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CAPÍTULO III 2 страница— Entã o, as pequenas garras ainda tê m algumas unhas afiadas? —Espero que sim, obrigada. O sanduí che estava tã o saboroso quanto o café e, apesar da dor no coraç ã o, Fenny sentiu que a vida ao lado de Lion parecia abrir seu apetite. Mordeu o sanduí che e percebeu que os olhos dele passeavam pela pele de seu pescoç o e pelo decote da camisa rosa. O olhar de Lion era como um toque, lembrando-a da noite anterior e prometendo novamente aquela fú ria, aquele prazer sensual; tudo, menos sentimentos puros. Cada vez que a tomasse nos braç os, Lion estaria pensando no momento em que lhe dissesse: " Vou ter um bebê "! — Bolo? — Zonar estava lhe oferecendo uma fatia daquele bolo magní fico que Fenny vira pela ú ltima vez na mesa da casa de seu tio, na noite anterior ao casamento. Era coberto com glacê branco, doces formando flores, castanhas de caju e dois sinos de prata de lei. — Ande, Fenella, você tem que provar de seu bolo de casamento. Sabia que Zonar nã o queria ofendê -la com aquelas palavras, mas sentiu que seu rosto ficava frio e pá lido. — Nã o é meu bolo. E todos nó s sabemos disso, nã o é mesmo? — Dá no mesmo, e você vai comer um pedaç o — disse Lion, com firmeza. — É costume dos gregos que a noiva coma do bolo. — Por quê? É o sí mbolo da fertilidade? Isto ajudará a tranquilizar meu marido de que ele será capaz de ter um filho? Por alguns instantes, todos ficaram assustados e ningué m disse nada. Deus do cé u! Ela nã o pretendera ir tã o longe, mas Lion a provocara. — Nó s só podemos pedir que o bebê tenha um gê nio mais doce do que o da mã e. Vai crescer no nosso meio e aprenderá a ser tudo o que um verdadeiro homem deve ser. Agora, abra a boca! — Lion gritou, sentindo o sangue ferver. — Nã o! Nã o sou uma foca à espera de um peixe. — Você é muito teimosa, minha querida. — Seus olhos se suavizaram, fazendo-a ficar alerta, pois ele nunca cedia. Era um homem acostumado a vencer. — Deixe de ser crianç a e coma seu bolo, vai gostar. — Vá para o inferno, Lion! — ela gritou, nã o dando a mí nima importâ ncia a que seus irmã os fossem testemunhas da falta de carinho, amor e compreensã o entre eles. . . Lion teria que forç á -la, porque nã o ia se rebaixar diante dos gê meos e, muito menos, se arrastar atrá s dele e beijar seus pé s, como uma escrava das cortes bizantinas. — Mano, talvez sua esposa prefira que guarde uma fatia de bolo para mais tarde. — Foi Zonar quem falou, mantendo seu tom de voz tã o imparcial quanto possí vel. — As mulheres sempre tê m dessas superstiç õ es. E uma delas é nã o comer o bolo do pró prio casamento na frente do marido, nã o é? — Se ela acha que isso vai sufocá -la, entã o é melhor guardar, mesmo. — Lion virou-lhe as costas e serviu-se de um pouco mais de café. Fenny procurou nã o se mostrar muito grata a Zonar, murmurando, numa voz quase inaudí vel, algumas poucas palavras de agradecimento, quando ele lhe entregou o pacotinho com o bolo. Demetre continuava sentado no mesmo lugar, em silê ncio, olhando-a como se quisesse abrir a porta do helicó ptero e jogá -la para fora. Percebeu que seu corpo todo tremia. Havia muita violê ncia nos irmã os Mavrakis e ela era o centro de suas vá rias reaç õ es. Uma esposa indesejá vel... Uma intrusa... Uma garota que despertava emoç õ es em Zonar. Guardou o bolo na bolsa e sentiu grande alí vio quando pousaram em Nice e pô de sair do helicó ptero e ir ao toalete. Uma vez lá, abriu a bolsa e contou o dinheiro. Nã o tinha tido tempo de retirar do banco o que havia economizado para a viagem de fé rias. A quantia teria sido suficiente para ajudá -la a fugir de uma situaç ã o que estava se tornando quase impossí