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CAPÍTULO IV



 

A manhã estava fresca e o mar azul brilhava no sopé das colinas. Os iates já tinham saí do para a baí a e as pedras da praia estavam cobertas de algas que pareciam cor de cobre na luz do sol. A á gua acumulada entre as pedras cintilava e os pá ssaros cortavam o ar cristalino para pousar em pedras enormes dentro da á gua.

— Entre. — A porta do Jaguar estava aberta e Aleko subiu primeiro, enquanto Í ris o acompanhava mais devagar. Ela manteve os olhos afastados da figura alta, vestida com um terno cinza impecá vel e, enquanto afundava no couro macio do banco, podia sentir o tremor de suas pernas. Procurou controlar seu nervosismo, como tinha aprendido no convento.

Aquilo era ridí culo. Zonar Mavrakis era apenas um homem, mas, quando ele olhou para dentro do carro e ela foi obrigada a lhe devolver polidamente o olhar, percebeu que ele irradiava uma forç a masculina que tornava tudo em volta mais cheio de vida, como se alguma coisa especial estivesse para acontecer.

Aleko sabia que estavam indo para a cidade para comprar roupas e, com um sorriso, perguntou ao pai o que iam fazer com as roupas velhas.

— Vamos fazer uma fogueira com elas... especialmente com os sapatos. — Zonar examinou insistentemente a figura tensa recostada no estofamento azul-acinzentado do carro.

— De jeito nenhum, senhor — ela protestou. — Vou usá -las quando voltar para o Santa Clara.

— É mesmo? — Ele levantou as sobrancelhas. — Mas você nã o vai fazer seus votos e se cobrir de preto?

Os cí lios dela estremeceram enquanto sustentava o olhar constrangedor e entã o, para sua humilhaç ã o, corou até os ló bulos da orelha.

— Outra moç a usará as roupas.

— Pobres ó rfã s — ele comentou fechando a porta do carro e dirigindo-se para seu lugar, à frente de Í ris e do menino.

Ela olhou para o cabelo preto bem cortado e para os ombros largos, aos quais o tecido cinzento aderia como uma segunda pele. Viu o movimento dos mú sculos das costas quando ele deu a partida no carro, pegando o declive que os levaria para o hotel e depois até o porto, onde as lojas estavam localizadas.

— Você vai me comprar um presente, papai? — Aleko perguntou.

— Só se você se comportar direito — foi a resposta de Zonar. — Você está querendo alguma coisa em especial?

— Preciso de uma roupa de mergulho para o meu Falcon. Como é mergulhar fundo, papai? Lá embaixo é colorido?

— A vida e a fauna do mar sã o coloridas. É um mundo estranho, frio, fora do tempo, e quando você for um pouco mais velho vou ensiná -lo a mergulhar. Tenha paciê ncia, menino, há muita coisa para você aprender e aproveitar quando for mais velho, mas primeiro tem que ter os prazeres da infâ ncia. Você tem muito mais sorte do que a srta. Í ris ou eu tivemos quando é ramos crianç as. Seus tios e eu dormí amos em sacos no chã o de uma choupana, nosso armá rio era um caixote e um fogã o velho deixava sair fumaç a num canto e quase nos sufocava com o cheiro do carvã o que apanhá vamos num ramal da estrada de ferro. Tempos difí ceis, Aleko, que talvez nos tenham deixado mais resistentes.

Quando o pai disse isto, Aleko estendeu a mã o, tocando no ombro coberto de cinzento.

— Você é duro, papai.

Zonar Mavrakis entrava com o jaguar num estacionamento e deu uma risada breve. Eles saí ram do carro e Í ris aspirou a brisa salgada que soprava das á guas do porto, onde os pá ssaros procuravam camarõ ezinhos. Havia um casal de cisnes parado na sombra de um muro e, erguendo-se acima da cidade, em terraç os de pedra, viam-se aglomerados de casas e uma igreja com uma torre estreita, cujo sino estava tocando.

— Parece um cartã o postal. — Por um instante, uma mã o grande repousou no ombro dela e, apesar de ter sido leve, o toque percorreu sua espinha, até a base, uma sensaç ã o incrí vel do homem e do momento.

Disto nã o me esquecerei, pensou, quando voltar ao convento e fizer aqueles votos que vã o me separar para sempre de um homem como Zonar Mavrakis.

— Venham! — Ele apressou os dois para atravessarem a rua, em direç ã o à loja enorme cujas vitrinas tinham manequins usando o tipo de roupa que Í ris nunca pensou possuir. Ela relutou em entrar na loja, tã o impregnada que estava do senso de renú ncia. Como se percebesse isso, seu patrã o pegou-a pelo cotovelo, fazendo-a entrar na loja. Ele cuidava de tudo e um instante depois descobriu que a seç ã o de modas ficava no segundo andar. Entraram no elevador e Í ris lanç ou um olhar de apreensã o e de deslumbramento para o rosto moreno e decidido.

Que tipo de roupa ele pretendia comprar para ela? Certamente ele devia ter percebido que ela nã o era do tipo que podia ser convertido num manequim.

Assim que entraram no salã o, uma vendedora aproximou-se e Í ris nã o soube para onde olhar quando a mulher perguntou para ele, com voz alegre, se podia mostrar para sua esposa os ú ltimos lanç amentos de verã o que haviam sido entregues uns dias antes.

— Por favor — disse ele, sem se preocupar em corrigir a suposiç ã o de que Í ris era sua mulher. — Queremos ver um guarda-roupa completo para o dia e para a noite, com os acessó rios, é claro.

— Pois nã o, senhor. — A mulher juntou as mã os e examinou Í ris, levantando ligeiramente as sobrancelhas ao reparar nas roupas fora da moda que contrastavam com o terno elegante de Zonar.

— Lingerie, meias e sapatos, é isso?

— É isso mesmo. — Ele olhou em volta, muito alto e moreno no salã o cheio de espelhos, com fileiras de cabides de roupas femininas. — Nã o poupe despesas. Queremos o que há de melhor.

— Se madame quiser entrar na cabina, posso tirar as medidas.

— Í ris foi novamente analisada por aqueles olhos examinadores, que pararam em sua mã o esquerda, vendo que nã o tinha nenhum anel. Í ris percebeu o que a mulher estava pensando, quando Aleko falou:

— Posso ver tirar as medidas?

— Nã o, nã o pode, homenzinho — o pai respondeu, com um sorriso. — Comporte-se para depois ganhar um sorvete.

— Está bem. — Aleko começ ou a andar pelo salã o, parando para estudar sapatos de saltos muito altos numa prateleira. — Você vai comprar esses sapatos para Í ris? — perguntou, rindo por cima do ombro. — Aposto como ela vai cair deles.

