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CAPÍTULO III



CAPÍTULO III

 

O passeio com Glenn e Sally a Barbados ajudou Helen a relaxar. As praias brancas, as cores tropicais, a população amigável e alegria a conquistaram. Todos gostariam de passar mais tempo ali, mas dispunham de apenas um dia para visitar toda a ilha em companhia do motorista nativo, homem interessante e muito consciente de sua posição de guia.

— Vocês vão me ouvir ou preferem voltar ao navio sem conhecer nada? — perguntou, irritado, num momento em que os comentários dos três sobre a paisagem tornaram-se mais animados que os dele. Calaram-se imediatamente, como carneirinhos, Sally mal conseguindo conter o riso.

Almoçaram no castelo de Sam Lord, na costa sul da ilha, uma construção do período do império, todo espelhado, das paredes ao teto que ainda mantinha a mesma atmosfera do passado. Samuel Hall Lord construiu o palácio num dos seus períodos de saudades da pátria no início do século passado, transformando-o em museu, até que o atual proprietário decidiu utilizá-lo como hotel. Atualmente, era considerado um dos mais belos do mundo, rodeado de extensos gramados sempre cheios de sol e com vista para o mar. Os empregados ainda usavam uniformes estilo real, atendendo com grande eficiência os hóspedes risonhos.

— Imaginem só viver num lugar como este! — Sally suspirou quando voltavam ao navio. — Esse Samuel Lord devia ser um nobre!

— De acordo com a lenda, ele era um pirata, um assassino, explicou Glenn. — Mas concordo a respeito da casa. Talvez possamos voltar aqui em breve, por nossa conta, para passar alguns dias.

— Helen. também? — A pergunta foi feita com entusiasmo.

— Não acredito que volte tão cedo ao Caribe depois que terminar meu contrato. Meu agente tem muitos planos para mim.

— Tem tido notícias dele? — perguntou Glenn.

—  Esta manhã. — Olhou para as árvores que margeavam a estrada e para os jardins coloridos das casas. — Está chovendo em Londres. Pelo menos estava quando Barney escreveu a carta. Londres parece tão distante agora... quase não posso imaginar o que é sentir frio outra vez.

— Tem razão, este é o lugar ideal para passar o inverno — concordou Glenn. — É uma pena não ter descoberto isso antes.

— Porque estava sempre muito ocupado — respondeu Sally, objetiva.

Glenn sorriu.

— Acho que tem razão. Bem, preciso tomar providências para não voltar ao velho ritmo outra vez, não é?

Sally deu um meio-sorriso, como se não acreditasse muito naquilo.

Depois da visita à ilha, ficou mais ou menos implícito que Helen passaria todo seu tempo livre em companhia dos Freeman, mas isso não a aborrecia. Estava começando a gostar muito do pai e da filha e, além disso, estando com eles estaria livre de Clay Anderson. Em diversas ocasiões percebeu que Clay a observava, quando estava a sós com Glenn, mas ele nunca tentou se aproximar ou interferir de qualquer maneira. Entretanto, Helen tinha certeza de que ele não havia desistido e de que, mais dia, menos dia, acabariam se encontrando.

A Martinica não tinha nada em comum com Barbados. Florestas densas subiam pelas encostas enevoadas das montanhas que se estendiam em direção ao interior. O forte de Franca, próximo às docas, era rodeado por um conglomerado de choças miseráveis, intercaladas, aqui e ali, por enormes construções de pedra, muito antigas. O tráfego intenso e agressivo lembrava muito o da França.

Helen adorou a rua do mercado, que descobriram ao lado do rio, e por onde passearam alegremente, entre mangas e cachos de bananas pendurados nos tetos quase destruídos, sob o olhar distraído dos vendedores acocorados ao lado das suas mercadorias. Aparentemente os passageiros dos navios dificilmente chegavam até aquela parte da cidade.

