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CAPÍTULO VIII



CAPÍTULO VIII

 

Sábado, em San Juan, aconteceu a rotineira troca de passageiros, os recém-chegados facilmente identificáveis pela brancura da pele. No domingo à tarde, com mais uma noite e uma manhã inteira de viagem, a maioria dos novos hóspedes do Andrômeda reunia-se em pequenos grupos na beira das piscinas.

Sem vontade de conversar, Helen procurou um canto isolado onde pudesse pensar. Foi lá que Ian a encontrou durante a tarde. Parecia tão desconsolado que ela não teve coragem de negar quando ele pediu para conversarem um pouco.

— As coisas não melhoraram? -perguntou, vendo que Ian não se animava de modo algum.

— Nem acho que vão melhorar — respondeu, desanimado. — Não estou conseguindo reconquistar June. O pior é que preciso voltar para casa. Tirei uma semana de licença e já terminou o prazo. Não posso perder meu emprego por causa de June.

— Se perder, arranja outro — disse Helen, tentando mostrar que o casamento deles era mais importante que um simples emprego.

Ele sorriu, meio triste.

— Não é assim tão fácil. Só consegui o atual por causa da minha ligação com Clay.

Helen sentiu um choque, como sempre que ouvia aquele nome.

— Ele é assim tão influente?

— Claro! E acho que esse foi meu maior erro: devia ter continuado no meu antigo trabalho, mesmo sem ganhar o suficiente para dar a June a vida a que estava acostumada. Só aceitei a oferta de Clay porque tinha medo de perdê-la. Sem dúvida, perdi uma oportunidade de avaliar a profundidade do amor dela por mim.

— Você falou sobre a vida que ela estava a acostumada — comentou, espantada.

— Com o seu salário não podia dar a ela um bom padrão de vida? Clay tem um excelente emprego, mas não acredito que ganhasse o suficiente para que os dois tivessem um padrão de vida muito elevado, durante esses anos todos.

Foi a vez de Ian demonstrar surpresa.

— Quer dizer que não sabe?

— Não sabe o quê?

— Que a Connaught Line é de Clay... ou pelo menos a maior parte.

— Não... — Olhava para ele, incrédula. — Se isso é verdade, por que ele trabalha aqui no navio?

— Talvez ele goste de desafios. Ou, talvez, dirigir e controlar pessoas seja uma necessidade dele.

— Como dirigiu você e June enquanto estavam casados?

— E antes também. — Encontrou o olhar dela e ficou meio sem graça. — Está bem, admito que muitas vezes me acomodei e deixei que ele resolvesse nossos problemas. Parecia mais cômodo.

— Só que June não aprendeu a respeitá-lo — disse Helen, suave.

— Claro que não. Nas horas de dificuldade, era sempre a ele que recorria... e acho que vai continuar recorrendo.

— Isso depende de você. — Helen ainda não tinha se recuperado do choque provocado pela revelação e precisou fazer um esforço muito grande para trazer a atenção de volta a Ian. — Concordo com o que você disse: precisa provar a June que é capaz de viver sua vida sem o auxílio do irmão dela. Talvez, depois, ela consiga respeitá-Io como respeita Clay.

— Uma coisa é dizer, outra é fazer. E pensar que me senti atraído por você exatamente porque valorizava meu ego!

— E isso era tudo que você queria. — Fez uma afirmação, não uma pergunta.

— Deve ter sido. — Ficou em silêncio por uns instantes. — Desculpe se atrapalhei sua vida.

— Não se preocupe. — Por nada no mundo ia permitir que ele percebesse a extensão do dano que havia causado a ela. Mudou depressa de assunto. — Onde está June agora?

— No camarote. Tinha que escrever umas cartas. — Pareceu indeciso. — Acha que eu devia tentar outra vez?

Mas Helen já estava cansada daquela conversa. Levantou-se da espreguiçadeira e apanhou a saída de banho.

— Você é quem sabe. Vou descer para tomar um chá.

O chá costumava ser servido entre as quatro e as quatro e meia, no maior dos dois salões, animado por uma dupla que cantava e tocava violão. Helen encontrou uma mesa para dois, perto da porta, e sentou, aceitando com um sorriso um pedaço de torta oferecido pelo garçom. Às quatro e vinte, o salão já estava praticamente lotado. Estava procurando o garçom com o olhar quando alguém se aproximou e perguntou se podia sentar na mesma mesa.

A mulher devia ter uns cinqüenta e poucos anos, muito bem penteada e maquilada, e vestia um conjunto aparentemente muito caro. Devia ter sido incrivelmente bonita, quando jovem, e ainda guardava a beleza dos traços. Sorriu, amistosa.

— Olá! Sou Eva Benson, de Miami. Você é Helen Gaynor, não é? Vi sua fotografia quando embarquei, ontem. Vai cantar esta noite?

