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Violet Winspear. A GRÉCIA PODIA SER UM PARAÍSO DE BELEZA. MAS ERA UM INFERNO PARA FENNY, ESCRAVIZADA PELO MARIDO, QUE A ODIAVA!. CAPÍTULO I
O Filho do Demô nio “The child of Judas” Violet Winspear
A GRÉ CIA PODIA SER UM PARAÍ SO DE BELEZA. MAS ERA UM INFERNO PARA FENNY, ESCRAVIZADA PELO MARIDO, QUE A ODIAVA! Foi um impulso louco. Quando experimentou o vestido de noiva da prima e cobriu o rosto com o vé u, Fenny nã o mediu as consequê ncias de tomar o lugar da outra. Só conseguia pensar que amava Lion, o noivo grego que esperava por sua prima no altar, sem saber que tinha sido abandonado. Foi fá cil enganar todo mundo na igreja. Mas agora estava casada com um homem duro, que ia fazê -la pagar caro por aquela farsa. O preç o que Lion exigia era um filho, um herdeiro. Depois disso, Fenny seria expulsa para sempre de sua vida e nunca mais veria a crianç a, nascida do seu amor e do seu ó dio. CAPÍ TULO I F enny estremeceu. Como explicar a loucura que tinha feito? Tirou a grinalda, a grinalda do vestido de noiva que sua prima devia ter usado, e encarou aquele homem furioso à sua frente. O pior vinha agora. Tinha sido fá cil enganar toda aquela gente na igreja. Nem mesmo tio Dominic suspeitara, em nenhum momento, que era a sobrinha, e nã o a filha, que estava levando ao altar. Mas agora a farsa terminara. Era impossí vel continuar enganando o noivo. Ou melhor, o homem que havia casado com ela, pensando que fosse sua prima Penela. — Como conseguiu fazer esta encenaç ã o? — Puxou-a com forç a pelo cabelo. — Foi aquela droga de vé u, hein? Por trá s dele, você se parecia com ela. Depois, o desmaio na sacristia. Tudo fingimento, para nã o ter que ir à recepç ã o. — Chegou mais perto dela, ameaç ador. — E agora, espertinha? Ainda se sente tã o confiante, sozinha comigo neste hotel? Heraklion Mavrakis era um grego tí pico. Justamente por isso havia sido tã o fá cil montar aquela farsa. Ele tinha ido para o hotel num carro separado, com dois irmã os e uma dupla de amigos, porque os gregos, como os á rabes, nã o gostam de juntar-se à s mulheres em pú blico. Por isso ela havia sido mantida longe dele até agora, quando, completamente só s, encararam um ao outro como marido e mulher. Cada momento daquela manhã parecia gravado na mente de Fenny, como as facetas do anel de esmeraldas que Penela tinha abandonado na penteadeira, sobre o bilhete que deixara para o noivo, o grego, que conhecera em Atenas e a seguira até a Inglaterra. Fenny sabia do caso que a prima tivera com Drake Montressen, um produtor de teatro muito mais velho e cheio de ví cios, mas nunca imaginou que a louca fugisse com ele no dia do casamento. Agora, o noivo, que ainda nem sabia que tinha sido enganado, esperava uma explicaç ã o e parecia a ponto de esganá -la. — Como você foi capaz de usar as roupas dela, o nome dela? — Nã o usei. Dei o meu pró prio nome, que é parecido com o dela: Fenella. Foi o que assinei nos documentos do cartó rio e no registro do hotel. Achei que ningué m ia reparar. — Sua mã o tremia tanto que, se tivesse assinado Jezebel, ainda assim seria indecifrá vel. Confesso que fiquei surpreso de ver Penela tã o nervosa; logo ela, que é sempre calma e senhora de si. Mas por que eu ia suspeitar de que a garota a meu lado, de cabelo loiro e sedoso, nã o era a minha verdadeira noiva? Por que eu deveria suspeitar de uma impostora? Empurrou-a para a janela. — Agora posso ver que você nã o chega aos pé s de Penela. Nã o pode ter sentido nada de bom quando colocou o vestido branco de noiva e escondeu o rosto atrá s daquele vé u nojento! O que esperava