Á tardezinha, tomaram um táxi que os conduziu até a rua Vitor Hugo, onde se localizavam as melhores lojas. Depois das compras, foram assistir a uma apresentação do Balé da Martinica, num dos melhores hotéis da cidade. Dizia-se que as danças, cada qual com significado próprio, tinham sido adaptadas pelos escravos para seu próprio ritmo, modificando assim as danças dos seus amos franceses. Helen conseguiu reconhecer ao menos alguns movimentos de um minueto que reproduzia os bailes das antigas cortes francesas, mal conseguindo se conter aos acordes do ritmo provocante. Não era difícil entender como Cole Porter tinha achado inspiração para o seu Beguin the Beguine simplesmente ouvindo a música da ilha.

A noite do show de carnaval foi o maior evento da semana a bordo do Andrômeda, todo mundo participando do espírito da festa a partir da hora do jantar. Até os garçons trocaram seus uniformes usuais, por fantasias de estilo espanhol: calças pretas, muito justas, e boleros coloridos sobre camisas de mangas bem largas. Houve um prolongado aplauso quando as luzes diminuíram de intensidade e os garçons entraram carregando a sobremesa em enormes bandejas de prata.

Helen ainda teve tempo de tomar um drinque com Glenn e Sally, depois do jantar, antes de descer para o camarim para se prepara para a apresentação daquela noite. Admirou-se ao encontrar Marian Lee maquilando-se no camarim que normalmente era dela.

— Acho que ninguém lhe disse que hoje precisamos ocupar o mesmo camarim, para dar lugar a todos os extras que se apresentam esta noite — disse Marian, observando-a cinicamente pelo espelho. — Já estou quase terminando. Por que não entra e espera aqui dentro?

Helen entrou e sentou-se numa das poltronas, com a estranha sensação de ser ela a intrusa. Conhecer o motivo do antagonismo de Marian não tornava a situação mais fácil, mas mesmo assim foi incapaz de ficar ali sentada em silêncio, enquanto a outra se maquilava.

— Vi você dançar outro dia. Gostei muito -disse com certa hesitação.

— Obrigada — respondeu Marian, irônica.

— Olhe, sei como você deve estar se sentindo... Eu também me sentiria assim, mas acredite que não tive culpa nenhuma. Foi Clay Anderson quem tomou a decisão.

— Claro que foi ele. — Marian não se preocupou em olhar para ela. — Como ele disse, a estrela deve ter prioridade. Também faria o mesmo, se fosse você, mas não espere que eu seja tão compreensiva. Aproveite sua posição enquanto pode. — Mudou ligeiramente de tom. — Deve agradecer por Clay Anderson não ser o tipo de pessoa que deixa os sentimentos pessoais interferirem em seu trabalho.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Helen, gelando.

— Sabe muito bem o que quero dizer. — Desta vez a ruiva virou cabeça e olhou para ela com malícia. — A trapalhada que você fez com o casamento da irmã dele. Clay se preocupa muito com a garota... talvez até demais, mas isso não vem ao caso. Qualquer outro homem acharia um jeito de eliminá-la do show, mas não Clay Anderson, que é um verdadeiro profissional e prefere colocar os interesses dos clientes acima de qualquer outro. Mesmo que tenha que manter alguém como você no elenco.

Quem, a não ser Clay, podia ter contado tudo isso a Marian?, pensou Helen. Isso significava que a dançarina não era apenas mais um membro do elenco, mas representava alguma coisa mais para ele. A idéia de que sua vida era discutida pelos dois pareceu odiosa, mas nem por isso Helen achou que devia explicar a Clay sua verdadeira posição no caso lan Marriot. Na verdade, não podia condená-lo por considerá-Ia culpada. Como podia saber a verdade, se ela tinha preferido ficar calada? Mas será que ele teria acreditado nela se tivesse dito que não sabia do casamento de lan? Não parecia provável. Muito antes de se conhecerem, Clay Anderson já havia formado uma opinião sobre ela, e seria necessária uma prova muito convincente para fazê-lo mudar de idéia. A única solução seria lan esclarecer a situação, mas ele com certeza tinha coisas mais importantes em que pensar. Mesmo porque, como é que Ian podia saber que ela estava abordo do Andrômeda com o cunhado? Só descobriria se Clay passasse a informação à irmã.

