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CAPÍTULO V



 

O jardim da casa era maravilhoso e Í ris gostava de ficar andando à -toa quando podia dispor de algum tempo livre. Ela e Aleko tinham passeado de barco e agora o menino fingia que era um marinheiro, dormindo numa rede que o empregado tinha armado entre duas á rvores.

Í ris sorriu consigo mesma enquanto passeava pelos caminhos que davam voltas pelo jardim, subiam e desciam, de modo que o mar podia ser visto de quase todos os â ngulos. Aleko era um menino divertido e criativo e a cada dia que passava ela ficava mais ligada a ele. Sentiria muito quando tivessem que se separar, mas naquele momento tudo estava tranqü ilo e o verã o nã o ia terminar tã o cedo.

Passou por uma touceira de azalé ias, algumas cor de pê ssego, misturando-se com os tons mais escuros dos rododendros. Quase nã o tinham cheiro, ela percebeu, mas as cores compensavam. Abrigou-se embaixo dos galhos de um olmo enorme, que escondiam um pequeno mirante, onde à s vezes se sentava para ler. Na biblioteca da casa havia encontrado uma grande quantidade de livros, alguns tã o româ nticos que ela se divertia em levá -los para aquele lugar, para ler sobre essa emoç ã o que tinha sido excluí da de sua vida com tanto rigor.

Ela achava os livros curiosamente absorventes e percebeu logo que nã o pertenciam ao homem que tinha alugado a casa para passar o verã o. Eram da proprietá ria, uma viú va que saí a da Inglaterra todos os anos nessa é poca, para ficar com a filha em Florenç a. Uma mulher solitá ria, Í ris deduziu, que encontrava consolaç ã o colecionando obras de ficç ã o altamente imaginativas. Era só ficç ã o. Na vida real, ningué m se apaixonava tã o profundamente quanto as pessoas nos livros. Í ris os lia com um sentimento de culpa, pois nã o eram do tipo de livro aprovado pela madre superiora. Ela aconselharia Í ris a nã o acreditar em nenhuma palavra daquele exagero todo.

Í ris parou para admirar uma moita de margaridas amarelas e de campainhas azuis. Podia ouvir uma abelha zumbindo entre as flores, onde iria se cobrir de pó len e carregar o né ctar para sua colmé ia.

O amor é o mel da vida... As palavras danç avam em sua mente. Seu patrã o havia dito isso naquele dia no hotel, quando Colette entrara inesperadamente em suas vidas. Mesmo agora Í ris se sentia surpresa. Nã o imaginava que seu caminho pudesse cruzar novamente com o de Colette. Quando se separaram no convento, parecia inevitá vel que seguissem rumos diferentes: Colette para o mundo da moda, que sempre a atraiu, e Í ris presa num mundo onde nã o eram aprovados os enfeites do corpo.

Í ris estendeu a mã o para acariciar uma flor. As pé talas eram macias e ela ficou comovida com a perfeiç ã o das flores. Uma abelha enfiava o corpo numa flor, zumbindo, ocupada em se envolver no pó dourado. Í ris nã o podia imaginar como era ser modelo e desfilar para as freguesas, como Colette. Mas tinha visto que a francesa tinha se tornado uma mulher sofisticada, do tipo que Zonar Mavrakis achava atraente.

Ela era um dos manequins de um famosa loja parisiense que tinha aberto uma filial em Londres.

— Eu podia tirar fé rias, ché rie. — Ela passou as unhas brilhantes no maxilar anguloso de Zonar. — Achei que podia passá -las em seu hotel... como é elegante, mon ami, no alto de uma colina, como o Palá cio do Sol de Apolo!

Colette fitou os olhos dele e deu aquele sorriso malicioso de que Í ris lembrava tã o bem, muitas vezes lhe valera o perdã o enquanto Í ris acabava na cozinha com uma pilha de pratos para lavar.

Distraí da com o homem, Colette ainda nã o tinha visto Í ris, e quando a notou, por fim, os olhos oblí quos aguç ados pela surpresa, houve entre elas uma sensaç ã o de constrangimento e nã o o prazer de duas velhas amigas reencontrando-se.

— Que diabo você está fazendo aqui? — Colette exclamou, examinando Í ris para ver se nã o se enganara. — E por que está vestida assim? Você nã o entrou para o convento?

Se Í ris esperava a renovaç ã o da velha amizade, suas esperanç as foram por á gua abaixo. Percebeu imediatamente que ela e Colette sempre tinham vivido em mundos diferentes; sorriu, mas sentiu uma pontada no coraç ã o por ter que se desfazer de suas recordaç õ es.

As duas agora eram adultas e havia um brilho de desconfianç a nos olhos da francesa.

— Nã o me diga que você pô de sair do Santa Clara sozinha! Nã o é perigoso? Há muitos homens por aí! — Ela riu e virou-se um pouco para que o encanto de sua figura ficasse mais aparente ao homem que olhava com curiosidade para as duas moç as. — Ficamos nos conhecendo no Santa Clara — Colette explicou. — Í ris era sempre muito bem-comportada mas, por incrí vel que pareç a, era sempre repreendida. Eu costumava dizer-lhe que valia a pega ser mal-comportada porque o castigo por ser boa é sempre mais severo. Nã o via a hora de ir embora de lá! Tente me imaginar como freira!

Ela fez uma pose de manequim diante dele, sorrindo, mas Zonar levantou as sobrancelhas e chamou uma garç onete.

— Venha tomar chá conosco. Agora é regra aqui no Monarch que os sanduí ches sejam deliciosos, os bolos muito frescos e a mú sica do piano nunca seja moderna.

Colette mergulhou graciosamente numa poltrona, enquanto Í ris estava tensa em sua cadeira. Sentia-se uma intrusa, e havia alguma coisa indefiní vel na maneira como Colette a tratava, que a deixava com a sensaç ã o de ser uma empregada. Queria deixar Zonar sozinho com sua hó spede, mas Aleko estava dormindo profundamente perto da janela, sem saber que a moç a de Paris tinha se materializado ali no Monarch.

