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CAPÍTULO III 4 страница— Ele está bem, acredite. Nó s o trouxemos de volta eagora está descansando no quarto. Os mé dicos aplicaram uma injeç ã o que o fará dormir bastante: vai descansar bem e nã o sentirá mais nada depois. — Eu devia ir vê -lo, para ter certeza. — Tentou se levantar, mas Zonar impediu, sorrindo. — Ele está inteirinho, posso garantir, Fenella. Amanhã estará se sentindo melhor, embora com dor de cabeç a e com o braç o enfaixado. Aí entã o, você poderá brincar de enfermeira e insistir para que ele siga o conselho do mé dico para repousar durante uma semana. Por Deus, que outro homem deixaria uma mulher maravilhosa completamente só numa ilha como esta, nadando no Egeu? Você nã o merecia essa má sorte! — É o meu destino, e nã o estou me queixando — disse ela. Mas seus lá bios tremeram enquanto falava e seus cí lios baixaram para esconder o desespero. — Fico muito feliz por Lion nã o ter se ferido gravemente. Você está me dizendo a verdade, Zonar? Ele está mesmo bem, apesar dos ferimentos? — Eu nunca mentiria para você. — Zonar segurou as mã os dela e roç ou os lá bios na ponta de seus dedos. — Sabe, de um certo modo, o meu irmã o trabalhador merece você; mas, por outro lado, nã o. Ele nã o devia deixá -la abandonada. — Oh, mas ele nã o me deixa totalmente abandonada. O que acontece é que precisa mais do trabalho do que de mim. Eu sirvo para uma finalidade e aceito que ele nã o sinta a felicidade completa a meu lado. Nã o sou a mulher que ele ama, e isso faz muita diferenç a, você sabe. Eu nã o gostaria que ele fingisse que sente algum afeto por mim. Nã o faz parte do cará ter de Lion: ele é muito franco, diz tudo o que pensa. E tem todo o direito, porque o que eu fiz foi uma coisa imperdoá vel, e agora é muito tarde para tentar remediar. — Você quer dizer que ele é brutalmente honesto! — Eu... eu nã o gosto dessa palavra... — Nã o? — Zonar franziu a testa. — Kyria, eu conheç o Lion há muito mais tempo do que você e sei como pode ser desumano, quando algué m faz um jogo que ele julga sujo. Principalmente quando ele é o enganado. — O jogo que eu fiz foi sujo. Nã o espero que Lion me trate com amor, com carinho. — Nã o gosto do jeito como trata você, é muito cruel. — Seus olhos passearam pelo corpo magro de Fenny, naquele minú sculo traje de banho. — Você precisa ser amada de verdade, nã o apenas usada por ele para satisfazê -lo. Meu irmã o nã o pode fazer uma coisa dessas. Você tem muito mais a oferecer, alé m de seu belo corpo, cheio de curvas. — Zonar, por favor, nã o diga essas coisas! — Já estava na hora de algué m dizer. — Você está se aproveitando do estado dele, e isso nã o é muito bonito, ainda mais sendo irmã o de Lion. Agora, preciso ir vê -lo! — Nã o. Ainda nã o. — Forç ou-a a se sentar novamente. — Você vai ter que ouvir, e fique sabendo que é mil vezes melhor do que aquela sua prima exibicionista. Ela me paquerou, sabia? Deu em cima de mim, pelas costas de Lion! Tive vontade de lhe dar uns tapas, e seria bem merecido! — Ele a ama, e nã o há ló gica no amor. Nunca haverá. Deixe que eu vá agora, Zonar, antes que nó s dois digamos coisas de que possamos nos arrepender mais tarde. — Eu nunca me arrependeria de falar com você... de conhecê -la, Fenella. — Segurou as mã os dela. — Você é a mulher mais fascinante que já conheci. Está jogando fora a sua vida ao lado de um homem que pensa primeiro nos negó cios e, por ú ltimo, na mulher que o ama. Ainda nã o posso acreditar que existam homens desse tipo, tê m tudo do bom e do melhor e ainda querem mais, esquecendo-se de uma mulher maravilhosa como você. Olhou o corpo de Fenny e um brilho estranho apareceu em