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CAPÍTULO VI



 

 Na semana seguinte Ricki e Jaime usaram a piscina pela primeira vez. Os azulejos coloridos rebrilhavam dentro da á gua e a casa de conchinhas estava linda e arejada, livre dos fantasmas, com a nova mobí lia e os vasos de plantas.

 Ricki tinha encomendado a uma loja em Sevilha os trajes de banho para ela e para Jaime, alé m das bó ias.

 O menino estava excitado e nervoso enquanto ela o vestia na caseta e, sentindo-o agarrar-se a seu braç o, resolveu de repente tirar do pescoç o seu amuleto e colocá -lo no menino.

 — Pronto, agora você está protegido.

 — E você, Ricki? — perguntou ele examinando o trevinho de ouro entre os dedos.

 — Olhe só! — disse Ricki, apanhando um ramo de verbena e colocando-o nos cabelos. — Pronto! Ficou bom?

 — Você está linda. Mas para que serve isso?

 — Verbena é uma planta má gica, rapaz — disse, fazendo uma espé cie de reverê ncia irlandesa. O riso infantil soou fresco e puro naquele lugar que tinha sido tã o lú gubre.

 Sentindo o menino mais relaxado e confiante, Ricki se despiu, exibindo o maiô novo. Minutos depois ela e Alvarez colocavam o menino dentro da á gua. De olhos arregalados e ainda um pouco temeroso, ele flutuava apoiado à bó ia.

 — E entã o? — perguntou ela entrando na á gua també m. — Está gostando?

 — Estou boiando. Como um pato. — Jaime batia as mã os na á gua e podia enxergar as pró prias pernas se debatendo em movimentos desencontrados.

 Os dois brincavam na á gua, rindo divertidos, observados pelo bom Alvarez que sorria, encorajando Jaime. Depois de algum tempo, Ricki achou que era hora de começ ar a ensiná -lo a nadar.

 — Encolha as pernas e depois dê um coice. Como uma mula, chico. Vamos lá. Encolhe, chuta, encolhe, chuta. Assim. Isso mesmo...

 Como era a primeira vez, ela achou que deviam ficar apenas uma hora. Depois de se enxugarem, deitaram-se nas cadeiras de vime para saborear a limonada e os biscoitos que Alvarez tinha trazido.

 Cansado e feliz, Jaime logo dormiu. Ricki olhou em torno, relembrando os argumentos que tinha usado para convencer don Arturo. Era uma manhã esplendo-rosa, com o cé u muito azul e o sol brilhando entre as á rvores agora podadas e viç osas.

 Mergulhada em pensamentos, seus olhos aos poucos foram se fechando. Mas, antes que conseguisse dormir, sentiu uma sombra projetar-se sobre ela. Abriu os olhos e viu Alvedo Andrè s, as mã os enfiadas no cinto, um sorriso preguiç oso nos lá bios.

 — É mesmo como eu pensei — disse. — Você tem olhos verdes de bruxa.

 — Psiu! — murmurou, indicando o menino que dormia. — Chegou cedo hoje.

 — Tinha tempo livre e resolvi vir ver se meu aluno ia gostar da liç ã o de nataç ã o. — Alvedo a examinou, sorrindo. — Nunca a tinha visto em traje de banho. Vai-lhe muito bem.

 Ricki sentiu-se repentinamente consciente do tamanho reduzido de seu biquí ni. Sentou-se à beira da piscina e mergulhou os pé s na á gua. Alvedo encostou-se no tronco de uma á rvore.

 — Será que está envergonhada? — murmurou, malicioso.

 — Nã o exatamente. Apenas consciente de que o protocolo espanhol nã o aprova o biquí ni.

 — É bem menos... ousado do que alguns que as turistas usam na Costa Brava — disse, rindo. — Por que deveria uma garota esconder-se se tem boas formas? Meu olho de artista está fascinado. Você é uma ninfa e eu gostaria muito de retratá -la. Posaria para mim?

 — Nã o sei — respondeu, incerta. — Dentro de alguns dias Jaime e eu vamos passar uma temporada no rancho dos Salvadori. Talvez nã o dê tempo de posar. Jaime está dia a dia melhor e, logo, minha presenç a nã o será mais necessá ria aqui.

