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CAPÍTULO VII



 

 O rancho era grande, cercado por um muro de pedras, acres e acres de pastagens estendendo-se alé m dos currais, dos depó sitos e da residê ncia dos vaqueiros.

 Jaime ficou entusiasmado com aqueles homens rudes, queimados de sol, muitos dos quais exibindo cicatrizes devidas ao duro trabalho com os touros. Don Enrique contou que muitos deles eram ciganos, filhos das estrelas, homens estranhos e dominadores, mas muito afetuosos. Jaime admirava-os enquanto praticavam seus jogos rudes ou bebiam vinho diretamente das botas, recipientes de couro que faziam jorrar o lí quido vermelho num jato fino.

 Eram rudes, mas muito gentis. Ricki, poré m, notou algumas vezes que alguns dos mais jovens a olhavam com interesse e achou mais prudente manter-se longe deles quando nã o estivesse com o menino. Ela era a " inglesa" e portanto considerada diferente das moç as locais. E, apesar daquela curiosidade ser inofensiva, Ricki achava mais prudente ficar longe do pá tio quando eles jogavam e fumavam seus cigarros fortes.

 Um deles tinha uma bela voz e Ricki ouvia-o cantar à noite, acompanhado da guitarra. Era uma melodia tipicamente espanhola, que tornava mais forte a estranha sensaç ã o de solidã o que se abatera sobre ela desde que chegara ao rancho.

 Pensava se nã o seria saudades da Inglaterra e de seu pai. Ela escrevia para ele regularmente, mas ele nem sempre respondia. Estava animado com o trabalho que tinha conseguido na televisã o de Eire, numa novela de é poca. Ricki tinha ficado satisfeita com a notí cia, mas nã o podia deixar de pensar que ele nã o sentia a menor falta da filha. Apesar disso, já tinha decidido voltar e procurar trabalho num hospital na Irlanda quando nã o fosse mais necessá ria ali.

 De qualquer forma, o rancho dos Salvadori era imensamente interessante. Don Enrique era um homem de grande vitalidade, apesar da idade, e cada dia ficava mais encantado por ter o neto ali com ele. Brinquedos comprados em Sevilha enchiam o quarto de Jaime e Ricki entendia agora por que don Arturo tinha dito que o menino seria mimado se vivesse com o avô e as tias. Alé m do potrinho, don Enrique deu-lhe també m um touro ainda jovem, preto como carvã o, com chifres ainda pequenos, mas que investia contra quem quer que se aproximasse.

 —Vai ser um demô nio quando crescer — disse don Erinque, olhando o touro perseguir um peoncito no curral.

 — Olé, toro! — gritava Jaime, montado nos ombros do avô.

 — O que foi, nina? — perguntou don Enrique, percebendo uma certa tristeza no rosto de Ricki. — Acha que eu estou ensinando o menino a apreciar a crueldade das touradas, é?

 — Ele é espanhol — disse Ricki. — E é natural que responda aos impulsos de seu sangue.

 — Acha esses impulsos muito violentos? — perguntou o velho, interessado.

 — Nã o — continuou ela. — Sã o interessantes. Sã o menos contidos que os nossos.

 — Que os dos ingleses; nã o é? Sabe, eu sempre me admiro de ver como você s sã o contidos em algumas coisas. Por outro lado, tê m grande paciê ncia e habilidade. Meu neto transformou-se numa crianç a diferente devido aos seus cuidados, señ orita.

 Montado a cavalo no avô, o menino parecia mesmo diferente, cheio de energia, usando um chapé u cordobê s e cinto de vaqueiro. Tã o bem estava o garoto que na noite anterior tinha se levantado sozinho para fazer xixi no urinol. Durante o café da manhã anunciou a faç anha, para grande satisfaç ã o do velho, que gargalhou alto, e de tia Rosina, que bateu as mã ozinhas delicadas. Tia Beatriz nã o estava presente, sempre ocupada com as coisas na cozinha. Ela era à s vezes uma mulher taciturna e Ricki se dava muito melhor com tia Rosina.