seus olhos. — Fenny, você me olha como se fosse divinamente pura. No entanto, é esperta e cheia de truques. Acho isso fascinante. — Nã o sou o tipo de garota esperta que você imagina! — Fenny arrancou as mã os das de Zonar e seus olhos o fuzilaram. — Você fala do seu respeito por Lion e, ao mesmo tempo, me diz essas coisas. Estou chocada e desapontada. — Chocada? — Ele deu uma gargalhada. — Só porque eu a acho charmosa e porque gostaria de fazê -la feliz? — Já sou bem mais feliz do que mereç o. — Acha mesmo? — Zonar balanç ou a cabeç a, incré dulo. — Tenho observado você algumas vezes. Principalmenteaqui na praia, sozinha, brincando feito crianç a desprotegida, fazendo castelos. Quase nã o consigo me controlar. Meu irmã o a deixa muito sozinha. O que você tem é uma escravizaç ã o, nã o um casamento! — É problema meu, Zonar, e você nã o tem o direito de ficar se metendo. — Gosto de você e isso me dá o direito. — Inclinou-se sobre ela e Fenny olhou o rosto bronzeado pelo sol, forte e emocionado, com lá bios sensuais e queixo quadrado. Nã o podia negar que era um homem perigosamente atraente. Ficou nervosa por estar sozinha na casa de verã o com ele, sabendo que a raç a dos Mavrakis era terrí vel. — Como cada dia morre nos braç os da noite, cada mulher també m devia viver nos braç os de algué m que realmente gostasse dela — ele murmurou. — Posso sobreviver sem uma ligaç ã o perigosa — Fenny respondeu. — Lion mataria você, se soubesse que... que esta falando desse jeito com a esposa dele. — Sem dú vida alguma. E nã o seria a primeira vez que ele iria me dar uns bofetõ es. Ou você acha que fui um jovem fá cil de educar e criar? Ela sorriu, de má vontade. — Você tem um pouco do diabo, Zonar. Gosto muito de você e odiaria se alguma coisa estragasse a nossa amizade. Tenho certeza de que nã o quer ter um caso comigo, e que apenas se sente obrigado a tentar com todas as mulheres que encontra. — Você está sendo cí nica. Sabe muito bem que eu a acho linda e tranquila, como um oá sis no meio do deserto. Sinceramente, invejo Lion. E ainda mais, se você o ama de verdade! — Eu o amo. — As palavras saí ram de seu coraç ã o. — E acredito que sempre amarei, pois o que sinto é muito forte e nã o acaba do dia para a noite. — Apesar do modo como ele a trata? — Zonar franziu a testa, e mais uma vez sua semelhanç a com Lion era bem visí vel. — Lion pode ser bruto de muitas formas e com muitas pessoas, porque só Demetre e eu tivemos a sorte de receber uma boa educaç ã o. Foi ele quem nos transformou de simples garotos de rua em dois homens finos, dois cavalheiros. Lion trabalhava nas pedreiras de má rmore, as mesmas que agora lhe pertencem, e ajudou a construir os caí ques que transportam as mercadorias dele para centenas de portos estrangeiros. Deus lhe deu resistê ncia fí sica e perspicá cia nos negó cios, e acho que os grandes negó cios sã o a ú nica coisa com que se preocupa. Tenho certeza de que admira mais um livro de contas do que as formas do corpo de uma mulher. E você diz que o ama! — Você deve muito a ele, Zonar. Nã o devia se esquecer de tudo o que fez por você s. — Nã o esqueç o. Ele é um grande homem: cheio de qualidades, ené rgico. Eu mataria por ele. Fenny mordeu o lá bio. — Você gostaria de fazer amor comigo, sendo a esposa dele? — E ser maldito por isto? Para um grego, a esposa do irmã o deve ser sagrada. — Deu um sorriso cí nico. — Mas estou apaixonado por você e nã o consigo me controlar. O que posso fazer, se a ú nica coisa que quero é juntar minha alma à sua? — Nã o! Por favor! — Oh, Fenella, nã o há nada mais desesperador do que uma mulher bonita apaixonada por outro homem. — Você é incorrigí vel. Conseguiu livrar-se dele e