— Esses sapatos sã o italianos, senhor — a vendedora disse imediatamente, com uma nota insinuante na voz. — Estã o muito na moda e embelezam as pessoas e os pé s. Madame quer experimentar?

— Nã o, nã o quero — disse Í ris decididamente. — Estes sapatos nã o sã o do meu estilo.

— Nã o — Zonar concordou. — Os saltos sã o ridiculamente altos e fazem a mulher se inclinar para frente, tirando a coluna do lugar. Se uma moç a tem a coluna reta, é uma estupidez estragá -la por causa destes saltos. Vamos ver os vestidos e depois escolheremos sapatos delicados e com saltos menores.

— Como quiser, senhor. — A mulher sorriu para ele e depois pediu que Í ris a acompanhasse ao provador. Depois que entraram, o sorriso desapareceu do rosto da mulher e novamente ela examinou Í ris de cima a baixo. Í ris achou que era hora de corrigir a suposiç ã o de que ela era mulher ou entã o amante do milioná rio grego.

— O sr. Mavrakis é meu patrã o — explicou. — Cuido do filho dele e ele achou que, com a posiç ã o que ocupo como governanta do menino, devo me vestir um pouco melhor. Nã o vou precisar de muita coisa.

— É ele quem vai pagar, madame?

— Sim. '

— Entã o, madame deve permitir que ele compre o que quiser. — Ela abriu a blusa de Í ris sentindo com os dedos a qualidade inferior do tecido. — Temos agora vestidos e conjuntos muito bonitos e a nova linha de blusas de seda é fora-de-sé rie. Seda importada do Extremo Oriente, cara, mas valendo a pena. Pelo aspecto de seu... patrã o, parece que ele pode comprar o melhor.

Í ris sentiu que tremia ligeiramente. Nã o estava acostumada a se despir diante de outras pessoas, muito menos diante de uma mulher para a qual o termo governanta parecia significar alguma coisa muito mais í ntima. Sentiu-se atormentada. Era crueldade de Zonar Mavrakis fazê -la passar por isto, quando sabia que, em questã o de semanas, ela ia expulsar de sua vida tudo o que estimulasse a carne. Ele a forç ava a sentir a suavidade da seda em contato com sua carne nua, o leve perfume e as meias finas cobrindo suas pernas.

Ele nã o estava sendo generoso com a governanta do filho... estava jogando sutilmente com sua inexperiê ncia, com sua inocê ncia e Í ris sabia disso, mesmo quando deixou que a mulher tomasse suas medidas.

— Madame é muito esbelta — a vendedora a cumprimentou. — A nova moda vai combinar com sua silhueta, embora esteja na moda cabelo mais longo. Madame deve comprar uma peruca para usar à noite... Posso sugerir isto ao cavalheiro?

— Nã o! — Í ris arregalou os olhos, indignada. — Estou aceitando esses vestidos porque ele insistiu, mas nã o tenho nada a ver com a vida social dele.

— Como madame quiser. Vou consultá -lo sobre o que ele quer que a senhora experimente.

— Sim — disse Í ris, resignada. — Ele vai insistir em escolher, ele é assim.

E durante a hora seguinte, Í ris foi obrigada a experimentar uma variedade de roupas saindo do provador todas as vezes para que seu patrã o pudesse examiná -la de cada â ngulo, acenando depois a cabeç a com satisfaç ã o. Um casaco e uma saia de lã. Uma blusa azul com uma echarpe de seda. Uma saia e uma jaqueta de couro cor de mel. Um blazer listrado com uma saia branca. Shorts de brim e Í ris pedindo com os olhos que ele terminasse a escolha.

Mas Zonar Mavrakis quis que ela experimentasse vestidos de noite... um vestido de crepe-da-chí na cor de damasco e branco, outro de musseline estampada, um de seda branca, pregueado, com mangas largas e a saia comprida, um vestido de veludo, com o corte quase medieval, com um debrum muito delicado embaixo dos seios.

— Gosto muito deste vestido. — Zonar a rodeou e ela sentiu como se os olhos dele a tocassem. — Sim, este vestido combina com sua pele e com seu cabelo, alé m de estar de acordo com sua personalidade.

— Sugeri a madame — disse a vendedora — que experimentasse uma de nossas perucas, que combinam tã o bem com as toaletes para noite.

— Nã o será necessá rio. — Ele franziu as sobrancelhas para a mulher. — Nã o gosto de coisas falsas, especialmente numa moç a do tipo da srta. Ardath. Gostaria que ela experimentasse alguns sapatos agora.

Os pé s de Í ris foram medidos e depois calç ados com os sapatos mais elegantes que a loja podia oferecer. Sandá lias com tiras muito finas, sapatos clá ssicos de pelica, calç ados de camurç a enfeitados com strass para a noite, tamancos de madeira para a praia. Depois foram escolhidas as meias e a lingerie, alé m de algumas bolsas.

Í ris já estava tã o estonteada com tudo que ia ganhar, que nem protestou quando recebeu ordem de usar um dos vestidos novos.

— E minhas roupas velhas? — ela quis saber, quando surgiu com um vestido estampado que lhe caí a muito bem, os pé s mais leves do que o ar no couro macio que agora os cobria. Estava segurando uma trouxa com suas coisas e olhava para seu patrã o com uma mistura de timidez e desafio. Ele pegou as roupas, entregando-as para a vendedora.

— Faç a o que quiser com isto, por favor.

— O... o senhor nã o pode jogá -las fora — Í ris falou com a voz entrecortada, tentando recuperar as roupas do convento que se adaptavam melhor à sua personalidade. — Seria um desperdí cio.

— Fique com elas — disse para a vendedora. — As compras devem ser enviadas para este endereç o junto com a conta.

Ele entregou um cartã o, desejou-lhe um bom-dia, depois dirigiu-se para o elevador com Aleko e Í ris, que protestava.

— Pare de se preocupar com aqueles trapos velhos — ele ordenou enquanto o elevador descia para o andar té rreo. — Em vez disso você podia me agradecer por todas as coisas bonitas que comprei.

— O... obrigada — ela murmurou. — O senhor comprou muito mais coisas do que precisava.

— Deixe de falar bobagens. Você tem que deixar de pensar que é uma ó rfã que só pode usar roupas velhas dadas por outras pessoas. Vamos, você vai gostar de sua aparê ncia depois de passar tantos anos mal vestida... Aleko, o que você acha da srta. Í ris agora?

— Está muito bonita. — O menino sorriu para ela. — As freiras nã o gostam que você use um vestido assim?

Í ris nã o sabia o que pensar, só sabia que tentar se opor à vontade de Zonar Mavrakis era como lutar com o diabo. Ele geralmente conseguia o que queria e ali estava ela, vestida por ele da cabeç a aos pé s e sentindo-se culpada por causa disso.

