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CAPÍTULO II 



CAPÍTULO II 

Nos dias que se seguiram Helen teve a oportunidade de aprender a andar por todas as dependências do navio. Apesar do seu enorme desejo de conhecer outros lugares da Venezuela, além do porto de La Guaira, não saiu do barco. O passeio podia esperar, afinal nos três meses que estavam por vir passariam por ali pelo menos doze vezes. Por enquanto, tinha bastante com que se ocupar a bordo.

Depois da noite de sábado, não tinha mais se encontrado com Clay Anderson, apesar de não evitá-Io. Chegou a pensar que ele a estivesse evitando, mas concluiu que não era provável, já que o navio era o campo de trabalho dele. Além disso, um homem como Clay não deixaria que uma mulher atrapalhasse suas atividades. Tentou adotar uma atitude fria, mas não conseguiu. Tinha sido muito machucada e as feridas só cicatrizariam com o tempo. Queria estar de posse das próprias emoções quando encontrasse Clay Anderson novamente.

Estava descansando no convés Beach, na terça-feira à tarde, quando percebeu que era observada por um homem que ocupava uma cadeira próxima. Percebendo que ela o havia visto, ele sorriu, levantou-se, vindo sentar-se ao lado dela.

— Espero que não se aborreça por vir incomodá-la. Reconheci você pelas fotografias espalhadas por todo o navio. Sou Glenn Freeman. Vai cantar esta noite?

— Isso mesmo. — Helen se ajeitou melhor na cadeira e levantou às alças do biquíni, que havia abaixado para se queimar. — Também embarcou em San Juan, sr. Freeman?

— Sim, com minha filha. — Seu tom era franco e aberto. — Como tinha alguns dias livres, decidi que já era hora de nos conhecermos melhor.

— E está dando certo?

— Acho que não. — O rosto simpático se contraiu. — Talvez seja tarde demais. Temos brigado desde que chegamos a bordo. Pretendia levá-Ia para conhecer alguns pontos turísticos, mas SaIly parece mais interessada em ficar no navio em companhia dos jovens. Claro que não a reprovo.

— Quantos anos ela tem'?

— Dezessete. — Um sorriso rejuvenesceu o rosto de quarenta e cinco ou quarenta e seis anos, idade que Helen calculava ser a de Glenn Freeman. — E pensa que sabe tudo!

— Todos nós pensamos assim. — Helen sentia-se atraída pelo homem de uma maneira estranha, que não conseguia explicar. Talvez sua aparência de executivo americano todo-poderoso, sonho de toda mulher, fosse a responsável por essa sensação, pensou, divertida.

— Por que não trouxe sua mulher para ajudá-lo?

— Sou viúvo há doze anos. Acho que esse é que é o problema. Meu trabalho exije que eu viaje muito, por isso passamos pouco tempo juntos, minha filha e eu. SaIly praticamente foi criada por babás. Talvez a idéia deste cruzeiro tenha sido completamente errada. Devia ter escolhido um lugar mais sossegado, onde pudéssemos estar sozinhos.

— Acho que teria sido pior. Nessa idade uma garota precisa se libertar um pouco da família.

Glenn Freeman demonstrou interesse pelo comentário de Helen.

— Você fala como se tivesse passado por isso também.

— Passei, 'de certa forma. Também nunca convivi muito com meu pai. — Apoiou a cabeça sobre os joelhos dobrados e piscou um pouco por causa do brilho forte do sol. — Não vai conseguir conquistá-la com facilidade... Pelo menos, não em uma semana.

— Não posso ficar mais tempo.

— Quer dizer que seu trabalho importa mais que sua filha? — As palavras saíram quase sem perceber. — Desculpe, não tinha o direito de lhe dizer isso.

Ele a olhava sem ressentimento, pensativo.

— Não se desculpe. Talvez esteja certa. Parece que o hábito tem mais força que a consciência. — Fez uma pausa e acrescentou: — Não tinha intenção de falar sobre SaIly. Só queria que nos conhecêssemos.

— Bem, deu resultado, não deu? — Um brilho de malícia iluminou os olhos de Helen.

— Acho que sim. — Ele riu e olhou na direção do bar. — Posso trazer uma bebida para você?

— Uma Coca-Cola, por favor.

— Pura?

— Bem... — Helen hesitou. — Um pouquinho de Bacardi.

— Não vá embora. — Levantou-se de um salto, sacudindo o cabelo castanho-avermelhado onde o sol colocava alguns reflexos grisalhos.