— Ótimo para ele — respondeu, sem mudar de expressão. — Atitude de um verdadeiro profissional. Pode dizer isso a ele.

A reação tranqüila de Helen pareceu deixar Marian um pouco desconcertada. Olhou-a fixamente durante alguns instantes, depois virou-se para o espelho outra vez, terminou a maquilagem e saiu sem dizer mais nada. Helen detestava atmosferas daquele tipo, mas não podia fazer nada a respeito. Marian estava decidida a atirar sobre ela toda a culpa pela mudança de programa, e nada a faria mudar de idéia. Só não podia deixar que a tensão prejudicasse a apresentação daquela noite. Uma vez no palco, os problemas pessoais tinham que ser completamente esquecidos.

Glenn e Sally estavam à espera dela no salão Connaught depois da apresentação. A garota não poupou elogios.

— Você esteve sensacional — exclamou. — Por que não grava uns discos, assim posso dizer a meus amigos para comprá-los.

— Ainda não pensei em gravar — explicou, rindo. — Acho que meu nome ainda não é suficientemente conhecido.

— É só questão de tempo — garantiu Glenn. — Fomos convidados para uma festa do diretor. Só umas poucas pessoas, eu acho. Quer vir conosco? Não sei se mereço a distinção, mas também não quero jogar fora a oportunidade. Sally está louquinha para ir.

O primeiro impulso de Helen foi recusar, mas pensou que nesse caso os Freeman também não iriam.

— Tem certeza de que o convite me incluía? — perguntou. Glenn admirou-se.

— Claro! A pessoa que veio trazer a mensagem sabia que estávamos esperando por você, porque disse que possamos ir ao convés Carillon assim que a srta. Gaynor chegasse.

Helen encontrou o olhar de Sally e decidiu-se.

— Parece mais uma ordem real — brincou, procurando aparentar descontração.

— Nesse caso, é melhor obedecermos.

O convés Carillon era onde ficava o quarto dela, bem como as lojas e o escritório do navio. A cabine quarenta e seis ficava bem na frente do escritório, entre duas outras cabines onde se lia a palavra ."privado". Ficaram surpresos com o tamanho da cabine, e só depois de alguns minutos Helen percebeu que não havia camas nem sofás. Com certeza o lugar era especialmente reservado para ocasiões como aquela.

Além deles, havia mais umas quinze pessoas, confortavelmente instaladas em poltronas e cadeiras estofadas, todos de copo na mão. Clay Anderson atravessou um mar de joelhos e pernas para recebê-los olhando para Helen com um brilho estranho nos olhos cinzas.

— Fico satisfeito que tenham vindo — disse a Glenn, dirigindo a Sally um sorriso que a fez corar. — Há um rapaz aqui que acha que foi seu colega de escola. Venha dizer alô a ele.

Sem se dar conta, Helen viu-se afastada de Glenn, sentada entre outros oficiais e um venezuelano que não demorou a elogiar com entusiasmo a apresentação dela. Era duas vezes mais velho que o jovem Romeu da outra noite, mas não mais sutil nas suas atenções. Depois de ter seu joelho tocado por três vezes, Helen começou a procurar uma desculpa para sair dali, mas Glenn estava longe, bastante entretido numa conversa animada com uma das convidadas. Sally ria de alguma coisa dita. pelo rapaz alto e atlético que Clay lhe havia apresentado e, sem dúvida, não estava preocupada com a cantora. Olhou em torno, à procura de Clay, e assustou-se ao perceber que ele acabava de parar diante dela, pedindo desculpas ao venezuelano pela interrupção.

— Você parece não se dar muito bem com os sul-americanos murmurou. — Deixe-me apresentá-la a um inglês simpático e inofensivo... um dos poucos que temos a bordo.

Sem dar a ela tempo de protestar, levou-a até um casal elegantemente vestido, parado a certa distância dos demais convidados. Fez rapidamente as apresentações e deixou-a entregue à condescendente polidez dos dois ingleses, aparentemente de classe social elevada e pouco inclinados a tratar como igual uma cantorazinha qualquer. Os preconceitos de classe divertiam Helen, em vez de aborrecê-la, o que frustrava os planos de Clay Anderson, cuja intenção era deixá-la numa posição incômoda.