 As tias tinham a sua salinha particular, onde tricotavam lindas peç as que eram vendidas em Sevilha em prol de obras de caridade.

 Ricki juntava-se a elas e tentava ajudar no trabalho, mas elas eram muito mais há beis e rá pidas no manuseio das sedas, dos fios e das contas com que faziam bolsas, caixinhas e pequenos objetos. Tia Rosina, com sua voz incerta e suave, falava do passado à s vezes, mas tia Beatriz fechava a carranca e ela imediatamente mudava de assunto.

 Uma tarde, poré m, tia Beatriz tirou do fundo de uma gaveta uma caixa de charutos, toda pintada por ela mesma com cenas de danç a flamenga, e colocou-a sobre a mesa. Dentro, havia uma grande pilha de fotos de famí lia. Sempre carrancuda, ela as mostrava a Ricki, uma por uma, e tia Rosina ia identificando as pessoas, os olhos ú midos pelas lembranç as. Havia fotos de don Enrique ainda jovem, antes de perder o olho numa brincadeira com um touro. De Rosina e Beatriz quando jovens. De repente, num gesto duro, tia Beatriz estendeu para Ricki a foto de uma jovem.

 — Esta é Conquesta — murmurou tia Rosina. — Bela como uma chama!

 — É, como uma chama destruidora! — rebateu tia Beatriz.

 Ricki fixou durante longos momentos aquela moç a que havia desafiado o pró prio pai, desprezado don Arturo e fugido com Leandro. A fotografia mostrava-a em traje de montaria andaluz e isso acrescentava um toque ainda mais especial à figura esguia. Ela sorria, montada num cavalo seguro por uma mã o masculina. A foto havia sido cortada ao meio, eliminando a figura do homem.

 — Essa foto foi tirada antes do casamento de Conquesta — explicou tia Rosina.

 — Quando era noiva de Arturo — completou tia Beatriz — Arturo també m estava na foto, segurando o cavalo, mas ela o cortou fora. Essa foto foi encontrada no meio dos papé is dela depois... depois do acidente.

 Houve um silê ncio incô modo, mas Ricki decidiu rompê -lo.

 — Por que todo mundo menciona o acidente num tom tã o velado e misterioso? Foi um acidente, nã o foi?

 — Todos desejamos que tenha sido apenas isso — disse tia Beatriz levantando as sobrancelhas. — Há dú vidas e perguntas que nunca foram respondidas. O nome Cazalet é muito respeitado e o assunto foi abafado.

 — Nã o é justo falar assim — ousou dizer a irmã. — Fica parecendo que havia alguma intenç ã o sinistra por baixo de tudo isso.

 — E eu acho que havia mesmo — disse tia Beatriz, direta. — Sempre achei.

 — Oh, como pode dizer isso, Beatriz?

 — Agora já disse, mana. — Ela encolheu os ombros e trancou de novo as fotos na caixa de madeira.

 Ricki olhou aquelas mã os firmes e sentiu que as suas tremiam. Beatriz levantou e guardou a caixa.

 — As feridas que sangram por dentro sã o as mais perigosas — disse, encerrando o assunto e voltando-se. — Vamos tomar um refresco?

 — Tenho de ir — disse Ricki, levantando-se. — Acho que Jaime já acordou da siesta.

 Suas pernas estavam bambas enquanto atravessava a sala e subia as escadas, mergulhada em pensamentos. Nã o era verdade! Nã o podia ser verdade! Tia Beatriz estava velha, devia estar ruim da cabeç a. Ricki sentia-se confusa, tentando encontrar uma explicaç ã o.

 — Você está doente, Ricki? — perguntou Jaime, notando a extrema palidez dela.

 — Nã o, querido, nã o estou nã o — disse, forç ando um sorriso. — Vamos trocar de roupa e descer depressa para ver o potrinho. Já escolheu o nome para ele?

 — Já. Vai se chamar Fada Irlandesa.

 — Para lembrar de mim? — disse Ricki, emocionada.