A brisa soprava no jardim trazendo o cheiro do mar. Í ris pô s a mã o nos cabelos curtos, onde os raios de sol produziam reflexos. Ela usava uma blusa aberta no pescoç o e uma saia marrom. Seus pé s estavam calç ados com sandá lias novas e suas pernas nuas estavam bronzeadas pelo sol. Do outro lado da baí a, o cé u começ ava a colorir-se. A longa linha de penhascos perdia-se na distâ ncia. Ela adorava a beleza e a melancolia do fim da tarde, a maneira como as gaivotas voavam e piavam nas pedras. Por um instante, sentiu-se tranqü ila, relaxada e livre da estranha tensã o que a dominava quando estava na casa.

Estremeceu quando ouviu o barulho de passos: Zonar se afastava. Virando-se, viu Colette, sozinha no jardim agreste, com um tailleur branco e uma blusa escarlate. O " C" de Chanel estava em sua bolsa e um lenç o de gaze, colocado com elegâ ncia, protegia o cabelo da brisa do mar. Seus lá bios brilhantes curvaram-se num sorriso quando examinou Í ris da cabeç a aos pé s.

— Nem parece que você ficou mais velha! Você nunca usa maquiagem para tirar o brilho do rosto?

— Nunca me ocorreu — Í ris admitiu. — Nã o sei me pintar e a madre superiora nã o iria aprovar.

— Como vai ela? Sempre fiz o que queria com ela, mas acho que, no meu caso, ela sabia que era perda de tempo tentar me reservar para coisas melhores.

— Ela vai muito bem. Você sempre foi a favorita dela. Você dava vida ao convento.

— É mesmo, ché rie. — Colette olhou em volta, franzindo as sobrancelhas bem-feitas. — Espero que aqui nã o haja mosquitos. Nã o quero ser picada... Eles nã o a perturbam, andando assim com os braç os e as pernas nuas? Sua pele é muito clara e é do tipo que eles picam.

— Uso um repelente. Quando vim aqui pela primeira vez, descobri que era propensa a ser picada e as picadas incomodavam e ficavam inchadas, por isso o kyrios sugeriu que eu comprasse um bom repelente, perto do porto. Graç as a Deus, funciona!

— O kyrios? — Os olhos oblí quos de Colette mostravam curiosidade. — Você está se referindo a Zonar? É assim que você o chama?

— Sim. — Í ris estava um pouco espantada com a quantidade de maquiagem que sua ex-colega de convento usava. No Santa Clara todas usavam o rosto lavado. — Significa " senhor", em grego. Afinal trabalho para ele e a palavra parece adequada.

— Sim, ele é muito autoritá rio. — Os olhos oblí quos ficaram mais estreitos e brilharam entre os cí lios escurecidos. — Você o acha sensacional, Í ris?

— O... o que você quer dizer com isso? — O coraç ã o de Í ris batia descontrolado.

— Ché rie, você nã o é tã o inocente assim! — Colette deu uma risada de desprezo. — Você sabe muito bem o que quero dizer. Você mora nesta casa e o vê sempre e deve ter percebido alguma coisa.

— O que, por exemplo?

— Energia, uma arrogâ ncia diabó lica....

— Ah, isso!

— Dieu! — Colette olhou para o cé u, fingindo desespero. — Sei que você pretende tomar o vé u, mas nã o me diga que pode viver na mesma casa com aquele grego e se sentir espiritual o tempo todo! Os olhos dele me deixam com as pernas bambas! Podia mergulhar neles e me afogar! Eu tinha que vê -lo de novo, e quando vi você com ele... por um instante pensei que estavam casados!

— Que absurdo! — Í ris recuou como se tivesse levado um soco, sem perceber que o atalho atrá s dela acabava na beira do penhasco. Sua figura esbelta delineava-se contra o cé u rosado e ela estava na defensiva.

— É claro que é absurdo! — Colette deu uma risada. — Mas ele pensa tanto no menino que podia muito bem ter se casado só por causa de Aleko, sem considerar seus pró prios sentimentos. Os gregos gostam muito dos filhos e fazem qualquer coisa por eles.

— Chegam até a se casar com algué m como eu para que eles tenham uma mã e? — A voz de Í ris estava fria. — Acho que o sr. Mavrakis nã o está precisando tanto assim de uma mulher... e eu me coloco no fim da lista de pretendentes.

— Eu també m a coloco, ché rie — Colette disse. — Você nã o é do tipo dele, mas foi porque estavam juntos. Por um momento passou por minha cabeç a que ele podia ter se casado com você... quero dizer, você nã o é do tipo que interfere na vida de um homem, ou que se impõ e a qualquer preç o. Aleko teria uma mã e, mas Zonar ainda seria emocionalmente livre para... — Colette interrompeu-se com uma risada significativa. — Você está me entendendo, nã o é?

— Você se refere a uma mulher apenas no nome — Í ris disse com serenidade. — Um casamento de conveniê ncia, acho que se chama assim.

— É assim mesmo que se chama. — Colette parecia surpresa por Í ris saber disto. — De certa maneira, nã o é muito diferente de entrar para o convento, pois a mulher continua virgem... É o que você sempre quis, nã o é?

— Nã o vou discutir esse assunto — Í ris respondeu. — Nem aquela outra bobagem. O sr. Mavrakis me empregou para tomar conta de Aleko por algumas semanas, por isso, Colette, nã o precisa se preocupar com a idé ia, por mais remota que seja, de que ele quer se casar comigo.

— E você perguntou-me? — Colette abriu a bolsa, tirando uma cigarreira de ouro. — Você nã o fuma, nã o é mesmo?

Í ris disse que nã o, olhando as unhas pintadas de Colette, enquanto a moç a pegava o isqueiro e inclinava a cabeç a para acender o cigarro. Quando ela soltou a fumaç a, seus olhos encontraram os de Í ris.

— Você sempre foi misteriosa... do tipo que sofre em silê ncio, hein? Mesmo que Zonar Mavrakis a tenha abalado, você preferiria ser queimada viva a ter que admitir isto. Costumava dizer, quando é ramos colegas, que eu nã o suportaria viver sem os braç os de um homem ao meu redor. Dieu, se há um paraí so na terra, está num par de braç os fortes, em lá bios que esmagam e queimam e dizem coisas loucas. Como é que você pode excluir de sua vida uma experiê ncia tã o emocionante? Você nã o sente curiosidade?