Foi Philip quem a salvou do tédio, levando-a para o lado oposto da sala, sob pretexto de apresentá-la a outros convidados.

— Obrigada — disse com gratidão. — A situação estava começando a ficar desagradável.

— Não entendo por que escolheram o Andrômeda — disse Philip em voz baixa.

—Deviam ter viajado no Queen... de primeira classe, é claro. —  Foi buscar outro martini para ela e estendeu-Ihe o copo, sorrindo. — Amanhã vai fazer uma semana que está a bordo. Como se sente?

— Já estou me adaptando. Ainda há muita coisa para conhecer, dentro e fora do navio.

— Eu estava em serviço ontem. Quando a procurei, soube que havia ido até a Martinica com seus amigos americanos. Ele é viúvo, não é?

— É. — Helen não via razão para estender o assunto. A intenção de Philip era clara como cristal: queria ter certeza de que Glenn não significava para ela nada além de uma amizade de férias. Fez um breve exame de consciência para descobrir se tinha sido ela própria a provocar nele tal sentimento de posse, mas não descobriu nada semelhante a um encorajamento.

Sabia que metade da atração que os homens sentiam por ela estava relacionada com o aparente fascínio de sua profissão. Poucas pessoas percebiam que aquele era um trabalho como outro qualquer e que exigia muita dedicação e muito esforço. A maioria só via o produto final, a culminância de um processo que geralmente durava semanas e semanas, ou mesmo meses de treino incansável, repetições e sacrifícios. O brilho e o fascínio só entravam em cena durante os poucos minutos em que se apresentava no palco, sob a luz romântica dos refletores, quando se entregava completamente ao mar de rostos sem nome. A criatura que excitava a imaginação de Philip só existia de tempos em tempos, durante alguns minutos. Mas seria inútil tentar convence-lo disso: teria que aprender por ele mesmo que a cantora não era a canção.

Sentiu-se aliviada quando Glenn se aproximou. Virou-se para ele, sorridente, consciente da segurança que representava aquela mão sob seu cotovelo. Percebendo uma sombra mover-se ao lado deles, olhou e encontrou os olhos de Clay Anderson, que os observava com cinismo.

Ergueu o copo na direção dele, muito de leve, mas o suficiente para que Clay soubesse que ela estava atenta. Com satisfação, viu-o apertar ligeiramente os lábios, antes de dirigir outra vez a atenção para as pessoas com quem estava. Por outro lado, Helen achava ridículo tudo aquilo. Por que simplesmente não contava a ele a verdade sobre seu relacionamento com Ian? Afinal, a opinião dele não devia fazer diferença alguma para ela. Ou fazia? Clay Anderson não era o tipo de homem diante de quem uma mulher ficaria indiferente embora Helen desejasse ardentemente .que ele fosse.

A festa terminou à uma hora. Helen ficou satisfeita por poder deixar os agradecimentos por conta de Glenn. Não havia sinal de Sally quando voltaram ao salão, como também não havia sinal do jovem americano com quem ela tinha passado as duas últimas horas.

— Eles foram até o convés Beach dar uma última olhada no luar do Caribe — informou Glenn, percebendo a preocupação dela. Ela não corre perigo com Craig. É filho de um dos meus clientes. Pena não termos nos encontrado com ele antes. É engraçado como a gente pode ficar uma semana dentro de um navio sem encontrar as pessoas conhecidas. — Fez uma pausa. — O que acha de dar um passeio pelo convés Boat? Talvez seja a última vez que estamos juntos e sozinhos antes de Sally e eu voltarmos para casa.

E quando Glenn fosse embora, o que aconteceria? Pela primeira vez, Helen percebeu que o estava usando como uma espécie de proteção contra Clay e que ficaria desprotegida depois que ele se fosse.

— Seria ótimo.

Àquela hora os locais abertos do navio estavam quase deserto embora o Calypso ainda estivesse em pleno funcionamento, a julgar pela música que chegava até eles. Caminharam em silêncio até a amurada, onde se recostaram, lado a lado, olhando a água negra e sem brilho.

