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CAPÍTULO I



 

 

SOB O SOL DO CARIBE

Kay Thorpe

“Caribbean Encounter”

Publicado originalmente: 1978

Copyright para a língua portuguesa: 1980

Digitalização/Correção: m_nolasco73

Capa: Valéria Designer

 

Contra capa:Depois da decepção de saber que o homem por quem estava apaixonada era casado, Helen só pensava em sumir. E achou ótimo quando seu agente lhe arranjou um contrato para cantar a bordo de um transatlântico de luxo, que fazia a rota do Caribe. Só não imaginava encontrar, também a bordo, Clay Anderson, cunhado do seu ex-namorado, e que a considera culpada pela destruição do casamento da irmã. “Vou lhe dar uma lição que você jamais conseguirá esquecer”, ele prometeu. “Não importa quanto isso possa me custar!”

 

CAPÍTULO I

 

O edifício longo e baixo brilhava contra o céu azul, refletindo em diversos tons de rosa e ouro o sol do entardecer. Da porta da sua cabine, Helen correu os olhos pela avenida da praia até a praça arborizada onde faziam ponto os táxis de San Juan, enormes veículos norte-americanos. Geralmente os passageiros que desembarcavam dos navios passavam por essa praça e seguiam por uma ruazinha cheia de curvas, verdadeiro túnel entre duas massas compactadas de edifícios, até chegar à cidade.

Pela porta aberta entrava uma onda desagradável de calor e umidade, que desafiava a potência do condicionador de ar e produzia grandes gotas de suor no rosto da moça.

Helen tornou a fechar a porta e virou-se para observar a cabine que seria seu lar nos próximos três meses. A vida errante que vinha levando nos últimos dois anos não a aborrecia, ao contrário, estimulava seu espírito de aventura e sua imaginação fértil. Mas ainda era difícil acreditar que estava em Porto Rico — tão distante de seu mundo habitual — e integrada ao elenco artístico do Andrômeda Connaught Club Cabaré. Os navios da Connaught Line eram famosos pela alta qualidade dos seus serviços de bordo e, ali, Helen teria uma audiência acostumada ao melhor e por isso mesmo muito exigente. Por Barney, e por ela própria, esperava corresponder às expectativas, pois o empresário tinha apostado na sorte ao contratá-la.

Sorriu ao lembrar o primeiro encontro com Barney Wilson. Os dois anos de crescente sucesso, primeiro no interior da Inglaterra, depois em Londres, tinham conseguido convence-la de que Barney sabia o que estava fazendo ao dar uma chance a ela.

Logo que se conheceram, ele tinha afirmado com certa brutalidade que cantoras bonitas existiam às dezenas e que a voz dela não era melhor que as das outras. Mas decidiu apostar na expressividade pouco comum de Helen, que, bem trabalhada, poderia fazer dela um sucesso nacional. Para isso exigiu que ela confiasse nele cegamente e se entregasse sem protestos aos seus cuidados.

— Olhe, garota — advertiu Barney, percebendo a expressão de dúvida no olhar de Helen. — Você é um colírio para os olhos dos homens, mas só estou interessado na sua voz.

Se não acredita, nada a impede de ir embora. — Helen tinha acreditado e jamais se arrependera disso. Barney, agora, era quase o pai que ela mal conheceu.

 

A mãe de Helen tinha morrido durante o parto e, depois disso, ela teve pouquíssimo contato com o pai, que morreu doze anos mais tarde em uma expedição ao Himalaia. A morte dele, contudo, não alterou em nada a vida de Helen, que continuou vivendo com uma tia, aprendendo às próprias custas que a afeição não pode ser comprada com um cheque mensal.

Seus horizontes se ampliaram consideravelmente depois que começou a trabalhar, e aos vinte anos já ganhava o suficiente para poder deixar a casa da tia e dividir um apartamento com duas outras moças. Foram elas que a encorajaram a cantar e que a estimularam a entrar no concurso de televisão onde foi descoberta por Barney, famoso lançador de novos sucessos. A partir daí, estava decidida sua vida.