— Vou sim. — Sorriu também. — Está viajando sozinha?

— Estou. — Uma leve sombra passou pelos olhos inteligentes da mulher. — Conheci meu segundo marido numa dessas viagens, por isso faço a mesma peregrinação todos os anos na esperança de encontrar o terceiro. Não que isso tenha muita importância... afinal, não existe outro Wally... — calou-se, examinando o rosto e o cabelo de Helen com franca admiração. — Eles lhe oferecem proteção? Bonita como é, deve ter toda a tripulação atrás de você.

Helen riu.

— Não notei. Sou apenas uma na multidão.

— De jeito nenhum. Como artista, você se destacaria mesmo que fosse feia como o diabo. — Falava com objetividade, quase em tom comercial. — O que é que canta?

— Músicas românticas e blues. Às vezes algumas baladas.

— Soul?

— Soul... alma... ainda estava lá, da última vez que olhei.

Foi a vez da americana rir.

— Gosto de você. Ao menos sabe cuidar de você mesma.

— Também sei cantar.

— Quanto a isso, prefiro deixar minha opinião para mais tarde. Já viajei o suficiente para não ter tanta certeza assim de que os espetáculos de bordo sejam sempre de primeira classe. Metade dos artistas que se apresentam aqui não teriam sequer uma oportunidade lá na América.

— Inclusive os artistas da Connaught Line?

— Sem dúvida. Sabia que uma boa voz dificilmente acompanha as pessoas bonitas? Não sei por que, mas é verdade. — Fez uma pausa e sorriu, provocativa. — Sem ofensa para você, é claro.

— Não me ofendi. — Helen falava a verdade. Sabia que não havia nada de pessoal nas palavras da mulher, que apenas estava dizendo o que pensava. E, aparentemente, pensava com muita objetividade.

— Vou esperar com ansiedade o seu veredicto, amanhã.

— Encara minhas palavras como um desafio? Ótimo. Não suporto pessoas que fogem do campo de batalha ao primeiro tiro.

— Disso ninguém pode acusar nossa vocalista — disse Clay, aproximando-se. Não olhou para Helen e dirigiu a Eva um sorriso simpático. — Prazer em vê-Ia de novo, sra. Benson. Desculpe não estar aqui para recebê-Ia ontem à noite, mas tive que acompanhar um grupo num passeio.

— Se soubesse, teria ido com vocês — respondeu a americana. — Onde é que foram? Ao Tropicoro?

— E onde mais podia ser? Programei uma excursão noturna para Barbados. Gostaria de ir conosco?

— Claro! — Olhou para Helen. — Também vai?

— A srta. Gaynor tem outros compromissos — disse Clay, antes que Helen pudesse responder. — Ela gosta de cuidar de crianças, entre outras coisas. — A mudança do seu tom de voz foi muito sutil, mas não passaria despercebida a uma pessoa observadora. — Espero que não tenha tomado muito sol esta tarde. Escolheu um mau lugar. — Dirigiu a Eva outro dos seus sorrisos encantadores e afastou-se.

Ao erguer os olhos, Helen encontrou o olhar curioso da sra. Benson.

— O que há entre você e nosso diretor de bordo? Senti conflito no ar.

— Não nos damos muito bem.

— Até um cego percebe isso. — A mulher se arrependeu do que disse e fez um gesto impaciente. — Sei que não é da minha conta, mas não consigo perder o mau hábito de me intrometer na vida alheia. — Sorriu. — Os problemas das outras pessoas sempre me pareceram mais interessantes que os meus.

Helen não se aborreceu com o comentário, pois sob a aparente rudeza de Eva havia um verdadeiro interesse humano.

— É uma longa história. — Resolveu contar a verdade, pois sabia que Eva acabaria mesmo sabendo por outras pessoas. — Mais um pouco de chá, sra. Benson?

— Não, obrigada. E o meu nome é Eva. — Fez uma pausa. — Reparei que costuma sentar em mesa para dois, no restaurante. Alguma razão especial?

— Nenhuma, só não quero me dar ao trabalho de mudar. — Helen não via razão para explicar por que ocupava aquela mesa. Quase sem perceber, concordou com a sugestão sutil contida nas palavras da mulher. — Podemos dividir a mesa, se não gosta da sua.

— Não há nada de errado com minha mesa, mas não me desagrada a idéia de ficar livre de uma dupla de hipocondríacas. Obrigada.

— Quando me conhecer melhor talvez chegue à conclusão que não fez uma boa troca.

— Vou arriscar. Se não der certo, posso mudar outra vez. A que horas entra em cena hoje à noite?

— Às dez.

— Então não vou me preocupar em ir antes.

— Não quer ver o resto do espetáculo?