— Não há lua esta noite—  comentou Glenn, Helen sorriu.

— Sally e seu amigo vão ficar desapontados.

Ele a olhou durante um longo tempo, antes de segurá-la delicadamente pelo braço, fazendo-a olhar para ele. Estava sério e pensativo.

— Vou sentir saudades de você, Helen. Estes dias foram... Bem, se estou um pouco mais próximo de Sally, devo isso a você. Ela ficou muito sua amiga.

— E eu dela. — Sentia-se confiante ao lado de Glenn, como poucas vezes se sentira junto de outros homens. —Ter vocês comigo tornou bem mais fácil minha primeira semana.

— Esperava ter representado um pouco mais que isso para você. Desde que a mãe de Sally morreu, pouquíssimas vezes me senti tão bem ao lado de uma mulher. Claro que houve outras mulheres na minha vida, não pense que tenho levado meu celibato às últimas seqüências durante esses anos todos... mas entre elas e você há um abismo. Apesar da diferença de idade que há entre nós, sinto-me como se fosse tão jovem quanto você.

— Sempre me senti mais à vontade com homens mais velhos. — Fez uma pequena pausa, pressentindo o que ele ia dizer. — Também vou sentir saudades suas, Glenn.

O beijo de Glenn foi delicado, terno, uma espécie de pacto entre eles. Helen não sentiu nenhuma emoção especial, apenas a reconforte sensação de ser importante para alguém. Glenn podia ter idade para ser seu pai, mas tinha espírito muito mais jovem que muitos jovens que conhecia. Achava-o parecido com Barney, o que representava um grande elogio.

— Vamos ficar em contato — disse com suavidade, soltando-a. — Gostaria de encontrá-la, quando voltar para casa, e de continuar nossa... amizade.

Vou esperar com ansiedade. — Helen estava sendo sincera, pois via com apreensão os três longos meses que ainda teria pela frente. Mas não procurou descobrir a causa da estranha ansiedade que a invadia ao pensar nos três meses que teria que passar a bordo do Andrômeda.

Atracaram em San Juan às oito horas. Sob o sol quente de verão, Helen observava o cais com sensação de haver passado várias semanas, e não apenas sete dias, no navio. Tinha combinado passar a manhã em companhia dos Freeman e almoçar com eles, antes de tomarem um táxi para o aeroporto. Depois disso, estaria sozinha.

Glenn e Sally vieram buscá-la depois do café da manhã. Os Miller também estavam deixando o navio naquele dia. Helen se entristeceu com a partida deles, pensando que durante o jantar daquela noite haveria desconhecidos no lugar que haviam ocupado. Claro que acabaria se acostumando aos novos passageiros, mas por enquanto tudo parecia muito difícil.

Com as malas grandes já separadas e encaminhadas ao aeroporto, os Freeman só tinham que se preocupar com eles mesmos e com a bagagem de mão nas seis horas seguintes. De comum acordo, decidiram dar um passeio pela parte antiga da cidade; atravessaram a praça e subiram por uma das ruazinhas cheias de curvas que levava ao outro lado.

A cidade estava sufocantemente quente, provocando neles uma espécie de letargia. Mesmo dois magníficos cães que passeavam ao lado de um transeunte pareciam achar excessivo o ritmo lento com que se moviam, cabeças baixas e línguas de fora. Helen seguiu preguiçosamente o trio com os olhos e viu-os entrar por uma porta muito antiga que dava num pátio estilo espanhol. do século XVII; balcões com grades de ferro batido se debruçavam sobre uma espécie de rua grosseiramente pavimentada. As paredes e as grades exibiam flores em profusão, e de uma espécie de fonte, na parte central, jorrava um esguicho de água cristalina. A porta foi fechada em seguida, antes que Helen tivesse tempo de chamar a atenção dos outros para a beleza da construção. Aparentemente, os habitantes de Porto Rico gostavam de guardar a beleza apenas para si mesmos, já que o muro que cercava a propriedade era sujo, feio e sem qualquer estilo.