Observou-o contornar a piscina com passos seguros e confiantes. Os dela não eram os únicos olhos femininos a segui-lo. Uma espécie de instinto fez com que ela olhasse para o convés superior, onde tinha estado com Clay Anderson três noites atrás. Sentiu que todo seu corpo se enrijecia ao avistar a figura uniformizada que olhava fixamente para ela. Não sabia há quanto tempo ele estava ali, mas pela expressão de seu rosto teve certeza de que tinha estado o tempo suficiente para formar uma opinião sobre a conversa dela com Glenn. Resistiu ao impulso de acenar a mão, provocativa. Por que tornar as coisas piores?

Quando Glenn voltou, Clay Anderson já tinha ido embora, mas Helen estava tão tensa que não conseguiu mais conversar descontraidamente com o americano.

— Estou ansioso para ouvi-la esta noite — disse Glenn quando ela se levantou para ir para o camarote. — Não quer se encontrar comigo e com Sally depois do espetáculo? Tenho certeza de que ela vai adorar conhecê-la.

Helen fazia algumas objeções a esse encontro, mas ignorou-as.

— Seria ótimo.

— Estarei contando os minutos até lá. — Glenn estendeu a mão para ajudá-Ia a levantar, demorando um pouco para soltá-la, como se hesitasse em deixar que ela se afastasse.

Philip surgiu de repente de uma porta que Helen ia atravessando.

— Oi — cumprimentou, alegre. — Não vi você o dia todo.

— Estava tomando sol no terraço. — O sorriso dela era amável, mas não encorajador.

— Vou descer para me trocar. Você parece cansado.

— Estava colocando umas mesas no salão Cavendish. Se estiver interessada, vai haver corrida de cavalos lá, às quatro e meia.

— Corrida de cavalos? — espantou-se.

— É uma espécie de jogo. Por que não vai até lá depois? É divertido.

— Acho que não, obrigada. Preciso escrever umas cartas. — Sorriu e seguiu seu caminho. — Até mais tarde.

— Podíamos ir ao Calypso outra vez, depois do espetáculo desta noite.

— Não, obrigada. — Sentia-se satisfeita por ter uma razão para recusar. — Já tenho outro compromisso. Fica para outro dia, está bem?

— Claro. — Ele ficou tão desapontado que Helen pensou em marcar um encontro para o dia seguinte, mas o bom senso alertou-a para não fazer isso. Philip parecia se encorajar com muito pouco, o melhor era evitar complicações. Afastou-se depressa, antes que ele tivesse outras idéias.

Um bom banho e uma roupa limpa a ajudaram a relaxar um pouco e encarar com mais tranqüilidade a estréia daquela noite. Embora já fosse uma veterana, cada nova estréia a enchia de ansiedade, como se fosse a primeira apresentação da sua vida. Mas, segundo Barney, ela só deveria se preocupar no dia em que deixasse de sentir qualquer espécie de tensão nervosa, pois isso significaria uma acomodação, o princípio da estagnação do talento. Helen desejou que ele estivesse ali naquela noite, animando-a e dando-Ihe forças, como sempre fazia. Era a primeira vez que se via sozinha e isso a amedrontava. Ao mesmo tempo, percebia que aquela era sua oportunidade de se libertar de Barney e adquirir autoconfiança.

No jantar, Helen dividiu uma das mesas com um casal americano, já idoso, e com um casalzinho de venezuelanos, tão embevecidos um com o outro que, sem dúvida, estavam em lua-de-mel. Como os venezuelanos quase não falavam inglês, a conversa restringiu-se aos outros três.

— Então é hoje a sua estréia — disse Lawrence Miller, quando já estavam todos sentados à mesa do jantar. — Precisamos reservar uma boa mesa antes que as outras pessoas tenham a mesma idéia, não é, Lucy? Não podemos perder a apresentação da mocinha. A que horas começa?

— Lá pelas onze — respondeu Helen. — Mas o melhor espetáculo vai ser na sexta-feira. E quando começa o carnaval, não é?

— É mesmo — concordou Lucy, animada. — Sempre gostei de usar aqueles colares coloridos. Parece que é uma tradição das ilhas do Pacífico. Estamos torcendo por você, querida.

Helen se sentiu reconfortada com a gentileza dos dois. Do fundo do coração, desejou que Clay Anderson não comparecesse ao cabaré, mesmo sabendo que era parte do trabalho dele fiscalizar o andamento dos espetáculos de bordo, especialmente a apresentação de uma cantora desconhecida como ela.