conseguir? Fenny teve que desviar os olhos para que ele nã o descobrisse a verdade. Era melhor deixar que pensasse que ela, sendo pobre, vira nele uma boa oportunidade para enriquecer, e por isso tramara toda a farsa. Aquilo ele conseguiria entender, mas, o verdadeiro motivo, nunca... Nã o, Lion, como a prima o chamava, nã o podia saber que a tí mida e apagada Fenny o amava. Sem uma palavra, entregou-lhe o bilhete de Penela. " Querido Ainda morro de amores por você. Sei que poderí amos ter tido momentos inesquecí veis juntos, poré m, mais do que tudo, quero ser atriz e você nunca permitiria. Hoje surgiu a minha grande oportunidade: vou substituir Gertrude Maine numa peç a, em Nova York. Nã o podia recusar. Por favor, tente entender e, em nome da nossa grande paixã o, perdoe todo o mal que lhe fiz, faltando com a minha palavra. Provavelmente, Fenny lhe entregará este bilhete. Ela é de absoluta confianç a, muito discreta. Aos convidados, você poderá dizer que terminamos o noivado porque nã o nos dá vamos bem. Obrigada pelas horas maravilhosas que tivemos. Sempre sua, Penela. " Ele amassou o papel e atirou-o no cesto de lixo, perto da escrivaninha. — Entã o, posso confiar em você, hein? Uma pessoa discreta e incapaz de qualquer desonestidade. Fenny sentiu o coraç ã o frio e pesado como uma pedra, porque sabia que ele jamais iria perdoá -la. — O que é que você vai fazer? — Tinha medo de que a expulsasse do quarto. Que situaç ã o: era esposa dele e, ao mesmo tempo, uma intrusa. — O que acha? Deve saber melhor do que eu. Quem entrou na igreja, vestida de noiva, ocupando o lugar de outra mulher foi você. É a prima pobre, nã o é mesmo? Percebe que está inteiramente à minha mercê? — E, eu... eu acho que sim. — Poderia matá -la. Quem se importaria? — Ningué m. Você teria uma boa justificativa. — Ainda nã o entendo como pude ser enganado. Penela é sensual e cheia de vida, e você, insignificante. Seus olhos sã o azul-acinzentados, enquanto os dela sã o cor de safira. Seu cabelo é dourado e nã o prateado. Sabe o que penso exatamente de você? — Posso imaginar — disse Fenny baixinho. — Nã o. Duvido que faç a uma idé ia de como a odeio. É como se tivesse comprado um diamante valioso e, ao abrir o estojo, encontrasse um caco de vidro. Fenny nã o podia mais aguentar aquilo. Se pudesse chegar ao corredor, conseguiria escapar. Correu para a porta. Esqueceu, poré m, que usava os sapatos de Penela, um nú mero maior do que calç ava. Pisou em falso e perdeu o equilí brio. Foi agarrada por mã os fortes que a arrastaram para o grande sofá. Ergueu os olhos suplicantes para ele, cheios de dor e angú stia. Mas em nenhum momento o rosto moreno se suavizou. — Entã o, o sapato nã o serve no pezinho da Cinderela? — zombou. — E já deve saber que nã o sou nenhum prí ncipe encantado, nem vou ser galante, bondoso e gentil para permitir que vá embora, depois de você ter salvado a minha honra. Sua tola, acha que ligo para a opiniã o dos outros? Ia casar com Penela justamente porque ela nã o se importava com isso, nem com o meu dinheiro, entende? Ela brilhava, cintilava como uma jó ia, e eu a desejava. No entanto, por ironia, aqui estou eu com você, e nã o há nada que nenhum de nó s possa fazer. — Está enganado, há uma saí da — disse Fenny impulsivamente. — O casamento pode ser anulado. — Um casamento grego? Acha que, só porque me casei no seu paí s, aceito os seus costumes? Sou espartano de nascenç a, e, embora nã o me considere um santo, mantenho-me fiel à s leis da minha igreja. E, para ela, o casamento é indissolú vel. — Isso quer dizer que você e eu estamos unidos até que a morte nos separe? — Goste ou