— Só... só vou poder usar essas roupas enquanto estiver em Tormont — ela explicou para Aleko. — E por isso que acho que seu pai foi extravagante demais.

— Pelos deuses! — Zonar exclamou. — Sua modé stia é grande demais para se acreditar! Você se arrisca a comer um pê ssego Melba ou isto vai exigir penitê ncia?

— O senhor nã o está entendendo... — Seus olhos encontraram os dele, lutando corajosamente contra o brilho diabó lico. — Aprecio sua generosidade, senhor, mas nã o devo dar muito valor aos bens materiais. O senhor nã o deve procurar fazer com que eu mude de idé ia.

— Nã o me tente — ele resmungou. — Está bem, Aleko, você vai ganhar seu brinquedo e depois você s dois vã o tomar sorvete, enquanto vou ao banco para assinar alguns papé is. Acho que podemos almoç ar no hotel, nã o é?

— Sim! — Aleko estava muito feliz. — Rosbife com batatas de forno e pudim!

— Assim falou meu filho grego — Zonar murmurou. — Aqui está o dinheiro, srta. Ardath para comprar o brinquedo e os sorvetes. Vamos nos encontrar no carro daqui a uma hora.

Ele se afastou por entre os pedestres, virando a esquina para ir ao banco. A loja de brinquedos era em outra direç ã o. Dentro daquele lugar tentador, Aleiko levou algum tempo para escolher uma roupa para o seu boneco Falcon, da mesma forma como seu pai tinha levado para escolha os vestidos para Í ris.

Ela se sentia muito diferente no vestido elegante e toda a hora acariciava o tecido. Havia aprendido que a vaidade era pecado, mas era uma delí cia usar sapatos que nã o pesavam como chumbo.

— Já resolvi! — Aleko estica puxando sua mã o. — A roupa de quebrador de gelo.

— Tem certeza? — Í ris examinou a etiqueta com o preç o e tirou o dinheiro da bolsa nova. Pagou a roupa do boneco e depois foram para a lanchonete, onde Aleko tomou um banana split e Í ris um sorvete de café.

As gaivotas voavam no porto e, maravilhada com a luminosidade do lugar, Í ris olhou para a crianç a a seu lado, ocupada em tomar seu sorvete.

— Está bom? — ela perguntou.

— Delicioso, e o seu?

— Derrete na lí ngua.

— Você s tomam sorvete no convento?

— À s vezes a irmã Mary fazia sorvete, em dias especiais. É ela quem cuida da cozinha.

— Você vai se chamar irmã Í ris?

— É bem prová vel, a menos que a madre superiora escolha um nome religioso para mim.

Aleko abaixou os olhos, franzjndo as sobrancelhas finas.

— Gostaria que você ficasse para sempre com papai e comigo. Você tem mesmo que voltar para o convento? Você nã o prefere ficar conosco?

— Temos que cumprir nosso dever, Aleko, e o meu é voltar para o convento quando chegar a hora, para entrar na Ordem e seguir minha vocaç ã o. Enquanto eu nã o for, vamos nos divertir, nã o é melhor assim?

Ele concordou, pegando uma cereja com a colher.

— Você quer a cereja? — ele ofereceu.

Í ris aceitou, sabendo que era o que ele queria que ela fizesse, e sentiu vontade de abraç á -lo. Esses impulsos tinham que ser reprimidos, para o bem da crianç a e pelo dela també m. Eles iam ter que se separar para seguir rumos opostos... Por que, ela se perguntou, Zonar Mavrakis nã o se casou de novo para que o menino pudesse ter a mã e de que precisava? Mesmo que ele nã o pudesse amar uma mulher como amara a mã e de Aleko, podia ser generoso, e obviamente era um homem cujo vigor precisava de uma vá lvula de escape.

— Já acabou?

Aleko concordou, enxugando a boca com um guardanapo de papel, e eles foram andando na luz do sol. Havia uma padaria algumas portas adiante e Aleko a convenceu a comprar alguns pã ezinhos para dar aos passarinhos que voavam nos penhascos que se projetavam sobre a cidade. Atravessaram a rua para ir ao porto e, quando esmigalharam o pã o, as gaivotas se aproximaram para pegar as migalhas, fazendo grande algazarra.

Í ris nã o percebeu que seu patrã o estava observando a cena, até que ela e Aleko voltaram para o carro, onde ele estava recostado, fumando um charuto. Aleko correu para o pai, contando o que tinham feito, e Zonar sorriu tã o diretamente para os olhos de Í ris que ela sentiu sua confusã o aumentar enquanto se aproximava da figura cheia de energia. Ficou olhando para ele, como se tivesse perdido o poder de falar e de se mexer; apenas seus pensamentos trabalhavam.

Ele é maravilhoso! Se continuar aqui, corro o risco de ficar gostando dele da maneira errada! A madre superiora vai compreender se eu for embora agora, mas se eu ficar... oh, se eu ficar, o que vai acontecer comigo?

— Você está pretendendo voltar a pé?

Ele estava segurando a porta do carro e Í ris teve que se aproximar dele para entrar no jaguar. Quando entrou, a saia do vestido levantou um pouco e ela sentiu que ele olhava para suas pernas. Imediatamente ela juntou as pernas e cobriu os joelhos com o vestido. Nã o precisou olhar para saber que Zonar riu daquele gesto involuntá rio, depois ele se sentou atrá s da direç ã o e o carro começ ou a se afastar do porto silenciosamente.

— Estou morto de fome — Aleko anunciou. — Mal posso esperar a hora do almoç o!

— O ar do mar abriu seu apetite. — Í ris acariciou o cabelo do menino e olhou para suas mã os. — Elas vã o ter que ser lavadas antes do almoç o, menino.

— Eu peguei numa gaivota, papai. Ela deixou, nã o é verdade Í ris? Ela era tã o mansa que eu podia até levar para casa.

— Uma criatura tã o livre e tã o selvagem nã o pode ser completamente domesticada, Aleko querido — disse o pai. — Ela se aproximou por causa do pã o e, quando acabou, abriu as asas e voou de novo. Nem todas as criaturas se deixam ficar numa gaiola e, se você forç ar, elas mordem sua mã o ou ficam tristes num canto até que você acabe soltando. Pense como você ficaria triste se isto acontecesse.

— Mesmo assim, papai, ela era mansinha e tremia e os olhos dela brilhavam tanto... Aposto como podia pegá -la.

— Ela teria bicado — Zonar murmurou, enquanto entrava no pá tio do Monarch Hotel. — Agora vamos comer aquele bife com batatas que você estava querendo tanto.

