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CAPÍTULO II



 

E ra um vestido azul-claro, sem mangas e decotado, bordado com pedras num tom mais forte. Sem dú vida alguma, tinha sido desenhado especialmente para Penela, mas, como Fenny tinha quase o mesmo corpo dela, serviu perfeitamente.

Parou diante do espelho e sentiu-se como uma estranha. Nunca havia usado roupas assim; mesmo porque, seu salá rio nã o lhe permitiria. Agora, com o coraç ã o batendo depressa, ela se via linda naquele vestido azul que realç ava a pele clara, os olhos acinzentados e o cabelo dourado. Jamais fora atraente como Penela, mas estava contente com a imagem refletida no espelho. Lion nã o podia reclamar de sua aparê ncia.

A alianç a de esmeraldas brilhou na mã o esquerda. Se algué m da imobiliá ria a visse agora, nã o reconheceria a eficiente e dedicada funcioná ria Fenny Odell.

De repente seu coraç ã o bateu mais forte, pois lembrou-se das implicaç õ es que aquele casamento teria. Seu tio devia ser avisado e os irmã os de Lion precisavam tomar conhecimento de que tinha havido uma troca de noiva Era tudo muito complicado e os falató rios explodiriam como uma bomba.

— Está pronta? — Lion perguntou, entrando pela porta que comunicava os dois quartos.

— Quase.

— Dê uma volta.

Fenny obedeceu, sem protestar. Apesar do olhar de aprovaç ã o, sabia que ele a estava comparando com Penela, e por isso nã o esperou elogios.

— É um bonito vestido — ele disse finalmente. — Ficaria bem até numa mulher feia e deselegante.

— Por favor... — suplicou. — Será que nã o podemos ser amigos? Ao menos isso?

— Amizade está fora de cogitaç ã o, minha querida. Portanto, esqueç a.

Ela viu que ele se aproximava e teve que se controlar para nã o fugir. Mostrar coragem seria a ú nica maneira de se fazer respeitada. Ergueu a cabeç a e enfrentou o olhar de investigaç ã o que ele lhe dava.

— Como você vai sofrer, minha querida. — Parecia saborear a idé ia de maltratá -la, porque um brilho diferente apareceu em seus olhos.

— Você nã o é do tipo resistente. Sua pele é clara, sensí vel, como se a protegesse do sol e da sensualidade dos homens. Totalmente diferente de Penela e, ainda assim, tomou o lugar dela. Por acaso tem alguma coisa de feiticeira?

— Ainda há pouco você duvidou da minha virgindade e me chamou de vagabunda. Parecia muito certo do que dizia. Nã o entendo por que está em dú vida, agora.

— Que homem está completamente certo com relaç ã o à s mulheres? Com esse vestido, você parece frá gil como uma flor. — Aproximou-se mais e tocou o chiffon macio. — Está tremendo, minha querida. Tem medo de que eu a toque, ou isso desperta em você o instinto de mulher?

— Você me faz sentir medo.

— Medo de que eu a machuque?

— Nã o. Acho que estou apavorada com o seu ó dio.

— O ó dio é um sentimento terrí vel, nã o é? E nó s, gregos, nunca somos moderados em nossos sentimentos. — Seus dedos fortes subiram até a garganta de Fenny. — O pescoç o de uma mulher devia estar sempre enfeitado com pé rolas, mas pé rolas verdadeiras, formando uma corrente tã o forte que se poderia estrangulá -la com ela. Nã o se mexa!

Fenny ficou paralisada enquanto ele tirava do bolso uma caixa preta e retangular: era um rico colar de pé rolas, com um fecho de pequenos diamantes.

— Nã o posso usar isso. Pertence a Penela!

— Nã o vejo diferenç a alguma entre usar o vestido dela e usar este colar. Comprei para Penela, mas como ela nã o está aqui, e você está, seria uma pena deixá -lo guardadona caixa. Um grego gosta de que as pessoas vejam os enfeites que ele pode oferecer à esposa.

— Enfeites? As pé rolas nã o sã o verdadeiras?