escapou do yali, correndo para o atalho que levava ao castelo. Zonar desceu os degraus logo atrá s dela, alto e elegante, mas sem a mesma forç a que diferenciava Lion de todos os outros homens. Lion... ferido por uma bomba. Fenny queria correr para o lado dele e atirar-se em seus braç os. Sentiu o desejo primitivo percorrer-lhe as veias e percebeu que já nã o era a tí mida garota inglesa de outros tempos. Alguma coisa da personalidade pagã do marido se apossara dela. Apesar de separados fisicamente no futuro, estaria sempre ligada a Lion. Quando ela e Zonar alcanç aram o topo da colina, pararam alguns instantes, olhando para baixo, para o reflexo das estrelas no mar. Foi só entã o que Fenny lembrou que tinha deixado o vestido na casa de verã o e ainda estava descalç a, usando biquini. Enfiou os dedos na terra e desejou estar plantada ali tã o firmemente quanto as figueiras ou uma das antigas oliveiras cujas raí zes se estendiam até as pedras. — Acho seu paí s fascinante — disse a Zonar. — O povo també m? A famí lia Mavrakis em particular? — Uma famí lia arrogante. — Ela sorriu. — Onipotente e orgulhosa. — Temos motivos para isso. Ir da sarjeta para uma mansã o significa uma grande proeza. Olhando para nó s agora, quem é que diria que nã o fazemos parte da aristocracia grega? — Realmente, nã o. — Olhou para Zonar, que parecia um deus grego, mas vestia um moderno calç ã o de banho e uma camisa marrom, dasabotoada. — Na Gré cia, sã o apenas as roupas que separam os reis dos mendigos, nã o é? Você s sã o um povo muito bonito. — Obrigado. — Ele pareceu um tanto sem graç a por um momento, como se o que ela dissera tivesse abalado um pouco a sua seguranç a. — Eu gosto de você, també m. — Zonar, nã o me entenda mal. — Continuou a andar e ele a acompanhou, rindo. — Eu o acho um homem bonito, mas isso nã o quer dizer que você abale a minha estrutura. — Isso é coisa só para Lion, nã o é? — Há necessidade de amor, e você sabe disso! — Eu amava muito minha esposa, Fenella, mas nã o posso fazer amor com uma morta. Acha que devia usar luto? Nã o é preciso vestir roupas negras para mostrar que se amava uma pessoa. — Você podia encontrar uma boa moç a e casar. Alekos precisa de uma mã e. — Todas as boas garotas já estã o casadas com maridos brutos. Por que isso? Vivo me perguntando se a bondade é atraí da pela maldade. Você me acharia um amante atencioso e apaixonado. — Verdade? Você guarda os seus diplomas pendurados na parede do quarto, mostrando o carimbo da aprovaç ã o feminina? — Por que nã o vai até lá e tira a prova? Agora, já estavam no jardim de pedras que ficava na divisa dos pomares, onde havia ruí nas do que provavelmente fora um templo pagã o. — Zonar, prometa uma coisa. — Você terá tudo o que quiser de mim, Fenella. — Quero a sua promessa sincera de que vai me tratar apenas como uma amiga e como sua cunhada, esposa de seu irmã o mais velho, que fez tudo para que você tivesse uma vida melhor do que a dele. Chega de tentar flertar comigo, está bem? — Porque você acha isso repelente, ou porque acha perigoso? — Você sabe que é perigoso. Eu pertenç o a seu irmã o. — Da ponta do cabelo até as solas dos pé s, minha cunhada? — Sim. — Continue assim, e acabará se tornando mamã e. O coraç ã o dela bateu apressado. — Você acha? — É o que acontece quando uma garota se casa com um grego. É isso o que você realmente quer, acima de tudo? Oh, nã o! Nã o, acima de tudo! Como poderia querer uma crianç a que seria a sua separaç ã o de Lion? Mas o bebê estava lá e podia senti-lo crescendo dia a dia, sangue de seu sangue, carne de sua carne; e a ú nica lembranç a de Lion, se resolvesse abandoná -lo antes do nascimento da crianç a. — Venha, pequena solitá