— As dançarinas me deixam com alergia e os mágicos me dão sono.

— Os nossos não. São especiais.

— Vou confiar na sua palavra, então. — Afastou a cadeira e levantou-se, cheia de energia. — Agora vou para o camarote... tenho algumas cartas para escrever. Se não as enviar hoje, é possível que eu acabe chegando antes delas. Até o café da manhã!

As refeições agora' seriam mais divertidas, pensou Helen, satisfeita. Eva Benson era uma mulher de opiniões fortes e não se acanhava em expressá-las, o que provocava certa apreensão em Helen no que se referia à apresentação daquela noite. Mas por que se preocupar com a opinião da sra. Benson? Mesmo que ela não gostasse do seu desempenho, outras pessoas gostavam, e era isso que importava.

Os problemas começaram cedo, naquela noite, e o primeiro foi um defeito no sistema de som da boate, que os eletricistas não conseguiram descobrir. Com os dois microfones emitindo ruídos e chiados, quando não estavam completamente mudos, o espetáculo prometia um desenrolar bastante imprevisível. Helen respirou aliviada quando recebeu a notícia de que o problema havia sido resolvido, embora ninguém garantisse que o defeito não se repetiria mais tarde. O salão, muito grande, não possuía boa acústica, o que tornava praticamente impossível a voz de qualquer cantor alcançar o fundo do auditório, se não estivesse usando microfone.

Kreenia conseguiu desempenhar seu ato sem problemas, embora a ausência de microfones não fizesse nenhuma diferença para ele, já que seu número era basicamente visual. Helen cantou o primeiro número normalmente, mas logo no início do segundo o sistema de som voltou, a apresentar defeito: Terminar o número ritmado e rápido sem o auxílio do microfone exigiu multo esforço, mas foi recompensada por um aplauso encorajador. Podia perfeitamente dar por encerrada sua parte, e ninguém poderia censurá-la, mas não era mulher de admitir uma derrota. Conversou com James Keen e mudou todo o repertório, dando preferência às baladas, músicas mais lentas; que exigiam mais voz que volume, utilizando toda a técnica aprendida nos últimos anos a fim de fazer sua voz chegar a todas as partes do salão.

Quando terminou, o aplauso ensurdecedor chegou a surpreendê-la. O espetáculo da noite podia não ter rendido tudo que o público esperava, mas ninguém parecia ter motivos para queixa. Cansada e sem muito ânimo, Helen voltou ao camarim, onde trocou o vestido por outro que havia usado no jantar. Decidiu ir logo para a cama, pois não via motivo para esticar a noite.

Ao abrir a porta para sair, encontrou o camareiro, que trazia um bilhete de Eva Benson, convidando-a para encontrá-la no bar. Pensou em alegar uma desculpa qualquer e não ir, mas acabou decidindo aceitar o convite.

A mesa indicada ficava atrás de uma coluna, e só quando se aproximou Helen percebeu uma terceira cadeira, ocupada pela última pessoa que gostaria de encontrar naquela noite. Eva Benson não parecia nem um pouco arrependida da pequena maldade.

— Parabéns! — exclamou Eva. — Foi um espetáculo e tanto. Você é muito boa, menina!

— Obrigada. — Apesar de tudo, Helen ficou reconfortada com o elogio. Encarou Clay com alma nova, fazendo o possível para não deixar suas emoções transparecerem. — Não sabia que íamos ter companhia.

— Nem eu sabia — repetiu Clay, sem emoção. Olhou para Eva. — lmporta-se que as deixe comemorar sozinhas?

— Claro que me importo — respondeu Eva com firmeza. — Como oficial do navio, é sua obrigação entreter uma velha freguesa. — Deu um tapinha na mão de Helen, sorrindo com malícia. — Tome um pouco de champanhe e esqueça a guerra. A safra é boa, aproveite.

— Acho que não seria capaz de distinguir uma boa safra de outra — respondeu Helen, observando o garçom que a servia. Preferia estar em qualquer lugar do mundo, menos naquela mesa, diante do olhar penetrante de Clay. Ele a tinha visto com lan, à tarde, o que piorava bastante a situação. Maldito lan! Malditas todas as pessoas! Por que não a deixavam em paz?

— E o que é que estamos celebrando? Quando encomendaram a festa, nem sequer sabiam se minha apresentação ia merecer comemoração.

— Meu aniversário. E meu terceiro cruzeiro a bordo do Andrômeda desde que meu Wally se foi. Não é razão suficiente? — Sua voz tremia um pouco. — Sabe, vocês me lembram muito um casal que conheci em Chicago. Os dois acabaram se casando e foram muito felizes.

Foi Clay quem respondeu, os olhos presos no rosto vermelho de Helen.

— Não um com o outro, espero.