vel de controlar. Como se arrependia por se envolver na vida de Lion! Por que, diabos, inventara de colocar aquela droga de vestido de noiva, que Penela tinha jogado na cama? E como teve coragem de ocupar o lugar da prima? Devia estar possuí da pelo demô nio naquele momento; só isso podia explicar o que fizera. Assustou-se quando uma moç a se inclinou para ela. A mulher falava francê s e Fenny só conseguiu entender que estava perguntando se madame se sentia bem. — Oui, merci. — Forç ou um sorriso e levantou-se. Prendeu o cabelo num rabo-de-cavalo e olhou-se no espelho. Tinha feito a cama e agora teria que se deitar, gostasse ou nã o. Encheu-se de coragem e caminhou no sol, em direç ã o ao helicó ptero escarlate, onde Lion esperava, um pouco afastado dos irmã os e fumando em silê ncio. Fenny dirigiu-se para ele, e disse baixinho: — Peç o desculpas por ter perdido o controle. Farei o possí vel para que isso nã o aconteç a mais. — Nó s simplesmente provamos que nã o podemos viver uma mentira. — Ele deu de ombros. — O amor é um sentimento e nã o pode ser usado como uma capa. Demetre já jogou na minha cara o que eu temia que ele pensasse: acusa você de ter casado comigo por dinheiro. — E você realmente acredita nisso, nã o acredita, Lion? — Sim. O que mais devia pensar? Nó s dois nã o passá vamos de estranhos, nunca trocamos mais do que uma dú zia de palavras na casa de seu tio. Você iria amar um estranho, um homem com quem mal conversava? — Nã o. — No entanto, era exatamente o que havia acontecido. Lion tinha razã o, nunca conversaram muito. Mas havia alguma coisa nele que o tornava diferente dos outros homens, que nã o sabiam falar de mais nada, a nã o ser carros, motos e mulheres fá ceis. Por isso, Fenny nunca tinha olhado duas vezes para nenhum deles, nem se importava com a pró pria aparê ncia. Os rapazes achavam que era chata e deixavam de procurá -la. Mas nã o se importava de ir sozinha ao cinema ou mesmo a restaurantes e pagar ela mesma por suas diversõ es. Os assuntos homens e amor nunca tinham passado por sua cabeç a, até o dia em que sua prima levou em casa aquele grego alto e moreno. Lembrava de ter ouvido os dois brincarem sobre a pobre Fenny, que tinha medo dos homens. Com Penela ele ria, falava de negó cios e fazia planos para um casamento real. Com ela, Fenny, tinha apenas partilhado as refeiç õ es e uma noite de nú pcias sem amor nem carinho. Era o suficiente para que ela tivesse vontade de chorar de terror e dor. Em vez disso, tinha que enfrentá -lo e assumir um ar de dignidade. — Acho que você adoraria colocar a minha cabeç a numa forca — ela disse, tentando nã o mostrar muito medo. — É melhor ela ficar neste seu belo pescoç o. Há consolosaté mesmo em casamentos como o nosso, pelo menos para mim. Nã o sei se para você també m. — Nã o, nenhum consolo. Imagino que saber disso lhe agrade. — Agrada, sim, minha querida. Você nunca saberá o ó dio que sinto sempre que me lembro de sua voz suave e falsa, a meu lado, lá na igreja, prometendo-me amor, afeto e obediê ncia. Pergunto-me à s vezes se aquele anjo de pedra nã o vai quebrar a promessa e fazer da minha vida um inferno. — Você é que é o anjo de pedra, Lion. Com olhos de fogo. — E queimam você? — Como se estivesse presa numa fogueira! — Uma fogueira é o lugar certo para uma bruxa, minha querida. — Se você acha... — Acho. Você é uma pequena bruxa de pele clara, e sem alma. Nunca serei gentil ou carinhoso com você, porque é bem mais gratificante ser cruel. Tenho motivos suficientes, meu anjo. — E quando minha puniç ã o acabará? — Um dia, quando me der um filho. — Passou as mã os pelos quadris dela. — Você é um tanto magra e o parto poderá doer como o diabo. — Você vai rir quando eu