— Gostaria de usar pé rolas falsas, para combinar com você, minha pequena Judas? Ia se sentir melhor assim?

O sarcasmo em sua voz era suficiente para Fenny entender que as pé rolas nã o só eram verdadeiras, como carí ssimas. Embora Lion negasse já ter amado alguma mulher, tinha desafiado a convenç ã o grega, tornando-se noivo de Penela, uma garota inglesa que nem era mais virgem. O cabelo claro e as maneiras encantadoras de Penela o cativaram e amoleceram o seu coraç ã o de pedra, jamais compraria pé rolas artificiais para a mulher que amava. Apesar de negar seus sentimentos, Fenny tinha certeza de que Lion amara sua prima, e ainda amava.

Ele examinou, com ar de aprovaç ã o, a jó ia em seu pescoç o.

— Sã o o que eu chamaria de pé rolas virgens. Talvez você nã o as mereç a, mesmo.

— Como se atreve? Tem absoluta certeza de que Penela era um poç o de virtudes?

Seus olhos de tigre brilharam.

— Quando é que vai parar de fazer insinuaç õ es a respeito dela? Nem mesmo agora deixou de ter inveja? Talvez tenha razã o: nem mesmo usando o vestido e as pé rolas de Penela, você se compara a ela. Sua chama é de uma vela, e nã o de uma lâ mpada. Você é inibida e apagada, ela é extrovertida e cheia de vida. Beijar você é o mesmo que beijar uma pedra de gelo: reage com frieza, nã o com a impulsividade de um coraç ã o quente.

Suas palavras feriram Fenny como punhaladas. Deslumbrado por sua prima, como acontecia com muitos homens, ele estava cego de amor por aquela mulher adorá vel que, onde quer que estivesse, era sempre o centro das atenç õ es. Nã o se lembrava de, algum dia, Penela nã o ter conseguido o que queria. Em primeiro lugar estavam ela e seus desejos, depois, os outros. Fora sempre assim, desde que a conhecera. No entanto, era a ela, Fenny, que Lion acusava de ter um coraç ã o de gelo e de ser calculista!

Mas nã o podia dizer isso, pois só aumentaria o desprezo dele. Tinha que aceitar as injustiç as, engolir os insultos e rezar para que Deus a ajudasse a suportar tudo o que aquele homem diabó lico — mas a quem ela amava — pudesse fazer.

— Coloque o xale. E é melhor começ ar a aceitar a idé ia de que estas roupas e jó ias lhe pertencem.

— Se é o que quer...

Virou-se e sentiu as pernas tremerem quando se dirigiu à cama, onde deixara o xale de seda pura. Ele a seguiu e colocou o abrigo sobre os seus ombros frá geis.

Desceram e foram direto para o Jasmine Room, o sofisticado restaurante do hotel. O garç om conduziu-os a uma mesa central, nada apropriada para um casal recé m-casado, e Fenny pô de jurar que Lion tinha reservado aquele lugar com antecedê ncia: queria tornar pú blico, o mais rá pido possí vel, que, em vez da noiva deslumbrante, agora estava casado com uma mulher tí mida e insignificante,

Fenny percebeu o olhar das pessoas e ouviu os cochichos. Deviam estar todos curiosos e sem entender nada. Lion segurou suas mã os por cima da mesa.

— Vamos dar corda para eles terem o que comentar. Por que nã o sorri para seu marido e permite que todos vejam como estamos felizes?

— Você precisa ser assim tã o cruel?

— Minha querida, tenho que tirar algum proveito deste nosso casamento. — Levou as mã os dela aos lá bios e, quando as beijou, apertou-lhe os dedos até machucar.

— Por favor, deixe-me ir embora!

— Só depois que pagar o que me deve, do jeito que combinamos.

— Como pode querer que eu seja a mã e de seu filho? Sei o que pensa de mim.

— Portanto, nunca viveremos em dú vida, boneca. Ao contrá rio de muitos que se casam cegos pelo amor, nó s nã o teremos desilusõ es, pois sabemos muito bem o que somos.