Não que tivesse sido tudo um mar de rosas. Houve dias, no princípio, em que Helen pensou em largar tudo, pois a simples visão de uma partitura quase a fazia gritar. Mas Barney não permitiu que ela voltasse atrás, usando de todos os meios possíveis, inclusive exigindo indenização pelo dinheiro já investido na carreira dela. Obrigou-a a treinar sem descanso e, aos poucos, foi moldando o timbre e a profundidade daquela voz que aparentemente não era privilegiada, mas da qual obteve maravilhas. Ensinou-a a caminhar, a usar as mãos, a fazer de cada gesto a expressão natural das emoções despertadas pela música. Exigia que declamasse a letra das novas canções como quem declama poesia, para que sentisse e compreendesse as palavras em profundidade. Muito raramente fazia algum comentário elogioso, tanto que Helen teve um choque no dia em que ele anunciou que ela estava pronta para estrear.

Apresentou-se pela primeira vez num clube de Birmingham, mas estava tão nervosa que jamais conseguiu se lembrar direito do que aconteceu naquela noite. Só sabia que o público parecia ter gostado da apresentação. Daí em diante foi subindo cada vez mais, ganhando experiência e confiança, até convencer-se de que o sucesso não tinha sido um episódio passageiro, mas fruto de um talento real e promissor.

Embora estivesse constantemente rodeada de pessoas, Helen se sentia estranhamente solitária. Só ao lado de Barney ficava realmente à vontade, mas ele não podia dar muita atenção a ela, pois tinha outros artistas para cuidar. Quando conheceu Ian Marriot, pensou ter encontrado a resposta que buscava. Partilhando dos mesmos gostos e das mesmas antipatias, ambos solitários, pareciam feitos um para o outro.

Depois do primeiro encontro, passaram a se ver várias noites por semana, quando Helen não estava trabalhando. Umas duas ou três vezes convidou Ian para jantar no apartamento dela, depois das apresentações, e sentia que estava a ponto de se apaixonar seriamente. Nunca falavam em casamento, mesmo assim ela sentia uma grande alegria por ter alguém com quem se preocupar, alguém completamente afastado do mundo artístico. Descobrir que Ian já era casado foi um choque muito duro, do qual levaria meses para se recuperar. Barney foi maravilhoso durante essa descoberta infeliz, cancelando os contratos já assinados para os três meses seguintes e presenteando-a com esse cruzeiro, tudo para ajudá-la a superar um momento difícil. Assim, ali estava ela, Helen Gaynor, cantora de cabaré, decidida a curar um coração, se não partido, pelo menos bastante machucado.

Afastando as recordações desagradáveis, começou a desfazer as malas. Ao colocar alguns objetos sobre a penteadeira, viu um cartão junto ao vaso de flores. Era um convite para jantar na mesa do capitão naquela noite. Uma grande honra, que Helen aceitou, agradecida.

Sua cabine era lindamente decorada; o piso, recoberto de ponta a ponta por um espesso tapete cor de ferrugem. A cama, durante o dia, transformava-se num discreto divã, forrado com tecido branco e cor de laranja, o mesmo das cortinas.

Helen abriu uma das três malas e retirou vários vestidos, experimentando um por um diante do espelho. Seus cabelos escuros, compridos até abaixo do ombro, emolduravam um rosto cujos traços revelavam à primeira vista a mistura de raças. Nos olhos verdes, nas maçãs do rosto bem marcadas, na boca sensual, ficava patente a origem italiana, mas sua pele clara e suave e seu corpo esbelto não tinham nada de latinos. Durante certo período da vida, ela havia lamentado não ser alta, mas, com a ajuda de Barney, tinha superado essa fase e aprendido atirar proveito do seu tipo.

Decidiu-se pela túnica de seda amarela, aparentemente muito simples quando colocada assim diante do corpo, mas na verdade muito sensual depois de vestida.

Aquele transatlântico não era como os outros, onde ninguém se vestia com cuidado especial na primeira noite. O Andrômeda viajava pelo Caribe durante todo o ano, deixando passageiros em uma ilha e recebendo novos viajantes em outra, durante o curso do seu itinerário semanal. Num pequeno giro pelo navio, Helen percebeu que a maioria dos turistas era constituída de americanos, embora houvesse também passageiros de outras nacionalidades. E achou que seria bom se houvesse alguns ingleses entre os passageiros, ou ao menos entre os membros da tripulação.

Helen assustou-se um pouco quando o telefone soou. Achava um tanto estranha a existência de linhas telefônicas a bordo de um navio, mas concluiu que um navio não passava de um hotel flutuante e, portanto, era natural que dispusesse de telefones.

A voz do outro lado do fio era jovem e amigável.