nã o goste, você é minha esposa, e vamos celebrar o casamento com o champanhe que Zonar trouxe. Ela o observou pegar a garrafa que o irmã o colocara no balde de gelo. Ao se despedir, Zonar tinha dito; " Minha nova irmã, até amanhã... " Amanhã, quando estariam voando para a ilha de Petaloudes, na Gré cia, uma das muitas propriedades de Mavrakis. Ele era dono de minas de má rmore, vinhedos, plantaç õ es de figo, uma indú stria de ó leo de oliva, uma das melhores fá bricas de enlatamento de peixe, estaleiros, hoté is, um clube noturno, trê s restaurantes e algumas luxuosas vilas. Depois da guerra, ele e os irmã os menores tinham estado entre os muitos ó rfã os que procuravam o que comer nas latas de lixo. Só sobreviveram porque Lion era valente e muito inteligente. Fenny podia entender a adoraç ã o que os irmã os tinham por ele e a maneira reverente — e até temerosa — como todos o tratavam. Encolheu-se toda quando a rolha do champanhe estourou, caindo no carpete, perto do sofá. — Nã o vai brindar comigo? Dizem que dá sorte. E você vai precisar de muita sorte — ele disse, com desprezo. " Jamais acreditará que eu realmente queria salvar o orgulho dele", pensou Fenny; era auto-suficiente demais. — Tome, esta é para você. — Entregou-lhe a taç a e ela sentiu um nó na garganta. — E a que devemos brindar? Sim, porque desde que me conheç o por gente, toda vez que tomo champanhe é para comemorar algum acontecimento feliz. Talvez devê ssemos brindar a uma longa vida, cheia de prazeres e de alegrias ao lado um do outro. — Nã o! Você me faz sentir como uma criminosa! — Nã o é exatamente isso que você é, boneca? Você roubou tudo o que devia ser de outra mulher. — Mas Penela o abandonou na porta da igreja... — Ela fez tudo isso para que eu corresse atrá s dela. Nã o percebe, sua tonta? A taç a tremeu nas mã os de Fenny, e ela teve que beber um gole para aliviar a sensaç ã o de desespero que a sufocava. — Isso, beba, beba mais. Vai precisar de muitos drinques para enfrentar o que a espera. Fenny olhou para ele, assustada. Que espé cie de homem era ele? Por que nã o mostrava um mí nimo de compreensã o? Ah, se pudesse fugir daquele lugar, desaparecer! — Muitas felicidades — ele zombou. — Nã o é isso que os ingleses dizem quando tomam alguma coisa com outra pessoa? Santa Virgem Maria, nã o consigo imaginar como é que você pô de ter tanto sangue-frio para fazer esse jogo comigo. Diga-me a verdade: o que é que queria, realmente? Dinheiro? Sei que nã o tem onde cair morta. — Tio Dominic permite que eu ocupe um dos quartos na casa deles... — começ ou, com voz rouca. — O patinho feio, cheio de inveja da linda prima, hein? — Dirigiu-se ao bar, encheu a taç a novamente e levou o resto para Fenny. — Vamos, tome mais um pouco. A bebida vai nos ajudar a encarar esta situaç ã o idiota. Porque temos que encará -la. — Derramou um pouco da bebida no chã o e riu. — Dizem que quando algué m derrama champanhe é sinal de boa sorte, mas, neste caso, quer dizer desgraç a. Beba! Ela estremeceu e obedeceu, sentindo a bebida forte subir-lhe à cabeç a. Tinha certeza de que aquele homem ainda encontraria uma maneira de puni-la, e de que o castigo seria terrí vel. Ele pareceu adivinhar-lhe o pensamento. — Nã o me diga que esperava que eu a perdoasse. Sepensou, é idiota, alé m de oportunista. Nó s, gregos, quando odiamos, odiamos para valer. E você fez o possí vel para ser odiada. — E... mesmo assim, quer levar adiante este casamento? — Nossa religiã o nã o aceita o divó rcio. Quando fazemos uma promessa, nó s a mantemos. Mas prometo que vai se arrepender para o resto da vida por ter ocupado o lugar de Penela e