Soltou suas mã os, que tremiam. Quanto mais a ofendia e humilhava, mais satisfeito ficava. Ele tinha a justiç a a seu lado, mas era uma justiç a cruel. À noite, quando estivessem na cama e ele a procurasse, seria só para satisfazer seu desejo. Depois, quando tivesse a crianç a, ele a expulsaria, pois já nã o precisaria mais dela.

— Sorria. Você está parecendo um peixe fora d'á gua. As pessoas estã o olhando para nó s.

— Estou... estou muito preocupada com o meu tio. Eu devia avisá -lo de onde estou.

— Ele já sabe, pode ficar descansada. Há pouco menos de uma hora, telefonei para ele e avisei que a filha está em Nova York, e a sobrinha, comigo.

— O que ele disse? Você contou que...

— Contei, minha querida. Parece um pouco confuso, mas isso é questã o de tempo, logo ele se acostumará com a idé ia.

— Você contou tudo? — Fenny torcia as mã os. — Ele deve ter ficado muito surpreso...

— Arrasado seria a palavra correta.

— Estava bravo?

— Que diferenç a faz? Você nã o precisa mais dar satisfaç ã o a seu tio, pois é minha esposa e nã o depende mais dele. Agora, é a sra. Mavrakis, dona de indú strias e ilhas, e seu dever é ajudar seu marido e cumprir com o prometido. É o que queria e é o que você tem. Devia estar radiante, embora eu compreenda que o pagamento nã o é dos mais agradá veis. — Fez uma pausa e seus olhos eram duros como aç o. — O que você sente realmente nã o me interessa. Quem faz a cama deita, e você nã o vai ser uma exceç ã o.

— Obrigada — ela disse calmamente. — Até que enfim, está sendo honesto.

— Um de nó s vai ter que ser, e a sua honestidade nã o é coisa em que se possa confiar.

O maitre chegou com a carta de vinhos e Fenny escondeu-se atrá s do grande cardá pio. Estava sem fome e a lista de entradas e pratos deixou-a enjoada.

— Já resolveu o que vai querer? — Lion perguntou.

— Eu... eu nã o gosto de nada muito exó tico. Quero melã o, de entrada, e depois costeletas de vitela com batatas e feijã o francê s.

— Vou comer o mesmo — disse ao garç om. — Exceto que, como entrada, quero fatias de presunto defumado.

— Pois nã o, senhor.

O garç om recolheu os cardá pios e pareceu um pouco surpreso por pedirem um jantar tã o simples, especialmente sendo ele um homem tã o rico.

— Aquele sujeito deve estar achando que nó s estamos nos alimentando de amor — Lion comentou. — É uma ironia que essas pessoas nos olhem, imaginando que hoje é o dia mais feliz de nossas vidas. Muitos devem até nos invejar.

— Qual você acha que vai ser a reaç ã o de seus irmã os? Zonar e Demetre eram gê meos e cerca de quatro anos

mais moç os do que Lion. Demetre tinha uma esposa na Gré cia, mas Zonar ficara viú vo logo depois do casamento. Os trê s irmã os eram muito unidos, e Fenny tinha medo de que ficassem contra ela.

— Os dois admiravam muito Penela — disse Lion. — Portanto prepare-se, porque nã o vã o tratá -la como amiga. Vã o querer saber por que eu nã o a mandei para o inferno. Tente provar-lhes que me ama desesperadamente e que nã o achou que fosse me prejudicar ao tomar o lugar de Penela. Assim, ficarã o mais descansados e até poderã o aceitá -la. Eu nã o gostaria que eles soubessem que você viu em mim uma tá bua de salvaç ã o para todos os seus problemas financeiros: um marido rico que poderia lhe oferecer uma boa vida, uma fuga da rotina e do quarto na casa de seu tio.

— Imagino que deve ferir muito o seu orgulho a idé ia de que uma simples mulher possa se aproveitar de você.