— Sou Pbilip Osbourne, assistente do comandante. Encantado em tê-Ia abordo, srta. Gaynor. Estou ansioso por ouvi-la cantar.

— Obrigada — respondeu, agradecida. — Não vejo a hora de começar. Quais são as orientações para mim?

— É por isso que estou telefonando. O comandante gostaria que você estivesse no clube Connaught às quatro horas, para um ensaio. Está bem para você?

Já eram quase três e quinze. Aquele comandante, fosse lá quem fosse, não gostava de perder tempo. Helen devia fazer quatro apresentações por semana, sendo a primeira delas apenas na terça-feira, não se justificando, portanto, toda aquela pressa.

— Estarei lá — respondeu depois de pequena hesitação, decidindo que não valia a pena protestar. Afinal, uma negativa poderia ser interpretada como à cesso temperamental. -Onde fica o clube?

— No convés Connaught, dois acima do seu. À esquerda da sua cabine há um elevador que pode deixá-Ia atrás do palco. Normalmente o clube fica fechado durante o dia, mas vou deixar a porta de trás aberta para você. Até já.

Em menos de meia hora Helen tinha guardado todas as roupas, pendurado os vestidos nos cabides e colocado as outras peças nas gavetas. Sem dúvida teria oportunidade de usar tudo aquilo durante os três meses que passaria abordo. Alegrou-se ao pensar nisso. Três meses viajando pelo Caribe e com todas as despesas pagas! Sem dúvida era uma moça de sorte.

Depois de tudo arrumado. trocou o conjuntinho leve que havia usado na viagem por uma calça comprida de seda, delicadamente estampada em branco e preto, combinando com uma blusa do mesmo tecido e um par de sandálias pretas. Pronta e ansiosa para começar o trabalho, apanhou a sacola com as músicas e foi na direção indicada por Philip Osbourne.

Subiu sozinha no elevador. O navio estava relativamente vazio, pois naquela época do ano não havia muitas festas na ilha. Mesmo assim, não faltavam divertimentos para os poucos passageiros a julgar pelo programa afixado em todas as cabines. Na verdade havia tantas opções que ficava difícil escolher o que fazer primeiro. Para os passageiros em férias, tudo era prazer e divertimento, mas para o homem que organizava o programa social do navio o trabalho devia ser bem duro. Helen não via a hora de conhecê-lo.

O elevador deixou-a bem diante da porta indicada por Philip Osbourne. Dali já podia ouvir a orquestra tocando. Helen seguiu pelo corredor, dobrou uma curva e viu-se num salão imenso. luxuosamente decorado. À esquerda ficava o palco e. diante dele, centenas de cadeiras torradas de veludo. em torno de pequenas mesas com tampo de vidro. Dois homens de uniforme branco conversavam com o regente da orquestra. as costas voltadas para Helen. Um deles percebeu a presença dela e interrompeu o que estava dizendo. O mais novo dos dois devia ser Philip Osbourne.

Philip era um jovem bastante atraente, de cabelos castanhos e expressão amigável. Helen cumprimentou-o com um sorriso caloroso antes de voltar a atenção para o outro homem. que a observava com indisfarçável aprovação. Não havia nada de amigável naqueles olhos cinzentos que a devoravam. Helen sorriu novamente. com uma tranqüilidade que estava longe de sentir, estranham ente perturbada pela força de caráter que as feições inteligentes do homem irradiavam. O diretor de bordo era alto e devia ter pouco mais que trinta anos, jovem demais, talvez, para a responsabilidade do cargo que ocupava. Quase inconscientemente, a atenção dela foi atraída pelos ombros largos, bem marcados sob a camisa imaculadamente branca. e pelos cabelos negros, penteados com perfeição.

— 8em-vinda a bordo. srta. Gaynor — cumprimentou, formal, sem fazer qualquer movimento. — Sou Clay Anderson. Desculpe chamá-Ia assim tão depressa, mas esta é a última oportunidade para ensaiar com toda a orquestra. antes de terça-feira. Eles têm uma agenda bastante movimentada. -Fez uma pausa. olhando para o homem que estava no palco. — Deve conhecer Jimmy Keen de nome.

— E de fama — acrescentou Helen com entusiasmo. — Trabalhar com sua orquestra vai ser um grande prazer para mim, sr. Keen.

— Também já ouvi comentários muito elogiosos sobre seu trabalho, senhorita. Fiquei um pouco surpreso ao saber que estaria aqui no Andrômeda. Tinha ouvido comentários de que estaria se apresentando no Blue Parrot.