A sala de jantar era grande e dava para o mar e, como a mesa de Zonar ficava debaixo de uma janela, eles tinham uma vista muito bonita da baí a toda. Í ris aceitou um cardá pio e percebeu que estava sendo estudada pelos hó spedes das mesas vizinhas. Eles sabiam que ela estava com o proprietá rio do Monarch e, como a mulher da loja, provavelmente a consideravam companheira do homem e nã o do menino.

E a aparê ncia dele, Í ris pensou, desanimada, tã o má sculo e autoritá rio que uma moç a em sua companhia dava sempre a impressã o de que lhe pertencia.

— O que você quer? — Zonar a olhou diretamente e, à luz do sol, ela viu nos olhos dele um brilho de zombaria. Ele sabia tanto quanto ela o que os outros estavam pensando e, como se quisesse jogar mais combustí vel no fogo, aproximou-se mais dela para indicar um dos pratos. — Eu escolheria salmã o fresco, ou você prefere linguado na manteiga ou entã o coc-au-vin, que é peito de frango cozido no vinho e nos temperos?

— Eu... acho que vou comer uma omelete de queijo...

— Vamos, você tem que estar com fome depois de uma manhã tã o cheia. Você já comeu salmã o que nã o seja de lata?

— Mesmo o de lata, senhor, estava alé m das posses do Santa Clara. O senhor nã o deve encorajar em mim o gosto pelas coisas boas.

— Você vai ter que fazer mais penitê ncia se eu insistir que coma salmã o conosco? — De repente os olhos dele perderam a expressã o divertida e suas narinas se agitaram quase com raiva. — Ficarei danado se você fizer sacrifí cios enquanto viver sob o meu teto. Você quer salmã o, filé ou frango? Escolha imediatamente!

— O senhor é bem autoritá rio!

— Sim, quando se trata da teimosia de uma mulher. Primeiro os vestidos e o tormento de imaginar qual era a categoria de pecado que você estava cometendo... e agora uma posta de salmã o! Estou apenas tratando você como trato meu filho, como o pai que você nã o conheceu.

Í ris olhou para ele sem conseguir responder.

— Podia ser eu. — Seu sorriso era perverso. — Os meninos crescem depressa nas ruas de Esparta e as meninas també m. Você foi muito protegida da vida, como se comprimida entre as pá ginas de um breviá rio, de modo que até o sol tocando em sua pele lhe dá a sensaç ã o de que ele está tomando liberdades.

O sol que atravessava as janelas aquecia a pele dela e a atmosfera daquela sala comprida era agradá vel, com as mesas bem espaç adas sobre o carpete e arrumadas com toalhas brancas como a neve, talheres reluzentes e cristais delicados, completamente diferente da vida disciplinada que conheceu durante tanto tempo. A comida tinha um cheiro delicioso e as outras pessoas tinham o mesmo ar de seguranç a e de desenvoltura de seu patrã o. Conversavam com facilidade, partiam o pã o e tomavam vinho com tranqü ilidade, como se nã o tivessem consciê ncia de que o dinheiro que gastavam numa ú nica refeiç ã o alimentaria uma famí lia pobre por vá rios dias.

— Irresponsá veis — ela murmurou.

— Mas ouso dizer que, como meus irmã os e eu, eles trabalharam bastante para isto. — Zonar olhou-a com severidade. — Nã o seja uma puritana tã o pedante, pois posso resolver que você nã o é uma boa companhia para Aleko e mandá -la de volta para seu mundo entre quatro paredes.

— Talvez isto seja o melhor... — Ela o olhou, incerta.

— Nã o! — Aleko de repente agarrou em seu pulso. — Nã o quero que você volte para lá! Você está aqui há pouco tempo e tem que ficar o verã o inteiro. Você prometeu, Í ris! Gosto de você, mesmo que papai nã o a ache tã o atraente quanto as outras namoradas dele. Elas estã o sempre perfumadas e se olhando no espelho, para pentear o cabelo ou pô r aquela coisa vermelha nos lá bios. Elas me dã o nos nervos... embora ache que aquela de Paris nã o era tã o ruim assim.

— Você nã o precisava falar assim — Zonar repreendeu o filho.

— Bem, entã o nã o mande Í ris embora — Aleko acrescentou. — Amanhã vamos de ô nibus à s cavernas de Shellstone. Já fizemos uma porç ã o de planos, papai. Ela é ó tima companhia, muito melhor do que Aquiles, que diz que falo demais, especialmente quando ele está estudando os programas de corridas de cavalo.

Zonar olhou para o filho com um ar esquisito no rosto.

— De uma maneira ou de outra, Aleko querido, você vai acabar absorvendo os há bitos de uma santa ou de um pecador, nã o é? E melhor que seja da santa, hein?

Í ris mordeu os lá bios ao ouvir a caç oada que havia na voz grave. Depois ele chamou o garç om e disse que iam escolher.

— Você já resolveu o que vai querer? — ele quis saber.

— O rosbife — ela respondeu, desafiando-o.

— E de entrada? — Os lá bios dele contraí ram-se.

— Melã o, por favor.

— Os jovens vã o querer melã o — disse ele, caç oando —, depois, rosbife com os acompanhamentos comuns. Eu quero patê de fí gado, salmã o e uma salada. — Apó s ter feito o pedido, Zonar olhou para a sala de jantar e aprovou com a cabeç a, com ar satisfeito. — O restaurante está bem cheio hoje, Ferdi. Parece que as coisas vã o bem.

— Vã o mesmo, sr. Mavrakis. A cozinha está funcionando muito bem.

— Ó timo. Quando há confusã o na cozinha, o serviç o atrasa e os fregueses ficam irritados.

O garç om sorriu rapidamente, depois foi buscar o primeiro prato, enquanto aparecia um segundo garç om, quase no mesmo instante, com uma garrafa envolta num guardanapo, dentro de um balde de prata. Zonar tirou a garrafa e examinou o ró tulo, depois olhou para Í ris.

— Você está para ser apresentada ao champanhe Dom Perignon — ele a informou. — Se há um vinho dos deuses, você vai prová -lo agora.

Í ris olhou para o champanhe que estava sendo despejado em taç as finas como tulipas. Podia sentir as pulsaç õ es loucas de seu coraç ã o quando o sol bateu no champanhe que borbulhava tentadoramente. Tentou nã o pensar no Santa Clara, onde as freiras e as alunas estavam no refeitó rio, tomando á gua durante a refeiç ã o.

— Sim, só um pouco para o menino — Zonar disse ao garç om.

— E uma bebida tã o boa que nã o lhe vai fazer mal nenhum.

Aleko sorriu feliz para Í ris e ela teve que responder ao sorriso.