A paisagem mudou completamente quando chegaram no lado da cidade banhado pelo Atlântico. Ali o ar era fresco e agradável, embora o sol continuasse inclemente. Graciosas vilas de paredes muito brancas se estendiam ao longo da avenida, voltadas para o mar, protegidas do sol por infinidades de palmeiras. Depois de mais três séculos, ainda estava em pé o muro que cercava a cidade velha.

Os três seguiram pela avenida da praia até o forte San Cristobal, atravessando seus pátios desertos e subindo até as vigias, de onde se apresentava uma vista magnífica de toda a cidade, tanto da parte nova como da velha. Lá embaixo, enfileirado ao lado de outros cruzadores, estava o Adrômeda, branco e brilhante, pequeno como um brinquedo.

— Aquele deve ser o outro forte, El Morro — disse Glenn, apontando para uma construção distante. — Acho que foi de lá que os espanhóis resistiram a Francis Drake. O forte é inacessível pelo mar, por isso os ingleses tentaram tomá-lo por terra, no século XVI.

— Papai, acho que Helen não precisa de aulas de história — protestou Sally, deixando-o meio desconcertado.

— Desculpe, acho que me entusiasmei um pouco. Estive lendo alguma coisa sobre o lugar antes de atracarmos. Pensei que o exército dos Estados Unidos ainda controlasse o forte, mas parece que nos retiramos há algum tempo atrás.

— Não sabia do nosso envolvimento no episódio — confessou Helen, sorrindo.

— História nunca foi o meu forte na escola, especialmente a parte de guerras e batalhas, mas sei que temos sido apaixonados pelas conquistas, através dos tempos. — Correu os olhos pela avenida de três pistas que conduzia aos enormes arranha-céus que se erguiam no horizonte. — São como duas cidades separadas. Esta parte, além de mais velha, parece ser a mais pobre. Notaram quantos aleijados havia pelas ruas? Contei cinco no espaço de cinco minutos.

— Não, não reparei — confessou Glenn. — Talvez porque não quisesse vê-los. Esta é a primeira vez que visito aparte antiga de San Juan. Já estive aqui duas vezes, antes, mas às custas de outra pessoa, por isso tinha que estar onde estavam os negócios. — Fez uma pausa antes de acrescentar: — Meu avô nasceu pobre, mas antes dos trinta já tinha seu próprio negócio.

— Está querendo dizer que a pobreza é um estado de espírito? — perguntou Helen.

— A aceitação dela é. Se eu fosse até lá e desse a uma dessas pessoas dois mil cruzeiros, duvido que daqui a um mês ela não estivesse pedindo esmolas outra vez. As pessoas pensam somente no presente e esquecem o futuro. Não passa pela cabeça delas que podem gastar o suficiente para matar a fome e colocar o resto do dinheiro a serviço delas mesmas.

Talvez porque ninguém até hoje tenha se preocupado em dizer a elas como fazer isso, pensou Helen, mas não fez comentários. Seria uma pena estragar os últimos momentos que teriam juntos discutindo um assunto a respeito do qual nenhum dos dois poderia fazer nada.

Foram de táxi até o centro comercial, onde fizeram algumas compras de última hora, almoçaram no Da Vinci e sentaram-se em um café até a hora da partida dos Freeman. Sally chorou ao. se despedir de Helen, no momento de entrar no táxi que os levaria até o aeroporto.

Espero que a vejamos de novo algum dia. Seria ótimo se fosse trabalhar nos Estados Unidos. Quando for até lá, avise-nos, está bem?

Helen prometeu e procurou manter o sorriso quando Glenn a acompanhou até outro carro, que a levaria de volta ao navio. Só então ele colocou nas mãos dela o pacotinho que trazia desde o hotel.

— Gostaria que aceitasse isto como uma lembrança dos dias que passamos juntos. Comprei-o na Martinica, enquanto você e Sally olhavam aqueles relógios suíços. Combina com seus olhos. — Prendeu as mãos de Helen entre as dele, obrigando-a a ficar com o presente.