Para ganhar tempo, levou o vestido que usaria naquela noite e o estojo de maquilagem para o camarim reservado para ela no fundo do palco do clube Connaught, assim teria tempo suficiente de jantar sossegada. Subindo ao convés superior, ouviu a orquestra tocando músicas de dança latino-americanas e sentiu que toda vez que ouvisse aquele ritmo, no futuro, ia se lembrar da primeira noite passada a bordo do Andrômeda. De uma coisa estava certa: impossível passar três meses a bordo sem encontrar de novo Clay Anderson. Com certeza, para ele, ela não passava de uma vagabundazinha que merecia umas boas lições. Mas não daria a ele essa oportunidade, prometeu a si mesma. Se ele tentasse encostar as mãos nela outra vez, se queixaria ao capitão, por mais drástica que parecesse essa solução.

Aquela hora os terraços do convés Beach estavam vazios. Helen sentou-se em uma cadeira próxima ao lugar onde tinha estado à tarde e ficou .observando os reflexos do luar sobre as ondas. À medida que o tempo passava, sentia que seus nervos se contraíam, numa sensação ao mesmo tempo dolorosa e agradável. Sua garganta parecia seca demais para produzir sequer uma nota mas, como já estava acostumada a essa reação, não entrou em pânico. Quando chegasse a hora os músculos se descontrairiam, como sempre. A espera era a

pior parte, junto com as dúvidas que a acompanhavam. O público era, em sua maioria, de americanos. E se não gostassem da apresentação?

— Pois então trate de fazê-los gostar — disse para si mesma com firmeza.

Havia quatro camarins à disposição dos artistas. Marian Lee ocupava o camarim à esquerda do de Helen, que a encontrou sozinha ao descer. Assim que viu Helen, bateu a porta com força, sem dizer uma palavra. Obviamente a dançarina tinha recebido a notícia da sua exclusão do espetáculo e estava irritada. Helen compreendia a situação, mas preferia não passar por bode expiatório. Com certeza Clay tinha tocado em seu nome na conversa que teve com Marian. Talvez tivesse até dito que ela exigiu o tempo que seria da dançarina. De um homem como ele não se podia esperar atitude mais digna, mas já estava acostumada a inimizades profissionais e não se preocupou muito.

Estava lutando para fechar o zíper do vestido longo, cor de esmeralda, quando bateram à porta. Pensando que fosse a criada com o café que havia pedido, mandou que entrasse, sem se virar. Ficou gelada quando viu pelo espelho quem entrou.

— O que é que você quer? — perguntou, hostil.

— Só conferir. — Havia zombaria no tom das palavras de Clay. — Algum problema?

— Nada que eu não possa resolver sozinha, obrigada. — Percebeu que ele se aproximava e virou-se para encará-lo, deixando cair um pote de creme que tinha nas mãos.

— Saia daqui!

Ele se inclinou, pegou o pote e recolocou-o sobre a penteadeira.

— Sorte não ter quebrado. Vou ajudá-la com esse zíper.

— Eu disse para você sair. — Helen deu um passo atrás, consciente de que o vestido tinha escorregado alguns centímetros pelos ombros. — Não preciso da sua ajuda.

— Precisa da ajuda de alguém e parece que eu sou a única pessoa disponível no momento. -Desafiava-a com o olhar. — Vai deixar que a ajude ou pretende fazer o público esperar por causa de sua timidez? Precisa entrar em cena dentro de cinco minutos.

Olhou fixamente para ele durante alguns segundos para depois se virar abruptamente. Pelo espelho, podia ver o sorriso irônico com que ele se aproximou. Sentiu o toque leve de seus dedos nas costas e não conseguiu conter um pequeno calafrio. Cravou as unhas nas palmas das mãos, desprezando-se por não ter conseguido evitar aquela pequena reação ao contato das mãos dele. Agora ele possuía mais uma arma para usar contra ela... e sabia disso.

Sentiu um impulso incontrolável de se afastar com violência, mas fez um esforço e ficou onde estava. Tal reação seria um reconhecimento tácito do poder de Clay Anderson sobre ela e não pretendia dar-lhe essa satisfação.

— Obrigada.

— As ordens. — Continuou com os olhos fixos nos dela. Uma nova batida na porta veio quebrar o encanto. Aliviada, Helen mandou a criada entrar.