— Meu agente achou que, cantando aqui, depois terei condições de fazer um contrato mais vantajoso com o Blue Parrot.

— Barney Wilson deve saber o que está fazendo. — Sorriu. — Faz bem em seguir os conselhos dele, menina.

— Importa-se que comecemos? — perguntou Clay Anderson, impaciente. — Preciso organizar uma recepção para o capitão às sete e meia.

— Pensei que essas recepções já fossem uma rotina — comentou James Keen.

— Deviam ser, como todos os demais espetáculos. Mas dificilmente saem de acordo com os planos sem alguns empurrões. — Dirigiu um olhar mal-humorado para Helen.

—Pronta?

Sem dizer nada, ela fez um sinal afirmativo com a cabeça. Ele obviamente antipatizara com ela, mas por quê? Talvez não a considerasse suficientemente capaz de corresponder ao que se esperava dos artistas do seu precioso cabaré. Bem, o contrato tinha sido decidido pelos superiores dele e nada poderia anulá-lo agora. Mas seria difícil ignorar completamente o homem, mesmo porque ele não era o tipo de pessoa que consegue passar despercebida. Com algum esforço, dirigiu toda sua atenção para James Keen, entregando-lhe três músicas e subindo ao palco para ouvir a opinião dele.

Nos minutos que se seguiram, Helen sentiu que Clay Anderson ficava cada vez mais inquieto, embora não dissesse nada. Se estava com tanta pressa, por que ficava ali? Seu trabalho consistia só na organização geral do cabaré e não na direção de cada ato. Pensou

em dizer isso a ele, mas achou que poderia piorar a situação, e calou-se. Além disso, por nada no mundo abreviaria a conversa com o maestro, pois o perfeito' entrosamento com a orquestra era vital para a apresentação.

Decidiu começar com uma das suas melodias favoritas, sentindo uma deliciosa tensão crescer dentro dela quando tomou posição ao lado do piano, sem se preocupar em usar o microfone, ainda. O pianista sorriu, amigável, e Helen retribuiu o sorriso quase sem perceber .

Assim que o piano soltou o primeiro som, entregou-se inteira ao trabalho, esquecendo tudo o que se passava em redor.

No meio da música, Helen interrompeu e pediu desculpas.

— Desculpe, acho que estou me atrasando. Pode diminuir um pouco o ritmo?

— Claro. — Não havia impaciência na voz de James Keen. Os dois eram profissionais trabalhando em direção a um objetivo comum: o entrosamento. E chegariam lá, não importando quanto tempo levassem. — Do começo outra vez, rapazes!

A nova tentativa foi melhor. Helen sentiu intensamente o ritmo e relaxou-se, certa de que tudo sairia bem. Deixou-se possuir pelo sentimento da canção, esquecendo tudo o mais, a não ser a necessidade de expressar com a voz essa emoção. Não se afastou do piano, balançando-se com graciosa facilidade enquanto pronunciava as palavras, inconsciente do belo contraste da sua pele contra a madeira escura e brilhante do instrumento. Quando terminou, houve um breve instante de completo silêncio, antes que alguém dissesse alguma coisa. Foi James Keen quem quebrou o silêncio.

— Vai conseguir -foi tudo que disse, mas para Helen era o suficiente.

Ouviu o murmúrio de aprovação dos homens reunidos à sua volta e sentiu uma onda de prazer invadi-la. Seria muito bom trabalhar com aquele grupo. Ela mal podia esperar para experimentar um arranjo mais complicado.

Demorou alguns, segundos para tomar consciência dos dois homens parados fora do palco. Os olhos do mais jovem expressavam irrestrita admiração, mas Clay Anderson não revelava nenhuma reação especial; nem favorável, nem desfavorável. Quando seus olhares se encontraram, ele se levantou e fez um sinal para o Iíder da orquestra.

— Acho que posso deixar tudo com você. Phil, corte aquele número extra de dança que incluímos no mês passado, acho que não vai ser mais necessário.

Philip fez uma careta.

— Vai dizer a Marian, ou quer que eu faça isso?

— Posso dizer, se isso o incomoda tanto. — Encolheu os ombros. — Se precisarem de mim, estarei na minha cabine durante os próximos quinze minutos.