A brisa que soprava da baí a esfriou de repente e por um instante Í ris lembrou-se de Zonar Mavrakis, de como o vira numa manhã, voltando da praia, usando apenas calç as descoradas pelo sol, o cabelo molhado caí do na testa. Tinha ficado muito quieta, com a respiraç ã o presa, quando ele passou pelo bosque onde estava, mas sentiu intensamente a graç a de seus movimentos, o controle que ele mantinha sobre sua forç a fí sica. Como ele trazia apenas uma toalha, imaginou que tinha nadado nu e que seu corpo devia estar bronzeado por igual, da cabeç a aos pé s.

Como Colette tinha dito, nã o era possí vel viver na mesma casa que Zonar e nã o tomar conhecimento dele como homem, mas isto era segredo e nada a faria revelá -lo. Colette era a ú ltima pessoa no mundo que seria sua confidente, já nã o eram mais colegas e a francesa estava apaixonada por ele.

— Você nã o precisa quebrar a cabeç a tentando me decifrar — Í ris disse com voz despreocupada. — Você e eu sempre fomos os opostos.

— E os opostos se atraem, pelo menos é o que dizem. — Colette soltou a fumaç a por entre os lá bios pintados, mas o brilho penetrante ainda estava em seus olhos esverdeados. — Você tem vivido como uma freira e, apesar de Zonar estar viú vo há nove anos, ele nã o tem vivido como um monge. A situaç ã o é excitante, nã o é? Está entendendo minha curiosidade?

— Você sempre foi curiosa — Í ris concordou. — Posso imaginar sua surpresa ao me encontrar com o homem que conheceu em Paris...

— Paris — Colette suspirou. — Nã o há cidade no mundo mais româ ntica, e ele me levou para danç ar e depois para casa, quando o dia já estava amanhecendo e o cé u se refletia no Sena. Achei que Zonar sentia alguma coisa por mim, mas ele é desconfiado como um tigre que teme uma armadilha. — Colette soprou a fumaç a em Í ris, sorrindo. — Ele é o tipo de homem que procuro. Os irmã os Mavrakis formam um trio formidá vel e foi com a mulher de Demi Mavrakis que obtive a informaç ã o que me trouxe aqui... Ela é muito elegante e gasta rios de dinheiro em roupas. — Colette examinou seus pró prios sapatos, sua meia fina, a caí da de sua saia. — Lá no costureiro ela é tratada como uma princesa. Ela é chique, mas nã o é nenhuma beleza. Vestida com as roupas que ela pode pagar, eu a ofuscaria com toda a facilidade. Ela tem aquele tom moreno que é tã o atraente num homem, mas que nã o fica bem numa mulher.

— Ouvi dizer que a mulher do irmã o mais velho é muito bonita — disse Í ris, com um pouco de maldade.

— É mesmo? — Colette sacudiu os ombros. — Se ele tem mais que quarenta anos, ela deve ser mais ou menos da mesma idade.

— Ela é muito mais moç a e é loira.

— Zonar fala da famí lia com você... uma governanta?

— Ele contou que a mulher de Lion é inglesa.

— E quando é que você s tê m essas conversas domé sticas?

— Geralmente depois que Aleko vai para a cama.

— Que í ntimo! — Colette olhou para Í ris, cuja silhueta se destacava no crepú sculo, perto da beira do penhasco.

O cé u parecia um pedaç o de cetim vermelho, com fiapos de ouro. Í ris parecia fazer parte do cená rio, entre as sombras que se alongavam e as folhas que tremulavam.

— Assim você ganha o dia, à espera, de que ele chegue em casa para ficarem sozinhos... E nã o me diga que você fica sentada como uma freira enquanto ele a fita com aqueles olhos negros e lhe fala naquela voz grave... E talvez até toque em você!

— Nã o deixo que ele me toque!

— Ele nã o pediria sua permissã o, ché rie. Os irmã os Mavrakis gostam de tomar. Dizem que depois de arder por causa de uma paixã o grega, uma mulher nunca mais se sente aquecida nos braç os de outro homem qualquer. — Colette deu um passo para a frente.

— O que está acontecendo realmente? Alguma coisa que a madre superiora preferiria nã o ouvir?

O mar estava iluminado pelo sol que se punha e agora uma sombra violeta enchia de melancolia o jardim no alto do penhasco. Uma brisa soprava por entre as á rvores e o perfume das flores parecia muito mais forte.

Í ris sentiu-se ameaç ada... Era absurdo ficar tã o nervosa por causa de algué m que tinha sido sua amiga, mas parecia que Colette queria arrancar-lhe os olhos. Instintivamente deu um passo para trá s, e no momento seguinte estava caindo e procurando desesperadamente alguma coisa para agarrar, qualquer coisa que a impedisse de mergulhar no escuro até o lugar em que o mar batia nas pedras!

A pele de suas mã os ardia e seus ossos pareciam fora do lugar quando ela conseguiu agarrar o galho de um arbusto que se projetava do penhasco. Todos os seus nervos vibraram quando parou de rolar e ficou pendurada, segurando-se desesperadamente no galho com as mã os feridas.

— Meu Deus! — conseguiu falar, enquanto o coraç ã o batia de medo e de susto. — Ajude-me!

Seus pé s procuraram um apoio, arranhando-se na superfí cie á spera da escarpa. Se ela nã o descarregasse o peso em outro lugar, o galho iria soltar-se da pedra onde tinha nascido e ela se arrebentaria nas pedras como um ovo caí do de um ninho. Seu corpo cobriu-se de suor frio... Colette demoraria muito para trazer socorro? Os ligamentos de seus braç os estavam ardendo demais e, na tentativa de encontrar um ponto de apoio, estava quase quebrando os dedos dos pé s.

O tempo parecia ter parado, mas, retorcendo o corpo, conseguiu apoiar os pé s numa saliê ncia, aliviando um pouco a dor nos braç os e no pescoç o. Poré m, sentia que suas forç as estavam sumindo gradualmente e que nã o ia agü entar muito mais.

Ouvia o mar batendo embaixo, quebrando-se raivoso nas pedras, na escuridã o.