ria, deixe-me acompanhá -la ao castelo. Gentilmente, Zonar pegou-a pelo braç o, e ela nã o tentou se libertar. Acima de tudo, Lion tinha conseguido fazer dos irmã os dois cavalheiros, e eles sabiam muito bem que Lion os mataria, se um dia traí ssem a sua confianç a. — Para um grego — ele disse —, um filho é a luz da vida. Aposto que, se der um filho a Lion, ele vai esquecer que você fez um jogo sujo com ele. Se é isso o que você quer. Esquecer? Fenny tremia quando chegaram ao hall do castelo, onde a grande lanterna brilhava, iluminando as paredes brancas e as arcadas. — Corra e tire esse minú sculo biquini. Vá! Depressa! Zonar a observou, enquanto ela subia os degraus. De repente Fenny parou, voltou-se para ele e sorriu, grata. — Você faz bem ao meu moral — gritou. — Mas nã o ao resto, hein? Nenhum dos dois percebeu a babá parada atrá s de um dos quartos, usando um vestido negro de gola branca. — Senhor! Sua voz assustou-os e fez com que se sentissem quase culpados. Olharam para a moç a, que se aproximou. — Queria falar com o senhor a respeito de Alekos — ela disse, ignorando Fenny. — Ele nã o tem comido muito bem. Pode ser por causa do calor. Mas, por outro lado... — Por outro lado? — Zonar olhou-a, irritado. — É você quem deve saber tudo sobre a crianç a. Foi exatamente por isso que foi contratada e nó s lhe pagamos um bom ordenado: para que ele esteja sempre muito bem cuidado. — Sim, senhor. — A babá ficou tensa e dirigiu o olhar para onde estava Fenny. — Eu conheç o o meu lugar nesta casa. Com aquelas palavras, a moç a se retirou, e ocorreu a Fenny que a babá nã o gostava dela e que tinha interpretado mal o sorriso inocente que os dois haviam trocado. Zonar era um viú vo muito bonito e jovem, cujos olhos pareciam passar pela babá sem perceber que ela estava apaixonada por ele. Os homens podiam ser crué is e Fenny sabia disso, pois passava por uma experiê ncia assim; mas algumas mulheres conseguiam ser ainda mais diabó licas e capazes de fazer coisas terrí veis quando queriam prejudicar os outros. Apertou a balaustrada de ferro da escada e sentiu um arrepio na espinha. — Ande logo — Zonar disse. — Vá correndo para os braç os de seu marido. Quando Fenny chegou ao quarto de Lion, ficou surpresa de encontrar a porta entreaberta. Entrou depressa e, de repente, parou. Kassandra estava em pé, ao lado da grande cama, olhando fixamente para o rosto moreno e adormecido nos travesseiros brancos. — O que você está fazendo? A mulher se voltou lentamente e seu rosto pareceu ainda mais cigano e mí stico do que nunca: o nariz aquilino, o cabelo negro-azulado, a pele escura. Uma mulher alta e estranha, que Fenny sabia que caminhava durante a noite, falando sozinha. Era ela que, algumas vezes, tocava bandolim. Lion contara que tinha sido torturada durante a guerra por levar comida e informaç õ es para a resistê ncia que se escondia nas colinas. — O patrã o está bem. Fenny caminhou de mansinho para perto da cama e olhou para Lion com olhos ansiosos. Jamais o vira daquele jeito, dormindo tã o profundamente, o cabelo grosso caí do sobre os travesseiros. Tinha uma expressã o tã o cansada! Um dos braç os estava para fora da coberta e enfaixado do pulso ao cotovelo. — Oh, Lion! — Fenny acariciou o cabelo dele carinhosamente, mas ele nã o se moveu. Zonar dissera que ele havia tomado um remé dio para dormir profundamente, mas, de qualquer forma, ficava preocupada e assustada de vê -lo tã o quieto. Logo aquele homem, sempre ativo, que nã o descansava nunca. Teve um sobressalto quando Kassandra tocou-a no braç o e falou, em grego, que Fenny estava aprendendo com rapidez como tratar de Lion. Era um cumprimento. — O patrã o é forte. Já o vi em pior