— Você é um tremendo cínico, sabia? — Eva deu uma gargalhada. — Tire a menina para dançar e deixe de dizer bobagens. Estarei aqui quando voltarem.

Por um instante pareceu que ele não ia se mover; depois levantou-se devagar.

— Vamos?

Helen pensou em recusar, mas achou que ele não ia aceitar uma recusa. Eva tinha planejado tudo muito bem, pensou, com um pouco de raiva enquanto desciam os degraus que levavam à pista de dança. Será que ela não conseguia deixar de se intrometer na vida alheia?

A pista estava tão cheia, que dançar separado era praticamente impossível. Clay, pelo menos, não fez o menor esforço nesse sentido, envolvendo-a nos braços com firmeza.

— Tente fingir que está se divertindo — murmurou no ouvido dela. — Não quer alimentar as fofocas, quer?

— As fofocas já alimentadas me preocupam mais.

— Por quê? Por causa da sua preciosa reputação? Parece que já foi por água abaixo algum tempo atrás.

— Também acho. — Mantinha o corpo rígido, o rosto sério. — Já dançamos. Agora podemos voltar para a mesa? Eva não pode fazer milagres.

— Pode sim, e você tem consciência disso. — Não diminuiu a pressão dos braços em torno da cintura dela. — Fez um jogo perfeito. Como conseguiu? Ela dificilmente aceita aproximações.

— Não sei do que você está falando. Para sua informação, foi ela quem me procurou, e não. eu a ela. Eu devia saber quem ela é?

— Se não sabe, uma pena... — Calou-se e analisou-a com atenção. — Já ouviu falar na cadeia Benson?

Helen sentiu o coração dar um salto dentro do peito. Claro que tinha ouvido falar... todos no mundo dos espetáculos sabiam que Benson era um cabaré de alta classe, com pelo menos seis casas espalhadas pelas principais cidades dos Estados Unidos. Os artistas contratados para uma das casas asseguravam seus contratos com todas as outras, o que representava no mínimo quatro meses de trabalho. E Eva era a viúva de Wallace Benson, a mulher que vinha dirigindo as casas nos últimos dois anos, sem deixar que os lucros caíssem.

— Não tinha ligado os dois nomes, acredite.

— Também não tem importância. Acho que você vai receber uma proposta antes do fim da semana. Gostaria de ir para os Estados Unidos?

— Como posso saber antes de ir? — Queria desesperadamente convencê-lo da ausência de premeditação, mas não sabia como. — Se é que vou. Vai tentar interferir nisso também?

— Não adiantaria. Para Eva Benson o que importa é a competência profissional. Ela contrataria você mesmo que fosse amante de todos os homens do navio.

— Pena que você não tenha influência sobre ela.

— Meu envolvimento era pessoal, lembra-se? E ainda é. Disse a você que deixasse lan em paz.

— Tudo que fizemos foi conversar. Você o trata como um marginal e sua irmã não o deixa nem atravessar a porta do camarote dela. O que queria que ele fizesse?

— Esperava — respondeu com raiva — que ele mantivesse os problemas dele em família. Se fosse um homem de verdade, não precisaria pedir conselhos sobre como lidar com a mulher!

— Infelizmente, ele não tem o seu know-how com as mulheres. Talvez seja falta de experiência, não acha?

A música cessou e Clay olhou para ela durante um longo tempo antes de soltá-Ia.

— Vamos para a mesa.

— Divertiram-se? — perguntou Eva, observando-os, atenta.

— Claro. — Clay afastou a cadeira para Helen, mas não fez menção de sentar. 

— Desculpem, mas o dever me chama. Obrigado pela champanhe.

— Às ordens. Precisamos tomar outro antes de eu ir embora... nós três.

Caiu um pesado silêncio entre elas depois que Clay foi embora. Helen brincava com o copo, pouco à vontade diante do olhar penetrante da mulher.

— Você está apaixonada por ele, não está? — perguntou Eva em tom de afirmação.

— E ele por você, se não estou enganada. Então qual é o problema?

— Está enganada. — De repente Helen não conseguiu mais se controlar. Ficou em pé, as pernas trêmulas, consciente de que podia estar jogando pela janela a grande chance da sua vida, e pediu licença para ir embora. — Desculpe, preciso de um pouco de ar fresco.

Tomou o elevador para o convés Boat, completamente deserto àquela hora, a não ser por um casal que conversava ao lado da murada, a alguma distância. Procurou uma cadeira e sentou-se, deixando que a brisa fresca da noite lhe batesse no rosto, acalmando-a. A noite estava clara e tranqüila e, no mar, quase não havia ondas, só o brilho da lua sobre as águas. Em algum lugar mais adiante, oculta no horizonte, estavam acosta da Venezuela e o porto de La Guaira. Helen já tinha perdido a conta das vezes em que haviam passado por ali, como se em vez de semanas fossem meses.