gritar, nã o é mesmo, Lion? Você me odeia tanto assim? — Você me chamou de orgulhoso, nã o foi? — Orgulho é o seu segundo nome. — Entã o, por que o olhar reprovador? Nó s colhemos o que semeamos. — E uma colheita será o meu... meu bebê, se eu tiver um? — Tenha um filho e acabe com o seu suplí cio. — Você foi feito de pedra. Ele virou a cabeç a e riu alto. — Nã o tente me elogiar, minha querida, sou imune a essas coisas. Sou feito de pedra, sim, mas nã o em forma de um Adô nis charmoso, nem mesmo quando eu era mais jovem. — Mas os deuses lhe deram outros dons, nã o foi, Lion? — Sim, se você quer dizer tenacidade e inteligê ncia. E muito mais, ela pensou. Aqueles ombros imponentes e aquele andar macio, sempre alerta e infinitamente seguro. O brilho dourado de seus olhos, aquela forç a que despertava o temor e exigia a entrega. Ele tinha um forte carisma que o tornava ainda mais perigoso do que os outros homens. — Você nasceu para apreciar conflitos. É o seu lado espartano, e sabe disso. Você me odeia, ainda que queira meu... bebê. Você o atirará do alto de um penhasco, se ele se parecer comigo? — Será suficiente que tenha a sua beleza. O resto virá de mim. Amor e ó dio estã o pró ximos um do outro, como a pele sobre os ossos. — Verdade? Você pretende criar meu filho como um espartano? — Isso mesmo. Os homens devem ser duros, já as mulheres, sã o para ser olhadas. — Fico contente que você nã o me ache repugnante. — As mulheres à s vezes sã o muito emotivas, e as gregas, em particular, gostam de ser dominadas e cuidadas. Qualquer garota grega poderá lhe dizer que vive para dar à luz e para ver os filhos crescerem, tornando-se homens firmes e orgulhosos. Acha que é uma filosofia muito ruim? Em seu pró prio paí s, querida, haveria muito menos tristeza no coraç ã o das mulheres caso os homens se lembrassem de seu verdadeiro papel e deixassem de ser tã o fá ceis de levar. Você admirava muito esses homens? Fenny pensou no desprezo que sentia por eles. Seus olhos passaram por aqueles ombros largos. Tinha lutado com Lion e achou-o um adversá rio muito forte, de determinaç ã o assustadora. Ela o amava justamente por isso. Amava-o, ainda que tivesse que continuar lutando com ele, porque era o que Lion queria dela, sua falsa e trapaceira esposa. — Você acreditava que eu tinha amantes — disse. — Nisto eu estava completamente enganado. A nã o ser, claro, que você fosse o que chamam de uma caç adora. — Seus olhos examinaram o rosto dela. — Era? Se Lion tivesse feito aquela pergunta a Penela, teria muito sentido. Ainda agora ela podia ouvir a prima rindo, rolando na cama, enquanto lhe contava uma de suas conquistas fá ceis: " Os homens sã o todos uns idiotas", ela costumava dizer, " se você souber levá -los". — Você acreditaria em mim — Fenny disse baixinho — se eu negasse ser desse tipo de garota? — Eu seria um tolo se acreditasse em qualquer coisa vinda de você. Nem um santo conseguiria entender o seu misté rio! — Talvez seja preciso um cí nico. — Zonar juntara-se a eles e obviamente tinha escutado a conversa. — Uma mulher sem misté rios é como uma jó ia sem valor ou um prato sem pimenta. Lion olhou-o fixamente; depois, abruptamente, pegou Fenny pelo cotovelo. — Está na hora de partir. Sinto-me como se estivesse longe de Pataloudes há anos. — A sua ilha das borboletas — Fenny murmurou. — A ú nica coisa vá lida e real da minha vida. — Sua voz era á spera, e suas mã os machucavam, quando ele a ajudou a subir no helicó ptero. — Lembre-se disso! — Vou-me lembrar de tudo — respondeu, numa voz que era pouco mais do que um murmú rio. Alguns minutos mais tarde, a gaiola escarlate ganhava altura, as hé lices brilhando ao sol como grandes facas.