Santa Mã e de Deus... — ela murmurou, tentando nã o pensar no que aconteceria se caí sse. Um tremor percorreu seu corpo e ela se agarrou mais desesperadamente ao arbusto, que a qualquer momento podia se desprender do penhasco.

— Í ris! — A voz alta e autoritá ria atravessou a escuridã o. — Segure firme, menina, que vou salvá -la!

Em cima havia o som de outras vozes e de repente a luz de uma lanterna começ ou a iluminar a encosta do penhasco, mostrando-a suspensa como um passarinho numa arapuca, com o coraç ã o batendo com toda a forç a, enquanto esperava ser salva.

Uma escada de corda foi jogada e algué m desceu até o lugar onde ela estava. Um braç o forte a segurou com firmeza e uma voz insistente a acalmou:

— Já peguei você! Vamos, nã o precisa mais ter medo!

Suas mã os estavam segurando no galho do arbusto com tanta forç a que doeram quando se abriram. Ela ainda podia cair, mas Zonar Mavrakis a segurava e eles foram puxados juntos até a beira do penhasco. Í ris percebeu confusamente que havia gente em seu redor, que era envolvida num cobertor, que lhe davam um gole de conhaque e, por fim, sentiu o contato só lido do chã o sob suas pernas trê mulas e seus pé s feridos.

— Pelos deuses! — Zonar estava em pé a seu lado, os olhos brilhando na luz das lanternas. — Algué m lá em cima gosta de você!

Ela o olhou, abalada demais para falar. Seus olhos pareciam enormes no rosto pá lido e, embora ela quisesse agradecer-lhe por tê -la salvo, as palavras nã o saí am de sua boca. Era como se sua mente e seus sentidos ainda nã o pudessem acreditar que estava salva. De repente lhe ocorreu que tinha escapado da morte por pouco e lá grimas encheram seus olhos. Com uma exclamaç ã o em grego, seu patrã o carregou-a e, no momento seguinte, estava atravessando o jardim da casa com ela nos braç os. Cansada e dolorida, Í ris percebeu vagamente que algué m o chamou, seguindo-os depois até a casa.

Ele subiu a escada com ela, atravessou o quarto e entrou no banheiro, onde o vapor estava subindo da banheira e uma empregada esperava. Ele ficou parado por um momento, carregando-a e olhando para o rosto molhado de lá grimas.

— Como foi que aquilo aconteceu? — ele quis saber.

— Aconteceu... por acaso. — Ela se sentia indefesa, presa por aqueles olhos escuros e pelos braç os fortes. Ele parecia irritado, mas preocupado, e os mú sculos de seu estô mago contraí ram-se.

— Supõ e-se que você seja a governanta eficiente de meu filho e você faz uma coisa tã o idiota como cair do penhasco! Ele a examinou intensamente. — E se Aleko estivesse com você?

A preocupaç ã o dele estava agora explicada, por isso ela abaixou os olhos sem dizer nenhuma palavra.

— Bobinha, seja mais cuidadosa de agora em diante.

Ele a pô s de pé, dizendo à empregada que cuidasse dela, o jantar seria servido na cama. Na porta, ele tornou a olhá -la, com as sombrancelhas contraí das. Zonar estava em mangas de camisa, sem gravata nem paletó, e parecia muito moreno e grande em contraste com as cores claras do banheiro.

— Você está muito machucada? — ele quis saber.

— Nã o é nada sé rio — ela respondeu. Havia uma dor estranha na regiã o das costelas, ela nã o podia tocar nisto, porque nã o parecia relacionada com a queda. — Logo vou ficar boa... e muito obrigada pelo que o senhor fez.

— Agradeç a a Colette — disse ele, um tanto bruscamente. Ouvindo seu nome, a francesa veio para junto dele e ali ficou, olhando para Í ris.

— Fiquei petrificada, ché rie. — Seus dedos prenderam-se no braç o de Zonar, logo abaixo do lugar onde a manga estava enrolada, suas unhas como manchas de fogo contra a pele morena. — Tinha certeza de que você tinha morrido.

— Algué m gosta dela — Zonar resmungou. — Vamos, ela precisa aliviar a dor do corpo.

Depois que eles se afastaram, com Colette falando animadamente, Í ris submeteu-se à s atenç õ es da empregada. Depois que entrou na banheira, contudo, quis ficar sozinha.

— Vou entã o cuidar de seu jantar, senhorita. — A moç a examinou a blusa e a saia de Í ris que estavam rasgadas e sujas. — Posso mandar lavar a saia, senhorita, mas olhe só a blusa, está toda rasgada.

— Mande lavar a saia, mas nã o se incomode com a blusa. — Í ris relaxou o corpo na á gua morna, cheia de espuma, e encostou a cabeç a, sentindo-se muito melhor.

— Deve ter sido horrí vel, senhorita. — Havia pâ nico na voz da moç a. — Como num filme... com o sr. Mavrakis descendo daquele jeito para salvá -la! A senhorita deve ter ficado apavorada!

— Fiquei mesmo. — Um pequeno sorriso insinuou-se nos lá bios de Í ris. — Ouvia o mar batendo embaixo e meus braç os doí am como se estivessem saindo das articulaç õ es. Ainda estou tremendo por dentro. Nã o sei se vou conseguir comer alguma coisa, sim.

— Se fosse a senhorita, pelo menos tentaria. Temos costelas de carneiro com batatas assadas, depois pê ras com creme. Acho que a senhorita vai conseguir comer alguma coisa.

— Espero que sim. — Í ris suspirou, mexendo os dedos machucados na á gua.

A porta do banheiro fechou-se atrá s da moç a e foi um alí vio para Í ris ficar sozinha para poder aliviar na á gua a dor de seu corpo e o resto de terror. Começ ou a pensar no acidente, ocorrendo-lhe que Colette devia ter visto que ela estava perto da beira do penhasco e que nã o a avisara, como qualquer pessoa teria feito. Ela nã o tinha dito: " Tome cuidado, senã o você vai cair".