Nã o era fá cil para Zonar Mavrakis deixar de mimar o menino. O amor parecia ser assim, uma necessidade de ser generoso alé m das medidas para com a pessoa que está dentro do coraç ã o.

Zonar levantou o copo, primeiro para o menino, depois para Í ris.

— Panta khara, como dizemos na Gré cia. Seja sempre feliz, se isto for possí vel.

Quando tomou um gole da bebida deliciosa, Í ris nã o pô de resistir e olhou para Zonar. As sobrancelhas escuras estavam contraí das, e ele olhava para o mar iluminado pelo sol, como se seus pensamentos tivessem voado para a Gré cia e para a felicidade fugaz que tinha conhecido. Para ele nã o durou nada, e Í ris viu seus dedos apertarem o pé do copo e as alianç as de ouro prenderem sua atenç ã o, especialmente a que tinha sido tirada da mã o de uma moç a morta, talvez com um beijo.

— O clima aqui de Tormont é muito agradá vel — ele observou.

— A paisagem da costa é muito bonita e o local é cheio de Histó ria. Sim, é um bom lugar para se comprar um hotel. O que é que você acha do Monarch?

— E uma maravilha — ela admitiu. — Deve ter sido construí do há muitos anos, mas notei que algumas partes foram modernizadas.

— Discretamente — ele concordou. — Nos ú ltimos anos estava dando prejuí zo, mas, agora que faz parte da Companhia Mavrakis, as coisas vã o mudar. Enfrentei um pouco de oposiç ã o pelo fato de ser estrangeiro, mas sou teimoso e estou resolvido a ter ê xito neste negó cio. Daqui a algumas semanas, meu irmã o Lion e sua mulher virã o ficar aqui. Você vai gostar dela!

— Se o senhor nã o decidir de repente que minha contrataç ã o foi um erro. — Í ris sentiu o coraç ã o bater mais forte com a idé ia de encontrar o irmã o mais velho, o chefe da corporaç ã o, que tinha iniciado a ascensã o da famí lia.

— Ainda nã o me resolvi — disse ele secamente. — Você toma champanhe como se fosse sal de frutas borbulhando no seu nariz. Nã o está gostando, moç a estranha?

— Sim, mas tenho que me acostumar com tanta coisa... Parece que o senhor nã o percebe.

— E nisto que você se engana. — Ele sorriu rapidamente. — Percebo, sim, ou, pelo menos, estou começ ando a perceber. Você é como um peixinho que foi tirado do aquá rio e jogado num lago enorme. Está confusa e eu tenho que fazer as devidas concessõ es.

Quando ele a olhou, quase com delicadeza, Í ris sentiu que o copo de vinho tremeu em sua mã o. Rapidamente ela o colocou na mesa, com medo de derramar o champanhe e exasperá -lo. Ela era uma pessoa estranha que ele procurava entender, acostumado que estava com moç as que tomavam champanhe e aceitavam seus presentes despreocupadamente. O olhar atento que ele lhe dirigiu, no jogo de luzes, era prova suficiente de que ela tanto o deixava perplexo como o divertia.

Ela e Aleko comeram uma deliciosa mistura de melã o com abacaxi. Zonar espalhou o patê em torradas, falando da diferenç a de colorido entre sua terra natal e Devon. Ele tinha ficado surpreso ao descobrir que os campos da Inglaterra eram tã o verdes.

— Nã o sei se os ingleses percebem como é repousante para algué m que vem de uma terra quente encontrar esses campos verdes. Tem um efeito muito tranqü ilizante para o espí rito, mas tenho que dizer que, em geral, os hoté is da cidade sã o um desastre. Os hoté is de Atenas sã o mais confortá veis.

— Atenas deve ser uma cidade muito interessante. — Í ris olhou para o rosto grego, queimado pelo sol pagã o de sua terra. Sua pele, comparada com a dele, devia parecer branca como a neve... Duas pessoas tã o opostas quanto o gelo e o fogo.

— Tem muita Histó ria, tem vida, trâ nsito, como Londres. Há um bairro da cidade conhecido como A Plaka que é fascinante. E muito antigo e misterioso, bem bizantino, com casas e lojas comprimidas de cada lado de escadas estreitas de pedra. Lá você ouve a mú sica grega e o rumor constante das contas passando pelos dedos de homens e mulheres. Lá você encontra artigos estranhos expostos e tem a impressã o de ter recuado no tempo. É um lugar em que uma mulher nã o pode andar sozinha.

Ele tinha estado lá com uma mulher, Í ris pensou, talvez abraç ados enquanto paravam para olhar as barracas à sombra dos muros antigos, seus dedos finos pegando um berloque bizantino para a moç a usar contra a pele queimada do pescoç o.

— Você tem olhos grandes, srta. Ardath, mas que nã o sã o fá ceis de ler. Acho que você gostaria da Plaka.

— Parece muito interessante — ela concordou.

— Mas você acha que nunca irá lá, nã o é?

— Parece difí cil. Vou ter que trabalhar e só recebemos um salá rio simbó lico. À s vezes as irmã s vã o a Roma, e talvez eu tenha sorte de ir lá algum dia.

— Quando estiver velha? — ele deu um sorriso cí nico. — Depois que a juventude e o interesse pela vida a tiverem abandonado?

— O senhor nã o entenderia.

— Porque você me considera pagã o, um homem que luta pelo sucesso e aprecia as recompensas? — Ele estreitou os olhos. — O que a faz pensar que é tã o santa? Nã o é à -toa que as mulheres sã o consideradas obra do diabo!

Í ris prendeu a respiraç ã o, nã o tanto pelo que ele dizia mas pela maneira como ele estava... furioso, como se quisesse sacudi-la até que seus dentes batessem.

— Sei que o senhor sabe tudo sobre as mulheres — disse ela antes que pudesse se impedir, mas ele deu um sorriso irô nico.

— Muito mais do que você sabe sobre os homens.

Nesse instante o garç om se aproximou com um carrinho, trazendo o rosbife fumegante, batatas e o molho. Enquanto Aleko olhava, admirado, ele cortou a carne com uma faca brilhante. O menino parecia tanto com o pai, Í ris refletiu: ele procurava agarrar tudo o que a vida lhe oferecia.

— Parece ó timo — Aleko suspirou.

— Está sim, garoto. — O garç om sorriu para ele. — Você acha que agü enta comer trê s batatas?

— Sim, por favor, e bastante molho. Gosto muito de molho.

— Estou vendo. — O garç om olhou para Zonar Mavrakis. É a primeira vez que vejo seu filho e sua filha, senhor.

Í ris nã o sabia para onde olhar, enquanto Aleko caiu na risada. Para alí vio de Í ris, seu patrã o nã o levou o comentá rio muito a sé rio. Com voz seca, ele explicou que ela era governanta de Aleko.