 — Quer dizer... — disse ele, aproximando-se — que vai deixar a Andaluzia?

 — Vou embora da Espanha quando meu trabalho chegar ao fim. Por quê? Achou que eu tinha vindo definitivamente?

 — Qué guapita eres! — disse ele com olhos brilhantes.

 — Nã o me elogie, Alvedo. E nã o tente me namorar.

 — Por quê? Tem medo de se apaixonar? — disse ele, abaixando-se e sorrindo, atraente e româ ntico. — Por que ter medo do amor? O marquê s de Custine já disse que " o amor é a pró pria vida para os que o encontram na Espanha".

 — Eu vim como turista e depois resolvi aceitar este emprego. Mas o amor... nã o constava da minha lista — respondeu, risonha.

 — A prudê ncia é como uma cadeira confortá vel e a gente acaba dormindo. Ah, Ricki, gosto tanto do charme aparentemente frio das inglesas, esse ar distante. Gosto das sardas no seu narizinho e desse brilho de noite em seus cabelos. Nã o posso acreditar que você queira ficar para titia.

 Ricki deu uma gargalhada. Ele a agarrou pelo pulso, apoiando a outra mã e na beirada da piscina. Alarmada, Ricki olhou em torno. O menino dormia ainda, mas por detrá s das á rvores poderia surgir a qualquer momento aquela figura alta e esguia para encontrá -la de mã os dadas com o professor.

 — Alvedo, largue meu braç o. Nã o quero falar disso.

 — Mas por que está tã o nervosa? — perguntou ele. — Acha que há fantasmas por aqui? Ou é de algué m muito vivo que tem medo? Sossegue, don Arturo nã o virá aqui. Pará ele este lugar é cheio de fantasmas.

 — Ele pode chegar a qualquer momento — disse, tentando libertar o pulso.

 Mas Alvedo a segurava com forç a, machucando-a. Visto assim de perto seu rosto era moreno e decidido e era evidente que o nervosismo e o corpo quase despido dela o haviam excitado. Ricki desejava ardentemente que o menino acordasse. Alvedo nã o seria capaz de tentar alguma coisa diante de Jaime.

 — Você já esteve sozinha aqui com Arturo? — perguntou ele, curioso. — E como é que ele se comportou? Como homem ou como patrã o?

 — Como patrã o, é claro. — Ricki estava perdendo a calma. — Don Arturo comporta-se sempre com enorme cortesia.

 — Só cortesia? — disse Alvedo apertando os olhos. — E isso a desaponta, guapita? Gostaria de vê -lo em outro estado de espí rito? Apaixonado, talvez?

 — Como ousa dizer isso?! — Ricki tentava soltar a mã o dele, mas Alvedo apenas sorria dos esforç os dela e logo prendeu seus dois pulsos entre as mã os fortes.

 — Arturo de Cazalet nã o é feito apenas de orgulho e de ferro, señ orita inglesa, e você nã o vai me convencer de que durante mais de um mê s, vivendo sob o mesmo teto, ele nã o tenha notado sua pele branca e macia e esses olhos que brilham como pedras de jade.

 Com um sú bito puxã o ele a pô s de pé, mas escorregaram nos azulejos molhados e iam ambos cair quando ele a abraç ou e conseguiram se equilibrar de novo. Nesse momento houve um ruí do de plantas e folhagens e, desviando os olhos, Alvedo a soltou. Ricki virou-se rapidamente e deparou com don Arturo parado entre as á rvores. Imediatamente sentiu-se enrubescer, sabendo o que ele estava pensando.

 — Tive um sonho tã o comprido — disse Jaime, despertando e espreguiç ando-se na cadeira.

 — Vamos, chico — disse don Arturo, impassí vel, caminhando até o menino. — Vou levá -lo para casa. Está quase na hora do almoç o.

 — Ricki — disse Jaime, rindo por cima do ombro do tio —, você está com uma cara engraç ada.