Í ris enfrentou a verdade, embora parecesse absurda. Colette a considerava uma rival na afeiç ã o de Zonar Mavrakis e o fato dele ter descido o penhasco para salvá -la atiç ava o ciú me que ardia no coraç ã o da francesa. Como esta era muito egoí sta, nã o lhe ocorreu que Zonar sempre cuidaria de tudo, se houvesse uma crise, e que enfrentaria pessoalmente qualquer perigo. Ele nã o tinha arriscado o pescoç o porque a governanta do filho era algué m especial. Ele a chamara de bobinha e nã o havia muita simpatia em sua voz quando lhe perguntou se estava ferida.

Í ris jogou á gua nos braç os, imaginando como estariam doendo na manhã seguinte. E, embora se esforç asse, nã o conseguia esquecer da sensaç ã o de estar pendurada no abismo, agarrando-se num arbusto. Quando Zonar desceu, ela estava se sentindo cada vez mais fraca. Quando já nã o agü entava mais, ele a envolveu com seus braç os musculosos, cuidando dela e injetando-lhe energia

Agora ela estava esgotada, mas estava viva. Apesar das dores e das equimoses em sua pele clara, estava inteira... Seria preciso informar a madre superiora do acontecido? Se fizesse isso, talvez ela a mandasse voltar imediatamente para o Santa Clara. Mas quando Í ris reparou no conforto do banheiro, percebeu que nã o queria retornar ao convento antes da hora.

Mordeu os lá bios, sentindo-se culpada pois parecia pecado admitir para si mesma que gostava de tomar banho naquela banheira funda sem estar metida na camisola de algodã o que as alunas eram obrigadas a usar quando tomavam banho no Santa Clara. Nã o havia espelhos nas paredes, nem canos aquecidos com toalhas felpudas, brancas e envolventes, tapetes no chã o, barras grossa de sabonete perfumado e potes cheios de sais de banho. Muitas vezes ela teve que usar a á gua morna depois que uma das alunas que pagavam tinha tomado banho na pequena banheira branca, e a toalha estava ú mida porque já tinha sido usada antes.

Í ris tentou nã o fazer essas comparaç õ es, mas elas pareciam invadir sua mente antes que pudesse expulsá -las. Mesmo mergulhada na á gua perfumada, ela podia se ver num dos espelhos da parede: a palidez de seus ombros, os ané is de cabelo ú midos no pescoç o, o espanto que havia em seus olhos.

Tinha chegado em Tormont com toda a sua inocê ncia, mas agora se perguntava se voltaria para o convento com o mesmo estado de espí rito. Já nã o podia ignorar o fato de que seu patrã o tinha uma forç a e um fascí nio que ela jamais imaginaria, fechada atrá s dos muros de pedra, entre um grupo de religiosas que tinham rejeitado a companhia dos homens. Apenas uma hora atrá s, ela tinha ficado presa de encontro ao corpo forte e tinha sentido o movimento dos mú sculos, quando ele subiu o penhasco carregando-a, tocando nela.

Levantou a mã o até o peito e seus lá bios se abriram num apelo silencioso: ela viu como era vulnerá vel e o sinal de alarme que havia em seus olhos...

A porta se abriu de repente e Aleko entrou. Desacostumada a trancar portas no convento, onde isso era proibido, Í ris nunca tinha tido essa idé ia naquela casa. Ao ver o menino, ela se assustou, apertando a esponja contra o corpo.

— Aleko, você nã o pode entrar aqui!

— Por que nã o? — ele argumentou. — Eu entro quando papai está tomando banho.

— E diferente. Ele é seu pai. Eu...

— Sua pele é tã o branca... — Ele andava ao lado da banheira olhando-a com curiosidade. — Papai é muito moreno e tem pê los pretos no peito e nos braç os. Você nã o tem pê los nos braç os, mas o que sã o essas manchas escuras? Louise me contou que você caiu do penhasco e papai teve que ir buscá -la. E verdade?

— Sim, mas agora tudo acabou. Agora, por favor, saia do banheiro, Aleko. Tenho que me vestir. — Ela tinha se esquecido que seu patrã o mandara que ela fosse para a cama assim que saí sse do banho.

— Nã o me incomodo de ficar. — Ele sentou-se num banquinho e ficou olhando para ela com aqueles olhos escuros que pareciam tanto com os do pai, muito gregos e ligeiramente oblí quos, com cí lios espessos que pareciam pesar nas pá lpebras.

— Nã o quero que você fique — ela disse, indignada. — Todo mundo tem direito a ficar só quando toma banho, por isso levante-se desse banco e saia daqui imediatamente!

— Entã o eu a deixo envergonhada? — ele perguntou. — Sei que as meninas sã o diferentes dos meninos, por isso nã o se preocupe.

— Chega! — Por um momento ela ficou sem fala, mas depois seu senso de humor dominou seu pudor e ela começ ou a rir. — Vá embora, pestinha! Você nã o devia estar aqui...

Ela se interrompeu entã o, porque algué m tinha posto a cabeç a na porta. E desta vez os olhos nã o eram infantis.

— Entã o você estava aqui, homenzinho! Você nã o tem nada que ficar vendo a srta. Ardath tomar banho!

Í ris se afundou na á gua o mais que pô de.

— Você s, gregos! Pensei que tivessem um pouco mais de respeito!

— Temos, garota! — Mas enquanto dizia isto, ele entrou no banheiro para tirar o filho, que estava se divertindo muito, e colocá -lo no ombro. Ele estava vestido com um terno preto, a camisa era de seda cinza e a gravata, num tom de cinza mais escuro, estava muito bem colocada. Zonar parecia pronto para uma noitada na cidade.

— Você está menos pá lida agora.

Ela sabia que seu rosto estava vermelho, por causa do sangue que se agitava em suas veias... Ele tinha que perceber que aquela era a primeira vez que um homem a via no banho e, como as bolhas estavam começ ando a evaporar, ele nã o podia deixar de ver a forma de seu corpo na á gua.

— A á gua está esfriando — ela disse, desesperada. — Quero... quero sair, por isso o senhor nã o se incomodaria de ir embora e... e de levar seu filho junto?

— Sim, acho que é melhor irmos embora, meu filho, antes que sua governanta se afogue, na á gua ou na confusã o.

Dando risada, Zonar tirou o filho do banheiro e Í ris procurou sair da banheira o mais depressa que pô de, apesar da dor que sentia no corpo. Pegou uma das toalhas enormes e se enrolou com o rosto ardendo e as pupilas dilatadas.