Se a recém-chegada ficou surpresa com a presença do diretor no camarim, não demonstrou. Simplesmente colocou a bandeja em cima da mesa e saiu sem dizer nada. Assim que fechou a porta, Clay caminhou na mesma direção, virando-se para lançar a Helen um sorriso sarcástico antes de sair.

Ela sentiu que suas mãos tremiam ao se servir de café. Tomou-o de um só gole, satisfeita por não ter queimado a boca. Para falar a verdade, uma bebida mais forte seria ideal naquele momento, mesmo sabendo que o álcool prejudicaria sua apresentação. Maldito homem! Que direito ele tinha de entrar ali daquele jeito? E que diabos estava havendo com ela, para reagir daquela maneira ao contato de um homem que lhe havia dito tamanhas barbaridades? Apenas química, disse a si mesma, tentando se tranqüilizar; uma reação física automática, que não tinha nada a ver com os sentimentos que podia ter em relação a outra pessoa. Mas duvidava que o homem que acabara de sair visse as coisas sob o mesmo prisma. Para ele, aparentemente, só o relacionamento físico era possível entre um homem e uma mulher.

Tremeu levemente ao relembrar a expressão dos olhos dele. Um homem como Clay devia achar mais do que justo aproveitar toda e qualquer oportunidade para retribuir na mesma moeda que supunha ser a dela. Mas estava redondamente enganado se pensava que podia induzi-la a ter qualquer espécie de relacionamento com ele. Daquele dia em diante, procuraria manter dele a maior distância possível dentro do espaço limitado do navio.

Parada na boca do palco, na semi-obscuridade, procurou esquecer o incidente e concentrar-se no homem que a apresentava ao público. Com o coração aos saltos, ouviu-o anunciar seu nome e logo em seguida, aos primeiros acordes do seu número inicial, entrou no palco com ar confiante, sorrindo para o mar de rostos da platéia. Sob a luz forte dos refletores, caminhando com passos leves e graciosos, pegou o microfone e soltou a voz, animada pelos aplausos calorosos.

O sucesso do primeiro número lhe deu coragem e ânimo para prosseguir com total confiança. No espaço de vinte minutos, cantou mais quatro canções, entremeadas de um bate-papo alegre com o público, técnica a.prendida. com Barney. Como número final, cantou a balada que havia escolhido para iniciar o ensaio com a orquestra. Apoiada a uma das colunas, de perfil para o público, recebia a luz de apenas um dos refletores, que destacava delicadamente seu rosto e seus ombros.

A passagem de um número rápido para outro lento requeria mais que um simples ajustamento de tempo: exigia também um estado de espírito bem diferente. Helen procurou esquecer a platéia para se concentrar apenas nas palavras a que devia dar vida e sentimento. Começou lenta e suavemente, deixando que viessem a ela, em lugar de correr atrás delas. Na platéia, podia-se ouvir um alfinete que caísse no chão, tamanho o silêncio e o enlevo com que o público acompanhava o número. Alguns segundos depois da última nota se perder no ar, a assistência fez vibrar todo o salão com um aplauso vibrante e entusiástico.

— Precisa cantar mais um número — murmurou James Keen quando Helen passou por ele. — Que tal Cabaré?

Não podia haver escolha mais apropriada naquele momento. Helen se sentiu invadida por uma estranha emoção quando as primeiras notas se elevaram num crescendo, e entregou-se totalmente à música. Tinham gostado dela. Tinham realmente gostado, e aquela era a sensação mais maravilhosa do mundo!

Foi muito cumprimentada pelos demais artistas quando finalmente deixou o palco. De volta ao camarim, esperou durante alguns segundos que a adrenal!na voltasse ao nível normal antes de analisar o sucesso daquela noite.

Um pouco depois, vestindo a roupa azul que havia usado no jantar, deixou o camarim e foi para o clube encontrar-se com Glenn e com a filha. Encontrou-o numa das mesas perto da porta, mas sozinho.

— Esteve maravilhosa — cumprimentou-a, levantando-se oferecendo uma cadeira a ela. — Já cantou nos Estados Unidos?

— Não sou uma artista internacional, apesar dos folhetos de propaganda — respondeu, sorrindo. —  Meu agente conseguiu este contrato porque achou que me seria útil no futuro. O Andrômeda é um navio muito exclusivo.

— É acho que sim. Tenho certeza de que logo vai ser convidada para cantar do nosso lado do Atlântico. Quanto a mim, farei o possível para levá-la até lá.

— Tem alguma ligação com o mundo dos espetáculos? — perguntou, intrigada.