CAPÍ TULO IV D escendo na direç ã o do mar, ao entardecer, Fenny desejou ter uma má quina para fazer uma foto daquela maravilha. O helicó ptero sobrevoava a ilha, aproximando-se do planalto que ficava entre os pomares e o pró prio castelo. — Estamos em casa! — Lion disse, num tom de voz desconhecido para Fenny, cheio de vida e com uma alegria ardente. — Lar! Fenny olhou para Lion e viu que sorria, debochado. Sustentou seu olhar, com orgulho. Nã o devia mostrar à quele homem, seu marido, a facilidade que ele possuí a para destruir as suas ilusõ es. A mesma facilidade com que as hé lices do helicó ptero cortavam o ar, antes de pousar. Agora, as estrelas brilhavam no cé u de um azul maravilhoso. Pensativa, Fenny calculou a quantos quilô metros estariam de Mon Repos, a casa de seu tio, com aquele gramado sedoso e muito bem cuidado, os canteiros de flores tã o bem distribuí dos. Petaloudes... a ilha grega selvagem, um pedaç o de rocha habitado pelos irmã os Mavrakis. Altos penhascos e plantaç õ es aromá ticas, exalando um perfume agradá vel apó s um longo dia de calor intenso. O canto das cigarras na escuridã o. A casa, branca como o templo do sol, ficava entre oliveiras, ciprestes muito altos e laranjais. As paredes eram como glacê duro, as janelas curvas estavam dispostas no fundo das pedras. Tinha a mesma grandeza de seu dono, e luzes coloridas brilhavam atravé s das vidraç as. — Bem-vinda à Galazia Kastro. Foi Zonar quem acompanhou Fenny ao Castelo Azul, e o nome a intrigou, até que percebeu que a fortaleza dos Mavrakis se erguia como um ninho de á guia bem acima do mar. Tanto que, de qualquer â ngulo, a á gua podia ser vista, ondulada e murmurante, quando o sol brilhava ou mesmo quando estava escuro, só com o brilho da noite. Gim com gelo e tô nica esperava pelos irmã os, numa bandeja com copos de cristal, servido por um criado que usava uma jaqueta branca impecá vel. Para Fenny, havia uma bebida gelada de cor semelhante à de suco de laranja e que tinha sabor de mistura de frutas e vinho. Estava simplesmente deliciosa. Uma comprida e larga escada atravessava o hall, um imenso mosaico de azulejos lustrosos formando um antigo padrã o oriental. Fenny foi levada pela escada por uma mulher usando um vestido escuro. Levada para longe dos homens, para o santuá rio de um apartamento onde o silê ncio era uma graç a divina depois de um dia cansativo, de uma viagem longa e cheia de surpresas. A mulher olhou a esposa do patrã o com curiosos olhos escuros num rosto queimado pelo sol. Nã o falava inglê s, mas murmurou algumas palavras que soaram bem amigá veis a Fenny. Ela sorriu e tentou dizer uma ou duas palavras gregas que aprendera para a sua viagem de fé rias a Creta. Sua tentativa foi inú til. A mulher balanç ou a cabeç a, e entã o surpreendeu Fenny ao pegar sua mã o e virar a palma para cima. Por alguns momentos, observou a palma da mã o de Fenny, que parecia ainda mais pá lida junto à pele morena da governanta. Depois, olhou para os olhos de Fenny e levantou um dedo, mas o que disse foi um misté rio: — Den katalaveno — Fenny tentou dizer, em grego sofrí vel, já que nã o tinha entendido o que a outra vira em sua mã o. A mulher passou a mã o em seu rosto e cabelos e repetiu o gesto, mostrando um dedo. De repente, Fenny compreendeu. Ela era uma noiva e, para os gregos, uma mulher recé m-casada tem um ú nico objetivo na vida: produzir para o marido, o mais rá pido possí vel, um filho, que prove sua virilidade. Uma crianç a! A mulher de tipo cigano vira na palma de sua mã o um ú nico nascimento... Oh, mas devia ser uma simples superstiç ã o boba. Como é que algué m podia saber o que aconteceria no futuro? Fenny sorriu e balanç ou a cabeç a. Havia insistê ncia nos olhos gregos, mas