 —Por favor, não recuse. Significa muito para mim saber que você tem alguma coisa que lhe dei. É apenas uma pequena lembrança, mas oferecida com todo o carinho.

Helen não disse mais nada, achando que seria indelicado recusar uma prova de estima.

— Obrigada — disse com suavidade. — Gostaria de retribuir de alguma forma.

— Já fez isso. — Não tentou beijá-la, talvez por causa da presença de Sally no outro carro. Apenas segurou-lhe a mão, apertando-a com força, antes de ajudá-la a entrar no táxi.

Esperou até chegar à cabine para abrir o presente, com a sensação de que a idéia que Glenn fazia de uma pequena lembrança não coincidia com a dela. Retirou a tampa da caixinha e encontrou um pingente de ouro em forma de flor, com uma pedra verde no centro, pequeno no tamanho, mas não no valor. Claro que não era uma esmeralda, pensou Helen, mesmo assim devia ter custado bastante. Sentiu-se num dilema. Aceitaria uma pequena recordação com prazer, mas aquilo era diferente. Não importava quanto Glenn tivesse apreciado sua companhia, ela não tinha feito nada para merecer um presente como aquele. Era demais!

Mas talvez, pensou, fosse apenas seu senso de valores que visse as coisas por aquele ângulo. Para alguém como Glenn Freeman o preço não tinha importância alguma; talvez tivesse escolhido aquela pedra só porque combinava com os olhos dela. Olhou o pingente por longo tempo, antes de retirá-lo da caixa e colocá-lo diante da pele bronzeada do pescoço. A luz batia nele, produzindo reflexos esverdeados. Sem dúvida era um lindo adorno, mas Helen ainda não achava correto aceitar um presente tão caro de um homem que havia conhecido há menos de uma semana. Por outro lado, como ele se sentiria se recebesse de volta, pelo correio, o presente comprado especialmente para ela, e com tanto carinho? Ele certamente não entenderia seu gesto.

Chegou à conclusão de que teria que ficar com a jóia e decidiu escrever dali mesmo para Glenn, expressando sua gratidão. Se colocasse a carta na caixa do navio antes das seis horas da tarde, provavelmente ela seria enviada ainda naquele dia. Por avião, Glenn a receberia dentro de dois dias. E já que ia ficar com o presente, não havia mal nenhum em usá-lo: ficaria muito bem com o vestido branco.

Estava escrevendo a carta quando um mensageiro bateu à porta para avisá-la de que o diretor gostaria de convidá-la para sentar-se à mesa dele no jantar. Quase recusou, mas pensou melhor e achou que seria demonstrar fraqueza. Afinal, haveria outras pessoas na mesa e contanto que Marian não fosse uma delas, poderia suportar o sacrifício. Melhor sofrer um pouco, pensou, do que deixar Clay imaginar que estava com medo dele.

Procurou se vestir com o major cuidado para o jantar. O vestido branco, com profundo decote em V, tanto na frente quanto atrás era um dos seus favoritos. O pingente fazia um belo contraste com a alvura do vestido, mas sentiu uma estranha sensação de inquietude e procurou mudar o rumo dos pensamentos. Prendeu o cabelo atrás da cabeça, num coque pequeno e delicado, deixando soltas apenas duas mechas, que caíam sobre as orelhas. Destacou um pouco os olhos com sombra cor de violeta e estava pronta. Seu rosto calmo e descontraído não revelava a angústia que ia dentro dela. Sentia-se tensa como uma corda de piano, e tudo porque ia se encontrar com Clay Anderson. Podia não gostar dele como pessoa, mas não podia negar o efeito que ele exercia sobre seus sentidos.

No restaurante, encontrou-o à espera dela, e sozinho. Quando ela se aproximou, Clay levantou-se e ofereceu-lhe a cadeira que ficava à sua direita, sempre com um sorriso estranho nos lábios.

— Está causando sensação entre nossos passageiros — comentou. — Bom trabalho!

Helen mordeu o lábio para não explodir. Então ele pensava que ela havia se vestido daquele jeito só para promover a própria imagem! De qualquer maneira, era melhor que pensasse isso do que se considerasse o único objeto do interesse dela.