usado aquele vé u para me roubar e enganar. — Oh, nã o! Isso é uma injustiç a! — Nã o, querida. Você roubou o lugar de sua prima ao meu lado, mentiu durante toda a cerimô nia, e vai terminar esse jogo sujo hoje à noite, quando estiver em meus braç os. — Nã o! Nunca pretendi me aproveitar da situaç ã o. A ú nica coisa que quis fazer foi salvar o seu orgulho, embora você nã o queira aceitar o fato. — Ah, nã o me diga! Acha que há orgulho num homem que, de repente, se vê casado com uma mulher que nunca lhe interessou? — Preferia a humilhaç ã o de ficar esperando Penela na igreja? — E esta situaç ã o é menos humilhante? Mas agora está feito. Você usa o meu nome e, sejam quais forem os meus sentimentos, nã o vou permitir que suje esse nome. — Nunca pretendi ofender o seu orgulho, acredite. Sei que fiz uma loucura, uma idiotice, mas... — Acho que sabia exatamente o que estava fazendo desde o instante em que leu o bilhete de Penela. Sabia que eu tinha muito dinheiro. Sua prima deve ter contado do meu castelo na ilha de Petaloudes. Como você deve ter adorado a idé ia de viver num castelo, em vez de num simples quarto! E que preç o baixo teria que pagar: bastava oferecer o seu corpo ao amo e senhor. — Eu... eu nunca pensei numa coisa dessas — Fenny garantiu, corando violentamente. A verdade é que aquele homem nã o lhe saí a da cabeç a. — Bem, se está curiosa para saber como é que eu sou, boneca, prometo satisfazer a sua curiosidade. — Caminhou na direç ã o dela, e Fenny levantou-se, apavorada e consciente de que aquele era o quarto de sua lua-de-mel. Foi recuando, até ficar acuada contra a janela. Agora, nã o tinha mais como escapar. Começ ou a soluç ar quando ele a segurou com forç a. — Foi você mesma quem quis se casar comigo. Ao fazer essa escolha, tornou-se minha propriedade. Terá que fazer tudo que eu exigir. Está entendendo? — Oh, sim... — Admito que foi esperta. Planejou tudo direitinho. Se seu plano nã o desse certo, nã o teria nada a perder, nã o é mesmo? Voltaria para o seu quarto na casa de tio Dominic e continuaria vivendo à sombra de sua encantadora prima. Devo confessar que é uma ó tima atriz: talvez você se saí sse melhor do que Penela no teatro. — Acha que eu sentia ciú me dela? Nã o é verdade e nã o tem o direito de insinuar uma coisa dessas. — Aqui, quem nã o tem direito algum é você. Nunca permitirei que uma mulher me diga o que fazer. Muito menos você, que só serve para uma coisa... E acho que nã o preciso dizer o quê. Ou ainda é assim tã o pura que nã o sabe? — O... o que quer dizer com isso? — Nã o é mulher bastante para entender? — Suas mã os apertavam cada vez mais a cintura de Fenny. — Você tem todo o direito de estar zangado comigo, mas deve procurar entender que só fiz isso para ajudá -lo. Estou realmente arrependida por ter causado tanta encrenca. Por favor, por que nã o me deixa ir embora? Nã o vamos conseguir suportar a presenç a um do outro por muito tempo. E você ainda poderia casar com Penela, se é que a ama. — Amor? — Arqueou as sobrancelhas, com sarcasmo. — Nunca perdi tempo sentindo alguma emoç ã o pelas mulheres, mocinha. — Mas você... você veio à Inglaterra atrá s dela. — E que diabo tem isso a ver com o amor? Eu a desejava! Entende o que quero dizer? Nã o precisava casar com ela só por isso, Fenny pensou, mas nã o teve coragem de dizer. Baixou a cabeç a, atordoada e indefesa. — Olhe para mim! — Com raiva, ele a puxou pelo cabelo e forç ou sua cabeç a para trá s. — Você se colocou no altar, sacrificou-se por mim. Portanto, nã o banque a virgem assustada. Queria viver num castelo? Pois vai viver. Em troca, me dará um filho. E, quando tiver