— E boa sorte para ele — murmurou o pianista, sorrindo ao perceber o olhar de Helen

— com nossa Marian. Ela não vai gostar nada desse corte, especialmente depois do esforço que fez para conseguir um solo. Espero que seus ombros sejam mais fortes do que parecem, pois você é quem vai receber as sobras.

— Não vai ser a primeira vez. — Ela sorriu. — Nesses dois anos aprendi a enfrentar situações como esta. Acho que as oportunidades que se apresentam a uma pessoa sempre representam uma perda para outra.

— É verdade. Só que no seu caso o talento pesou muito. — O rosto ossudo, quase feio, tinha uma expressão de sinceridade. —  Você mereceu, menina.

— Obrigada. — A voz de Helen como essas palavras me fazem bem.

— Se já terminaram de rasgar seda, acho que podemos continuar não? — James Keen parecia bem-humorado. — Que tal tentarmos um blue agora?

Ensaiaram durante uma hora os números que Helen tinha intenção de cantar, até que ambos pareceram satisfeitos. Estava cansada, mas satisfeita com os resultados. James era tão perfeccionista quanto ela própria, exigindo o máximo para conseguir o exato equilíbrio de som.

Philip Osbourne tinha desaparecido durante o ensaio, mas voltou a tempo de cumprimentar Helen. Devia ter uns vinte e seis anos, dois mais que ela, e não parecia consciente da própria insegurança.

— Meu primo disse que gostou muito de você — anunciou com entusiasmo. — Viu-a em Londres, no último verão. Pensei que fosse um pouco mais velha, como a maioria das nossas melhores cantoras.

— É uma vida cansativa. — Riu. — Pretendo parar aos vinte e cinco anos. — Sentiu o peso da sacola que carregava e olhou em volta. — Onde posso tomar uma bebida gelada por aqui? Minha garganta está parecendo o Saara!

— O bar do convés Beach está aberto. Posso acompanhá-la, se quiser — acrescentou depressa.

— Seria ótimo, se eu não estiver tomando seu tempo, é claro.

— Não estou de serviço agora e estou ansioso para pagar o primeiro drinque de Helen Gaynor abordo.

— Ótimo. —Sentia-se ao mesmo tempo divertida e emocionada. — Então vamos.

Os terraços do convés superior estavam cobertos de corpos semi-despidos que se bronzeavam ao sol. Os grupos que tinham ido à praia já começavam a voltar, embora o navio não fosse partir antes da meia-noite. Àquela hora, a piscina estava quase que totalmente ocupada por crianças e jovens, que brincavam e jogavam, alegres, observados por duas moças, especialmente contratadas para isso. Helen segurou uma bola colorida que veio na sua direção e devolveu-a às crianças, rindo, sem se importar por ter se molhado um pouco.

— Vai secar logo, com esse calor — garantiu, percebendo a preocupação de Philip.

 — Além disso, o tecido é lavável, não se preocupe.

— Você não se parece nem um pouco com uma estrela — comentou, sorrindo.

— Talvez eu deva começar a pensar um pouco mais na minha imagem — observou Helen, brincalhona. —  Já é a segunda vez que me diz isso.

— Continue assim como é.

A maneira de Philip dizer aquilo não deixava margem a dúvidas. Helen olhou disfarçadamente para o jovem oficial e decidiu pensar duas vezes antes de provocar novos elogios. Tinha suficiente bom senso para saber que era bonita, mas não se envaidecia com a própria aparência. Sua beleza costumava atrair a atenção dos homens onde quer que ela fosse, por isso já sabia lidar com ela de forma a evitar complicações. Só com lan tinha sido diferente. Mas tinha aprendido a lição e decidiu que não tornaria a se envolver emocionalmente, vivendo só para o trabalho. Como Barney dizia, não podia permitir que as desilusões matassem suas potencialidades.

O bar da piscina estava lotado de pessoas ansiosas por descansar um pouco à sombra. Como todas as demais instalações do luxuoso navio, o bar também era muito bem decorado. Helen se afundou numa cadeira acolchoada, feliz por poder descansar um pouco, e tomou um grande gole da Coca-Cola gelada que Philip tinha conseguido em poucos segundos.

— Fale-me um pouco de você — pediu Helen. — Há quanto tempo trabalha aqui?

— Há mais ou menos quatro anos. Trabalhava numa agência de viagens, antes.