Um outro casal saiu da mesma porta por onde ela havia passado poucos minutos atrás e veio na direção dela. Quando percebeu de quem se tratava, não tinha mais tempo para se levantar e ir embora sem ser vista.

Helen virou a cabeça em direção ao mar e esperou que os Marriot passassem, mas não imaginou que eles fossem se sentar quase ao lado dela, sem vê-Ia. Falavam em voz baixa e mesmo assim dava para ver que estavam discutindo. June balançava a cabeça em desacordo a tudo que Ian dizia, parecendo não querer ceder. De repente, Ian exaltou-se e foi embora pelo mesmo caminho que havia percorrido ao chegar, deixando-a sozinha.

Pelo canto dos olhos, Helen percebeu que June ia até a amurada e se inclinava sobre ela, olhando para o mar lá embaixo. Pela sua atitude, devia estar chorando. Como não havia outra alternativa, resolveu continuar ali sentada até que a moça decidisse voltar para dentro, à procura do marido. Ao que tudo indicava, Ian ainda não tinha conseguido convencer a esposa e ficou triste por eles.

O grito de terror a pegou desprevenida, fazendo-a saltar na cadeira. Percebeu que algo caía ao mar, desaparecendo em seguida. No lugar onde June tinha estado, havia agora apenas o vazio.

Helen correu instintivamente até a bóia salva-vidas mais próxima, retirando-a do gancho com uma força provinda do desespero. Teve a impressão de que uma pessoa correu na direção dela enquanto tirava as sandálias e subia na amurada, de onde saltou um segundo depois, a mente em branco, como um autômato.

Para ela, a sensação foi de estar caindo em câmara lenta, mas o impacto com a água foi doloroso, seguido de um mergulho que parecia não ter retorno dentro da escuridão do mar. Quando finalmente conseguiu voltar à superfície, tossindo e lutando por um pouco de ar, viu o vulto do navio que se afastava com uma velocidade assustadora. Tentou se livrar da roupa que havia colado e.m seu corpo, impedindo os movimentos, puxando-a para baixo outra vez. A bóia flutuava, muito branca, a pouca distância, mas Helen custou a alcançá-la.

Agarrou-se a ela, agradecida, e percorreu o mar com os olhos à procura de June. Demorou um pouco para avistar a mancha branca flutuando alguns metros adiante, os braços se movendo já quase sem forças. Remando um pouco, nadando um pouco, conseguiu chegar até ela, apesar do tecido que lhe prendia as pernas. A outra moça estava semi-inconsciente, o rosto pálido, a não ser por uma mancha vermelha na testa.

Helen agarrou-a com uma das mãos, enquanto segurava a bóia com a outra, sabendo que jamais reuniria forças para trazer June para dentro. O navio continuava a se afastar, com as luzes brilhando, indiferente à sorte das duas mulheres, sem ao menos diminuir a velocidade. Tentou evitar o pânico pensando que o outro casal tinha assistido à cena e, sem dúvida, devia ter pedido socorro. Claro que seriam salvas, precisava acreditar nisso! Mas que o auxílio viesse rápido, pois já não agüentava mais o peso da outra e sentia pontadas violentas no ombro.

Com um movimento espasmódico de June, Helen foi arrastada para debaixo d'água, só conseguindo voltar com terrível esforço, tossindo e mal conseguindo controlar o medo. Iam morrer ali, ela e June. Iam se afogar. Poderia se salvar se soltasse June, mas não permitiu que a idéia fosse além disso. Houve um momento em que até a dor que sentia nos músculos começou a desaparecer, anestesiada por uma espécie de inconsciência.

Jamais conseguiu saber quanto tempo ficaram ali na água antes que um bote finalmente as encontrasse. O mar e o céu eram uma só mancha escura quando Helen ouviu os sons que se aproximavam. O peso de June foi retirado dos seus braços e levado para cima, e, pouco depois, sentiu-se alçada também. Deitaram-na no fundo do bote e a cobriram com cobertores, tudo isso em meio a vozes de conforto. Uma mancha branca inclinou-se sobre June por uns minutos e depois veio em sua direção, afastando-lhe uma mecha de cabelos do rosto pálido. Nunca, em todo o tempo em que se conheciam, Clay tinha tido um gesto tão terno como aquele.

— Como está se sentindo? — perguntou ele.

— Enjoada — respondeu, surpresa com a força da própria voz. — June está bem?

— A não ser por um pequeno ferimento, está ótima. Obrigado, Helen. — Falava com emoção, o rosto cheio de ansiedade. — Não tente falar; terá muito tempo para isso depois.