— Digamos que tenho contatos significativos com algumas das grandes orquestras e que minha palavra tem algum peso. O público e reagiu de maneira excelente esta noite.

— É, eles foram maravilhosos. — A experiência a havia ensinado a não cultivar a falsa modéstia. Tinha consciência de ter feito uma boa apresentação, portanto era improvável que falhasse nos espetáculos seguintes, a menos que tivesse a infelicidade de se defrontar com um novo grupo totalmente diferente do atual. Por outro lado, não podia esquecer que as pessoas que a haviam aplaudido naquela noite estavam em férias, o que naturalmente as levava a ser menos críticas que um público que precisasse comprar entradas para assistir à apresentação de um artista. A possibilidade de um contrato para cantar nos Estados Unidos em futuro não muito distante era ao mesmo tempo excitante e assustadora, mas achava mais prudente não contar com ela.

— Sua filha vem se encontrar conosco? — Percebeu que a pergunta provocou uma mudança na expressão de Glenn.

— Acho que não. Ela foi à discoteca com alguns amigos.

— Claro, é compreensível. — Helen fez uma pausa antes de acrescentar: — Está preocupado com ela, não está?

— Um pouco. Sei que as meninas de dezessete anos são muito amadurecidas, hoje em dia, mas Sally sempre foi muito sossegada. Gosta muito de ler e de ir a concertos. Eu nem sabia que ela conhecia essas danças modernas.

Helen riu.

— Não é necessário saber nenhum passo especial, basta acompanhar o ritmo. Qualquer pessoa pode aprender em poucos minutos, desde que não seja muito tímida. É muito mais fácil que o swing.

— Você é jovem demais para conhecer o swing — comentou, rindo.

— Ultimamente fizeram algumas tentativas para revivê-lo.

— Pelo menos era um tipo de dança em que havia contato pessoal. Hoje em dia as pessoas podem dançar sozinhas, sem necessidade de parceiro.

— É mais seguro, não acha?

— Talvez tenha razão. Eu devia me sentir aliviado pelo fato do estilo corpo a corpo estar fora de moda. Nada mais apropriado para ferver o sangue do que uma valsa antiga e uma pista de dança apinhada. Foi assim que conheci minha esposa.

— Nunca pensou em se casar outra vez? — perguntou, percebendo que ele estava um pouco melancólico.

— Nunca mais conheci ninguém com quem desejasse me casar. — Os olhos azuis de Glenn encontraram-se com os dela por alguns instantes, mas afastaram-se depressa. — Na minha idade, muitos hábitos estão arraigados demais para serem mudados. O problema é encontrar uma mulher que esteja disposta a me suportar daqui para frente.

— Você fala como se fosse um velho — brincou. — Não deve ter mais que quarenta e seis anos.

— Errou por pouco. Tenho quarenta e oito. — Outra vez seus olhos se encontraram.

 — Velho bastante para ser seu pai. Importa-se de ter um velho como acompanhante?

— Vou me importar, se continuar dizendo que é velho, mesmo que seja por brincadeira. A velhice não tem nada a ver com a idade. — Estava pensando em Barney Wilson, ao dizer isso. — Um dos homens Mais jovens que conheço tem mais de sessenta anos.

— É um ponto-de-vista muito animador! — Sorriu. — De agora em diante vou tentar me sentir jovem.

Tomaram outro drinque e conversaram mais um pouco. Foi Helen quem sugeriu uma ida até o convés Beach, percebendo a preocupação de Glenn. Talvez ele ficasse mais tranqüilo se visse que a filha estava se divertindo.

Quando saíram, Helen percebeu que Glenn olhou para o Calypso, mas não fez nenhuma menção de levá-la naquela direção. Entendia o dilema dele. Se Sally visse o pai nas proximidades do clube, provavelmente acharia que a estava espionando, que não confiava nela. Era uma situação difícil, da qual Glenn não tinha nenhuma experiência. Helen tentou imaginar como teria se sentido aos dezessete anos, naquelas mesmas circunstâncias, e concluiu que teria ficado muito feliz com qualquer demonstração de preocupação por parte do pai. Não que ela tivesse tido muitas oportunidades de sair com pessoas da mesma idade, naquela época; a tia a mantinha quase sempre sob forte vigilância, provavelmente por achar uma grande responsabilidade cuidar da filha de outra pessoa. De qualquer maneira, não tinha nenhum conselho a dar a Glenn. Ele teria que resolver por ele mesmo seus problemas de família.