 Ainda tonto de sono, Jaime aceitou sem protestar que o tio o levasse, deixando Ricki paralisada. Assim que saí ram ela se voltou, atirando um olhar furioso a Alvedo, apanhou suas roupas e entrou na caseta, batendo a porta. Vestiu-se depressa, sentindo-se enjoada, vazia. Seu sexto sentido lhe dizia que don Arturo viria ali naquela manhã e ela se perguntava se Alvedo nã o teria sentido o mesmo, provocando aquela cena de propó sito. Havia toda a aparê ncia de uma cena amorosa. Ela estava de biquí ni e tinha os cabelos despenteados.

 Escovou vigorosamente os cabelos e notou que a mã o tremia ao passar o batom. Don Arturo provavelmente a dispensaria agora, dizendo que ela nã o fora empregada para namorar o professor, mas para cuidar de Jaime. Mordeu o lá bio com raiva e saiu da caseta. Felizmente Alvedo já tinha ido embora.

 Atravessando o jardim ia pensando que esta já era a segunda vez que don Arturo a surpreendia nos braç os de Alvedo e era inevitá vel que ele pensasse haver alguma coisa entre os dois. Alé m disso, devia detestar as emoç õ es alheias, uma vez que as suas pró prias emoç õ es estavam mortas.

 Atravessou correndo o hall de entrada, vendo de relance aquele homem solitá rio e rí gido comendo sozinho na enorme sala de jantar. Ao subir o primeiro degrau, sentiu algo ferir a palma da mã o que tocou no corrimã o. Era um espinho de roseira que havia se cravado em sua pele ao tocar a roseira branca perto da caseta, fugindo de Alvedo. Por sua mente cruzou rapidamente a lembranç a daquela rosa branca solitá ria no escritó rio de don Arturo. Rosas e espinhos escuros... A suavidade da rosa atraindo o toque e, entã o, a sú bita picada do espinho oculto.

 Ricki sentiu-se gelar e correu escada acima.

 

 Quando Alvedo chegou para as liç õ es da tarde, Ricki evitou entrar no quarto. Sentou-se na sacada, tentando ler um livro. Lá embaixo, no pá tio, havia uma grande agitaç ã o depois da siesta e Ricki ficou olhando um dos filhos de Sophina selar dois grandes cavalos. Um deles era o cinzento que don Arturo costumava montar e o outro era cor-de-mel com uma mancha preta. Estava tentando imaginar quem iria acompanhar seu patrã o quando ouviu um toque na porta.

 Cruzou o quarto sem perceber que brincava com o amuleto de ouro dependurado no pescoç o. Ao abrir a porta viu-se, surpresa, diante de don Arturo. Estava vestindo culote, uma camisa de seda e um chapé u cordobê s negro pendurado na nuca.

 — Vou sair para fazer um pouco de exercí cio, srta, O’Neill — disse, sé rio. — Gostaria que me acompanhasse.

 Ricki já tinha saí do para cavalgar algumas vezes, mas nunca em companhia de seu patrã o. Sentia certo pâ nico diante da idé ia. Seria essa a maneira que ele tinha achado para ficarem a só s e despedi-la do emprego?

 — Vem ou nã o? — perguntou ele sem titubear, encarando-a com os famosos olhos escuros.

 — Se o señ or quer que eu vá, entã o irei, sim — disse, ouvindo o tremor da pró pria voz. Ela nã o tinha nenhuma vontade de deixar aquela casa e aquele lugar, que tinha aprendido a amar. Mas a palavra de don Arturo era lei e, se ele já tivesse decidido, nã o havia como escapar.

 — Muito bem — disse, estalando o chicote na bota alta. — Tem dez minutos para vestir a roupa de montaria. Estarei esperando no pá tio.

 Ricki trocou-se depressa, pensando que ele era frio e ditatorial, mas mostrava sempre uma ponta de solidã o e sofrimento. Olhou a ferida do espinho na mã o, mas resolveu apressar-se. Tinha apenas dez minutos.

 Chegou ao pá tio um pouco sem fô lego, vestindo a saia-calç a de montaria e seu chapé u cinzento també m cordobê s.

 — Que surpreendente pontualidade para uma mulher! — disse ele, ajudando-a a montar e sorrindo com seus dentes alvos.