a crianç a, eu a deixarei partir. Está me ouvindo, espertinha? Ouvia, mas nã o podia acreditar. Deu uma gargalhada histé rica. — E o que acontecerá se eu nã o puder ter um bebê? Ou se nascer uma menina? Vai me matar? Os olhos dele tinham um brilho dourado e perigoso, — Reze para que possa ter um bebê e que seja menino. Nã o acredito que queira passar mais do que um ano em Petaloudes, com um homem que apenas quer que gere um filho e que nã o tem nenhum outro interesse por você. Aquilo foi a gota d'á gua. Fenny começ ou a tremer tã o convulsivamente que seus dentes batiam. Ele a tomou nos braç os e carregou-a para o sofá. Depois, foi até o telefone. — Serviç o de quarto? — Sua voz era á spera, cheia de autoridade. — Mandem café quente e sanduí ches para a suí te da cobertura. Desligou e voltou para perto dela. — Procure se controlar, porque nã o vou aguentar essas crises de nervos por muito tempo. Se é que nã o está representando. Em todo o caso, acredito que esteja morrendo de fome. Um criado vai lhe trazer algo para comer. Quando ele chegar, comporte-se como uma noiva feliz. Desesperadamente, Fenny tentou fazer tudo o que ele mandava, mas seus nervos estavam em frangalhos. Ele realmente falava a sé rio sobre o casamento. Tinha feito uma proposta e a obrigaria a cumprir a palavra dada. Depois de alguns segundos, ouviu um toque discreto à porta e, em seguida, entrou um criado com um carrinho de chá. Lion imediatamente pô s-se à frente de Fenny, protegendo-a do olhar do homem, até os dois ficarem sozinhos novamente. Entã o, puxou o carrinho para perto dela e serviu-lhe uma xí cara de café. — Vamos, beba. Pare de agir como crianç a, porque nã o vai conseguir me comover. Ela bebeu em grandes goles, sentindo-se reanimada. Evidentemente, ele a julgava uma atriz e, pensando bem, nã o podia culpá -lo. Pois, se é que havia alguma culpa, era toda dela. E nem ao menos conseguira poupá -lo da humilhaç ã o. O que aconteceria, quando todos ficassem sabendo que nã o era Penela quem estava usando aquele divino vestido denoiva? Homens como Lion tinham muitos inimigos que gostariam de se aproveitar do fato de ele ter sido abandonado pela noiva e de ter se casado com outra, por engano. Logo ele, um grego para quem o orgulho masculino valia mais do que tudo... — Agora, por que nã o come? — ele perguntou, tirando a xí cara de café das mã os dela. — Eu... eu nã o tenho muita certeza de que quero comer. — Mas vai tentar. — Dirigiu-se ao carrinho e pegou dois sanduí ches. — Obrigada — murmurou. — Você també m vai comer? — Nã o se preocupe comigo. O jantar será servido à s sete e meia e desceremos para o restaurante. Depois, iremos ao Aldwych, assistir a uma peç a de Shakespeare. Nã o sei se lhe agrada, mas Penela gostava muito, e foi ela quem sugeriu o programa. Penny estremeceu quando ele mencionou o gosto da prima por Shakespeare. Lembrou-se do caso de Penela com Drake Montressen. Um homem como Montressen nã o era do tipo que deixava escapar uma conquista com facilidade, muito menos uma mulher tã o atraente. Penela queria ser uma atriz de sucesso e Lion jamais aceitaria a idé ia de sua esposa se apresentar diante de outros homens que també m iriam admirá -la... e desejá -la. — Você gosta de Shakespeare? — perguntou. Sabia tã o pouco das preferê ncias dele! Como poderia levar adiante aquele casamento, o casamento com o qual tanto sonhara... um sonho que nunca imaginou ser uma realidade tã o cruel? — À s vezes gosto, outras, odeio, depende do meu estado de espí rito, do meu humor. — Lion pegou alguns sanduí ches e instalou-se numa poltrona. Comeram durante algum tempo, em silê ncio. Fenny