Enxugou-se rapidamente, mas, quando olhou em volta à procura de alguma coisa para vestir, percebeu que a empregada tinha levado suas roupas embora e se esquecido de trazer o roupã o do quarto. Respirando fundo, Í ris enrolou-se na toalha e entrou no quarto: um suspiro de alí vio saiu de seus lá bios ao constatar que estava vazio. Seu roupã o estava numa das cadeiras do quarto e ela já ia pegá -lo quando Zonar Mavrakis abriu a porta outra vez sem bater.

Ele estava sozinho e nã o sorria. Fechou a porta com determinaç ã o e veio na direç ã o de Í ris. Um tremor percorreu o corpo dela, pois os olhos de Zonar examinavam seus ombros e seus braç os nus.

— Faç a o favor de nã o me olhar como se eu fosse violentá -la!

— O... o que é que o senhor quer?

— Quero ver quanto você se machucou. Aleko me disse que havia manchas escuras em sua pele, provavelmente mais perceptí veis porque sua pele é muito branca e o menino está acostumado a ver meu couro duro.

Tã o abruptamente quanto falou, Zonar estendeu a mã o e afastou a toalha da parte superior do braç o dela. Ele a examinou atentamente e ela se retraiu, intimidada, quando ele acompanhou, com a ponta do dedo, a equimose na parte de cima do braç o esquerdo, onde ela tinha batido de encontro ao penhasco, enquanto procurava se agarrar ao arbusto. Zonar prendeu a respiraç ã o.

— Há outros machucados assim? Vamos, você nã o precisa ficar envergonhada!

Mas ela estava terrivelmente constrangida, quando ele a tocou, um formigamento percorreu seu corpo e suas pernas ficaram moles.

— Por favor, vã o desaparecer num dia ou dois.

— Mostre-me — ele insistiu. — Você sabe que posso obrigá -la, se for preciso.

— Há... há uma ou duas manchas nas pernas.

— E onde mais?

— Tinha que acontecer isto. Por favor, nã o é nada demais. Tenho sorte em estar viva.

— É claro — ele concordou. — Mas se você estiver muito arranhada, precisa se tratar para que os ferimentos nã o infeccionem. Insisto em ver, para que eu possa julgar.

— Nã o... — Í ris recuou, sem se lembrar que ele estava segurando uma ponta da toalha e que seu movimento a tiraria do lugar. Foi o que aconteceu: a toalha caiu e, para sua humilhaç ã o ficou despida da cabeç a aos pé s, sem ter como se esconder do olhar impiedoso de Zonar.

— Pelos deuses! — ele murmurou. — Como você se machucou naquele penhasco! E nã o ia dizer nada. Ia sofrer em silê ncio!

— Nã o... Por favor, nã o olhe para mim! — Ela pegou o roupã o, tremendo enquanto tentava colocá -lo. Depois, com o rosto em fogo, deu um nó firme no cinto.

— Sua bobinha!

— É claro! — Ela afastou o cabelo da testa. — Quando o senhor foi ao Santa Clara para contratar uma governanta, Colette já tinha ido embora!

— Por que você está falando de Colette? — ele perguntou com ironia.

— Pela simples razã o de que ela nã o seria boba de cair do penhasco. Ela acredita no instinto de conservaç ã o.

— Como a maioria das pessoas... E nã o há necessidade alguma de dar outro nó no cinto do roupã o. Já entendi a mensagem. —

Havia um riso caç oí sta no rosto de Zonar. — Você nã o deve se envergonhar de seu corpo.

— Nã o me envergonho — ela negou, mas fixou o olhar na gravata dele, tinha que evitar aqueles olhos escuros que a tinham visto como ningué m a vira antes, pelo menos desde que era uma crianç a tã o pequena que precisava de algué m para lhe dar banho. Sua pele nua parecia visí vel atravé s do tecido do roupã o e ela estava angustiada como se quisesse chorar, mas nã o na frente dele.

— Vai ser preciso aplicar um anti-sé ptico nesses machucados. Você aplica sozinha?

— Sim.

— Sim — ele caç oou. — Ia sugerir que Louise, a empregada, fizesse isso, caso você chegasse à conclusã o de que eu é que queria fazer. Tenho um vidro de remé dio no armá rio do meu quarto para pô r em Aleko quando ele cai, por isso vou buscá -lo, mas sugiro que, enquanto isto, você se sente, antes que desmaie. Você está tremendo tanto que estou vendo daqui!

Ele saiu do quarto e ela teve vontade de correr para trancar a porta, mas nã o teve forç as nem coragem. As conseqü ê ncias do acidente estavam chegando e ela caiu numa cadeira, muito fraca, e pô s a cabeç a sobre os joelhos. Depois agarrou-se aos braç os da cadeira, pois o quarto parecia girar... Oh, Deus, ela nã o se sentia tã o mal desde que a epidemia de gripe tinha tomado conta do convento e ela a contraí ra enquanto cuidava de algumas crianç as doentes.

Sentia uma fraqueza profunda quando Zonar voltou, por isso nã o teve forç as para resistir quando ele a envolveu com um braç o e pô s um copo entre seus lá bios. Ela sentiu gosto de á lcool, mas acabou tomando. Depois, respirou profundamente e a fraqueza começ ou a passar.

— Você está se sentindo melhor?

Ela o olhou nos olhos, mas ele nã o estava caç oando e sim mostrando tal interesse que quase lhe provocou uma nova vertigem.

— Eu... tudo começ ou a girar, mas agora estou bem, obrigada.

— Outras mulheres teriam um ataque de histeria... Vamos, tome mais um pouco de uí sque, vai fazer bem para você. Você demonstrou muita coragem, suspensa sobre aquelas pedras afiadas como navalhas. Você poderia ter ficado em pedaç os, sabia?

Ela estremeceu, lembrando-se do barulho do mar quebrando nas pedras.

— Nã o faz mal nenhum para uma mulher exprimir suas emoç õ es. — Ele sentou-se na cama. — Você se controla a todo custo, nã o é mesmo? Você detestaria ser pega sem suas defesas para protegê -la. Colette teria gritado feito uma louca.

— Nã o sou Colette — ela murmurou, olhando-o com ar sombrio. — Ela nunca se preocupou em aprender a se controlar.