depois a mulher indicou as malas e os grandes armá rios, querendo dizer que iria desfazer as malas para a senhora. Fenny retirou as chaves da bolsa e abriu as malas. Uma vez mais tentou dizer algumas palavras em grego, perguntando à mulher o nome dela. — Kassandra — a outra respondeu, e Fenny apenas sorriu do absurdo absoluto de tudo aquilo. Teria que acreditar que aquela mulher era uma profetisa dos tempos modernos? Uma mulher que tinha o poder de dizer-lhe que ia ter apenas um filho? As ilhas eram lugares estranhos e misteriosos, e as pessoas que viviam lá acreditavam em todos os tipos de magia, mas ela viera da Inglaterra e tinha que manter os seus pró prios pontos de vista. Nã o ousava acreditar que Kassandra pudesse prever o futuro, porque, nesse caso, veria també m outras coisas ainda mais perturbadoras: a falta de amor e, finalmente, sua partida daquela casa branca no alto do mar de Afrodite. Fez com que a mulher entendesse que desejava ficar sozinha e a porta da suí te foi fechada atrá s daquela figura escura, com certeza uma viú va, porque as gregas nã o costumavam tirar o luto de seus maridos, querendo mostrar a todos que o sol de sua vida tinha perdido o brilho. Entã o a jovem e indesejá vel senhora do Castelo Azul começ ou a explorar o amplo e lindo quarto que ficava no alto de uma das torres da casa. Olhou em redor e viu biombos feitos de madeira tã o bem entalhada que parecia renda escura. A colcha da grande cama era bordada com fios de seda. Havia muitos tapetes persas no chã o. Tudo lembrava um haré m; nunca um ninho de amor. Imaginou que Lion devia achar muito divertida conservá -la naquele apartamento, onde tudo era ostentaç ã o e riqueza. Aquele sutil aroma do Oriente com certeza indicava que ela seria considerada concubina e nã o uma verdadeira esposa. Os aposentos eram ligados por largos arcos com lindas portas grossas de ferro. O quarto ao lado tinha o teto pintado à mã o, janelas de madeira e uma grande cadeira de palha com assento acolchoado. Era um quarto fascinante, com uma tocha acesa, iluminando muito pouco; havia també m uma lareira. Num outro aposento, encontrou um baú pintado de preto e branco com figuras estranhas de deuses antigos e cabras. Pegou uma uva do cacho que estava numa fruteira de prata. Ao lado, havia um jarro antigo, provavelmente turco. Serviu-se de um pouco mais daquele refresco de frutas com vinho com o qual fora recebida na casa, da maneira tradicional grega. O que teriam colocado naquela bebida, para que se sentisse tã o calma? Aquilo fazia um efeito incrí vel! Nã o estava nem um pouco preocupada ou cansada. Poderia esperar tranquilamente por Lion, sentada naquela cadeira macia daquele quarto que ia dividir com ele. Respirou fundo o aroma da noite que entrava pelas janelas. Era um cheiro de terra, agradá vel, vital, poderoso. Vinha dos pá tios de oliveiras. Os galhos das á rvores estavam pesados com tantos frutos, quase se quebrando. Os limoeiros també m estavam carregados, desprendendo um aroma delicioso, que impregnava toda a casa. O Castelo Azul poderia ter sido o cé u na terra para ela, mas, em vez disso, seria o paraí so no qual seria castigada e do qual a baniriam por ter comido do fruto proibido. Merecia tudo o que acontecesse: tinha mentido e nunca poderia confessar a Lion que fizera aquelas coisas por amá -lo demais. Ele zombaria de seu amor. Era um homem forjado numa terra onde, muito tempo atrá s, mulheres tinham sido apedrejadas em praç a pú blica por crimes bem menores do que o que ela cometera. Já havia percebido nele aquela raiva primitiva. Por exemplo, o momento, no helicó ptero, quando exigiu que comesse do bolo que ele tanto queria ter repartido com Penela, Aqueles pequenos