À distância, junto às grades da amurada, um casal parecia concentrado num abraço apaixonado. De repente, uma das figuras empurrou a outra para trás e uma voz jovem protestou.

— Não, não!

Glenn soltou uma exclamação surda e correu em direção ao casal, parando diante do rapaz, que segurava com força o braço da garota.

— Solte-a! — Aparentemente, Glenn estava disposto a enfatizar as palavras com um soco, a julgar pelos punhos cerrados. — Sally, afaste-se desse... gigolô!

Em outras circunstâncias, Helen teria achado engraçado, mas agora a situação não tinha graça alguma. O venezuelano — ao menos parecia ser — virou-se para Glenn com evidente agressividade, mas acalmou-se ao perceber que eram conhecidos. Sem dúvida era um esplêndido representante da raça venezuelana, de vinte e poucos anos, músculos de atleta e ar arrogante.

— Desculpe — disse a Glenn, sem hesitar. — Se soubesse que SaIly, estava acompanhada, não teria concordado em trazê-la até o convés.

— A sugestão foi sua! — O rostinho jovem de SaIly estava cheio de indignação. —  E você tinha prometido não... não fazer nada.

— Eu não fiz nada. — O protesto veio rápido. — No meu país, um beijo não é considerado um crime. — Olhou para Glenn, como quem pede compreensão masculina.

— Precisa acreditar em mim, eu...

— Se o encontrar perto da minha filha outra vez, ponho-o para fora deste navio. Vá andando!

O rapaz foi embora sem nenhuma pressa e, ao passar por Helen, lançou-lhe um longo olhar de aprovação. SaIly não tinha coragem de encarar o pai e permanecia em silêncio, trêmula. Era uma garota muito bonita, de pernas esguias e bem-feitas, que o vestido curto não escondia. Glenn não sabia como enfrentar a situação e buscou refúgio na raiva.

— Não tem juízo? Como é que vem aqui para fora com um rapas daqueles? Não percebe que ele só quer...

— Não sabia que ele ia tentar fazer alguma coisa. Foi tão gentil enquanto estávamos dançando. — SaIly parecia prestes a explodir em lágrimas. — Ele me trouxe uma bebida e...

— Que espécie de bebida?

— Uma limonada. — Tentou olhar para ele, ao mesmo tempo aliviada e irritada. — Veio aqui em cima para me procurar?

— Não, queríamos respirar um pouco de ar fresco. — Foi Helen quem respondeu por ele, percebendo imediatamente que não tinha usado um bom argumento, já que o ar condicionado do navio era perfeito. Deu um passo adiante. — Sou Helen Gaynor. Seu pai e eu nos conhecemos esta manhã.

— Sim, ele me disse. — SaIly parecia grata pela interferência de Helen, mas insegura quanto à maneira de agir. — Desculpe por não ter ido ao seu espetáculo.

— Também gosto de dançar — acrescentou, entusiasmada. — Vai haver outro espetáculo na quinta-feira, mas o melhor será o da sexta-feira: um show de carnaval. Por que você e seu pai não vão juntos?

— Eu gostaria muito! — Sally hesitou, olhando para a figura alta parada entre elas.

— Acho que vou para a cama. Vai... vai descer comigo?

Estava com medo de encontrar o venezuelano outra vez, pensou Helen, acrescentando sem pensar:

— Vá, Glenn. Também vou entrar daqui a pouco.

— Acompanho você até a cabine — ofereceu Glenn, mas ela recusou.

— Vou dar uma volta antes, senão não consigo dormir. Costumo andar um pouco depois das apresentações e prefiro fazer isso sozinha.

O bar da piscina ainda estava aberto e do lugar onde estavam podiam ver os freqüentadores, através das portas abertas. Não fosse por isso, Glenn não a teria deixado sozinha no convés. Depois de muita relutância, concordou em ir embora com a filha.

— Fez reserva para alguma excursão a Barbados, amanhã? — Recebendo resposta negativa acrescentou: — Então que tal nos dar prazer da sua companhia num passeio pela ilha? Aluguei um carro para as nove e meia.

— Venha conosco! — Sally parecia sinceramente interessada. — Barbados é um dos lugares que mais tenho vontade de conhecer. Já ouvi contar maravilhas sobre a ilha.

— Muito obrigada, será um prazer. — Helen estava sendo sincera. Os Freeman pareciam precisar de uma pessoa que atuasse como intermediária durante o período de aproximação. Gostava muito de Glenn e tinha certeza de que se daria bem com Sally. Além disso, já era hora de sair um pouco do navio, para quebrar a rotina.