— Há momentos em que o controle deve ir para o inferno. — Ele estalou os dedos expressivamente. — Você reprimiu seus sentimentos e eles se desforraram em você, que quase desmaiou agora mesmo. O quarto parou de girar?

Í ris olhou para ele, surpresa: como é que ele sabia, um homem tã o grande, tã o forte e tã o seguro, que ela estava quase desmaiando? Ela fez que sim com a cabeç a.

— Nã o me olhe assim. — Ele engoliu o resto do uí sque. — Costumava acontecer com minha mulher quando ela ficou grá vida de Aleko. Sei tudo sobre as mulheres, srta. Ardath, embora possa dizer que nenhum homem consegue compreendê -las perfeitamente. O que uma moç a de dezoito anos pretende obter com o ê xtase religioso?

Í ris virou a cabeç a, consciente demais da masculinidade dele ali em sua cama, para ter certeza de alguma coisa.

— Olhe-me! — As mã os dele seguraram em seu pescoç o, e ele inclinou-se, prendendo seus olhos. — Preciso provar que você tem alguma coisa em comum com Colette?

— Sei... sei que todos temos o instinto animal. — A pressã o dos dedos dele em seu pescoç o a prevenia de que Zonar podia dominar seu corpo com toda a facilidade... Só com essa idé ia seu coraç ã o acelerou.

— Todos nó s temos necessidade de algué m que nos acaricie por inteiro, cada centí metro da pele que cobre a jaula na qual, em ú ltima aná lise, estamos sozinhos. Nã o podemos nos amar verdadeiramente se outra pessoa nã o nos ama, com um enlevo que você nunca encontrará na capela fria, entre imagens de santos e de anjos. O incenso nã o subirá à sua cabeç a como o vinho da paixã o.

Enquanto falava, ele acariciou a pele de seu pescoç o e ela imediatamente teve consciê ncia de como era fina a barreira do tecido de seu roupã o. Um resto de fraqueza a dominou.

— Por favor... nã o! — Ela nã o sabia o que estava dizendo.

— Mas é uma contradiç ã o. — A respiraç ã o dele aqueceu seu rosto, quando ele a puxou para mais perto, e seu corpo enrijeceu quando ele a envolveu com os braç os. O choque a silenciou quando ele se aproximou de seus lá bios, beijando-os enquanto ela os abria para protestar... para pedir...

Inacreditavelmente, ele a beijou... as bocas unidas e a pressã o do maxilar rijo, o movimento dos lá bios dele e o ruí do de sua respiraç ã o. A intimidade daquilo tudo era incrí vel para ela. Ele nã o tinha o direito de estar agindo daquela maneira e, com um movimento convulso, Í ris tentou se livrar do abraç o.

Como se sua resistê ncia aumentasse a selvageria que havia nele, o grego tirou-a da cadeira e colocou-a na cama, deitando em cima do corpo que resistia. Zonar riu dos esforç os que ela fazia para livrar-se dele.

— É a freirinha que está lutando comigo? — ele murmurou. — Ou a mulher que tem medo do que poderia descobrir sobre si mesma?

Ela examinou o rosto dele mais moreno e mais diabó lico do que nunca.

— Por que o senhor nã o pode me deixar em paz? — ela arquejou. — Por que me atormenta tanto?

— Você sabe por quê — ele disse com voz ofegante. — Você desperta o demô nio que há em mim, e você percebeu isto naquela primeira vez no convento, quando entrou e me olhou como se Lú cifer estivesse entrando em sua vidinha tã o segura. Percebi exatamente o que se passava por trá s desses seus olhos... Você quis pedir para a madre superiora para deixá -la ficar lá, fora das garras de um homem como eu. — Ele riu, mantendo-a presa com o corpo. — Você achou que as portas do convento tinham sido abertas para dar entrada ao diabo, nã o foi?

— Sim! — Í ris o desafiou com os olhos. — Achei que o senhor era a pessoa mais arrogante que já tinha visto. Pude ver o que as mulheres significavam para o senhor. O senhor acha que pode fazer o que quiser com elas, mas eu nã o sou assim!

— Posso tê -la neste mesmo instante — ele caç oou. — Você nã o escaparia!

Í ris arregalou os olhos ao notar a crueldade que havia no rosto dele. Zonar tinha forç a para fazer o que quisesse com ela, e Í ris estava apavorada com a idé ia de que isto fosse para ela mais um prazer do que um pecado.

— O senhor nã o teria minha alma — ela murmurou, com voz entrecortada.

— Tocaria em você e isto me basta. — Ele deslizou a mã o pelo pescoç o dela, até a curva do ombro. — Sua pele é muito quente, mas você está tremendo.

— O senhor está sendo tã o odioso! O senhor nã o tem o direito de me fazer pecar!

— Teria que forç á -la muito? — Ele abaixou o rosto, até que seus lá bios tocaram o pescoç o dela. — Vamos, ceda a seus sentimentos. Nã o lute contra o instinto natural, menina.

— Eu o desprezo... — Ela se contorcia, tentando fugir daquele beijo.

— Porque sei que você está gostando? — Ele mordeu os ló bulos de suas orelhas. — Uma moç a com a pele tã o macia e sensí vel como a sua tem que gostar de ser acariciada.

— Preferia ter caí do daquele penhasco a deixar que o senhor me toque! — As palavras eram sua ú nica arma contra a languidez que a invadia, que era mais assustadora do que a forç a dele. — O senhor acha que lhe devo meu corpo porque o salvou?

A mã o dele, que acariciava seu ombro, parou e Zonar se afastou de repente. Seu rosto e sua voz endureceram.

— Nã o admito que ningué m me fale assim. Ainda sou seu patrã o, nã o se esqueç a!

— O senhor é que está se esquecendo! — Í ris arrumou o roupã o com ar de dignidade ofendida.

— Você nã o ficará grá vida só com um beijo — disse ele, com insolê ncia. — No caso de você nã o saber.

Ela afastou os olhos, com o rosto em fogo.

— Mas é o que leva a isso.

— O que foi que você disse? — Ele inclinou-se zombeteiramente. — Nã o entendi direito, srta. Ardath.