 — É um belo cavalo, señ or — observou ela.

 — Acabo de comprá -lo. Os espanhó is nunca resistem à s coisas que dã o prazer aos olhos — disse ele, subindo para a sela do cavalo cinzento.

 Atravessaram o pá tio a passo lento, mas assim que chegaram na estrada os cavalos romperam num galope. Ricki entã o resolveu esquecer as preocupaç õ es com o que podia acontecer depois da cavalgada e aproveitar o passeio.

 Don Arturo cavalgava com elegâ ncia e Ricki sabia que ele estava retendo a velocidade de seu cavalo para que ela pudesse acompanhá -lo. Sorriu e ele sorriu de volta. Um arrepio de prazer a percorreu inteirinha e ela sentiu-se presa ao encanto daquela terra bá rbara e estimulante. As rochas, as sombras e o sol feroz entravam no sangue da gente e era por isso que o misté rio e a paixã o do amor se tornavam ali ainda maiores.

 Finalmente, detiveram os cavalos no alto do vale para olhar a vista. O sol fazia tremular aquela paisagem ampla e primitiva e Ricki surpreendeu em don Arturo um ar de profundo prazer admirando aquela terra. Ela percebeu que nã o era apenas uma sensaç ã o de posse ou de poder, mas uma emoç ã o genuí na, como se ele apreciasse aquela vista pela primeira vez.

 — Este vale me encanta sempre — murmurou ele. — Nasci aqui e aqui passei toda a minha vida e, no entanto, todas as vezes que venho aqui fico maravilhado.

 — O señ or o ama, é por isso — disse ela, tí mida.

 — E os prazeres do amor sã o sempre renovados, nã o? — disse, voltando para ela os olhos escuros. — Fala por experiê ncia pró pria, señ orita? Você, que já afirmou nã o ter nenhuma opiniã o pessoal sobre essa coisa que chamamos amor?

 — Aquela cena que o señ or presenciou hoje de manhã nã o era o que parecia — disse, ruborizando. — Eu estava descalç a e escorreguei nos azulejos molhados. Alvedo me segurou para eu nã o cair.

 — Srta. O’Neill — disse ele —, se existe alguma atraç ã o entre você e o guapo Alvedo é problema exclusivamente seu. Se pareci irritado esta manhã foi apenas porque sou espanhol demais para aprovar namoros nã o tradicionais.

 — Alvedo e eu nã o estamos namorando — disse, indignada. — Nã o foi para isso que vim à Espanha e o señ or sabe muito bem disso.

 —Quanto mais se conhece uma mulher, menos se sabe dela. As mulheres sã o criaturas de extremos. Ou amam, ou odeiam.

 — Ou sã o inteiramente indiferentes — disse, encarando-o, sem se importar com o que ele ia pensar. — Amar é depender de outro para ser feliz, e nã o creio que seja isso o que desejo.

 — Entã o — sorriu ele, irô nico —, concordamos afinal a respeito de alguma coisa. Todo o nada. É um fato doloroso a enfrentar, nã o?

 Ricki desviou o olhar para o vale. Espana, terra de orgulhosos, terra daqueles que amam com fervor assustador e que podem chegar a vinganç as crué is.

 — Está tremendo — disse ele, tocando de leve o pulso dela. — Corremos demais, talvez?

 A boca de don Arturo contraiu-se naquela expressã o severa que ela conhecia bem. Havia chegado o momento que tanto temia. Ele sugeriu que apeassem para descansar o cavalo e conversarem um pouco. Desceu da montaria cinzenta e veio até ela para ajudá -la. Ricki sentiu as mã os fortes agarrarem sua cintura e, por um momento, ficou muito junto dele, ao desmontar. Levantou o rosto que exprimia um medo enorme daquilo que ele ia dizer. Nã o podia implorar para ficar. Tinha seu orgulho també m. Mas como ia sentir ter de deixar Jaime e partir daquele belo vale!

 Enquanto os cavalos pastavam um pouco Ricki e don Arturo caminharam pela borda da montanha e sentaram-se sobre as rochas ainda quentes. O sol se punha ao longe, inundando tudo em luz dourada.