situaç ã o do que esta, na guerra. Parece que ele luta contra tudo o que existe de ruim. — Ele está num sono tã o profundo! — Fenny deu um suspiro. — Parece estar tã o longe de nó s. Eu o toquei e elenem sentiu. — Isso é bom para ele. Dorme muito pouco, pois tem que trabalhar dia e noite para ganhar o pã o de cada dia para a famí lia. Isso é porque passou fome quando crianç a, sabia? Passou fome como um cachorro sem dono, para que os dois irmã os mais jovens pudessem comer e sobreviver. Eu o conheç o desde entã o. Ele me achou quase morta na estrada e, ainda menino, cuidou de mim, me deu comida do pouco que conseguia pedindo esmolas, emprestando ou roubando. Esse tipo de pessoa merece muito amor. Você oama, nã o é mesmo? Os olhos de Fenny se encheram de lá grimas e, de repente, ela caiu no choro. Sentou-se na cama ao lado de Lion e abraç ou suas pernas fortes por baixo das cobertas. Chorou desesperadamente por nã o ser a mulher que ele queria. Kassandra bateu de leve em seu ombro. — Desabafe, mas nã o chore muito — aconselhou. — Porcausa da crianç a. Saiu, fechando a porta do quarto atrá s de si e Fenny ficou tensa, deitada na cama, o rosto molhado de lá grimas. Entã o Kassandra sabia! Aquela mulher estranha tinha descoberto o seu segredo... Oh, Deus, e se ela tivesse contado a Lion? Ajoelhou-se ao lado da cama, incapaz de desviar os olhos do rosto do marido. Nunca o tinha visto adormecido, era ainda mais bonito e nã o parecia tã o cruel. Muito pelo contrá rio, parecia uma crianç a. Mesmo quando dormia com ele, ela nunca despertou e o encontrou a seu lado. Estava sempre de pé e, na maioria das vezes, tomando café sozinho, para depois ir dar um mergulho, antes de sair para o trabalho. Como machucavasaber que Lion nunca precisava de sua companhia depois de passar a maior parte da noite com ela, possuindo-a. Mas nada disso importava. Apesar de ofendê -la e machucá -la tanto, Fenny o amava. O quarto estava muito quieto, exceto pelo tique-taque do reló gio. Levantou-se com um suspiro e, inclinando-se, roç ou com os lá bios a face dele. Lion se mexeu um pouco. Com o coraç ã o disparado, Fenny se afastou depressa da cama. Será que ele ia acordar e encontrá -la ali, feito uma idiota apaixonada? Mas Lion apenas mudou de posiç ã o na cama e caiu no mesmo sono profundo de alguns minutos antes. Respirou, aliviada, dirigindo-se para o seu quarto. Sua jovem criada estava lá, dobrando a camisola para ela. Pela porta do banheiro vinha um aroma de eucalipto, do banho que a criada estava preparando. Fenny sorriu para a garota. — Estive com o meu marido alguns minutos — disse, falando inglê s, pois a moç a entendia. Chamava-se Anne e era muito discreta e cheia de dignidade. Quando Lion insistiu para que tivesse uma criada, Fenny ficou feliz por ele nã o ter escolhido alguma criatura petulante que esperasse que seu comportamento fosse como o de Adelina, que só se preocupava em andar na moda. Fenny gostava de roupas boas, mas nunca se interessara demais por maquilagem e penteados. Preferia andar o mais natural possí vel. — A senhora vai se vestir para o jantar? — perguntou Anne, virando-se do enorme armá rio onde os vestidos de Fenny estavam pendurados. Ou melhor: os vestidos que deviam ter sido de Penela. — Nã o, vou fazer a refeiç ã o na moussandra. Nã o conseguiria encarar um jantar formal com a famí lia reunida. — Claro que nã o. — A garota turca sorriu e tirou do guarda-roupa um caftã de seda. — Foi uma graç a divina o senhor nã o ter ficado gravemente ferido, mas é uma tristeza saber que nosso povo nã o pode viver em harmonia. — Harmonia — Fenny repetiu, devagar. — Até agora, nã o entendi o que Lion estava fazendo no pré dio da administraç ã