— Sorriu um pouco timidamente. — Acho que foi o charme do uniforme que me atraiu a princípio, mas a verdade é que sempre tive vontade de viajar. — Encolheu os ombros. — Só que a rotina acaba cansando qualquer pessoa. Qualquer lugar se torna monótono quando se vai lá muitas vezes.

— Não pode se transferir para outro navio da companhia?

— Posso, mas acho que não vale a pena. O Andrômeda é o melhor que temos.

— Apesar do tédio?

— Acho que sim. — Olhou para ela e sua expressão se descontraiu. — Mas tenho certeza de que nos próximos meses não vou sentir tédio.

— Clay Anderson sempre trata assim os artistas que se apresentam a bordo?

— perguntou Helen, achando que já era hora de mudar de assunto. — Ou é só das mulheres que ele não gosta?

— Clay? — Philip pareceu surpreso. — Nunca reparei que ele tivesse alguma coisa contra as mulheres, nem dentro, nem fora do palco. Por que pergunta isso?

Observou-o por alguns instantes. Será que ninguém tinha. Notado a atitude de Clay Anderson? Ficou em dúvida. Talvez fosse apenas impressão dela, com aquele excesso de sensibilidade. Tentou relembrar a expressão dele ao vê-Ia aproximar-se e suas dúvidas desapareceram: havia desprezo nos olhos cinzentos do homem e isso a perturbava mais do que ela gostaria de admitir. Por que um homem que nunca a vira antes teria aquela espécie de reação?

— Bem, talvez ele não goste do tipo de música que eu canto — sugeriu, tentando ser objetiva. — Não se pode agradar a todas as pessoas todo o tempo. Como é o capitão? Fui convidada para jantar na mesa dele esta noite.

Algumas horas mais tarde Helen descobriu que a capacidade descritiva de Philip era excelente. O capitão Reginald D. Sylvester parecia adorável. Durante a recepção, antes do jantar, tinha se deixado fotografar ao lado de cada um dos novos passageiros, sempre na mesma pose: um dos braços levemente dobrado para deixar visível a patente bordada a ouro no uniforme de gala, a cabeça leonina ligeiramente voltada para o companheiro ou companheiros, como quem diz "cuidarei de todos vocês, confiem em mim". Helen o achou um

pouco teatral, mas acabou reconhecendo que era uma enorme responsabilidade comandar um navio daquele tamanho e, portanto, nada mais natural que fizesse uma pequena encenação em ocasiões como aquela.

Duas mesas mais adiante Clay Anderson presidia sua própria recepção, profundamente entretido numa conversa com uma companheira de mesa, mulher de quase sessenta anos, muito falante. Helen imaginou se ele mesmo escolhia seus companheiros de mesa ou era obrigado a aceitar o que as circunstâncias e o protocolo exigiam.

Com os dois vizinhos do lado ocupados em conversar com outras pessoas da mesa, ela teve tempo para analisar o homem que tanto a intrigara. Seu rosto podia ser classificado não tanto como bonito, mas como marcante, com maxilares duros como pedra, nariz afilado e boca ligeiramente irônica, mesmo quando descontraída. Seu traço mais característico eram as mãos, perfeitamente proporcionais à estatura, longas e sensíveis como as de um músico, mãos que tanto podiam ser delicadas, como cruéis, dependendo da ocasião. Uma emoção estranha provocou um calafrio dentro dela, seguido de profundo constrangimento ao perceber que ele a observava, irônico. Ficou aliviada ao perceber que o companheiro da esquerda se dirigia a ela.

Assim que o jantar terminou, Philip levou-a para longe do resto do grupo numa manobra que ela foi obrigada a admirar.

— Achei que gostaria de conhecer melhor o cabaré. A apresentação vai começar dentro de quinze minutos. Depois podemos ir até o clube Calypso, se não estiver muito cansada. Há um excelente conjunto tocando lá até de madrugada.

Helen tinha se sentido cansada durante o jantar, mas já havia recobrado as energias. Consciente da necessidade de tomar cuidado com Philip, mas ao mesmo tempo ansiosa para conhecer tudo que o navio tinha para oferecer, concordou em acompanhá-lo até o clube Connaught, mas deixou a decisão sobre o Calypso para mais tarde. Não olhou para Clay Anderson ao sair do salão, mas teve certeza de que ele a observou. Que olhasse! Não havia nenhuma regra que proibisse os artistas do cabaré de passearem com os membros da tripulação.