— Isso me enfurece. — Seus lá bios estavam apertados e seus olhos pareciam lâ minas. — Você vai fazer como estou lhe dizendo em consideraç ã o a meus irmã os, porque eles sã o mais importantes para mim do que qualquer mulher. Tomei conta deles quando eram pequenos, depois que nossos pais foram mortos pelas bombas. Lutei, briguei, fiz os serviç os mais baixos e para as pessoas mais baixas, só para que eles nã o morressem de fome e para que, quando crescessem, pudessem ter uma boa vida, estudos, tudo o que eu nã o pude ter. Sã o mais sociá veis e simpá ticos do que eu, querida, e suas maneiras sã o mais educadas, mas cairã o sobre você feito feras se descobrirem por que fez isso tudo. Tome cuidado.

Fenny olhou para aquele homem determinado e arrogante e pensou em dizer: " Nã o preciso fingir que gosto de você. Tomei o lugar de Penela porque eu o amava desesperadamente". Mas é claro que nã o disse.

Lion levantou o copo de vinho e brindou:

— Beba e seja feliz, porque hoje à noite você pagará por ter se metido na minha vida e acabado com os meus planos.

Será que ele estaria sorrindo se Penela estivesse ali? Ou será que era sempre fechado, bruto e cruel com todas as mulheres?

Kali oreki — ela disse, mostrando-lhe que també m sabia um pouco de grego, cuidadosamente memorizado por causa de sua viagem para Creta, uma viagem que havia planejado desde o ano anterior, muito antes de Penela ter apresentado aquele grego alto e elegante à famí lia.

— Você está se referindo a isto? — Ele apontou para a comida em seu prato. — Ou está me desejando bom apetite para esta noite?

Fenny corou e olhou para o copo de vinho.

— Você... você torna tudo mais difí cil, dificulta a minha atuaç ã o como... como uma esposa apaixonada.

— Quando estamos sozinhos, nã o há necessidade de usarmos má scaras. Sabia que, quando os gregos inventaram o drama, escondiam-se por trá s de uma má scara? Faz parte de suas crenç as que os seres humanos sã o descendentes de Jano, com dois rostos para oferecer ao mundo. O misté rio todo sobre isso é que ningué m tem certeza de qual é a verdadeira face.

— Acho uma atitude muito cí nica. Significa que ningué m é realmente bom e que o mundo foi feito para as pessoas representarem.

— Quanto mais civilizados nos tornamos, menos revela- mos de nó s mesmos, e nã o me refiro ao corpo, mas à mente. Olhe para você, meu bem. Seus olhos sã o como uma cortina de fumaç a nos quais podem ser escondidas todas as coisas. Como muitos maridos num drama grego, eu posso estar correndo o perigo de ser envenenado pela minha Messalina.

Ele descansou a faca e o garfo sobre o prato e disse:

— Mostre-me a sua mã o esquerda. — Fenny mostrou e Lion tocou a alianç a de esmeraldas, girando-a. A jó ia se virou e surgiu uma pequena cavidade. — Um pozinho venenoso era guardado neste pequeno compartimento para ser despejado no café ou vinho do marido ou do amante indesejá vel. Bem engenhoso, nã o acha?

Fenny olhou para o anel, cuja beleza escondia algo tã o sinistro.

— Penela sabia disso? — perguntou, um pouco surpresa por a prima nã o ter mencionado um detalhe tã o fascinante sobre aquela alianç a de noivado. Era uma jó ia estranha para um homem oferecer à mulher que ama.

Ele balanç ou a cabeç a.

— Ela pediu uma alianç a de esmeraldas, e eu tinha ganho essa, uns dois anos atrá s, durante uma viagem de negó cios a Florenç a. A pedra é magnificamente lapidada, mas nã o achei necessá rio contar a Penela que estava usando um anel que tinha pertencido a Lucré cia Bó rgia.

Fenny prendeu a respiraç ã o. Os terrí veis Bó rgia, aquela infame famí lia devotada à deslealdade e à morte misteriosa. Com um rá pido movimento, Lion fechou o anel novamente.

— De qualquer forma — ele disse —, parece bem apropriado que você use essa alianç a, sua vagabunda perigosa.

Fenny sentiu os nervos à flor da pele. Nunca homem algum a chamara daqueles nomes.