 — Acho que você está aprendendo a gozar o momento presente, sem pensar no que vem depois, nã o? — disse don Arturo calmamente.

 — Nunca estive num lugar tã o lindo como este vale, señ or — disse tentando nã o pensar no que ele estava para dizer. — Deve ser a parte mais bonita da Andaluzia.

 — O ar parece ter o pró prio sopro da vida, nã o? — Ele levantou o perfil altivo e forte, aquela ponta de tristeza aflorando na rigidez da boca. —Ser espanhol, señ orita, é ser um pouco tocado pelo fatalismo oriental. Aqui, acreditamos que os homens sã o escravos do destino.

 — E as mulheres?

 — Elas, quase sempre, sã o escravas do amor — respondeu ele, voltando para ela os olhos escuros penetrantes. — Creio que a irritei há pouco mencionando sua... amizade com Alvedo Andrè s. É mesmo só uma amizade? Diga a verdade.

 — Eu sempre digo a verdade, don Arturo.

 — Ah, como brilham os olhos verdes! — disse ele, rindo sú bita e surpreendente-mente. — Você tem gê nio forte, guapita. Mas o que seria de uma mulher sem gê nio?

 — O señ or é particularmente há bil em me fazer explodir. — Sorriu.

Mas o sorriso murchou logo e ela prosseguiu: — Uma vez que sabe da verdade agora, haveria possibilidade de nã o me despedir?

 — Estamos falando de coisas diferentes, acho — disse ele depressa. —Você pensou que eu ia despedi-la por comportamento indiscreto?

 — Sei que pensou que, como enfermeira, eu devia me comportar melhor. Mas o señ or deve saber que as coisas à s vezes podem parecer o que nã o sã o.

 — Verdade — disse ele, abrindo um sorriso cí nico e pensativo. — Você parece relutante em deixar nosso vale, srta. O’Neill. Será que começ ou a amá -lo també m?

 — Sim. Adoro este vale e adoro seu sobrinho — admitiu. — E seria difí cil... será difí cil ter de partir.

 — Mas você nã o tem de partir — disse ele docemente.

 — Nã o entendo — disse ela, arregalando os olhos e fixando o rosto dele. Houve uma pausa, imó vel, só as nuvens se moviam.

 — Entã o, sejamos mais explí citos. — Don Arturo tomou subitamente a branca mã o dela, que contrastava com a pele morena dele. —Lembra-se que eu contei uma vez que minha famí lia tem sangue inglê s? É interessante, nã o?

 — Por favor — disse ela, nervosa e agitada —, o que é que seu passado tem a ver com meu futuro?

 — Quero dizer que nossas naturezas nã o sã o assim tã o diferentes. —Ele voltou para ela uns olhos que pareciam devorá -la. — Srta. O’Neill, gostaria de se casar comigo?

 As grandes coisas da vida nunca sã o compreendidas imediatamente. Tê m de ser lentamente absorvidas pelo coraç ã o. Ricki ficou em silê ncio durante longos momentos, pois esperava uma dispensa e recebeu uma proposta.

 — Fala sé rio? — perguntou finalmente.

 — Nenhum espanhol brinca com a idé ia de casamento — disse ele, encarando o rosto pá lido, quase em choque. — Estou perguntando seriamente se você se casaria comigo.

 — Mas... por quê? — Ela estava tremendo. Uma moç a devia sentir-se gratificada ou lisonjeada quando um homem a pedia em casamento, mas Ricki nã o conseguia reagir assim. — Por quê? — insistiu.

 — Por que nã o? Você diz que nã o tem outros compromissos amorosos, gosta do vale e se adaptou muito bem à nossa vida rural. Adora Jaime e ele a adora...

 Ele se calou por um momento e Ricki completou: " Jaime precisa de uma mã e! " Os pensamentos rolavam num turbilhã o em sua cabeç a. Don Arturo queria dar tudo ao filho de Conquesta e ela servia perfeitamente. Jaime a amava, portanto devia recebê -la de presente para substituir a mã e, cuja morte pesava na consciê ncia de don Arturo.