A orquestra estava tocando números de dança quando chegaram ao clube e Philip conseguiu uma mesa próxima ao palco. Helen respondeu com um sorriso ao aceno de James Keen. O espetáculo começou às dez e meia em ponto, com um grupo de seis moças que dançavam maravilhosamente.

— Marian é a da esquerda — murmurou Philip. — Aposto como Clay ainda não disse nada a ela!

Helen seguiu a dançarina ruiva com novo interesse. Era uma figura que chamava a atenção e possuía o mais belo par de pernas de todo o grupo. As seis moças eram excelentes, mas havia qualquer coisa na ruiva que a destacava das outras.

— Dança muito bem — observou Helen. — E é muito atraente.

— A maioria dos tripulantes concorda com você, mas ela está atrás de Clay.

Corajosa, pensou Helen, sarcástica.

Houve apenas mais um ato naquela noite, um número de mágica com globos de cristal, e, em seguida, a orquestra tocou uma seleção de valsas, que atraiu muitos candidatos ao prêmio de melhor casal dançarino.

— Agora começa a hora da saudade — comentou Philip com uma careta. — Vamos até o Calypso?

Helen decidiu aceitar. Afinal, não podia mesmo evitar Philip, que já tinha idade suficiente para cuidar de si mesmo.

Teve que admitir que Philip tinha razão ao dizer que o Calypso era o lugar mais movimentado do navio. Os jovens pareciam fazer dali seu ponto de encontro. O salão projetava-se para fora como uma nave espacial e pelas portas de vidro podia-se avistar a cidade e as luzes da costa. A iluminação interior era suficientemente suave para criar um ambiente de intimidade, mas oferecia boa visibilidade. O ritmo do conjunto tomou conta de Helen, obrigando-a a acompanhar a música, mesmo sentada.

Philip, com um suspiro desconsolado, apresentou as duas figuras uniformizadas que surgiram inesperadamente junto à mesa. O conjunto mudou sem aviso para um cha-cha-cha e, quase sem perceber o que estava se passando, Helen viu-se arrastada para a pista pelo assistente do comissário.

Felizmente estava habituada à música latino-americana e em poucos minutos acompanhava sem problemas os passos um tanto complicados do parceiro. Aos poucos os outros pares foram se afastando, deixando espaço para o espetáculo extra de Helen e do comissário. Logo estavam os dois dançando sozinhos na pista vazia, aplaudidos pelos outros casais. Foram entusiasticamente cumprimentados quando a música terminou.

Rindo, mas com firmeza, Helen recusou-se a dançar a seleção seguinte com o parceiro exuberante e foi para a mesa encontrar-se com Philip. Sentindo uma pressão no braço, logo acima do cotovelo, virou-se e teve um choque ao perceber que Clay Anderson estava ao seu lado.

— Temos um assunto para discutir -declarou, seco. — Aqui há muito barulho, vamos lá para o convés.

Seu parceiro de dança havia desaparecido no meio da multidão. Avistou Philip à distância, mas logo perdeu-o de vista. Olhou para o homem que a segurava pelo braço e deu de ombros.

— Se faz questão...

Ele não se preocupou em responder e arrastou-a para o fundo do salão apinhado. Logo haviam deixado a multidão e encontravam-se ao ar livre, sob um céu estrelado.

Em contraste com o clima produzido pelo condicionador de ar, o convés parecia um forno, Sem falar, dirigiram-se às grades do convés inferior, de onde se avistava a água batida pelo luar e ouviam-se vozes indistintas vindas do salão.

— A noite está perfeita para um mergulho — comentou Helen, esquecendo-se por um momento do homem que a acompanhava. — Que calor incrível!

— Não trouxe você aqui para falar do tempo — respondeu ele, ríspido.

— Não, claro que não. Qual é o assunto que quer discutir comigo?

— Tenho um conselho a lhe dar. — Fez uma pausa, inclinando-se sobre a balaustrada, a expressão carregada. — Sem dúvida deve ser divertido ter todos os homens do navio ao seu redor, mas eu ficaria só com os solteiros, se fosse você.

Helen respirou fundo, chocada demais para conseguir dar uma resposta à altura.

— Está se referindo a alguém em particular'? — perguntou, depois de alguns instantes de hesitação, tentando se controlar.