— Eu... eu só o usei para...

— Para tornar a sua mentira mais convincente. Garanto, minha querida, que você é a atrizinha mais consumada que até hoje apareceu na minha vida. Você é quem devia ter seguido carreira. Desempenharia com perfeiç ã o o papel de mulher fatal. E há sempre uma certa fascinaç ã o, quando se está em companhia da filha do diabo.

Fenny nã o respondeu. Cada palavra dele era uma punhalada em seu coraç ã o. Sentia-se a ú ltima das mulheres, sem razã o nem vontade de viver. Olhou-o disfarç adamente. Apesar de insultá -la, ele nã o parecia sentir qualquer emoç ã o. Tudo por que passara para tornar-se um homem rico e poderoso devia tê -lo tornado insensí vel.

Quando o carrinho de sobremesa chegou, ele lhe disse, com a voz mais suave do mundo:

— Doces para um doce. Vamos, você tem que provar um pouco. Que tal um pedaç o daquele bolo recheado de coco e nozes? Afinal, nã o comeu do nosso bolo de casamento, nã o foi, meu bem?

— Nã o consigo comer mais nada. Nã o quero nenhuma sobremesa, obrigada. Já estou satisfeita.

— Ah, mas eu insisto. É a sua grande oportunidade deprovar algumas das delí cias que a vida nos oferece. Sim, garç om, minha esposa vai comer sobremesa.

— Talvez madame goste das nectarinas, senhor. — O garç om olhou para Fenny. — Nó s as preparamos com conhaque e depois recheamos com creme. Isso lhes dá um sabor muito sutil.

— Sim, vamos provar — Lion disse, com um olhar de reprovaç ã o para Fenny. — Um dia tã o especial para nossas vidas exige um tratamento especial. Prepare-as com o melhor conhaque que você s tiverem, pois minha esposinha merece tudo do bom e do melhor: ela é maravilhosa.

O garç om trouxe a sobremesa em taç as de cristal. Estava muito bonita, mas Fenny nã o sentia um pingo de vontade de comê -la. Pegou o garfo e a colher com mã os trê mulas.

— Hum... uma delí cia — Lion murmurou. — Ande, coma. Pare de fingir que tem o apetite de um pá ssaro.

— Você está sendo cruel. Pare com isso!

— Ah, entã o você agora já acha que tem direito de me dar ordens? — Seus olhos fuzilavam Fenny, e ela teve a impressã o de estar diante de um animal selvagem. — Estou apenas sendo eu mesmo, amor. Sou um grego que se fez sozinho, sem ajuda de ningué m e sem ilusõ es. Você terá que aprender que quem manda em casa sou eu, e que, como minha esposa, deve obedecer. Porque a ú ltima palavra quem dá sou eu, e tudo o que digo é lei.

— E por causa disso tenho que me empanturrar de doces, quer queira, quer nã o? Você nã o tem pena mesmo, nã o é?

— Quando se trata de você, nã o. Agora, coma. Nã o quero chegar atrasado ao teatro.

E ele ficou lá, sentado como um inquisidor, até Fenny terminar a sobremesa. Depois, ajudou-a a se levantar. Ela pô de sentir seu ó dio, que parecia penetrar-lhe até os ossos, quando Lion segurou-a pelo cotovelo e conduziu-a para a rua, onde o carro esperava.

Seguiram em silê ncio para o teatro. Fenny, mais pá lida que as pé rolas de seu colar, deixou que Lion a levasse até as poltronas, feito um autô mato.

As pessoas que se viravam à passagem dos dois nunca imaginariam que aquela mulher abatida fosse uma recé m-casada.

Lion murmurou em seu ouvido:

— Sou muito orgulhoso, vingativo e ambicioso. É muito tarde, minha querida, para se arrepender.

Fenny nã o ousou olhar para ele. As luzes do teatro começ aram a apagar, e a grande cortina, a subir.

Foi durante o segundo intervalo que sentiu que nã o podia suportar mais. Desculpou-se com Lion, murmurando que queria ir ao toalete, mas, quando alcanç ou o vestí bulo, escapou da pequena multidã o que fumava e discutia a peç a e saiu para a rua.