 — Ficarei aqui com Jaime por quanto tempo o señ or quiser — disse, pondo-se de pé, nervosa. — Mas nã o posso aceitar sua proposta de casamento. Nã o posso!

 — Nã o precisa temer. Sei que nã o posso esperar seu amor — disse com uma franqueza gelada, levantando-se també m. — Seria um casamento de conveniê ncia apenas. Uma mã e para o menino e um lar para você, uma posiç ã o de alguma impor-tâ ncia na comunidade. Nã o acha mais vantajoso que uma carreira? Se continuar solteira, seu trabalho um dia terminará numa pequena pensã o do governo, num apartamentozinho impessoal.

 — Sei muito bem o que uma mulher solteira pode esperar do futuro, don Arturo — disse, firme. — Sei que a ú nica coisa que sobra é a lembranç a de bons serviç os e nenhuma das alegrias dos filhos e netos que nos renovam. É um futuro tristonho, mas prefiro isso a...

 — Casar-se com um homem que nã o ama! — As palavras dele soavam como gelo. — É um sentimento corajoso e admirá vel, srta O’Neill. Mas só os jovens sã o corajosos e, na sua idade, o futuro solitá rio parece tã o distante quanto o Pó lo Norte. E como todas as mulheres, a despeito de sua pretensa independê ncia e interesse pela carreira, você acredita, no fundo do coraç ã o, que um belo dia o amante ideal há de surgir e arrebatá -la em seus braç os. Você nã o saberia o que fazer com esse homem se ele surgisse. Ia ficar assustada com a forç a dos sentimentos dele, pois em muitas coisas ainda é muito imatura. É por isso que Jaime a adora.

 — Ele nã o será sempre uma crianç a — disse, o coraç ã o aos saltos. —Vai crescer, desenvolver-se. E para nó s sobraria apenas a nossa falta de amor.

 Alguma coisa brilhou no rosto dele quando ela disse isso, mas desapareceu quase imediatamente. Ricki percebeu e pensou tratar-se de um impulso arrogante de forç á -la a aceitar, de submetê -la.

 — Nã o posso me casar com o señ or. Nã o posso, mesmo que seja pelo bem de Jaime.

 — Entã o vamos esquecer um assunto que parece tã o desagradá vel a você. Gostaria de ver o anel de noivado que poderia ser seu? — disse ele com um sorriso formal, tirando do bolso uma caixinha.

 Mostrou a Ricki uma linda jó ia de rubis que brilhavam vermelhos como sangue na luz do entardecer. Ela imaginou don Arturo colocando-o no dedo de Conquesta.

 — Este anel é da famí lia Aguinarda. Minha mã e foi a ú ltima mulher a usá -lo. Conquesta preferiu a esmeralda dos Cazalet.

 É bem dela!, pensou Ricki. E, de repente, don Arturo avanç ou um passo e apanhou o braç o dela, colocando o anel encostado à sua pele alva, observando o efeito.

 — Sua pele combina mais com rubis, chica. — A voz soava impessoal, sem nenhum calor.

 Ricki sentiu que realmente nã o era mulher para don Arturo. Era apenas uma peç a no jogo: primeiro ele tinha usado Jaime e agora recorria aos rubis da famí lia.

 — Se pensa que pode me comprar, don Arturo, está muito enganado —disse, fria e altiva. — Nã o se pode comprar as pessoas e o señ or já devia ter aprendido isso com Jaime.

 Era a coisa mais cruel que Ricki já tinha dito em sua vida. Sentiu os dedos dele se contraí rem e os olhos brilharem de ó dio.

 — Você é ainda mais inexperiente do que eu imaginava — disse, irritado. — Quase todo mundo tem seu preç o. Por que deveria eu pensar que você seria mais nobre, menos interesseira que os outros, señ orita?

 — Solte-me! — disse ela, tentando escapar. — O señ or acha que todas as mulheres sã o iguais. Isso nã o é justo.

 — Acha que eu a estou comparando com Conquesta? — perguntou ele, sem soltar-lhe o pulso, a sú bita doç ura da voz ainda mais ameaç adora que a frieza de sempre. — Você tira conclusõ es muito apressadas! Garanto que nã o há termo de comparaç ã o.