 — Sei que você vai ter de ir embora quando eu estiver melhor — disse Jaime, desviando os olhos. — Fico triste quando penso nisso.

 — Ah, mas logo, logo, você vai para a escola. Vai brincar com os outros meninos, aprender coisas e se divertir.

 — Vou sentir saudades — disse, abraç ando-a. — Vou sentir saudades das histó rias e da sua risada.

 — Eu també m, guapo — disse ela com um nó na garganta, retribuindo o abraç o. — Mas seu tio precisa de você. Ele é um homem solitá rio e gosta muito de você. — Ela o encarou e sua voz tornou-se mais firme: — Você tem de saber, Jaime, que ele nã o teve nada, nada mesmo a ver com o acidente que... com o acidente que provocou a morte de seus pais. Diga, querido, foi o señ or Andrè s quem contou essas... essas mentiras?

 — Ele era amigo do meu pai — disse o menino, baixando os olhos —, e disse que tio Arturo tinha ciú mes dele.

 — Seu tio Arturo é um homem forte demais para sentir inveja de algué m, chico. Você nã o percebe isso? Nã o sente isso nele?

 — Ele é orgulhoso — admitiu Jaime.

 Ricki ia continuar o assunto, mas resolveu interromper quando viu que Jaime estava vestindo as calç as sozinho. Aquela crianç a estava finalmente se libertando do passado doentio! Tomara pudesse acontecer o mesmo com don Arturo!

 

 Alguns dias depois houve grande agitaç ã o com a chegada de Juanito Estebá n. Ele desceu do carro brilhante, acompanhado por alguns empregados e volumosa baga-gem. Fez um floreio com o chapé u cordobê s, primeiro para as velhas damas e depois para Ricki, curvando o corpo esguio e á gil numa reverê ncia. Vestia o traje tí pico andaluz e encarnava tudo aquilo que Ricki imaginava encontrar num verdadeiro matador, apesar de ser mais velho do que aparentava.

 Naquela noite, depois do jantar, reuniram-se todos na varanda iluminada pelos lampiõ es. Os homens tomavam conhaque e fumavam seus charutos fortes e a conversa girou em torno da Espanha, da Andaluzia, aquela terra de contrastes tã o intensos e de touros. Ricki sentiu-se lisonjeada e surpresa quando tia Rosina revelou seu enorme carinho por ela.

 — Verô nica fez maravilhas com Jaimito — disse, sorridente. — Ela tirou todo o medo que havia em seu coraç ã o e apagou os remorsos de sua mente. Imagine que o menino já dá alguns passos! Arturo está muito contente com o progresso dele.

 — Ah, Arturo! — disse Juanito, que era sempre muito direto e expressivo. — Ele també m devia esquecer. Vive sob uma grande sombra de tristeza e melancolia naquela soledad!

 Aquela solidã o! Essas palavras marcaram Ricki profundamente. Ela sentia que don Arturo se havia isolado de tudo e de todos, imerso num mundo sombrio de segredos.

 Tia Rosina começ ou a cochilar na cadeira e Ricki aproveitou para despertá -la docemente e sugerir que se retirassem, deixando os homens com a sua longa conversa noturna.

 No meio da noite Ricki despertou com o luar brilhante que iluminava o quarto todo e descobriu, surpresa, que tinha as faces molhadas de lá grimas. Tinha chorado durante o sono e se perguntava a si mesma por quê?

Desde que viera para o rancho dos Salvadori sentia-se melancó lica, apesar de gostar muito do lugar. Seu estado de espí rito perdera toda a constâ ncia. Num momento estava alegre e no minuto seguinte, mergulhada em tristeza.

 

 — Quié n no visita Sevilla, no visita Ia Maravilla — dizia tia Rosina, a româ ntica.

 Mas mesmo tia Beatriz, que era mais secarrona, adorava Sevilha, o coraç ã o da Andaluzia, e ambas esperavam com impaciê ncia o dia do passeio.