Estava fugindo de Lion, mesmo sabendo que jamais conseguiria escapar daquele homem tã o cruel; mas, por ora... por algum tempo, estaria livre. Ele tinha ido longe demais, estava fazendo-a sofrer mais do que podia aguentar. Ficar a seu lado seria suicí dio.

Atravessou a rua e desceu os degraus que levavam à barragem do rio. A noite e o reflexo das luzes na á gua deram-lhe uma sensaç ã o passageira de paz, a ú nica paz que sentira durante o dia todo. A brisa batia-lhe no rosto e ondulava seus cabelos. Havia uma certa beleza naquela velha parte de Londres e, em qualquer outro momento, Fenny teria se abandonado à sensaç ã o de bem-estar.

Mas, quando olhou para a á gua, viu um par de olhos brilhando. No ruí do distante do trá fego, a voz irritada e profunda de Lion se destacava. De repente, seus olhos se encheram de lá grimas.

— Cheia de surpresas, hein? — disse ele. — O que estava planejando fazer?

— Nada. Só queria ficar sozinha por alguns instantes. Há algum mal nisso? Você nã o precisa me seguir, eu nã o ia me demorar. Já estava pensando em voltar para o teatro.

— Claro. Você nã o terá direito a meus bens até se tornar minha esposa de verdade, e nã o apenas de nome. Claro que ia voltar.

— Eu nunca quis os seus bens. Nunca dei a mí nima para eles...

— Minha querida, nã o me diga que você está me dando a honra de gostar de mim! — Riu, sarcá stico. — Espero que Petaloudes seja compensaç ã o suficiente pelo sacrifí cio que vai fazer. Nã o se iluda: você me dará um filho, nã o me importa se gosta ou nã o disso.

Mais do que a có lera de Lion, o que a amedrontava era que ele ia tratá -la sempre como a uma qualquer. Estremeceu quando a segurou pelo braç o para ajudá -la a entrar no carro.

— Você é muito cí nico — disse baixinho. Começ ava a sentir-se muito fraca. O que Lion faria se, de repente, encostasse a cabeç a cansada no ombro dele? Será que iria empurrá -la, repeli-la? Ou beijá -la, como um homem beija uma mulher da vida?

Qualquer uma das reaç õ es seria insuportá vel. Fez um esforç o para manter o controle e a aparê ncia fria, altiva e distante.

— Um homem só pode julgar as mulheres pelo que conhece delas. Quando eu era mais jovem, nã o tinha tempo para essas coisas, estava sempre ocupado. Para mim, era suficiente passar uma noite com uma mulher, e nunca me preocupei seriamente com o casamento, até que, no verã o passado, encontrei sua prima em Atenas. Bem, deu no que deu. Se sou cí nico, quem pode me culpar? Mas como sou també m um grego, devo tirar o melhor proveito de um mau negó cio. Você nã o tem os mesmos atrativos de sua prima, mas sabe como usar as roupas dela e tem um ar de pureza que intriga até mesmo um homem que sabe que tudo isso é falso.

Seu olhar era como uma lâ mina. Estudou-a de alto a baixo e continuou:

— Você nã o teve boa educaç ã o, mas a ú nica coisa que quero que me dê um filho. As chances sã o boas de nascer um menino: acredito que setenta por cento. Meus pais só tiveram filhos homens, e a esposa de Zonar, antes de morrer, teve um menino.

— Eu nã o fazia idé ia de que seu irmã o Zonar era pai. Ele parece... Oh, nã o sei.

— Despreocupado? Um homem que flerta e leva a vida como se fosse acabar na manhã seguinte? É só uma má scara! Ele, ao contrá rio de Demetre e de mim, teve muita sorte no amor, era muito feliz, tinha uma esposa maravilhosa... até o dia em que aquele maldito caminhã o chocou-se com o carro deles. Mercedes teve o bebê na estrada, perto de onde aconteceu o acidente, e morreu antes que a ambulâ ncia pudesse chegar ao hospital.

