Хелпикс

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CAPÍTULO VI



CAPÍTULO VI

 

Ao avistar a costa cada vez mais familiar de San Juán, na manhã seguinte, Helen lembrou do pingente, pela primeira vez em muitos dias. Não tinha escrito a Glenn e o problema ainda existia. Talvez recebesse uma carta dele quando a correspondência fosse trazida a bordo, pois já jazia uma semana que ele tinha voltado para os Estados Unidos, tempo mais do que suficiente para responder à carta de agradecimento de Helen.

Philip encontrou-a na amurada.

— Não posso ficar muito tempo. Os fiscais da Imigração estão a bordo e preciso descer para ajudá-los. Você sabe a confusão que há nessas ocasiões.

Helen sabia. Já havia passado por aquilo. Se alguém conseguisse burlar o rigoroso esquema de fiscalização montado pelas autoridade americanas, podia se considerar um sujeito de muita sorte. Só conseguia embarcar quem estivesse com os papéis na mais perfeita ordem.

— Esperei você ontem à noite — queixou-se Philip. — Você disse que iria até o Calypso depois do espetáculo.

— Disse que ia tentar. Desculpe, mas não foi possível. Estava muito cansada.

— Não tem importância, podemos...

— Não devia estar na Imigração? — A voz veio de trás deles e deu um susto em Philip.

— Estava indo para lá.

— Sem dúvida. — O subordinado continuou parado onde estava. — E então?

— Clay indagou.

— Aposto como agora você está satisfeito — exclamou Helen, irritada, depois que Philip se afastou. — Ele só parou para cumprimentar.

— Ótimo. Tudo que fiz foi apressar as despedidas. — Inclinou-se sobre a amurada, observando a atividade — Já embaixo. — Vai dar um passeio por San Juan?

— Já conheci quase tudo na semana passada. A cidade, pelo menos.

— Com os Freeman?

— Foi — respondeu Helen, levantando o queixo.

Sua intenção era encerrar o assunto ali, mas não conseguiu.

— Teve notícias dele?

— Não, não tive. — Desejou ardentemente que ele não fizesse perguntas sobre o pingente. Quase sem perceber, acrescentou: — Como foram as investigações ontem à noite?

— Não houve necessidade. —  Houve um silêncio breve mas pesado. — Acho que lhe devo desculpas pelo caso do vestido. Pensando bem, teve muita presença de espírito.

A surpresa veio acompanhada de uma pontada de desconfiança. Clay pedindo desculpas a ela? Devia ser uma armadilha.

— Ora, não foi nada. Como não queria atrasar todo o espetáculo, era a única solução. — Fez uma pausa, sem olhar para ele. — Embora você pudesse escalar Marian Lee para me substituir .

— Sabe ser irônica, não é?

— Tive um bom professor. O que espera de mim? Gratidão? — Agredia-o para impedir que a distância entre eles diminuísse. A hostilidade oferecia uma espécie de segurança: sabia lidar com Clay nesse terreno, conhecia as reações que podia provocar. Não podia se arriscar a uma trégua, caso contrário aquele homem despertaria nela emoções indesejadas. Fixou o olhar nas filas de passageiros que desciam e subiam a prancha, reparando por acaso num homem alto que cumprimentava um oficial. A princípio, só notou a forma da cabeça. A forma daquela cabeça...

Clay, ao lado dela, reagiu imediatamente.

— Então era isso que estava esperando — murmurou com voz suave. — Parabéns!

Helen mal acreditava nos próprios olhos. Era Glenn quem estava lá embaixo. Glenn! Mas fazia só uma semana que ele tinha deixa o navio. O que estaria...

— Não tinha a menor idéia de que ele viria — explicou Helen — Deve... deve ter vindo a negócios.

— O que ele tem na mão é uma passagem, não um cartão de visitante. — O tom de Clay era profundamente irônico. — Precisamos providenciar alguma distração especial para ele. Que tal a "caça à esmeralda"?

Helen enterrou as unhas nas palmas das mãos. Todos pareciam estar conspirando para fazê-la passar por mentirosa. Por que Glenn tinha voltado? E o que ia dizer a ele quando se vissem frente a frente? Estava tão confusa que mal conseguia pensar com clareza.

Como se uma força o atraísse, ele levantou a cabeça e viu Helen parada lá em cima. Seu sorriso e o entusiástico aceno de mão deixavam poucas dúvidas a respeito da finalidade daquele retorno a San Juan. Helen também acenou e ouviu-o gritar que permanecesse onde estava. Depois, desapareceu dentro do navio.

Alguns minutos depois, que para Helen pareceram horas, Glenn surgia no convés, poucos metros adiante. Sem perceber, ela caminhou na direção dele, sorrindo, de mãos estendidas.

— Glenn, não consigo acreditar! Esperava uma carta, mas não uma visita pessoal !