 Poré m, desde a chegada de Juanito, Jaime sentia-se menos inclinado a ficar com as mulheres. Ricki relutou mas acabou concordando em deixá -lo no rancho enquanto ela ia a Sevilha com as irmã s de don Enrique.

 — O pequeno vai ficar muito bem — garantiu don Enrique. — Você s, mulheres, vã o passear e ver as lojas e deixem os homens com os toros.

 — Por favor, señ or, nã o se esqueç a de que Jaime ainda nã o está tã o forte quanto os outros meninos. Se alguma coisa acontecer a ele, don Arturo nunca me perdoará.

 — Eu sou o abuelito — disse o velho, ofendido. — Prefiro ser esmagado pelos meus touros a permitir que algo aconteç a a Jaimito. Ele é o filho do meu coraç ã o, a ú nica coisa que me restou depois da morte de Conquesta.

 — Desculpe — disse ela. — É claro que o senhor cuidará bem de Jaime. É que eu nunca passei um dia inteiro longe dele desde que vim para cá. Estou sendo super-protetora.

 — Seu coraç ã o é grande demais! — disse o velho, fazendo um carinho no rosto dela. — Esqueç a seus deveres e responsabilidades um pouco e divirta-se em Sevilha, nina. As lojas em Sevilha vã o deixá -la maluca e as maravilhas do Alcazar vã o pô r estrelas nesses olhos verdes!

 

 Sevilha era realmente o coraç ã o da Espanha. Havia uma atmosfera de beleza e alegria naquela cidade de setecentas ruas cheias de palmeiras. A mais famosa de todas era a Calle de Ias Sierpes, cheia de café s com mesinhas na calç ada e lojas que vendiam todo tipo de coisas. Ricki comprou um vestido para ela e um par de chinelos para dar de presente de aniversá rio a don Enrique. Depois desceram a ma até uma loja de antigü i-dades.

As irmã s queriam escolher o presente pata o velho e, enquanto conversavam com o gerente, Ricki passeou pelos balcõ es.

 Descobriu deliciada uma caixinha de mú sica antiga com um macaquinho que danç ava quando a mú sica soava. O preç o estava ao alcance de suas posses e Jaime ia adorar aquilo. Comprou-a e até tia Beatriz riu ao ver o macaquinho danç ar.

 Era hora do almoç o e as trê s passaram pelos café s em busca de um restaurante mais discreto. As mesinhas estavam cheias, de sevilhanos elegantes que nã o deixaram de notar Ricki com seu tipo tã o diferente da beleza local e ela chegou mesmo a ouvir alguns comentá rios elogiosos à s suas pernas esguias.

 Estava com fome e a maravilhosa comida espanhola era especialmente bem preparada em Sevilha. Almoç aram fartamente.

 — Agora, vamos visitar o Alcazar — disse Beatriz.

 — Ó timo! — respondeu Ricki, animada. Talvez fosse sua ú nica chance de conhecer aquele palá cio colorido que parecia saí do diretamente das Mil e Uma Noites.

 — O caminho é muito í ngreme. Vamos tomar uma carruagem — ordenou tia Beatriz.

 A carruagem era coberta e o cavalo tinha os arreios decorados com sininhos e contas azuis. As ruas estavam bem mais tranqü ilas, pois a maior parte das pessoas se havia retirado para a siesta.

 Os jardins do Alcazar eram silenciosos, adorá veis. Ricki vagou pelos pomares de laranjeiras, atravessando tú neis de roseiras carregadas. Havia fontes azulejadas, sombreadas por á rvores de magnó lia. O palá cio em si era româ ntico, cheio de torres, com uma colunata elegante terminada em arcos decorados.

 Havia labirintos de folhagens e um ar de misté rio e encantamento que evocava todas aquelas histó rias sobre o Alcazar, a residê ncia de Pedro, o Cruel.

 Dizia-se que entre as colunas ecoavam ainda os gritos das donzelas que resistiam a ele.

