financeiras

para o luxo de umas fé rias.

Na verdade, a primeira providê ncia a tomar seria se desfazer do apartamento onde morava, num pré dio de

bom ní vel, com vista para St. James Park, pois nã o poderia mais pagar um aluguei tã o caro.

— Faç a mesmo o possí vel para tirar essas fé rias — insistiu o cirurgiã o. — Bem, vou me despedindo por aqui,

pois amanhã cedo estarei operando. Volte ao meu consultó rio dentro de umas seis semanas, para que eu dê uma

olhada nesse seu tornozelo. Como se sente ao andar? Ainda dó i muito?

— Um pouco, mas nã o tem nem comparaç ã o com o que doí a antes. A junta é que ficou dura. Dá para qualquer

um perceber.

— Bobagem! Mal dá para notar. Pior seria se tivesse quebrado a espinha e precisasse passar o resto da vida

numa cadeira de rodas.

— Isso lá é verdade — comentou ela, pouco consolada.

— Entã o, continue a ser corajosa como tem sido até agora. Esqueç a seu tornozelo e faç a muito exercí cio ao

ar livre.

Já na porta, o mé dico deu-lhe um ú ltimo sorriso encorajador. Ele nunca poderia entender o que ela sentia.

Era um homem com a vida definida, um homem triunfante, que nenhum tornozelo defeituoso poderia destronar do

lugar que havia conquistado.

Carla passou o restante do dia ocupada em arrumar seus pertences. À noite, tomou dois comprimidos para

dormir. Precisava um sono repousante para enfrentar o dia seguinte, que começ ou com a visita de uma das

secretá rias da clí nica, trazendo os comprovantes das despesas hospitalares. Preencheu um cheque, ciente de que

conta bancá ria tinha ficado com um saldo mí nimo.

— Espero que tenha apreciado ficar conosco esses dias todos, srta. Innocence — disse a secretá ria, como

se a clí nica fosse um hotel de luxo. — Está contente em voltar para casa?

— Oh... Sim, estou.

Carla ergueu a cabeç a e procurou controlar o tremor das pernas. Nã o estava mais usando os elegantes

sapatos de salto alto, mas um modelo sem salto, de ilhoses com cordõ es amarrados, que uma das enfermeiras havia

comprado para ela. Era como se tivesse perdido os sapatinhos de cristal de Cinderela para sempre.

Distribuiu cumprimentos e gorjetas para toda a equipe que a tinha atendido e, quando foi apanhar o tá xi,

seus olhos verdes pareciam duas folhas orvalhadas de lá grimas.

Deu o endereç o do apartamento ao motorista, sabendo que ningué m estaria lá, à sua espera, para lhe dar as

boas-vindas.

Quando girou a chave de casa na fechadura, a primeira coisa que viu foi um envelope que havia sido

introduzido por baixo da porta. Pelo endereç o do remetente, soube que a carta vinha de Bride Lane, onde a revista

tinha a sua sede.

Certamente, era a resposta à sua louca carta, candidatando-se à quele emprego mirabolante.

De iní cio, sua intenç ã o foi a de nã o abrir. Mas, num segundo impulso, rasgou o envelope e encontrou um

bilhete sucinto, muito bem datilografado num papel de carta de certo hotel famoso de Piccadilly.

Pediam seu comparecimento ao referido hotel, precisamente à s dez horas da manhã da pró xima terç a-feira,

recomendando pontualidade.

Assinava o bilhete um tal de Sidi Kezam Zabayr. Nome estranho! Que fosse pontual! Já estavam dando

ordens. Até parecia que já estava empregada.



  

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