— A crianç a sobreviveu? — Fenny olhou para o marido com sincera compaixã o.

Ele disse, com voz cortante:

— Poupe-me esses seus olhos de atriz. Que diferenç a pode fazer para você que um Mavrakis sofra? Você nã o faz parte realmente da minha famí lia. Invadiu a nossa privacidade. Portanto, guarde a sua simpatia para si mesma. No dia em que me entregar o bebê, eu a riscarei da minha vida. Terá que suportar a dor de ter um filho que nunca irá correr ao seu encontro e chamá -la de mamã e.

— Você... você vai ser assim tã o cruel?

— A vinganç a nunca é suave. Um grego nã o espera que a vida lhe proporcione amor ou piedade, mas ele trabalha muito para ter um filho a quem possa deixar tudo o que construiu. Sim, o filho de Zonar sobreviveu e está muito bem, é uma crianç a saudá vel; uma enfermeira toma conta dele, no castelo. Eu pensava em tornar Alekos meu herdeiro, mas agora terei um herdeiro do meu pró prio sangue. — Enquanto falava, Lion se aproximava dela com um sorriso assustador. — Estou começ ando a ficar entusiasmado com a idé ia. Você sabia que, na Gré cia, a palavra " entusiasmado" quer dizer que uma pessoa está possuí da por um deus?

— Nã o é por um demô nio?

— O diabo esteve trabalhando hoje, e por que nã o continuará à noite? Nossa noite de nú pcias tanto poderá ser o paraí so como o inferno.

O carro parou em frente ao hotel. Atravessaram o vestí bulo e foram à portaria, onde Lion pegou as chaves com o gerente. O homem sorriu, malicioso.

— Boa noite, senhor. Madame... — Colocou ê nfase nas palavras, e Fenny nã o ousou olhar para Lion quando entraram no elevador que os levou para a cobertura.

Já era tarde e o hall da suí te estava à meia-luz. O barulho da chave sendo virada na fechadura mexeu com os nervos de Fenny.

— Você quer beber alguma coisa? — ele perguntou, despindo o sobretudo e aproximando-se do bar. — Vou tomar uma dose de vodca com soda e gelo. Muito bom para os nervos.

— Por quê? Você está nervoso?

— De forma alguma. Mas você está; nã o é mesmo? Tenho certeza de que você adoraria ser uma daquelas esposas queinventam uma dor de cabeç a para escapar das atenç õ es do marido. Nã o me importo nem um pingo com as dores que possa estar sentindo.

Fenny colocou o xale no sofá e aceitou um dos copos. Nunca tinha experimentado vodca, mas, se fosse ajudá -la a sentir-se melhor, nã o se importaria com o gosto. Tomou-a rapidamente, e a bebida forte queimou-lhe a garganta, quase fazendo-a sufocar.

— Fico realmente espantado de ver que você nã o tem... ou finge nã o ter... o há bito de beber. Se está pensando que vai conseguir me comover com esta encenaç ã o de falsa virtude, perde seu tempo. Guarde-o para algo ú til, minha querida.

Ela corou, quando viu como ele a olhava. Entã o Lion disse, quase insolente:

— Já é tarde, está na hora de dormir. Acho melhor você ir para o quarto, se aprontar para mim.

Fenny encarou-o, petrificada.

— Bem, você já devia esperar por isso: casou-se comigo, e nosso casamento nã o vai ficar só no papel. Nó s fizemos um pacto, lembra-se?

— Sim...

— Entã o, o que está esperando? Estava muito animada para usar o vestido de noiva de sua prima. Agora, é hora de ir se preparar para a nossa noite de nú pcias.

— Você deve estar brincando... Isso nã o é sé rio, nã o é mesmo? — Fenny sabia muito bem que Lion falava sé rio, mas precisava fazer alguma coisa para ganhar tempo. Ele ergueu a sobrancelha.

— Nunca falo só por falar, você sabe disso. A camisola de Penela deve servir em você. Mas, se nã o servir, nã o vou reclamar...

— Lion, por favor!