o, em Chipre. Por acaso você nã o ouviu algum comentá rio na casa? Se a garota estava surpresa por Fenny nã o saber dos assuntos confidenciais do marido, nã o demonstrou. — Ouvi, sim, patroa. Disseram que ele havia sido eleito para um cargo muito importante em Chipre. Nosso povo confia muito nele, até mais do que nos polí ticos. Ele tem uma ó tima reputaç ã o, todos achamos que é muito leal e justo. — Entã o, foi isso — Fenny murmurou, indo para o banheiro, acompanhada por Anne. — Eu devia ter imaginado. Você acha que ele tem ambiç õ es polí ticas? — Quem é que pode saber a respeito dos homens? — Anne sorriu e pegou o biquini das mã os de Fenny, enquanto ela entrava na banheira de má rmore preto. — Eles insistem que nó s, mulheres, somos um misté rio, mas é sempre o contrá rio. Os homens nunca acreditarã o verdadeiramente que as mulheres tê m tanta cabeç a quanto eles. Preferem mantê -las no haré m, e, de muitas formas, isso tem um certo encanto. — É, tem mesmo. — Fenny afundou na banheira cheia de á gua com aroma de eucalipto. — As mulheres nã o gostam de encarar o lado ruim da vida, mas é impossí vel fugir dele. Todos aqui me julgam uma escrava-amante do senhor, nã o é? — E se importa com o que podem pensar? — A garota ensaboou as costas e os ombros de Fenny com as mã os magras que pareciam muito escuras em contraste com a pele clara da patroa. — Ele é considerado mais do que um homem, e hoje à noite o povo de Petaloudes vai beijar os í cones e agradecer por ele ter escapado da bomba. — Vã o mesmo fazer isso? — Fenny estava muito comovida com aquela idé ia. — Lion é assim tã o importante para eles? — Dependem dele para viver, senhora. Anne despejou na á gua um ó leo aromá tico de um pequeno vidro e esfregou na pele de Fenny. Era agradá vel algué m tomar conta dela, e era um prazer a mais saber que Lion dormia sã o e salvo no outro quarto. — Diga, Anne: como é que algué m pede uma graç a como um morador da ilha? O que eu tenho que fazer? — Levar para a capela alguma coisa de ouro ou de prata que tenha muito valor para a senhora e oferecer. — Isso prova que as coisas materiais do mundo nã o tê m tanto valor como o amor? — Isso mesmo. — Anne pegou uma grande toalha de banho felpuda e enrolou Fenny, quando ela saiu da banheira. — A capela fica do lado da colina, acima do povoado, nã o é? — Sim. Mas nã o vai lá hoje à noite, vai? Seu marido ficaria descontente... — Nã o, irei amanhã de manhã. Vou cedo, no carro pequeno. — Enquanto vestia o caftã, Fenny passava em revista mentalmente o que tinha de ouro ou prata. Tudo o que possuí a de valor era o colar que Lion lhe dera na noite de nú pcias... e o bracelete com Afrodite, de ouro, que colocara em seu pulso na manhã seguinte. Teria que dar o bracelete, porque as pé rolas nã o significavam nada para ela. Nunca as usara. Ficavam sempre no estojo de veludo escuro... as pé rolas de Penela. Mas o bracelete — um estremecimento de dor passou por seu rosto —, o bracelete que ela amava e usava sempre à noite... — A oferenda tem que ter valor pessoal? — perguntou para Anne, que agora estava atrá s dela, penteando o seu cabelo. — Precisa ser alguma coisa que eu goste muito de usar? — Nã o acho que deva se preocupar tanto com esse assunto. — A criada sorriu. — Quanto maior o valor da coisa oferecida, melhor proveito fará o bom padre com o dinheiro que conseguir com a venda. — É um alí vio você dizer isso, e é claro que tem razã o. Minhas pé rolas serã o uma oferenda muito valiosa e prá tica. Fenny nã o hesitaria um segundo em dar as pé rolas, pois nã o tinham o mesmo valor afetivo que o bracelete. Este, sim, talvez um dia fosse tudo o que lhe restasse de Lion. Nunca amaria outro