nã o imaginava que estivesse com tanta fome. Nã o comera nada o dia todo. Nem pensara nisso, desde o momento em que encontrou aquele bilhete de Penela, encostado num vidro de perfume, junto com a alianç a de esmeraldas de noivado. Nã o era pró prio da prima desprezar uma jó ia como aquela. Devia ter muito medo de Lion. Fenny estremeceu mais uma vez, imaginando como seria estar nos braç os dele. Braç os que a envolveriam sem qualquerespé cie de ternura, mas como algemas de aç o, obrigando-a a obedecer à s suas exigê ncias. Só quando lhe desse um filho seria livre. Até entã o, estaria ligada a ele, amando-o e temendo-o. Sentiu os olhos encherem-se de lá grimas. — Gostaria que acreditasse que estou sentida com o que aconteceu. — Sua voz era pouco mais do que um murmú rio. — Agi num impulso... — Você representou maravilhosamente bem. E, por favor, poupe-me de suas explicaç õ es e lá grimas. Realmente, nã o há necessidade de continuar interpretando o papel de virgem hesitante. Ah, por falar nisso: você ainda é virgem? — Claro que sou! — Nã o há nada de claro sobre isso, boneca. — Acendeu ura fino charuto e observou a fumaç a subir. — Pode-se esperar qualquer coisa de uma mulher que faz o que você fez... menos que seja virgem e inocente. Alé m do mais, sou o seu marido e tenho o direito de perguntar. De qualquer forma, descobrirei por mim mesmo esta noite, nã o é? Fenny corou, percebendo que os lá bios dele se contraí ram num sorrisinho sarcá stico. — Termine de comer. E nã o fique imaginando coisas a meu respeito. Terá muito tempo para me conhecer. Agora, estou simplesmente querendo saber que espé cie de mulher arranjei para esposa. Hoje à noite, nos divertiremos; amanhã, viajaremos de aviã o para a Gré cia Por falar nisso, você tem passaporte? Ela concordou com a cabeç a e mastigou um pedaç o de sanduí che, que agora tinha gosto de palha. — Ah, é! Agora me lembro de que Penela disse que você ia de fé rias para Creta, com um colega de trabalho. Um homem? — Nã o, claro que nã o! — Fenny olhou-o, indignada. Ele nã o perdia oportunidade para atacá -la. Será que imaginava que Penela era um anjo de candura? Ah, se soubesse do caso da noiva com Montressen! — Bem, isso pouco me importa. — Encolheu os ombros fortes. — Você nã o tem que ficar me dando explicaç õ es de seu passado. O que interessa é o que vai acontecer daqui para frente. Nã o duvido de que eu acabaria tendo alguns problemas com Penela, porque ela é muito moderna, tem um modo de pensar bem diferente do meu, mas isto també mjá nã o faz diferenç a. Quer queira, quer nã o, você vai ter de me dar um filho, porque eu nunca jogo para perder. Suas palavras feriram o orgulho de Fenny, que levantou a cabeç a e disse, com voz firme: — Acabo de ser desafiada, e aceito o desafio, mas nã o poderemos viver juntos sem sentir afeto um pelo outro. Nossa vida vai ser um inferno! — Garanto que vai. O que esperava? Que um homem que só a despreza fosse lhe oferecer o cé u? Claro que nã o, minha querida. Você só pensou nas vantagens materiais. Vejo que trouxe até a bagagem de Penela. Se o vestido de noiva lhe serviu, entã o o resto do guarda-roupa també m deve servir... com exceç ã o dos sapatos. Para ele, Fenny nã o passava de uma trapaceira oportunista, a quem daria agora todas as coisas materiais que teria dado a Penela, desde que ela se comportasse como uma esposa servil. — Você está sendo muito duro — disse, mas sem nenhuma esperanç a de que ele se comovesse. — É muito justo que pague pelos seus pecados. Foi você mesma quem escolheu assim. Agora, é minha esposa. Vai se vestir como sua prima e, na frente da minha famí lia, se mostrará