Ela estava com a cabeç a abaixada, sentindo-se mais solitá ria do que nunca.

— Sou uma ó rfã, sr. Mavrakis. Isto responde à sua pergunta?

Como Zonar nã o respondesse, ela se sentiu compelida a olhar para ele. Sua expressã o estava curiosamente severa.

— Foi por isso que você resolveu morrer virgem?

— Nã o considero isso a coisa mais horrí vel que pode me acontecer.

— Nã o mesmo? O grego acredita que a mulher foi feita para reproduzir, como uma oliveira, e nã o há visã o mais bonita do que oliveiras carregadas de frutos, nem mais triste do que quando estã o cheias de nó s e suas folhas balanç am ao vento como papel seco.

— Os gregos sempre falam por metá foras? — Í ris lutou para nã o pensar nas freiras mais velhas do Santa Clara, com seus dedos retorcidos e suas espinhas curvas devido aos anos que passaram trabalhando na terra ou ao lado de doentes. Colocavam suas vidas a serviç o do pró ximo, sem nenhuma recompensa, e Í ris as respeitava, mas muitas vezes ficava pasmada com seu esforç o. Elas aceitavam o trabalho e o sofrimento como se fossem uma cruz onde pregavam seus sonhos secretos e seus desejos inconfessados.

Í ris sabia que Zonar Mavrakis a forç ava a encarar os sofrimentos que teria que suportar, caso enfiasse os pregos mí sticos em seus sonhos ou desejos.

— Nó s, os gregos, somos realistas. E també m, de certa maneira, somos româ nticos, pois a Gré cia é uma terra de contrastes. Na ilha de meu irmã o há um milhã o de borboletas... Você sabe que elas sã o cegas e voam guiadas somente pelo olfato?

Ela sacudiu a cabeç a, bastante confusa, pois ele nunca lhe falara assim, nem ela tinha visto aquela expressã o em seus olhos, que suavizava suas feiç õ es.

— O amor é cego em muitos sentidos — ele murmurou. — Ele vem do fundo de nó s mesmos, uma chama que procura o ar para poder arder. — Seus olhos a examinaram de novo. — E se essa chama nascer dentro de você? Nã o é fá cil apagar o fogo depois que ele é ateado. E ele pode tomar conta de você...

— Farei tudo o que puder para evitar que essa chama apareç a — disse ela com determinaç ã o.

— É mesmo? — Ele deu uma risada. — E se o mal já estiver feito e dentro de você a chama já estiver ardendo e à procura de uma saí da? Estas coisas acontecem rapidamente e costumam nos pegar desprevenidos.

— Para que isto acontecesse, senhor, precisaria encontrar um homem... — ela interrompeu-se de repente, pois diante dela estava um homem, com toda a forç a que faz o homem diferente da mulher, tã o misterioso, exigente e perigoso.

— Pensei que ficar corada já tivesse saí do de moda — ele murmurou. — Por acaso sou um rato, senhorita?

— É muito mais um tigre! — As palavras saí ram antes que ela pudesse impedir, mas de certa maneira eram verdade.

Ele tinha a agilidade, a harmonia e a crueldade do tigre, ele andava como um tigre... agarrava sua presa com a mesma seguranç a, deixando també m sua marca.

— Você me lisonjeia — ele murmurou. — A menos, é claro, que você tenha em mente apenas o lado devorador de mulheres do tigre.

— Que outro lado mais teria em mente?

— Touché. — Ele deu uma risada. — Você tem uma resposta pronta demais para uma moç a criada num convento.

— O senhor me diz coisas terrí veis.

— Acho que sim — ele concordou. — É você quem provoca, ou, devo dizer, que as incita? Você está fugindo do sentido da vida.

— Por que o senhor se incomoda com isso? — Ela o examinou, mas o rosto moreno nã o revelava seus pensamentos, ele os ocultava com eficiê ncia grega.

— Por quê? — Os olhos dele ficaram sombrios. — Porque já vi a vida de uma jovem sendo desperdiç ada, só que nã o havia maneira de impedir que isto acontecesse. Vi a luz fugir de um par de olhos encantadores e senti o gosto de sangue nos lá bios que beijei pela ú ltima vez.

— Desculpe... foi muito triste para o senhor e uma grande perda para Aleko.

— Você gosta de Aleko, nã o é mesmo?

— Gosto muito.

— Mesmo sendo parecido comigo?

— Ele é ainda crianç a.

— E por isso nã o oferece perigo, hein?

Ela ficou em silê ncio, pois admitir para Zonar que ele oferecia perigo era o mesmo que admiti-lo para si mesma. Um pequeno suspiro de alí vio escapou de seus lá bios quando Louise entrou no quarto trazendo o jantar, sem saber que o dono da casa estava lá em pé junto da cama, onde Í ris estava encolhida. Ela hesitou já dentro do quarto.

— Oh... pensei que a senhorita estivesse sozinha... — A moç a olhou-o com curiosidade.

— Trouxe um anti-sé ptico. — Ele mostrou o vidro que tinha colocado no criado-mudo. — Providencie para que ela passe o remé dio nos machucados, ajuda a cicatrizar mais depressa.

Ao dizer isto, ele olhou para Í ris e, por um momento, um sorriso irô nico brincou em seus lá bios.

— Jante bem, srta. Ardath, e nã o tenha nenhum pesadelo sobre o que lhe aconteceu. Procure esquecer tudo.

— Farei forç a, senhor.

Ele olhou para o reló gio.

— Preciso ir embora. Recebi alguns ingressos para o novo show do Pavilion Theatre e vou levar a srta. Morei. Descobri que ela gosta de musicais.

— Tenha uma boa-noite, senhor.

— É o que pretendo. Vou pô r Aleko na cama e lhe direi para nã o amolá -la mais esta noite. Addio.

Quando passou por Louise, ele parou e levantou as tampas dos pratos que estavam na bandeja.

— As costeletas de carneiro parecem deliciosas. Quero que nossa doente coma tudo, Louise. — Depois ele foi embora e a empregada deu uma risada nervosa.

— Ele é tã o atencioso... — disse a empregada ao fechar a porta. — Imagine ele pensar no remé dio!

— Sim... — Í ris estava confusa. — Ele pode ser delicado quando quer...

 



  

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