— O senhor me desculpe... — O garç om ficou tã o vermelho quanto a carne que estava cortando.

— Nã o se preocupe. — Zonar contraiu os lá bios. — Na verdade, tenho idade suficiente para ser pai dela... Aleko, se você puser mais mostarda, a carne vai ficar intragá vel. Largue o pote imediatamente.

— Gosto de mostarda, papai.

— Há coisas de que todos nó s gostamos, mas que nã o podem ser usadas em grandes quantidades. Sua lí ngua nã o está ardendo?

Aleko concordou e Zonar pediu que o garç om pusesse mais molho na comida do menino, para suavizar o gosto da mostarda.

— Como você está vendo, um filho já é suficiente para um grego ocupado, especialmente se ele nã o tem mulher.

O garç om ficou aliviado ao constatar que nã o tinha ofendido seu patrã o. O salmã o de Zonar foi servido e eles continuaram a almoç ar, Aleko lanç ando olhares travessos para Í ris e para o pai.

— Você está se divertindo, nã o é mesmo?

— Nã o posso fingir que Í ris é minha irmã?

— Nã o, nã o pode. Ela é sua governanta e tem que ser tratada com o devido respeito.

— Por que nã o tenho uma irmã? — Aleko perguntou, pondo uma garfada de batata na boca.

— Porque nã o tem... Seu queixo está sujo de molho, enxugue logo.

Aleko passou o guardanapo no queixo, mas continuou com os grandes olhos pretos fixos no pai.

— Eu podia ter uma irmã se você se casasse de novo, papai.

— Você acha isso? — Zonar tornou a encher os copos de vinho e Í ris sentiu no rosto o olhar divertido. — Por que este interesse sú bito num aumento de nossa famí lia? Pensei que nó s dois estivé ssemos contentes um com o outro.

— Teria algué m com quem brincar quando você estivesse trabalhando. — Aleko insistiu. — Nã o sei por que Í ris nã o pode ficar sendo minha irmã, aí ela nã o ia precisar voltar para aquele lugar atrá s dos muros. Parece muito triste e nã o acho que tenha muita coisa para comer.

— Bem, mas sua Í ris agora está tendo uma compensaç ã o, nã o é? A carne está de seu gosto, srta. Ardath?

— Está deliciosa, obrigada. — Ela queria que Aleko parasse de insinuar que o pai devia adotá -la, percebia que isto divertia seu patrã o de uma maneira sutil, quase irritante. — Muito obrigado por ter-me trazido ao hotel para almoç ar.

— Você nã o imaginava que eu pudesse ser amá vel?

— Sim, mas uma governanta nã o espera esse tipo de tratamento.

— O que ela espera? — Seu olhar prendeu o dela, ligeiramente caç oí sta. — Você quer dizer que nã o devia tê -la posto em posiç ã o de passar por minha filha?

Ela hesitou por um momento, depois concordou.

— O senhor deve ter-se sentido embaraç ado.

— Nã o queira adivinhar meus sentimentos, srta. Ardath. É preciso muito mais do que isto para me fazer corar. Talvez você tenha ficado embaraç ada com o engano.

— Tenho certeza de que nã o pareç o assim tã o jovem.

— E isto quer dizer, entã o, que eu nã o pareç o tã o velho?

— Dificilmente usaria essa palavra em relaç ã o ao senhor. — Í ris abaixou a cabeç a, pondo-se a comer depressa. Agora ela queria que tudo terminasse depressa para poder voltar para casa com Aleko, deixando Zonar atrá s de sua escrivaninha no hotel.

Mas nã o foi isso o que aconteceu; ele quis tomar café no jardim de inverno, perto da longa fileira de janelas francesas, de onde avistavam o mar banhado pelo sol.

— O dia está lindo hoje! — Zonar esticou-se numa poltrona, com um charuto entre os dedos. Um sorriso surgiu e foi embora, enquanto acendia um fó sforo de uma caixinha com o desenho do Monarch. Ele apagou a chama lentamente, soltando a fumaç a perfumada. — Você leva a vida muito a sé rio, nã o é, srta. Ardath?

Ela tomava café, sentada numa poltrona, com as costas muito retas. Aleko tinha-se acomodado numa das cadeiras perto das janelas e estava pronto para dar uma cochilada depois do ó timo almoç o. Só havia algumas pessoas no jardim de inverno e a atmosfera estava serena... quase í ntima.

— Nã o sou uma pessoa frí vola.

— Nã o, você tem um ar antiquado que nã o desagrada a um homem de negó cios. Como foi criada num convento, você nunca pô de seguir seus impulsos, hein?

— Minha natureza nã o é impetuosa, senhor.

Ele a observou por entre as pá lpebras semicerradas, enquanto a fumaç a pairava no ar.

— Mesmo assim, é natural que uma moç a queira tirar algum prazer da vida. Você nã o pode se transformar numa mulher madura eliminando os melhores anos... É como cortar rosas ainda em botã o, nã o deixando que elas se abram ao sol.

— Estes anos serã o bem empregados.

— Pelos deuses, o que isto quer dizer?

— Acho que está perfeitamente claro, senhor.

— Você sabe realmente tudo o que está jogando fora, para empregar bem sua vida, como acabou de dizer? Há muitas outras maneiras de ser ú til, sem fechar a porta para uma vida normal... Em sua alma tã o jovem nã o pode haver só piedade, tem que haver um pouco de romance!

— O romance só existe nos contos de fada.

— Quem foi que lhe disse isso?

— Meu bom senso, senhor.

— Para o diabo com o bom senso em sua idade! Você nã o quer danç ar e namorar e ser beijada ao luar? Por acaso lhe ensinaram que os desejos do corpo sã o pecados que devem ser reprimidos até morrerem de inaniç ã o, santificando-a?

— Quaisquer que forem os meus sentimentos, sr. Mavrakis, o senhor nã o deve espicaç á -los... como um menino cutucando um caranguejo com um pau!

— Já estou atingindo o alvo. Quero que você tenha sentimentos e sensaç õ es que ainda nã o experimentou.

— Para o senhor é apenas um jogo. — Ela estava abalada. — Quando o vi pela primeira vez no gabinete da madre superiora, achei que o senhor poderia ser cruel.

— Cruel? Minha bobinha, você é que seria cruel condenando-se a uma vida reclusa. Você é jovem demais para saber o que se passa em sua cabeç a!

— E o senhor sabe, por acaso?

— Acho que você nã o devia excluir o amor de sua vida até ter uma oportunidade para conhecê -lo. Todo mundo deve se apaixonar, pelo menos uma vez na vida... pode ser irresistí vel.