sinos de prata verdadeira que encimavam o bolo denotavam prazer, alegria, mas agora seriam usados para chamar a escrava. Ela nã o tinha escolha. O pior era que, agora que estava no Castelo Azul, sabia quanto desejava ficar lá. O lugar já conseguira conquistar o seu coraç ã o. Tinha um fascí nio de passado. Por mais que se esforç asse para nã o pensar, sentia-se como uma mulher arrebatada de casa para proporcionar divertimento ao paxá. No entanto, mesmo que ele a tratasse como outra propriedade qualquer, ela nã o trocaria nenhuma das horas tristes que a esperavam por aqueles dias e noites vazios de sua vida na Inglaterra. Sentiu um arrepio pelo corpo todo. Seus sentidos deviam estar muito aguç ados, pois pressentiu a presenç a de Lion mesmo antes de vê -lo, parado à porta de ferro. À luz suave, parecia mais alto e mais bonito. Quando ele entrou no quarto, a fumaç a do cigarro turco chegou até ela. — O castelo já foi propriedade de um paxá turco, sabia? Esta é uma parte do velho haré m. Telegrafei para que os quartos fossem preparados para você. Gosta deles? — Achei-os fascinantes. O que há por trá s daquela tapeç aria de seda? Ele foi até lá, andando daquela forma macia e silenciosa de uma fera na selva. Comprimiu os olhos saltados de um cavalo selvagem, esculpido na madeira, e entã o uma porta se abriu. No fundo, havia luzes e mobí lias de estilo colonial, que provavelmente estavam lá desde a invasã o dos á rabes. Era uma sala enorme. Fenny se perguntava como um homem podia possuir tantas coisas maravilhosas, e logo aquele homem, que parecia nã o se interessar por nada. — Esta é a porta secreta do apartamento do paxá — ele disse, com um tom divertido. — Aqui vivia a sua escrava favorita. Imagino que o segredo aumentava o prazer de sua aventura. Os homens daqueles tempos consideravam as mulheres como nada mais que uma forma de divertimento, e a garota ficava trancada como um passarinho na gaiola. Se ela se atrevesse a entrar nos aposentos do paxá pela porta secreta, seria severamente punida. As portas externas do haré m eram sempre mantidas trancadas por uma grande chave que ficava em poder do eunuco que as vigiava. — Nunca permitiam que tomasse um pouco de ar, que saí sse aos jardins? — Claro que sim, mas só na companhia do eunuco, e també m ia ao moussandra particular. Venha, vou lhe mostrar. Fenny levantou-se da cadeira e seguiu-o atravé s das portas de madeira. Estava encantada com tudo aquilo, nunca imaginara que pudesse existir um lugar como aquele, a nã oser em sonhos. O brilho das estrelas encheu o lugar e ela se viu numa varanda que dava frente para a plantaç ã o de limõ es e para o mar. A voz de Lion veio despertá -la. — Moussandra — ele repetiu. — Um pequeno quarto, exclusivo para a ocupante do haré m, nã o importando se ela ficasse uma noite... ou um ano. As mã os de Fenny agarraram as grades de ferro e seus dedos esmagaram algumas florezinhas amarelas que cresciam por elas. As batidas de seu coraç ã o se aceleraram quando Lion foi para trá s dela, tã o alto, tã o bonito e forte, e tã o inatingí vel para seu amor, aquele amor que queimava suas veias. A luz fraca das estrelas, só conseguia avistar os troncos escuros das á rvores. Centenas de vaga-lumes tremeluziam no ar, voando alto e baixo, e Fenny continuou muda, encostada no parapeito de ferro, sentindo o poderoso e energé tico corpo de Lion tã o pró ximo. Ouviu os bichos noturnos por entre as á rvores altas, depois, uma vacilante chama vermelha uniu-se à dos vaga lumes, quando Lion atirou o cigarro lá embaixo. Ele colocou os braç os ao redor de Fenny e virou-a. — Você devia se sentir à vontade neste apartamento, kyria. Esta casa també m lhe pertence. Alé m do mais, este lugar parece