De repente Helen começou a tremer outra vez, descontroladamente, sentindo que o mundo se transformava numa mancha indistinta. Como num sonho, viu-se alçada ao navio e estendida em uma cadeira que dois homens da tripulação conduziram pela multidão que se reunira para assistir ao drama. Daí a pouco percebeu que lan se aproximava da mulher, inclinando-se sobre ela com amoroso desespero. June agarrou-se a ele, ainda muito fraca para perceber o que estava se passando, mas reconfortada pelos braços familiares do marido.

A chegada das macas, trazidas pelos enfermeiros, dispersou um pouco a multidão de curiosos. Helen ouviu vagamente alguém fazer comentários sobre o episódio, louvando a maneira dela se arriscar pela outra moça. Quando os homens se aproximaram com a maca, sacudiu a cabeça e levantou-se com as pernas trêmulas.

— Estou bem — afirmou. — Prefiro descer para minha cabine e tomar um banho quente.

— Eu tomo conta dela, Jeff. — Clay apareceu na frente dela. — Acho que minha irmã é a única que precisa de cuidados médicos. — Certo de que ninguém discutiria sua opinião, passou pelos enfermeiros e tomou Helen nos braços.

— Afastem-se — ordenou, seco, às pessoas que ainda se amontoavam em redor deles. — Já está tudo acabado.

Antes que Helen pudesse protestar já estavam lá dentro à espera do elevador.

— Deixe-me descer, Clay. Prefiro ir andando!

— Eu sei. — Tinha a voz mais suave e, no rosto, uma expressão de tristeza. — Prefere qualquer coisa a permitir que eu a toque. Não seja agressiva comigo, Helen, não é hora para isso.

Levaram exatamente três minutos para alcançar a abençoada privacidade do camarote. Quando Clay a colocou no chão, ela tremia em conseqüência do choque, mas também de emoção.

Não se importou quando ele retirou o cobertor que a protegia, nem quando a ajudou a tirar a roupa ensopada. Seguiu-o até o banheiro, sem protestar, e enquanto ele abria a torneira apoiou-se à parede, a mente em branco.

— Fique sob a água pelo menos por cinco minutos, vai fazer bem a seus nervos. Estarei ali fora, para o caso de se sentir mal. Um choque pode provocar reações estranhas.

A delicadeza também, pensou Helen, especialmente quando é inesperada. Fez um sinal afirmativo com a cabeça, sem dizer nada. Assim que a porta se fechou, tirou o resto da roupa e entrou sob o jato refrescante do chuveiro, continuando ali até o tremor cessar.

Clay estava sentado num canto quando ela saiu, envolvida num roupão confortável. Olhou para ela durante algum tempo, sem dizer nada.

— Seu cabelo ainda está pingando. Tem uma toalha seca?

Havia uma toalha seca. Fez Helen se sentar numa cadeira ao lado da cama, ajoelhou-se e enxugou o excesso de água do cabelo dela. Helen sentou-se, muito rígida, e não fez movimento algum antes que ele terminasse.

— Acho que já está bom — disse Clay, jogando a toalha molhada no chão. De repente, levantou e se afastou dela. — Podemos conversar sobre o que aconteceu ou prefere ficar sozinha?

— Não me lembro direito o que aconteceu — respondeu com voz insegura. — Ela estava parada na amurada e, de repente, desapareceu.

— E onde você estava?

— Um pouco afastada. Acho que eles não tinham percebido que eu estava ali.

— Eles?

— Ela estava com Ian, quando chegou. Parece que eles estavam brigando e, de repente, ele virou as costas e entrou. Ela... — calou-se, invadida por uma idéia assustadora. — Será que ela... você acha que ela pode ter pulado deliberadamente?

— Não sei o que pensar. A echarpe de June estava presa a um gancho, mais abaixo. Pode ser que tenha ficado presa ali quando ela caiu, ou talvez tenha perdido o equilíbrio ao tentar apanhá-la.

Só June mesmo vai poder explicar. Venho tentando convencê-la a esquecer o deslize de Ian, mas ela não consegue readquirir confiança nele. Talvez agora se convença do amor do marido, depois de vê-lo tão desesperado ao lado dela.

— Pode ser. — Helen hesitou. — Clay, acho que ela não se atirou. Devia estar tentando apanhar a echarpe.

— E arriscando a vida por uma ninharia?

— As mulheres são assim... talvez ela não tenha percebido o perigo. Estava transtornada e não pensou em nada.

— Mas você pensou, e depressa. O casal que assistiu à cena disse que você agiu instantaneamente. Não sei como lhe agradecer.

— Então não agradeça. — Os motores voltaram a funcionar e o navio colocou-se em movimento. Não conseguia olhar para ele. — Se tivesse parado para pensar, talvez não tivesse tido coragem de pular, por isso não pense que sou uma heroína. Não vai ver como está sua irmã?