— Encontro-os na prancha de desembarque'?

— Pode ser. — Glenn ainda hesitou um pouco em deixá-la sozinha, mas pensou na filha e decidiu se despedir. — Estaremos esperando.

Assim que os dois se afastaram, Helen começou a caminhar lentamente ao longo da amurada. Daria a eles tempo de tomarem o elevador e depois também iria dormir. Tinha falado a verdade ao dizer que precisava caminhar um pouco para conciliar o sono, mas a noite estrelada e o mar prateado pelos raios da lua não estavam conseguindo criar nela o estado de espírito adequado. Havia uma estranha inquietação dentro dela, uma necessidade que se recusava a aceitar.

Do outro lado do convés surgiu uma figura vestida de branco. Um dos oficiais fazendo sua ronda noturna, pensou Helen, procurando afastar pensamentos desagradáveis. Mas, quando a figura se aproximou, seu coração começou a bater violentamente. Era o venezuelano que estava com Sally.

— Você ficou aqui sozinha — disse o rapaz, com uma entonação que não deixava margem para dúvidas. — Sabia que ia se livrar do seu amigo depois que nos olhamos daquele jeito.

A audácia do rapaz a enfureceu. O jeito que nos olhamos! Sentiu um súbito desejo de rir, talvez uma conseqüência do nervosismo. No passado, tinha precisado se livrar de pretendentes importunos muitas vezes, mas jamais se vira frente a frente com tamanha autoconfiança

— Acho que está sendo um pouco pretensioso. Já ia descer para meu quarto.

— Para o seu ou para o meu, não tem a menor importância. Queremos a mesma coisa, não é, querida? Logo que a vi, percebi que estava diante de uma mulher de verdade, e não de uma menina como aquela. Era muito bonitinha, mas acho que não tem muita experiência

— Tem só dezessete anos — respondeu Helen.

Ele pareceu surpreso.

— Tudo isso? Pensei que fosse mais jovem. No meu país...

— No seu país os costumes evidentemente são bem diferentes dos nossos. Você deve ser o homem mais pretensioso do navio!

Ele sorriu, divertido, sem demonstrar que pretendia desistir.

— Tenho de que me orgulhar. Muitas das garotas aí em cima — apontou para o convés superior — gostariam de estar com Chico Vargas esta noite, mas eu escolhi você!

— Pois então pode escolher outra, porque não estou disponível — Helen quase não conseguia levar a sério a situação. — Boa noite sr. Vargas.

Ele se colocou diante dela, quando Helen fez menção de entrar sem diminuir o sorriso.

— Não pretende fazer isso, eu sei. Quer que a convença, não é?

— Não se preocupou em esperar por uma resposta. — Então vou convence- la.

Helen estendeu os dois braços para interromper o avanço entusiasmado do rapaz, mas não teve forças suficientes e viu-se pressionada contra a amurada, o rosto dele perigosamente próximo. Mas a proximidade não durou mais que um segundo, pois logo em seguida, como num passe de mágica, o venezuelano foi arrancado de onde estava e o rosto contraído de Clay Anderson surgiu diante dela. Chico não esperou segunda insinuação. Duas vezes na mesma noite era demais. Sem uma palavra desapareceu.

Olhando para seu salvador, compreendeu como Sally devia ter se sentido. Era grata a ele por tê-la livrado de uma situação que ameaçava tomar-se bastante desagradável, mas gratidão alguma podia torná-la cega para a expressão de Clay. Com certeza tinha vindo em seu auxílio por dever, como oficial do navio, mas sem dúvida a considerava parcialmente culpada, por estar ali sozinha àquela hora da noite.

As primeiras palavras dele confirmaram essa impressão.

— Nem sempre os Romeus do nosso navio são completamente culpados. Uma mulher sozinha é mais do que um convite. O que estava tentando provar?

— Não entendi. — Olhou-o com firmeza.

— Devia saber que ele ainda estava por aí, quando decidiu não acompanhar os seus amigos.

— Você estava nos observando?

— Vi tudo, desde o princípio. Vi quando os dois saíram do clube e fiquei atento, por causa da idade... ou da falta de idade da menina. Se você e o pai dela não tivessem aparecido eu mesmo teria resolvido o problema. — Sorriu com sarcasmo. — Estamos aqui para proteger os fracos e os tolos.

— Como sabe que ele é pai dela? — perguntou, tentando descobrir em qual das duas classificações ele a encaixava.