muito adequado a você, nã o concorda? — Sendo esposa de um grego, devo sempre concordar com o meu marido? — Esposa! Marido! No nosso caso, essas palavras nã o significam nada. — O paxá com a sua escrava — ela disse. — Mas fique certo de que nã o pretendo me arrastar de joelhos para você. Teria que me atirar no chã o para me manter nesse ní vel, tã o baixa como já acha que sou. — Tenho todos os direitos do mundo de pensar que você... Ora, admita: você se rebaixou para vencer, nã o foi? — Duvido muito que algué m possa vencê -lo, Lion... muito menos uma mulher. — Exato. — Deu uma risada e segurou-a com forç a pelo pescoç o claro. Virou seu rosto para o lado das estrelas e observou suas feiç õ es. — Zonar disse que você é linda, e eu nem notei. Isso deve significar muito para você, nã o é mesmo? — Você estava muito ocupado com Pen... —Fenny engoliuem seco, porque, de repente, pareceu-lhe terrivelmente difí cil dizer o nome de Penela. — Com minha prima. Por que iria notar a presenç a do patinho feio da famí lia? — Tem razã o. — Acariciou a pele suave do pescoç o de Fenny. — Como suas pulsaç õ es estã o rá pidas! Sente assim tanto medo de que eu a toque? — Senti bem mais, na vez em que ameaç ou quebrar o meu pescoç o. Você nã o faz ameaç as que nã o cumpre, nã o é mesmo? — Geralmente, nã o. Mas sou um homem que muito cedo aprendeu o valor das vantagens. Nã o me desfaç o de uma coisa, até tirar todo proveito dela. Alé m do mais, minha querida, achei-a muito mais divertida do que esperava. Por outro lado, tenho algo a resolver com você ainda, a respeito de certo pacto que fizemos. Se por acaso eu quebrar este seu adorá vel pescoç o, estarei matando o cisne que deverá pô r um ovo de ouro para mim. — Como você é encantador! Por falar em nossa maravilhosa vida conjugal, nó s vamos jantar com a sua famí lia? — Somos um casal em lua-de-mel, meu amor, e para o povo grego isso significa apenas uma coisa: que queremos ficar sozinhos. Portanto, nã o vamos descer para jantar com a minha famí lia. A comida será servida aqui. Isto é, quando eu tocar a campainha, avisando que queremos jantar. Mas neste exato momento meu apetite é por você, minha esposa, e nã o preciso tocar nenhum sino para você vir: tenho apenas que estalar os dedos. Deu uma risada cí nica e seus braç os de repente tornaram-se tã o fortes como aç o, esmagando o corpo de Fenny contra o seu, sem se importar se a machucava. Beijou-a com raiva e desejo. Depois, com grande facilidade, levantou-a nos braç os e levou-a da moussandra para o quarto onde havia aquele divã, à luz de um abajur. Tudo de que Fenny tinha consciê ncia eram as mã os e a boca de Lion, a presenç a dele a seu lado na cama. Seu coraç ã o batia descompassadamente e ela nã o conseguia pensar em mais nada, a nã o ser naquele momento em que o sentia tã o pró ximo. Deixou-se invadir por aquela onda de prazer. O roupã o se abriu um pouco, mostrando seu corpo jovem, sua pele branca e macia, suas curvas bem-feitas. Imediatamente Fenny o fechou. Estava com as pernas cruzadas por baixo da mesa, sentada diante de Lion. O aroma do café confundiu-se com o da carne preparada com ervas, e Fenny comeu com apetite. — Estranho — murmurou Lion. — Um homem e uma mulher fazem amor e mais tarde a mulher volta a ser uma pequena garota novamente, faminta como uma crianç a num piquenique, de olhar inocente como se estivesse num convento sob a proteç ã o de uma boa freira. Mais do que estranho... realmente, incrí vel. Quem é que acreditaria ao olhar para você, kyria, que tem tanta resistê ncia para o amor e tanto calor nesse corpo claro e inglê s? Pensei que as inglesas fossem frias, com á gua nas veias.
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