— Para começar, o homem com quem você estava dançando... ou melhor, com quem estava dando aquele espetáculo. — Sorriu com ironia. — Não consegue ficar muito tempo afastada do brilho dos refletores, não é? Aliás, isso parece ser comum na sua profissão. — Se ele notou o brilho de revolta nos olhos dela, não demonstrou. — Gerry Duncan tem mulher e três filhos, com os quais convive só durante um mês em cada quatro, e não está imune às tentações. Se precisa mesmo de estímulo para seu ego, não tenho dúvidas de que Philip está mais do que disposto a dá-Io. De qualquer maneira, fique longe de Duncan. É só isso.

— Uma ordem?

— Como queira.

— É uma pena que você não tenha autoridade para controlar minhas ações. — Helen não estava muito certa disso, mas com a raiva que sentia não se importava muito. A injustiça das palavras dele despertaram nela toda espécie de instintos belicosos. Pela primeira vez na vida sentiu vontade de esbofetear um homem. — Já lhe ocorreu que seu amigo pode não gostar da preocupação que está demonstrando pelo bem-estar dele? Na minha opinião, ele já tem idade suficiente para errar sozinho.

— Talvez tenha idade suficiente, mas duvido que tenha experiência para perceber quando está se metendo em complicações.

— Experiência que você tem de sobra, sem dúvida? — Com algum esforço, assumiu um tom de ironia. — Quantos anos tinha quando se envolveu na grande complicação da sua vida, sr. Anderson?

— Mais uma observação como essa e não serei capaz de controlar meus impulsos.

— Cerrou os dentes, furioso. — Mas pelo menos vai ficar tudo em família!

— O que quer dizer com isso? — perguntou Helen, sentindo o peito se apertar.

— Por mais estranho que pareça, lan Marriot é meu cunhado. Você quase acabou com o casamento de minha irmã. Que coincidência, não? — A última pergunta foi feita num tom ameaçador .

— Não estou entendendo. — Estava sinceramente surpresa. — A esposa de lan não sabia nada sobre nós. Pelo menos...

— Ela descobriu, é claro. Agora que conheço você, vejo que lan não estava tão errado, afinal. Ele é humano.

— Obrigada! — respondeu, irônica.

Ele deu uma risada seca, sem humor, e fulminou-a com o olhar.

 — Por que vou negar sua beleza? Com esse rosto e esse corpo, pode virar a cabeça de qualquer homem antes mesmo de abrir a boca. — Percebeu o sorriso irônico de Helen e retribuiu. — A minha inclusive, claro. E eu não sou casado.

— Não me surpreende. — Procurou desesperadamente controlar o tremor das próprias mãos. — Então pensa que lan e eu... tivemos um caso?

— Que outro nome se pode dar a isso?

— Que nome ele dava?

— Não me contou detalhes. Quer me fazer acreditar que foi um relacionamento puramente platônico?

— Acredite naquilo que achar mais conveniente. — Era demais para Helen a ironia da situação. Tinha vindo a esse cruzeiro para esquecer Ian e agora acontecia isso! Destino ou coincidência? Que importância podia ter isso agora? Nada modificaria o fato de ser obrigada a passar três meses em companhia de Clay Anderson. Três meses que começavam a parecer três anos. — Vou descer.

Agarrou-a pelos ombros e obrigou-a a virar-se para ele. Havia crueldade na expressão de Clay.

— Ainda não. Ainda não terminei.

— O que está pretendendo? Exigir de mim aquilo que acha que dei a seu cunhado? Desculpe-me desapontá-lo, mas tive um dia muito cansativo. — Falava quase sem pensar, desejando apenas feri-lo. — Ou talvez eu não o ache tão atraente quanto imagina. Por que

não procura a mulher que estava ao seu lado durante o jantar? Ela parecia mais do que disposta a ser generosa.

Durante um instante ele não se mexeu, apenas contraiu com mais força os maxilares. Então, de repente, soltou-a.

— Tem razão. É melhor descer antes que se envolva numa situação da qual pode se arrepender.

Helen afastou-se sem dizer mais nada, desceu para o convés inferior em direção aos elevadores. Alguns minutos mais tarde recostava-se contra a porta da cabine, sem acender a luz, fitando com olhos muito abertos a noite estrelada. Em menos de dez minutos o navio

partiria, pensou.

A raiva havia passado, deixando em seu lugar uma grande tristeza. Se pudesse, arrumaria as malas e iria embora naquele mesmo instante, sem lamentar o contrato perdido. Mas não podia. Não sem causar um problema muito grande a Barney. Tinha que se conformar com a situação.

 

 



  

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