 O interior do palá cio era maravilhosamente entalhado e decorado com azulejos, com colunas de má rmore e longos corredores. Ricki, que tinha uma imaginaç ã o fé rtil, poderia passar horas e dias vagando pelo velho palá cio e seus jardins, imaginando histó rias, mas a tarde chegava ao fim e era hora de voltar para o rancho.

 Durante o trajeto de volta na carruagem que ia levá -las até o carro, Ricki ficou calada, hipnotizada pela beleza estranha e cruel do passado daquela terra. O passado que intrigava don Arturo e que ele conhecia atravé s de todos aqueles livros que tinha no escritó rio. Ela quase podia vê -lo, sozinho, à noite, envolto na fumaç a do charuto, os olhos escuros absortos na leitura.

 Começ ava a esfriar e Ricki pensou novamente nos contrastes extremos daquela terra que aprendera a amar. Calor de dia, frio de noite, nunca o meio-termo. Ela havia amadurecido e tinha aprendido muitas coisas. Inclusive que uma carreira profissional nã o bastaria para satisfazer o seu coraç ã o quente.

 O dia do aniversá rio de don Enrique estava chegando e Ricki se sentia ansiosa para saber se seu patrã o viria ou nã o à festa. Nã o sabia bem se sua inquietaç ã o era porque queria que viesse ou porque queria que nã o viesse. De qualquer forma, estava tã o agitada uma certa tarde que resolveu passear a cavalo, depois de colocar Jaime na cama para dormir a siesta.

 Quando ia saindo do rancho, um dos camponeses que estava dormitando sob uma á rvore afastou o chapé u do rosto e acenou para ela.

 — O solano está soprando, señ orita. Nã o devia sair.

 — O vento ainda está fraco — disse, confiante. — E nã o vou demorar muito.

 Tocou o cavalo para as planí cies, pois os campos de pastagens estavam cheios de touros negros e ameaç adores. Assim que começ ou a galopar, sentiu o sopro morno do solano que havia começ ado nas primeiras horas da manhã. Sabia que, se ficasse muito forte, o vento poderia provocar uma tempestade de areia, mas por enquanto parecia nã o haver perigo. Sentia-se inquieta, ligeiramente sufocada, e queria estar sozinha, galopando.

 O cavalo era bastante veloz, mas Ricki nã o queria cansá -lo demais. Depois de algum tempo reduziu o passo, por causa do calor e da poeira que começ ava a encher o ar, e procurou uma sombra para descansar. Nã o conhecia aquelas planí cies, mas don Enrique tinha-lhe dado aquele cavalo porque ele sabia o caminho de volta para o rancho, no caso de ela perder-se.

 Desceu da sela e prendeu as ré deas nos galhos de um arbusto. Pensou em descansar um pouco à sombra das á rvores, mas havia formigas na terra. Um pouco adiante havia uma elevaç ã o rochosa e, na calma da tarde, podia ouvir o murmú rio de á gua. Devia haver um regato ou uma cachoeira em algum lugar entre as pedras.

 Escalou a pequena encosta, sentindo o calor pregar a camisa em sua pele. Logo chegou a uma pequena cachoeira que caí a suavemente, formando um regato estreito. Era lindo! Sentou-se para descansar um pouco.

 Minutos depois, olhando para o cé u, levou um susto. Havia uma neblina avermelhada e cortinas de poeira varriam as planí cies, tocadas pelo vento cada vez mais forte e quente, como se soprasse de uma fornalha.

 Decidiu voltar depressa para o rancho e desceu pelas pedras. O cavalo, poré m, nã o estava onde o tinha deixado, preso aos galhos do arbusto. Olhou em torno. O animal talvez tivesse sentido sede e conseguido soltar as ré deas que ela nã o tinha prendido com forç a. Mas ele nã o estava ali.

Devia ter-se assustado com o vento e a essa hora já devia ter chegado ao rancho.