— Minha querida, devia ter pensado nas consequê ncias de seus atos esta manhã. Vá para o quarto!

Sem olhar para ele novamente, ela obedeceu.

À meia-luz daquele quarto luxuoso, Fenny despiu-se, preparando-se para dormir. Estava perdida em seus pensamentos. Caminhou descalç a pelo carpete, entrando no banheiro para se lavar e escovar os dentes, voltando outra vez para vestir a camisola de seda bordada, cor de pê ssego.

Lion era um selvagem, incapaz de sentir piedade. Sua pele suave e pá lida, seu cabelo dourado, os cí lios trê mulos nã o iriam torná -lo mais delicado, apenas despertariam o desejo que um homem violento sente por uma mulher que lhe pertence.

O espelho refletiu a sua imagem... aquele rosto e corpo pertenciam a Lion Mavrakis, e ele agora ia aparecer e exigir o que tinha direito. Se ao menos aquilo fosse amor... Suspirou, com lá grimas nos olhos. Ele ia escravizá -la, mas nunca chegaria a amá -la. Lentamente ela se voltou para olhar para a cama baixa e larga, coberta por uma colcha de seda dourada.

Aquela noite, sem dú vida alguma, seria um inferno, mas Fenny nada podia fazer. Era muito tarde.

Estava em pé perto da janela, olhando as estrelas que pareciam estar muito pró ximas, quando ouviu o barulho da porta sendo aberta. Com o coraç ã o disparado, Fenny continuou no mesmo lugar, sentindo que ele se aproximava silenciosamente pelo carpete. Com um gesto brutal, Lion puxou sua cabeç a para trá s. Ela nã o tinha como escapar e, se tentasse, seria bem prová vel que ele quebrasse o seu pescoç o.

Estremeceu quando Lion a acariciou, e sensaç õ es que nã o conhecia fizeram seu sangue ferver. As mã os dele passaram pelos seus cabelos e desceram até o pescoç o.

— Uma da partes mais vulnerá veis e mais eró ticas da anatomia de uma mulher é o pescoç o — ele murmurou e, no tumulto e violê ncia daquele momento, Fenny quase acreditou que houvesse uma mudanç a em seu tom de voz. Mas depois Lion a fez voltar-se e ela viu que nã o havia esperanç a de ternura no rosto moreno: ele estava inflexí vel.

— Sua pele tem a palidez do loto, minha querida. Como você parece inocente! Qualquer outro poderia ser enganado, pensando que é pura.

Puxou-a contra o peito e começ ou a beijar seus ombros nus. O coraç ã o de Fenny batia descontroladamente, de amor e medo.

— Como consegue isso? Você nã o me ama! — ela protestou com voz fraca. Sabia que os sentimentos pouco importavam: ele a desejava naquele momento e iria possuí -la, apesar de nã o amá -la.

— O que é que o amor tem a ver com isso? — Ele deu uma gargalhada e passou os dedos por sua pele macia ejovem. — Você será minha robija... minha escrava... por milhares de noites, e depois... adeus!

Afastou-a por alguns instantes, o que sentia estava muito visí vel em seu rosto: os olhos brilhavam de modo estranho, os lá bios tremiam de desejo. Fenny afastou-se.

— Por favor...

— Quem quer perdã o, primeiro deve bater à porta e entã o esperar a resposta do diabo — ele falou, zombeteiro, e segurou-a com as duas mã os. Seu calor penetrava pela camisola de seda

— Seria o mesmo que bater numa pedra — ela murmurou.

— Com certeza. Você está agindo exatamente como uma virgem, quando dorme com o primeiro homem.

— Você... você sabe que eu sou...

— Nã o, eu ainda nã o sei. — Puxou-a e levou-a para a cama. Fenny ficou deitada, imó vel e fascinada, apesar do terror

que sentia. Sabia que aquele homem nã o iria poupá -la, até que amanhecesse e a luz do sol entrasse pelas janelas.

Lion apagou o abajur e ela sentiu que despia o roupã o de seda.

— De noite, todos os gatos sã o pardos... e todos podem ronronar — disse ele, com uma gargalhada.



  

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