 — Sabe o que quero dizer. Ela o fez sofrer e isso o fez desprezar todas as mulheres.

 — E é por isso que nã o quer se casar comigo? Tem medo do passado? Medo de mim? — perguntou, fixando Ricki com seus olhos magné ticos e tã o escuros que pareciam guardar segredos profundos.

 — Eu nã o o amo — disse ela, tentando defender-se daquele olhar estranho. — Seria errado me casar com o señ or.

 — Você abalou minha paz de espí rito, deu um golpe profundo em meus sentimentos.

 — Casar-se apenas por causa de Jaime seria um grave erro — prosseguiu ela, defensiva. — E quem nos garante que ele me aceitaria como mã e se eu me submetesse ao esquema todo?

 — E você nã o se submete, nã o é? — disse ele, rindo cí nico e torcendo o pulso dela.

 — Sinto muito, señ or — Ricki disse, tentando se acalmar —, mas só posso ficar na granja como enfermeira de Jaime.

 — Nã o há razã o para se desculpar — disse, olhando para o pulso dela e passando a ponta do dedo sobre a marca vermelha que havia nele. — Eu a feri, srta. O’Neill. Como posso me desculpar pela minha grosseria?

 — Eu... eu o provoquei — disse, confusa. — Por favor, vamos esquecer tudo isso.

 — Talvez seja um consolo para você saber que don Enrique Salvadori os espera dentro de uma semana...

 — Oh, Jaime vai ficar muito contente! — exclamou, aliviada com a idé ia de passar algumas semanas longe da granja.

 — Porque o abuelito é tudo para ele, nã o? — disse significativamente, soltando-lhe o pulso. — Mais uma vez me desculpe por ter ferido seu braç o. Mas no coraç ã o de todo espanhol existe um demô nio adormecido.

 — E eu o voltei contra mim, nã o é? — disse Ricki, tentando sorrir.

 — Contra nó s dois — finalizou don Arturo, olhando o vale com seu perfil altivo recortado contra o cé u já quase escuro. — Vamos para casa.

 Ele se, levantou e conduziu Ricki até os cavalos, tocando de leve o braç o dela, percebendo que a cena toda a havia deixado deprimida.

 — Por favor, esqueç a tudo o que dissemos hoje. Nã o era importante realmente, sabe?

 — Claro!

 Mas, enquanto cavalgavam de volta à granja, Ricki ia pensando se conseguiria manter sua promessa de ficar ali, depois da temporada no rancho dos Salvadori. Será que as coisas poderiam continuar iguais a antes entre ela e don Arturo? Conseguiriam, tanto ele quanto ela, esquecer aquela proposta de casamento?

 

 Jantou com Jaime e depois brincaram um pouco. Quando o menino sentiu sono ela cantou uma canç ã o até ele dormir. Tinha resolvido deixar para o dia seguinte a notí cia de que iam para o rancho do abuelito. Durante um longo tempo, ficou sentada ao lado da cama, observando à luz fraquinha do lampiã o aquele rosto infantil que reproduzia com tamanha fidelidade os traç os do tio. Sentiu um nó na garganta: amava aquela crianç a! Baixou os olhos e viu as marcas escuras deixadas pelos dedos de don Arturo em seu pulso. Repentinamente vieram-lhe lá grimas aos olhos. O amor por Conquesta tinha sido tã o grande que ele chegava a pensar em casar-se apenas pelo bem do menino.

 Suspirou, levantou-se e beijou Jaime na testa. Foi para seu quarto, onde o brasero já brilhava com seu calor perfumado. Meteu-se na cama com um livro, mas sua mente nã o conseguia acompanhar a leitura. Apagou o lampiã o e ficou de olhos abertos no escuro, ouvindo a chuva que tamborilava nas plantas lá fora e nas grades da janela. Lembrava-se do que tinha pensado ao ver pela primeira vez aquelas grades de ferro batido: que elas a faziam sentir-se prisioneira de don Arturo de Cazalet.

 Nã o, nã o era prisioneira. Ainda tinha sua independê ncia, seu carinho por Jaime, o fascí nio que sentia por aquele vale má gico e misterioso... Seria errado renunciar à sua liberdade em troca de seguranç a apenas. A seguranç a era importante, mas o amor valia ainda mais... e don Arturo nã o tinha oferecido seu amor.