 Era assustador sentir-se isolada, perdida nas planí cies selvagens, com uma tempestade de areia começ ando. Ricki amarrou o cordobê s na cabeç a e cobriu a boca com o lenç o que trazia no pescoç o para proteger-se da poeira. Teria de ficar ali e esperar até que a tempestade passasse. As rochas dariam alguma proteç ã o e havia á gua para se refrescar. Tinha ouvido dizer que as tempestades de poeira podiam durar vá rias horas, mas agora só lhe restava esperar que aquela terminasse depressa.

 Escondeu-se numa reentrâ ncia do rochedo, preferindo enfrentar as formigas do que aquele vento furioso que parecia o bafo de um dragã o. Foi loucura sair assim, pensou Ricki, encolhendo as pernas e escondendo a cabeç a entre os joelhos. O ar ficava cada vez mais quente e ela sentia-se derreter.

 Perdeu a noç ã o do tempo, até que, de repente, percebeu uma calmaria mortal. Levantou-se e olhou em torno. A tempestade tinha cessado tã o depressa quanto começ ara. As planí cies pareciam maiores e mais á speras do que nunca e ela sentia a boca seca e os membros adormecidos por causa da posiç ã o em que tinha ficado.

 Caminhou até o riacho, lavou as mã os e o rosto e bebeu daquela á gua sem se importar com a espuma de poeira que a recobria.

 Sentindo-se um pouco melhor e mais tranqü ila, resolveu avaliar sua situaç ã o. O cavalo teria chegado sozinho ao rancho e don Enrique, provavelmente, já tinha enviado seus homens à procura dela. Em vista disso, talvez fosse melhor ficar ali mesmo e esperar, em vez de tentar encontrar sozinha o caminho de volta. Começ ava a anoitecer e tudo o que se ouvia na planí cie deserta era o canto das cigarras e um ou outro sapo junto ao riacho.

 O cé u escurecia rapidamente e o ar começ ava a esfriar. A poeira havia parado os ponteiros de seu reló gio, mas ela sabia que devia ser pouco depois de seis horas. O que fazer? Tentar voltar ou ficar e esperar? Podia acender uma fogueira! Chamaria a atenç ã o e ajudaria a afastar o frio. Ricki procurou nos bolsos da saia de montaria. Por sorte, estava vestindo aquela saia quando encontrou Jaime brincando com uma carteia de fó sforos de papel outro dia. Tinha confiscado o que lhe pareceu perigoso no momento e agora talvez fosse a sua salvaç ã o.

 Fez um cí rculo de pedras grandes e encheu-o de gravetos secos. Ia esperar esfriar mais para acender a fogueira, pois nã o havia muita vegetaç ã o por ali.

 As estrelas começ aram a brilhar no cé u. Soprava uma brisa fria e Ricki olhava o cé u. Estava sozinha. E perdida.

 Suportou o mais que pô de o frio cada vez mais forte e, por fim, riscou alguns dos fó sforos e acendeu os gravetos. Chamas brilhantes surgiram imediatamente e Ricki estendeu as mã os para aquela quentura reconfortante. Há apenas algumas horas quase morrera de calor naquele vento escaldante e agora sentia-se gelada até os ossos.

 Olhou as Sierras ao longe, recortando seus picos contra o cé u estrelado. Tudo era silê ncio. Sentou-se, abraç ando as pernas dobradas. E esperou. Uma ou duas vezes ouviu à distâ ncia o latido de um cã o. Mas devia ser apenas o cã o de guarda de algum pastor latindo para o rebanho. Arrepiou-se com a idé ia de enfrentar um daqueles bichos ferozes sozinha naquele lugar.

 Colocou mais gravetos, avivando o fogo. Imó vel, estava atenta a cada som dentro da noite. Podia ouvir as batidas do pró prio coraç ã o e agora o vento, que parecia murmurar alguma coisa. Apurou o ouvido, pensando ouvir um nome, mas o silê ncio dominou tudo outra vez.

 Estava cansada. Baixou a cabeç a sobre os joelhos dobrados. De repente, uma voz profunda e inconfundí vel chamou o seu nome. Nã o era sonho, era real, bem real.

 — Verô nica! Verô nica!