Í ris olhou-o sem dizer nenhuma palavra, imaginando como tinham chegado a discutir um assunto tã o í ntimo. Ela queria, entã o, parecer tã o fria quanto o vestido branco que estava usando, mas sentia uma espé cie de calor tomando conta de sua pele e só podia torcer para que ele nã o o percebesse com seus olhos penetrantes.

— Você nã o tem curiosidade sobre esse conflito sensual e misterioso, conhecido por amor? — ele perguntou, examinando-a intensamente com os olhos semivelados pela fumaç a do charuto.

— O... o senhor nã o tem o direito de me perguntar uma coisa dessas, sr. Mavrakis, e sabe muito bem disso.

— Enquanto pagar por seus serviç os, srta. Ardath, considero-me no direito de conversar, e é o que estamos fazendo.

— O senhor faz perguntas e eu tenho que respondê -las. O senhor está curioso porque vou ser freira. Acho que nã o teria interesse nenhum para o senhor se nã o fosse por isto. Nã o tenho nem um pouco do encanto que o senhor aprecia.

— O encanto vem de potes e tubos, e é artificial. Você está sendo presunç osa quando diz que gosto desse encanto. As duas mulheres mais intrigantes que conheci nã o se pintavam, nem desfilavam, nem precisavam de homens para admirá -las. Seu calor e seu encanto estavam na habilidade em amar um homem alé m delas mesmas. Você seria capaz disto?

— Eu... nã o devo nem pensar nisso.

— As coisas que passam pela cabeç a podem ser perturbadoras, nã o é mesmo?

— Ela afastou os olhos. Aquele homem podia brincar com ela de maneira a fazê -la sentir-se indefesa. Ela queria que ele se comportasse como um patrã o convencional, que a tratasse com uma delicadeza casual. Ele realmente nã o tinha o direito de sondar seus pensamentos, menos ainda os relacionados com seu futuro no Santa Clara.

— O senhor nã o acha que devo levar Aleko para casa? — Í ris começ ou a se levantar da cadeira.

— Sente-se e relaxe. Aleko está muito bem. Você está morrendo de vontade de fugir de mim, nã o é?

— O senhor faz perguntas demais e depois usa de sua autoridade para obrigar-me a respondê -las.

— Os gregos tê m um interesse natural por outras pessoas, eles nã o tê m a reserva dos ingleses.

— Porque somos reservados, sr. Mavrakis, ficamos aborrecidos com a curiosidade a respeito de nossa vida particular.

— Sei disto. A mulher de meu irmã o é inglesa e já conheç o esta reserva. Afeta tanto algumas mulheres que elas suportam sofrimentos emocionais e medo sem um murmú rio de protesto. Ser grego é estar em contato com os aspectos simples da vida, e eu nã o tenho paciê ncia com os jesuí tas que ensinam que a abnegaç ã o é o caminho do paraí so. — Ele bateu a cinza do charuto e seus olhos pareciam penetrar em Í ris. — Sei que há outros caminhos.

Í ris prendeu a respiraç ã o, percebendo a implicaç ã o que havia naquelas palavras.

— Nã o convé m que todos tomem — ela protestou. — Alguns tê m que dar.

— E você é uma destas?

— Gostaria que fosse assim.

— Menina dos sapatos grandes, aqueles sapatos que deram para você usar sã o instrumentos de tortura. Tudo isto faz parte do treinamento, para que as noviç as fiquem com os pé s cheios de calos?

— O Santa Clara vive da caridade, por isso nã o podemos ter os sapatos da moda. O senhor nã o devia dizer à moç a da loja para jogar minhas roupas fora.

— Terei que compensar mandando um cheque bem gordo para o Santa Clara?

— O senhor acha que o dinheiro pode comprar tudo.

— Pode comprar muita coisa, jovem. Os irmã os Mavrakis nã o gastam tudo em vinho, mulheres e canç õ es. Empregamos grande parte de nossos lucros em novos negó cios, para que sejam criados outros empregos. Assumimos a direç ã o deste hotel para que continuasse funcionando. É uma beleza, mas precisa de muitos empregados. Nunca dará grande margem de lucro, mas parece uma pena que caia na obscuridade, precisando, finalmente, fechar suas portas. Veja o tamanho deste jardim de inverno e o esplendor do salã o de baile. As trê s e meia, quando o chá começ a a ser servido, um pianista vem tocar no piano grande. A aura deste lugar pertence aos anos vinte e trinta... É como recuar no tempo, e pretendo preservar esta atmosfera. — Ele estava com as pernas esticadas e o olhar perdido. — Fenella vai gostar — murmurou.

— Ela é muito bonita? — Í ris perguntou sem querer.

— Sim, como um lí rio delicado encontrado por acaso na margem de uma lagoa perdida num bosque. Ela faz um contraste tã o grande com meu irmã o que é surpreendente vê -los juntos. Ele é o grego mais forte que já conheci.

— Mais forte que o senhor? — Ela nã o podia imaginar ningué m mais forte nem mais assustador do que Zonar Mavrakis.

— Você nã o me julga capaz de ter nem ao menos um pouco de ternura?

Í ris pensou na maneira como ele tratava Aleko... Ela tinha visto os dois brincando no chã o do quarto do menino, suas risadas se misturando, o cabelo preto despenteado. Sim, ele podia ser vulnerá vel no que se referia a Aleko. O irmã o mais velho nã o tinha filhos.

— O senhor tem seus momentos de ternura, naturalmente — disse ela, desviando o olhar, tomada por uma estranha sensaç ã o de falta de ar. Salvando Aleko do desastre que matara sua mulher, Zonar, tinha passado por muitos sofrimentos, que talvez ainda estivessem entranhados em seu coraç ã o, em sua medula, alimentando suas recordaç õ es com fragmentos de seu amor. Esses ferimentos tinham deixado sua marca... Ela sentia nele uma ameaç a, uma fú ria, uma necessidade profundamente reprimida de tornar a sentir o que sentira por sua jovem mulher grega.

Um turbilhã o estranho e confuso agitou-se dentro de Í ris, que olhava para fora das janelas, querendo evitar o homem que havia dentro do magnata. A vontade de confortá -lo tinha que ser reprimida. Ela nã o podia exprimi-la como as outras mulheres. Para elas, nã o havia pecado nem arrependimento, caso se entregassem a Zonar Mavrakis por um curto espaç o de tempo, até que ele ficasse entediado por causa da rapidez com que as conquistara. Elas ofuscavam as recordaç õ es que, na verdade, nunca o abandonavam, e depois, com um sorriso cí nico, ele as despedia com uma jó ia ou um casaco de pele.