— É velho demais para ser irmão dela, e o tipo de reação que teve indicava que eram parentes. Acho que foi uma conclusão natural. — Fez uma pausa. — Aliás, deve ser uns vinte e seis anos mais velho que você.

— Vinte e quatro, para sermos exatos. — E acrescentou com ironia: — Suponho que devemos ser realistas, não?

— E se eu lhe disser... — Clay calou-se, enfiando as mãos nos bolsos como quem tenta se controlar. — O nome dele é Freeman, não? Um dos maiores peixes do barco. Você não perdeu tempo.

— Nem você perdeu o seu. — Estava decidida a não deixar que eIe a derrubasse. — De que adianta a um homem ser mais rico que seus vizinhos, a bordo do Andrômeda?

— Onde quer chegar? — Seus olhos se contraíram perigosamente.

— Não é difícil adivinhar — ironizou, sentindo uma pontada de medo ao perceber que ele tirava as mãos dos bolsos outra vez. O bom senso lhe dizia para parar por ali, mas alguma coisa mais forte do que ela a fez prosseguir: — Uma conclusão natural, não é?

Não conseguiu ir mais longe. No instante seguinte ele estava parado, diante dela, segurando-a pelos braços e comprimindo-a contra a amurada. Só que desta vez não havia ninguém por perto para ajudá-la. Helen ficou rígida quando os lábios dele tocaram os seus, incapaz de lutar contra aqueles braços fortes, sentindo todo seu corpo vibrar com aquele contato. Tinha sido beijada muitas vezes, mas nunca com tamanha brutalidade. Pela primeira vez soube o que era estar à mercê da força e dos desejos de um homem, e não gostou nada da sensação. Quando ele finalmente levantou a cabeça, tentou cravar-lhe as unhas no rosto, mas ainda estava firmemente presa.

— Tente me provocar outra vez — ameaçou com voz suave — e vai ver o que acontece!

— Tire as mãos de mim! — Fulminou-o com o olhar. Sabia que ele não estava blefando.

— Só quando eu achar conveniente. — Empurrou-a contra a balaustrada outra vez. — Já é hora de alguém colocá-la no seu devido lugar.

— Só a mim ou a todas as mulheres? — provocou-o.

— Se a natureza quisesse que fôssemos iguais, teria dado uma forma diferente a você. E não tente desconversar. Igualdade não é assunto em discussão.

— E qual é o assunto em discussão'?

— Fidelidade, se isso a agrada. — Mantinha os dois braços apoiados à balaustrada, sem tocá-la, mas também sem deixá-la escapar.

— Outro dia você negou ter tido um relacionamento físico com Ian. Isso quer dizer que ele nunca tentou fazer amor com você ou que você sempre recusou? — Ela não respondeu e ele se irritou. Vamos, diga que ele nunca a beijou. Já ouvi mentiras maiores.

— É claro que ele me beijou. E eu deixei. Por que não deixaria. Eu...

— Porque ele tinha uma esposa. Nunca pensou nela?

— Eu não... — Helen calou-se de repente, o orgulho impedindo de dar explicações. Além disso, ele não acreditaria mesmo. Tinha deixado claro que não acreditaria em nada que ela dissesse. Encarou-o firme, de cabeça erguida. — Não. E de que adianta estarmos aqui discutindo isso?

— Acho que não adianta nada — respondeu depois de alguns instantes, com expressão indecifrável. — O mal já está feito. — Afastou-se, deixando que ela passasse. — Vou acompanhá-la até seu quarto.

— Posso ir sozinha.

— Eu disse que vou acompanhá-la. Seu Romeu talvez tenha decidido esperá-la. Tipos como ele não aceitam um não como resposta.

Ele não era o único, pensou Helen, mas evitou dizer isso em voz alta. Era mais seguro ficar quieta e deixar que ele fosse com ela.

Não havia sinal do venezuelano quando desceram ao convés Atlântico para tomar o elevador. Clay cumprimentou os demais passageiros com agradável informalidade e permaneceu em silêncio enquanto desciam, sem notar os olhares curiosos que estavam atraindo. continuou em silêncio até chegarem à porta da cabine de Helen. Lá, pediu a chave e abriu a porta, acendendo a luz antes de deixar que ela entrasse.

— Sã e salva — disse ele. — Tem mais sorte do que imagina.

Antes que ela pudesse pensar numa resposta adequada, ele já havia desaparecido.

 

 



  

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