— Vou. Quanto a você, é melhor dormir um pouco. Promete que vai se deitar assim que eu sair?

— Prometo. — Sentia a garganta apertada e uma vontade muito grande de chorar. 

— Obrigada por me trazer até aqui.

— Vou mandar trazer um tranqüilizante. Não deixe de tomá-lo.

Ela concordou com a cabeça, incapaz de falar. De cabeça baixa, ouviu-o caminhar até a porta ao lado dela, abraçando-a de encontro ao peito.

— Não adianta — falou em voz baixa. — Antes, tudo foi muito desagradável, mas agora... — calou-se, afrouxando um pouco o braço, mas sem soltá-la. Deve haver um jeito. Talvez possamos começar tudo de novo, em outro lugar. Deus sabe que não v.ai ser fácil, mas podemos tentar.

— Clay... — Sentia-se atordoada e confusa, incapaz de compreender o que ele estava dizendo. — Eu não...

— Você me quer do mesmo jeito que eu a quero e foi assim desde o princípio.

— Afastou-se o suficiente para olhar para ela, o rosto tenso. — Tive a impressão de que havia levado um chute no estômago ao ver entrar no clube a mulher que tinha arruinado a vida da minha irmã. Irônico, não é?

— Você acha? Eu diria que é trágico. E por que as coisas mudaram depois desta noite? Continuo sendo a mesma pessoa. Não pode se envolver comigo sem magoar ainda mais sua irmã. — Livrou-se do abraço dele, os olhos brilhando, o rosto contraído. — E não estou disponível, como você pensa, nem para você nem para ninguém. Nunca estive. Sei que não acredita, mas a verdade é essa.

— Você confessou a June que encorajou lan. Por que, se não era verdade?

— Por que... — sacudiu a cabeça, desconsolada. — Não adianta. É tudo muito complicado e você não entende.

— Por que não tenta? — Segurou suas mãos e obrigou-a a ficar diante dele. — Conte tudo, desde o princípio.

— Não posso.

— Por quê? Por causa de lan? Por que se disser a verdade vai revelar o mentiroso que ele é? Helen, nada do que você me disser sobre ele vai me surpreender. Pode falar sem medo.

Foi difícil começar, mas à medida que falava tudo foi se tornando mais fácil. Conseguiu até encontrar atenuantes para lan, mas percebeu pela expressão de Clay que não estava conseguindo convencê-lo. Quando terminou, o rosto de Clay era uma mistura de raiva e sentimento de culpa.

— Gostaria de arrebentar aquele sujeitinho... — calou-se, os dentes cerrados de ódio.

— Não entendo como June consegue sentir o que sente por um homem desse tipo!

— Talvez ela o veja por um ângulo diferente do seu — disse Helen com suavidade, ainda insegura a respeito da opinião que emitia. — Se as mulheres só se apaixonassem pelo homem certo, jamais se apaixonariam. O que lan precisa é se sentir mais importante que você aos olhos de June. Ele só mentiu porque tinha medo de perdê-la.

— Pois que a perca, mas vai ter que contar tudo, mesmo que eu tenha que obrigá-lo. Quando penso em tudo que ele provocou.

— Não só ele. Todos nós contribuímos um pouco. — Tentou sorrir. — Se eu não tivesse sido tão tola naquela primeira noite, agora estaria tudo resolvido. — O sorriso morreu nos lábios dela. — Por que obrigá-lo a contar tudo a June? Não vai trazer benefícios a ninguém.

— Vai fazer toda a diferença do mundo para nós e é só em nós que estou pensando agora. Vamos esclarecer toda essa confusão e depois aqueles dois que vivam a própria vida e resolvam os próprios problemas. Só quero que June saiba que você é inocente, e se para isso Ian precisa levar a culpa, pior para ele.

— Clay... — falou no tom mais suave possível. — Estava sendo sincera agora há pouco. Não estou disponível nos termos que você propõe.

— E que espécie de termos você pensa que estou oferecendo? — Helen nunca o tinha ouvido falar com tanta suavidade. — Por que acha que agi como idiota todas essas semanas. Não foi por causa de June, acredite. Era uma forma de castigar você, por não ser o que eu esperava que fosse. Já imaginou um homem que espera a vida toda pela mulher certa e, quando encontra, descobre que ela representa tudo que ele despreza? Já imaginou o que eu sentia ao vê-la com Freemam... ao vê-lo exibindo você em toda parte?

— Ele nunca me exibiu!

— Você entendeu o que eu quis dizer. O problema com Ian foi apenas uma desculpa para obrigá-la a se afastar dele. Está bem, sei que vai dizer que agi como um cafajeste, mas o ciúme tem uma força muito grande. Já que eu não podia tê-la, então ele também não a teria! Só que você pareceu não entender e, então achei que era tarde demais.