muito carinhosa. També m vai me respeitar. Fará tudo o que um grego espera de sua jovem esposa. — Quer dizer que devo representar, fingir que o amo? Se Lion pudesse imaginar que o amor que sentia por ele era a ú nica realidade em toda aquela encenaç ã o... — Isso mesmo. E vai representar tã o bem como representou hoje, no altar. Sou o chefe da famí lia, todas as responsabilidades e cargas sã o minhas. Segundo a tradiç ã o grega, tenho e mereç o o respeito de meus irmã os mais moç os e tenho o direito de esperar isto de você, minha esposa! Esposa... Uma pobre esposa, aceita pelas leis dele, mas nã o por seu coraç ã o. — Já tomou todas as providê ncias para viajar? Foi vacinada? Há cachorros selvagens nas colinas da Gré cia, que sã o usados pelos pastores para manter o rebanho junto, e a mordida de um pode ser muito perigosa. — E isto faria alguma diferenç a para você? — Naquelemomento, Fenny sentia que nada no mundo poderia ser pior ou mais doloroso do que o ó dio de Lion. — Claro que sim, sua tola. A hidrofobia é ainda mais desagradá vel do que um casamento sem amor, porque pode ser fatal. Entã o, já tomou as vacinas? — Já. — Mostre o braç o — ele ordenou. Fenny estremeceu com o contato dos dedos dele. — Tenho que ver pessoalmente. De uma esposa que mente nã o posso esperar outra coisa senã o que tente me enganar. E quanto ao passaporte e documentos? Está com eles, ou ficaram na casa de seu tio? — Está tudo na minha bolsa. Ele continuava segurando seu braç o com tanta forç a que machucava. Fenny nã o sabia como reagir. Nunca imaginou que um dia pudesse sentir tamanha atraç ã o por um homem daqueles. — Diga-me, por que foi que você decidiu visitar Creta? — Bem, eu... eu ouvi você dizer que é fascinante e, como ia entrar em fé rias, achei que seria o lugar ideal. — E é. Mas Petaloudes é ainda mais bonito. Tenho certeza de que vai gostar muito de lá. Tem penhascos vulcâ nicos à beira-mar. O castelo fica um pouco acima deles. Foi construí do na é poca em que os turcos ocupavam aquela parte da ilha, que agora pertence a mim. Mas você já deve saber disso. Nã o há dú vida de que sua prima contou tudo a meu respeito. Deve ter sido justamente nessa ocasiã o que começ ou a invejá -la. — Nã o! — Fenny balanç ou a cabeç a, desejando muito convencê -lo de sua sinceridade. — Nunca senti inveja das coisas de Penela e, muito menos, dela. Precisa acreditar em mim. O que aconteceu hoje foi... Oh, nã o sei explicar. Quando eu me vi na igreja, já era muito tarde para fazer alguma coisa, a nã o ser enfrentar tudo de cabeç a erguida e com sangue-frio. — Pois daqui para frente terá que enfrentar tudo o que acontecer. — Inclinou-se sobre Fenny, com as mã os em seu pescoç o e entã o a beijou. Ela sentiu-se perdida, como se estivesse sozinha numa floresta escura durante uma forte tempestade. — Você nã o beija tã o bem como sua prima. — Sua expressã o era tanto de zombaria quanto de surpresa. — Quetipo de mulher é você? Uma virgem muito inocente ou a vagabunda mais esperta do mundo? Seja qual for a verdade, vou fazer de você uma mulher de verdade, madura, controlada, fina e inteligente. Depois, como se sua fú ria aumentasse repentinamente, apertou o pescoç o dela com mais forç a, murmurando feroz: — Amor e ó dio sã o muito parecidos. E, pelo amor de Deus, você e eu vamos ter que manter uma fina corda esticada entre essas duas coisas. Acha que está preparada para isso? — Tenho que estar. Você nã o me dá outra escolha. — Nenhuma, minha pequena mentirosa. E nã o tenha ilusõ es, nã o vou deixá -la partir antes de me dar o que quero: um filho.
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