— Por que não contrata uma fanfarra para me homenagear, da próxima vez?

—  ironizou. — Sou eu que estou adiantada ou os outros convidados estão atrasados?

— Nem uma coisa, nem outra. Vamos jantar sozinhos. — Sentou-se e olhou-a com arrogante autoconfiança. — Não há ninguém entre os novos passageiros que eu considere digno dessa honra, por isso resolvi atender meus próprios interesses.

— Acho que não temos muita coisa em comum para justificar um jantar a dois.

— Não? — Desceu os olhos devagar, deliberadamente, dos olhos de Helen para o pingente que brilhava no seu pescoço. — Nunca usou isso antes.

— Foi um presente. — lnvoluntariamente, levou a mão à jóia, num gesto de defesa.

— Bonito, não acha?

— Claro, e como! — Deu uma risada cínica. — Suponho que foi presente de Freeman.

— Por coincidência, foi. Ele me deu esta manhã, antes de ir para o aeroporto. Você naturalmente acha que eu não devia ter aceitado.

— De maneira nenhuma — respondeu, irônico. — Seria uma tola se recusasse uma esmeralda.

— Não é verdadeira — defendeu-se, sentindo que lhe faltava o ar.

Ele estendeu o braço e segurou o pingente, tocando-a de leve com a ponta dos dedos enquanto examinava a peça.

— É verdadeira — afirmou com convicção. — Não é muito grande, mas deve valer em torno de sessenta mil cruzeiros. Parabéns!

Por um instante um brilho de ódio iluminou os olhos de Helen, superando todos os outros sentimentos.

— Pois bem, posso ser uma tola, uma idiota, mas não tinha percebido. Se soubesse, jamais teria aceitado! .

A veemência da reação deixou-o calado por alguns instantes.

— Verdade ou não, a esta hora Freeman já deve estar nos Estados Unidos, portanto não adianta protestar agora. Apenas aceite sua boa sorte.

— Não posso. Preciso mandar isso de volta. — Agarrou o pingente com mãos trêmulas. — Vou tirá-lo antes que aconteça alguma coisa.

— Não seja ridícula. Deixe-o aí mesmo, é mais seguro que guardar na bolsa. — A expressão dele continuava tão cínica quanto antes.

— Escute, não tenho nada com os presentes que você ganha. Se Freman a considera tanto a ponto de lhe dar uma esmeralda... e Deus sabe que ele tem dinheiro para isso... .então por que recusar? Sem dúvida você vai ter oportunidade de agradecer como convém, um dia desses.

Helen pensou na carta já a caminho dos Estados Unidos e percebeu que, escrevendo-a, tinha aprovado completamente o presente. Nada na carta levaria Glenn a imaginar que ela não tinha consciência do valor da jóia. Sentiu-se culpada e miserável, pois Glenn certamente não era um desses homens que dão presentes valiosos a qualquer mulher, pelo menos não a uma mulher que só conhecia há uma semana. Não via outra solução, para não dar margem a interpretações duvidosas, a não ser fazer algo que sem dúvida iria ferir um homem por quem sentia respeito e afeição.

O garçom esperava que eles fizessem o pedido. Quando ele se afastou, Helen já havia recuperado o autocontrole e tomado uma decisão definitiva.

— Gostaria de guardar isso num cofre, depois do jantar. Pode providenciar para mim?

— Há um cofre destinado aos valores dos passageiros, no escritório central. — Olhava-a de maneira estranha. — Não entendo você. É tão instável.

— O que é instável? — perguntou com dignidade. — A imagem que faz a meu respeito? Não pensou que talvez eu não me importe com esmeraldas? Dizem que cão má sorte, não sabia?

— É o que dizem — respondeu Clay, agressivo. — Esqueça o assunto.

Se em algum momento houve uma pequena possibilidade de entendimento entre eles, já não havia mais, Estavam de volta ao ponto de partida: agressivos e desconfiados em relação um ao outro. E assim deviam continuar, decidiu Helen, considerando mais que suficiente a dose de Clay Anderson que tinha tido até aquele momento.

 

 



  

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