 Seu nome ressoava pelas planí cies e ela se pô s de pé num salto, iluminada pelas chamas da fogueira. Um cavalo surgiu da escuridã o, bufando e espumando depois do longo galope, e ela viu nitidamente quem era o cavaleiro.

 Don Arturo apeou depressa e chegou até ela em dois passos grandes. Seus olhos brilhavam ferozes, como um falcã o. Ricki sentia o disparar apavorado do coraç ã o dentro do peito. Conhecia aqueles relâ mpagos de ira nos olhos escuros e sabia que ele estava furioso porque ela tinha causado problemas.

 — Arregale mesmo esses olhos verdes, assustados! — disse ele com uma voz que parecia veludo sobre uma lâ mina. — Foi de propó sito que resolveu sair no solano? Só porque sabia que eu vinha hoje ao rancho?

 — Eu nã o sabia... ningué m me disse... — gaguejou ela, ferida e magoada por ele nã o demonstrar nenhuma consideraç ã o por tudo o que ela tinha passado.

 — Don Enrique nã o lhe disse que eu vinha passar o fim de semana no rancho por causa da festa? Eu avisei... mas...

 Ele se calou, subitamente, e aproximou-se mais. Tomou as mã os dela entre as dele.

 — Chica, você está gelada! Tome, vista o meu casaco — disse, tirando o agasalho e envolvendo-a nele. — Por que fez isso? Quando seu cavalo voltou sem cavaleiro foi um grande susto. Os vaqueros e eu procuramos durante toda a tarde. Há menos de dez minutos vimos um brilho nesta direç ã o e eu resolvi investigar se era apenas uma fogueira de pastores ou se era você.

 — Sinto muito ter causado tantos problemas — disse Ricki, controlando a vontade de chorar. — Resolvi descansar um pouco e quando...

 Ricki levantou o olhar para o rosto dele e quase perdeu o fô lego. A severidade daqueles olhos escuros estava iluminada por um desejo terno e ardente. A tensã o havia desaparecido daqueles lá bios que ela se sentiu subitamente tentada a beijar.

 As emoç õ es jorraram dentro dela, rompendo a barreira que havia construí do contra ele. O amor a inundou como uma grande onda e ela virou-se para o lado, temerosa de revelar o que ia em seu coraç ã o.

 Sentiu as mã os dele segurarem com forç a os seus ombros, apertando-a contra o peito.

 — Por quê? — perguntou a voz grave. — Está com medo de mim, bela?

 — Nã o... nã o sou bela, Arturo — gaguejou sem se voltar.

 — Você tem a beleza que brilha nos coraç õ es puros e generosos, Verô nica. Nã o brigue comigo agora, mi vida, eu nã o saberia o que fazer...

 Ela quase nã o podia acreditar naquelas palavras e ele a virou de frente com um gesto forte, excitado.

 — Por que você disse que nunca poderia casar comigo?

 — Porque pensei que você ainda amava Conquesta. E nunca me amaria — sussurrou ela. — Nã o podia aceitar um casamento sem amor, Arturo.

 — E eu achava que, se pudesse fazê -la confiar em mim, aprenderia a me amar. Será que você me amava e nã o teria temido se eu declarasse meus sentimentos?

 — Eu nã o teria tido medo, Arturo — disse Ricki, afundando a cabeç a no peito dele, apertando o rosto contra aquele coraç ã o num contato que já nã o lhe causava medo, mas apenas uma enorme gratidã o e ternura. Se tivesse o futuro com ele, jamais se importaria que o passado pertencesse a Conquesta.

 Estavam agora tã o pró ximos em espí rito, que era impossí vel ele nã o descobrir o que ia pela cabeç a dela. Sentaram-se lado a lado, em torno do fogo, de mã os dadas.

 — Temos de esclarecer tudo agora, chiquita. Afastar todas as sombras, para sempre.

 Ricki apertou a mã o dele para mostrar que nã o tinha mais medo. Olhava-o nos olhos iluminados pelo fogo.