 

 Durante toda a semana seguinte foi um grande alí vio ter a piscina para ocupá -la com Jaime. O menin aprendera a gostar da á gua. Don Arturo surgira apenas uma ou duas vezes para observar, calado, fumando um charuto, limitando-se a cumprimentá -la ao chegar. Ricki sentia-se tensa e foi um alí vio ver chegar o domingo da viagem para o rancho dos Salvadori.

 Don Arturo ia levá -los na perua e Ricki procurou parecer tranqü ila quando ela, o menino e as bagagens estavam finalmente acomodados no carro.

 — Está bem acomodado, chico? — perguntou don Arturo, voltando-se para o menino no banco de trá s.

 — Estou. Obrigado, señ or tio. — O menino sorriu e nã o recusou o carinho que o tio lhe fez no queixo.

 — Está contente de ir para o rancho do abuelito?

 O garoto sorriu, dizendo que sim com a cabeç a. Don Arturo estava calmo e gentil e, antes que se voltasse para a frente, Ricki notou alguns fios brancos entre seus cabelos negros escuros. Sentiu-se estranhamente tocada. Afinal, ele era apenas um homem como os outros, com seus sonhos e decepç õ es. E, fosse qual fosse a verdade por trá s da tragé dia dos Cazalet, Ricki já nã o temia aquele homem que ia conduzir o filho de Conquesta pela estradinha perigosa que passava pelas Lá grimas do Diabo.

 Don Arturo era bom motorista e, enquanto o carro deslizava pelas curvas fechadas e poeirentas, Ricki observava o menino. Pensava se, por detrá s daqueles grandes olhos escuros que observavam a paisagem, nã o se estariam agitando lembranç as daquele outro passeio de carro que havia marcado tã o profundamente sua vida ainda tã o jovem.

 Pouco tempo depois, já estavam rodando pela estrada da planí cie, mais ampla e bem menos perigosa, cruzando com carroç as e burricos carregados. A viagem durou cerca de duas horas.

 Ao chegarem ao rancho, don Arturo ficou apenas o tempo suficiente para saudar as duas tias velhas e adorá veis e tomar um copo de manzanilla com don Enrique. O velho insistia, fazendo-o prometer que viria à festa de seu aniversá rio, que estava sendo preparada como um grande acontecimento.

 Quando finalmente ele se despediu, e a perua sumiu numa nuvem de poeira, don Enrique voltou-se para o neto e abraç ou-o, levantando-o no ar.

 — Que bom ter você aqui, chiquito.

 O menino apertou o pescoç o do avô, colando o rostinho liso à quela cara enrugada e tostada de sol. Ricki sorriu enternecida, mas sentia uma certa tristeza no coraç ã o.

 — Vamos, srta. O’Neill, vou mostrar-lhe o seu quarto — ordenou tia Beatriz. — Deixe meu irmã o e o menino.

 Ricki percebeu que o menino tinha praticamente esquecido dela e acompanhou as duas tias escadaria acima. Tia Rosina ia falando sem parar, simpá tica e agradá vel, mas a irmã subia em silê ncio, fazendo Ricki suspeitar vagamente que sua presenç a ali desagradava tia Beatriz.

 Seu quarto, vizinho ao de Jaime, era bem amplo, com paredes brancas, tapetes coloridos, uma colcha de retalhos sobre a cama e mobí lia alta e escura. Cheirava a camomila e na parede havia um quadro da Madona com o Menino.

 — Agora vamos deixá -la descansar um pouco depois da viagem, srta. O’Neill — disse tia Beatriz, arrastando para a porta a irmã que falava sem parar.

 — Espero que você se divirta aqui conosco, Verô nica — disse tia Rosina, doce e tí mida. — Posso chamá -la assim, pelo seu nome verdadeiro?

 — Claro que sim — disse Ricki.

 Don Arturo devia ter mencionado seu verdadeiro nome à quela gente. Que estranho pensar em seu primeiro nome dito pela boca dele!

 

 



  

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