— E ainda é. — Afastou-se dele, a garganta apertada. — Você não me ama, Clay; não do meu ponto de vista.

— Talvez você esteja vendo as coisas do jeito que gostaria que elas fossem. Sei que não tivemos um começo ideal, mas o que vai acontecer daqui para a frente é que conta. Ora por que estou perdendo tempo com palavras inúteis? Há uma forma mais convincente de demonstrar o que sinto.

Havia, e foi devastadora. Quando ele finalmente se afastou para respirar, Helen tinha o coração aos saltos e as pernas trêmulas. Não havia mais como duvidar dos sentimentos dele. Homem algum conseguiria fingir com tanto realismo. Além disso, ela tinha razão: o passado estava morto, o que contava agora era o futuro, era amar e ser amada. Ainda havia esperança.

Fale, Helen — murmurou no ouvido dela. — Quero ouvi-la dizer.

Ela riu e levantou a cabeça para olhar para ele.

— Dizer o quê? Que eu desejo você? Já sabe disso.

Ele a segurou pelos braços e sacudiu-a com força.

— Diga!

— Está bem — concordou com voz trêmula. — Eu amo você, Clay. Eu o amo, eu o desejo e não posso viver sem você. Você é um bruto, um idiota, vai ser muito difícil viver a seu lado, mas vou ter que me acostumar.

— Vou tentar me modificar. — Riu e abraçou-a com mais força, beijando-a com uma paixão que não admitia recusas. — Quero você agora — disse com suavidade. — Não amanhã ou na próxima semana. Agora! Ou vai fazer esperar até que coloque aquela aliança no seu dedo?

— Vou, Clay. —Tentou assumir um tom firme. — Posso ser antiquada, mas é assim que eu sou.

— E se eu não concordar?

— Um homem que não é capaz de esperar algumas semanas não ama profundamente.

— Não está me deixando alternativa. Mas pode esquecer essa história de algumas semanas. Vamos nos casar o quanto antes. Quero que todo mundo neste maldito navio saiba que você está comprometida antes que algum outro homem comece a ter idéias a seu respeito. Depois do Natal vou rescindir seu contrato.

— Vai rescindir meu contrato?

— Talvez você compreenda melhor as coisas se eu lhe disser que meu avô foi iniciador da Connaught Line, usando o nome de solteira da minha avó. Mais tarde, II:teu pai ampliou a sociedade, mas reteve ações suficientes para manter o controle da companhia, e quando morreu deixou essas ações para mim.

— Então por que você trabalha aqui?

— Porque gosto. Quando nos casarmos vou abandonar o emprego para ser seu agente. — Riu. — Já percebeu que Eva vai se considerar a responsável pela nossa união?

— Bom, ela se esforçou... — Helen hesitou um pouco. — Acha mesmo que ela vai me oferecer um contrato?

— Sem dúvida alguma.

— E você não se importa?

— Não vou interferir na sua carreira. — Olhou-a com carinho e suavizou ainda mais a voz. — Feliz?

— Muito mais do que você imagina. — Afastou-se um pouco, desejando continuar ali abraçada a ele, mas consciente das próprias emoções. — Clay, agora precisa ir ver June.

— Ela está em boas mãos e tem o marido ao lado dela. — Puxou-a com firmeza, abriu delicadamente seu roupão e beijou com suavidade seus seios, passando as mãos pela cintura nua dela, para levantá-Ia. Helen sentiu o desejo crescer, anulando sua força de vontade, e decidiu que precisava se afastar enquanto fosse possível.

— Clay... — sussurrou. — Por favor...

— Eu sei. —  Ergueu a cabeça, a expressão desconsolada. — Você tem razão, um pouco de autocontrole não vai me fazer mal. É melhor que eu vá embora enquanto estou pensando assim, mas não tenha dúvidas de que vou esquecer minha promessa todas as vezes em que estivermos juntos. — Diminuiu um pouco a pressão dos braços em volta de Helen, mas não deixou que ela se afastasse.

— Meu Deus! — exclamou. — Nunca pensei que pudesse me sentir assim com uma mulher. Sei que não mereço você, mas vou fazer o impossível para que fique sempre a meu lado. Talvez nem tudo seja um mar de rosas no futuro, pois temos temperamentos muito semelhantes. Mas nenhuma briga que tivermos será pior do que as que tivemos antes. Acha que vai ter forças?

Não, pensou Helen, não ia ser um mar de rosas. Clay continuaria insistindo em ser a parte dominadora e nem sempre ela estaria disposta a concordar. Mas mais forte que tudo isso era a certeza de que ele a amava, que ele havia começado a amá-la mesmo enquanto sentia desprezo por ela. Esse amor lhe daria forças para enfrentar o que desse e viesse.

— Vou conseguir suportar.

 

 

FIM

 

 



  

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