homem. — Obrigada, Anne. Agora pode me deixar sozinha, vou jantar lá fora. A jovem criada saiu, fechando a porta sem fazer barulho. Fenny abriu a gaveta da penteadeira e pegou o bracelete com o desenho de Afrodite. Colocou-o no braç o, sentindo que o contato da jó ia era quase como dedos carinhosos sobre sua pele. — Oh, Deus! Escondeu o rosto entre as mã os, pois, de repente, o futuro lhe veio à cabeç a. Nã o era como Penela ou qualquer outra garota que conhecera. Nunca conseguiria amar outro homem daquele jeito novamente, e nã o havia nenhuma esperanç a de felicidade para ela.
CAPÍ TULO VI U ma mesa estava posta para ela na moussandra, a toalha branca brilhando à luz pá lida das arandelas que se refletia nos talheres de prata e nos pequenos vasos de flores. Uma brisa suave soprava, impregnando o lugar com o aroma de figos, pinho e mar. Embora estivesse sozinha, Fenny nã o se sentia solitá ria. Quando terminou de comer, dirigiu-se para o parapeito com um segundo copo de vinho na mã o. Foi lá que, inesperadamente, apareceu Adelina. Vestia uma camisa de seda pura branca, com estampa de flores, e uma longa saia vermelha. Seu cabelo negro estava preso num rabo-de-cavalo, e o rosto, muito bem maquilado, destacando os olhos escuros e os lá bios escarlates. Parecia uma esfinge viva do Egito: a deusa Kat. — Zonar disse que você preferia jantar sozinha, mas, de qualquer forma, vim para lhe fazer companhia. Fiz mal? Ou nã o devia perturbá -la? — Adelina aproximou-se de Fenny, com aquele seu andar felino, um cigarro no canto da boca. — Entã o, o leã o machucou uma das patas na explosã o? De uma coisa você pode ter certeza: aqui se vive perigosamente. — Verdade? Está falando sé rio? — Fenny estava sempre de sobreaviso com Adelina. A cunhada sentia grande prazer de ser um objeto de amor e desejo, mas nã o lhe passava pela cabeç a retribuir o que recebia. As preocupaç õ es e as ansiedades do amor, ela costumava dizer, envelheciam a mulher, tanto fí sica quanto mentalmente, e ainda era muito jovem para isso. — Lion Mavrakis é um homem muito perigoso, nã o é mesmo? — Adelina tirou o cigarro da boca e soltou umabaforada. — Excitante, claro, mas tã o difí cil de controlar como qualquer criatura da selva. Com Demetre, sempre sei onde piso. Ele tem seu mau gê nio, mas sem ser ameaç ador. Demetre nã o se importa de saber que nã o tenho nenhuma intenç ã o de torná -lo pai. Mas sua vida com Lion deve ser... bem, para dizer o mí nimo, uma experiê ncia esmagadora. Tenho certeza absoluta de que ele nã o admite ouvir um " nã o". Fenny tomou um gole de vinho, em silê ncio. Nã o pretendia discutir com ningué m sua vida particular. — Certas mulheres inglesas conseguem ser bastante modestas. — Seu sorriso foi de zombaria e seus olhos estudaram Fenny cuidadosamente. — Você tem uma beleza incrí vel. Eu devia sentir inveja de seu rosto, seu cabelo, seu corpo. Provavelmente sentiria, se Demetre olhasse para você como Zonar olha. Fenny ficou tensa. — Zonar se interessa pela maioria das mulheres — falou. — Isto nã o quer dizer nada. — É bom mesmo que nã o signifique nada, querida. Lion é generoso, mas nã o suportaria a idé ia de dividir a esposa, nem que fosse com o pró prio irmã o. E nã o se esqueç a do mais importante, minha querida: a paixã o. — Adelina deu uma risada. — O problema com os gregos é que, quando despertam para o amor, é com uma paixã o cruel, de tã o forte. É sempre mais seguro quando os casamentos sã o arranjados. O meu foi arranjado, como você já deve saber. Foi tudo preparado por Lion e minha famí lia. Eu trouxe um dote, o que me torna uma mulher quase que totalmente independente... ao contrá rio de você.
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