 — A respeito de Conquesta... eu fui uma fraude! Ela entendeu que eu ia me casar com ela apenas para agradar a meu pai. E era verdade! Meu pai era um homem doente e desejava de todo coraç ã o aquele casamento. Eu nã o podia magoá -lo. E, apesar de meu coraç ã o nã o sentir nada por Conquesta, estava decidido a levar a histó ria até o fim. Mas ela sabia. O instinto lhe dizia que eu estava apenas jogando.

 Suspirou e, passando um braç o em torno de Ricki, puxou-a para mais perto de si.

 — Conquesta era muito bonita. Devia ter sido fá cil amá -la. Mas o amor é uma forç a misteriosa sobre a qual nã o temos nenhum controle. Brigamos uma noite, na caseta de conchas, Ela me acusou de frieza. Disse que ia fazer uma loucura. Mas eu nã o acreditei que chegasse ao ponto de fugir com Leandro... Infelizmente, meu pai foi o primeiro a encontrar a carta de despedida que ela deixou. Teve um segundo ataque cardí aco e morreu. Essa foi a fonte da minha amargura. Passei a achar que as mulheres nã o jogam com franqueza nesses assuntos. Eu ofendi Conquesta com a minha incapaci-dade de amá -la da maneira apaixonada dos outros homens que caí am aos pé s dela. E escolheu Leandro como instrumento para derrotar meu orgulho. Todos pensariam que ela tinha me abandonado, como pensaram realmente. Mas Conquesta queria a vinganç a, sem nunca levar em conta o que a sua loucura poderia causar a meu pai ou a Leandro.

 Arturo silenciou, imó vel, por longos momentos. O fogo tinha se apagado e as estrelas brilhavam pró ximas no cé u aveludado.

 — Nã o precisa dizer mais nada, Arturo — murmurou Ricki.

 — Nã o, amor?

 — Nã o, nunca.

 Em seu coraç ã o Ricki tinha certeza de que Leandro sabia que os freios do carro estavam quebrados ao sair com Conquesta e Jaime para o passeio fatí dico. Leandro amava Conquesta e era incapaz de enfrentar o fato de ela nã o sentir nada por ele.

 Ricki e Arturo ficaram ali algum tempo, em silê ncio. Entã o, ele a abraç ou mais forte e ela virou o rosto para o dele. A forç a do amor brilhava naqueles olhos ú midos de lá grimas. Ele a apertou mais e mais e Ricki sentiu-se pregada à quele coraç ã o. Para sempre.

 — Minha querida Verô nica — sussurrou ele —, quer ser mesmo minha esposa?

 — De verdade, Arturo? Você sempre me pareceu tã o distante e frio.

 — Se eu tivesse demonstrado o calor dos meus sentimentos, você teria fugido de mim — disse, beijando suavemente os olhos dela. — Você deu ouvidos a todos os rumores, aos comentá rios. Achava que eu era um monstro, nã o?

 — Só um pouquinho. Mas agora, Arturo, nã o haverá mais rumores, nem dú vidas. Vou amá -lo tanto e gritar para o mundo o meu amor. E todos dirã o que só um santo pode ser tã o adorado.

 — Ricki... — disse ele, sorrindo para os olhos verdes. — Eu sou apenas um homem. E impaciente. Vamos anunciar nosso casamento na festa amanhã à noite. Jaime pode ficar com o avô durante nossa lua-de-mel. Para onde você gostaria de ir?

 Ela pensou imediatamente na Irlanda, nas planí cies e colinas. Queria mostrar a ele os lugares da sua infâ ncia antes de começ arem a nova vida no vale.

 Pediu bem baixinho que ele a levasse para a Irlanda e ele selou a promessa com um beijo. Um beijo cheio de amor e desejo e toda a paixã o contida de um homem que havia sofrido e cujas feridas, agora, cabia a ela curar.  

 A noite os envolveu e as estrelas pareciam sorrir no amplo cé u espanhol.

 

FIM

 


 

 

 



  

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