Í ris sabia disto com tanta certeza quanto via o sol na superfí cie do mar, brilhando com tanta forç a, mas fadado a morrer quando o dia declinasse e a escuridã o tomasse conta da á gua.

— Você é tã o profunda quanto o mar.

Ela olhou para ele, pensativa, os olhos castanhos contrastando com a pele branca.

— Estava pensando que o mar tem um tipo de beleza terrí vel.

— Como o amor — ele murmurou.

— Nã o sei nada sobre isto, senhor. — Ela tentou parecer despreocupada.

— É claro que nã o! — Sua voz estava ligeiramente zombeteira. — Você é completamente inocente, nã o é mesmo? Sem dú vida, as boas irmã s lhe ensinaram os rudimentos, mas deixaram de explicar que, à s vezes, o ser humano reage instintivamente a um outro, como uma abelha voando à s cegas em busca de mel. O amor é o mel da vida.

E també m agonia, ela refletiu, pois cada palavra parecia, atingir um nervo de seu corpo. Ele nã o podia desconhecer o poder e o magnetismo que possuí a, e era como se a estivesse atraindo para um vô o à s cegas, sabendo que ela podia se ferir mais profundamente do que qualquer outra moç a mais mundana. Por que agia assim? Algum instinto que o fazia vingar-se da divindade que havia sido tã o cruel com a moç a que amava?

Í ris procurou a resposta no rosto moreno, nos olhos penetrantes, no maxilar anguloso, no sorriso enigmá tico. Mesmo sentado ali, com ar descansado, ele podia estar planejando humilhá -la, até que nã o sobrasse nenhuma fraç ã o de sua inocê ncia. Ela seria destruí da... e nã o poderia voltar para o Santa Clara para fazer os votos de castidade.

O silê ncio era muito grande no jardim de inverno, eles estavam sozinhos e uma nuvem cobriu o sol.

— À s vezes é possí vel sentir a terra se movendo, nã o é?

Í ris olhou para ele, a confusã o aparecendo em seu rosto.

— Vamos, nã o me diga que você nunca sentiu isto, ou seus pé s estã o longe demais da terra?

— Nã o, senhor. Nã o vivo com a cabeç a nas nuvens.

— Estou notando qualquer coisa diferente em sua voz, srta. Ardath. O que você está tentando me contar?

— Pelo que aconteceu com minha mã e... sei que as pessoas podem esconder a crueldade por trá s de seu charme.

— Como o mar esconde os tubarõ es, hein?

— Sim, se o senhor quer se exprimir assim...

— Já viajei pelos mares da Gré cia e é muito fá cil confundir um golfinho com um tubarã o. Ambos tê m a pele lisa e luzidia, nadam rapidamente, mas um é manso e o outro nã o.

— Se o senhor tem dificuldade em distinguir um peixe assassino de um inofensivo, imagine entã o como me sinto — Í ris comentou, olhando diretamente em seus olhos.

— Você acha que nã o é prudente deixar-se apanhar por meus dentes, hein?

— Nã o tenho razã o, senhor?

Ele a examinou em silê ncio.

— Você é atrevida, menina. Como é que isto sobreviveu naquele lugar?

— Foi difí cil... — Ela prendeu a respiraç ã o ao perceber que tinha admitido para ele que qualquer impulso da í ndole era reprimido e que ó rfã s como ela deveriam ser quietas, agradecidas e submissas.

— Entã o a freirinha dó cil revolta-se por dentro? — ele caç oou.

— Foi o senhor... — o rosto dela estava em fogo — o senhor me forç ou a responder...

— E respostas espontâ neas, senhorita, sã o mais verdadeiras do que as estudadas.

Era verdade e ela nã o podia negar, houve uma é poca de revolta, na qual ela queria perguntar por que suas mã os eram mergulhadas numa pia cheia de á gua engordurada com mais freqü ê ncia do que as mã os de sua amiga Colette. E por que ela estava sempre ajudando na lavanderia enquanto a francesinha era chamada para colher verduras na horta ou maç ã s no pomar?

Em seu coraç ã o, Í ris sabia a resposta: até as religiosas escolhiam entre a pobre e a princesa. Afinal, a aluna que pagava é que tornava possí vel ao Santa Clara sustentar uma ó rfã. À s vezes Í ris acordava de noite e descobria que estava chorando, tinha achado que era uma boba, mas agora percebia que, inconscientemente, tinha chorado por causa da injustiç a da vida.

Parecia que se você já tivesse algué m para amá -la, entã o os outros a amariam també m. Mas se ningué m se importasse com você, entã o você era ignorada como pessoa e tratada quase como uma abstraç ã o. De você, esperavam apenas o cumprimento do dever e nã o a alegria e o charme de algué m como Colette. Você lavava os pratos e passava as roupas, descascava os legumes e servia as mesas, caí a na cama morta de cansaç o e ouvia, como num sonho, algué m soluç ando. Você acordava sobressaltada, descobrindo que era você que chorava.

Í ris ficou perdida em seus pensamentos, o tempo entre o almoç o e a hora do chá devia ter passado, porque um piano estava tocando uma mú sica suave que ela nunca tinha ouvido, e havia o tilintar de xí caras e colheres, e o som de vozes. A nuvem tinha ido embora e o sol brilhava de novo, mais dourado do que nunca.

Í ris levantou os olhos, assustada, quando Zonar Mavrakis ergueu-se de repente. Ela fitou-o, mas ele olhava em outra direç ã o, para algué m que entrava no jardim de inverno por um dos arcos.

— Você nã o está contente em me ver de novo? — perguntou uma voz alegre.

A voz tocou uma corda em Í ris... quente, segura, e com sotaque francê s. Ela se virou para olhar e inacreditavelmente Colette Morei saiu de seus pensamentos para se tornar realidade. O cabelo caí a sobre seus ombros em ondas delicadas. Ela estendeu para Zonar Mavrakis uma mã o elegante, com unhas muito bem tratadas.

— Dieu, olhar de novo dentro desses olhos gregos, tã o profundos! Eles ainda se lembram de mim?

— Pelos deuses! — Ele sorriu, divertido. — O que você está fazendo aqui?

— Vim para ficar, meu amigo. — Colette aproximou-se dele, sem ver Í ris, que se sentia presa na cadeira.

— Aqui no Monarch?

— Ouvi dizer que os irmã os Mavrakis tinham comprado o hotel. Fiz algumas perguntas discretas.

A mã o dela continuava na dele, o rosto encantador estava levantado para ganhar um beijo e Í ris nã o pô de deixar de observar quando Zonar inclinou a cabeç a e encostou os lá bios na face perfumada. Alguma coisa doeu em Í ris: um dardo pontudo lembrando-lhe que Colette sempre conseguia o que queria.

 



  

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