— Não é apenas uma visita, vou viajar com você. — Soltou a mão dela, abraçou-a e beijou-a com a maior naturalidade, como se fossem íntimos há anos. — Tive que voltar, não conseguia me concentrar em nada nesses últimos dias. — Sorria enquanto falava, olhando-a com uma expressão de profundo carinho.  — Sua carta me fez decidir. Enquanto a lia percebi que precisava vê-la outra vez... e depressa. Temos muito o que conversar, Helen.

— Temos? — Fez um esforço para lembrar o que havia escrito naquela carta. Que soubesse, não havia dito nada que justificasse tal resposta, mas ele estava ali. O assunto sobre o qual precisavam conversar talvez fosse o pingente. Não havia como evitar esse tópico desagradável, precisava explicar o engano o quanto antes.

— Desta vez reservei uma suíte — disse Glenn. Por que não vamos conversar lá? O convés é um lugar público demais.

Nisso Helen estava de acordo: se estivessem a sós seria mais fácil explicar tudo.

— Em que convés?

— Neste. — Sorriu. — Para dizer a verdade, acho que estamos bem ao lado dela, mas precisamos atravessar o navio para chegar até lá.

A suíte Cumberland era apenas magnífica, com vista perfeita para o mar. A sala de estar, completamente atapetada, tinha as paredes forradas com tecido e móveis estofados do mais refinado gosto. O custo devia ser exorbitante naquele pequeno mundo luxuoso, dotado de todas as comodidades da vida moderna.

Ficou ali parada no meio da sala enquanto Glenn fechava a porta, imaginando uma forma de abordar o assunto da jóia sem magoá-lo muito. Glenn veio na direção dela, o olhar cheio de calor.

— Agora quero beijá-Ia como convém, como senti vontade de fazer no dia em que partimos.

Helen, insegura, não protestou. Havia alguma coisa infinitamente reconfortante em sentir os braços dele em torno dela, na amorosa possessividade dos lábios dele. Um homem como aquele faria qualquer mulher se sentir querida e desejada, protegida e segura. Sem pensar no que estava fazendo, envolveu o pescoço dele com os braços e correspondeu calorosamente ao beijo, tentando evitar comparações e vivendo apenas o presente. Quando finalmente se afastaram, ela estava perdida, outra vez exposta às influências exteriores.

— Isso foi mais do que eu esperava — disse ele, sem tentar esconder o tremor da voz. — Helen, você foi a coisa mais maravilhosa que me aconteceu até hoje. Você acha que...

— Escute, por favor! — A voz de Helen também tremia, mas por outras razões. — Glenn, não podemos deixar as coisas como estão, por enquanto? Eu... eu nem consigo pensar direito.

— Estou sendo muito apressado -admitiu ele. — Tinha intenção de deixar que as coisas fluíssem naturalmente. Teremos muito tempo, pois pretendo ficar a bordo do Andrômeda até... — fez uma pausa e sorriu — bem... o tempo que for necessário.

— Mas você já viu tudo. — Falava meio em tom de brincadeira meio em tom de protesto. — Fazemos a mesma rota semana após semana. Vão pensar que você está louco.

— Que pensem o que quiserem, só estou interessado naquilo que você pensa.

— E Sally? — perguntou Helen, depois de um instante de silêncio.

— SaIly sabe o que sinto.

— Não foi isso que perguntei.

— Sei que não foi. — Colocou-se na defensiva. — Ela acha que não tenho chance com você. Talvez me ache muito velho.

Naquele momento, Helen não tinha vontade de pensar nos prós e nos contras da idade de Glenn.

— Ela tem só dezessete anos. Nessa idade até pessoas de vinte e quatro anos parecem muito velhas. — Afastou-se dele. — O que está querendo me dizer é que ela não concordou com a sua vinda até aqui, só para encontrar uma pessoa que conheceu há menos de duas semanas. É compreensível, não é? Afinal de contas, ela é sua filha e aparentemente nunca recebeu muita atenção da sua parte

Ele franziu a testa, depois sorriu com tristeza.

— Não vou tentar me defender. Não tenho sido o melhor dos pais e sei disso. Mas você sabe que nem todas as pessoas conseguem assumir os laços de parentesco com facilidade, especialmente quando têm outra pessoa com quem compartilhar esse sentimento. Depois que Cassie morreu, mergulhei no trabalho de corpo e alma, para não pensar nela, e não me ocorreu que Sally também sentia a falta da mãe! — Glenn calou-se, pensativo. — Acho que o que acabo de dizer não me recomenda aos seus olhos, não é?

— Todos nós cometemos erros. O importante é reconhecê-los. — Ergueu o rosto e encarou-o diretamente. — Glenn, provavelmente vai pensar que sou uma tola ou uma mentirosa, mas não tinha percebido que era uma esmeralda verdadeira que havia no pingente, quando escrevi aquela carta. Coloquei-a no cofre-forte do navio assim que descobri seu valor. Ficaria muito magoado se lhe pedisse para aceitar de volta o presente?

— Sim, claro que ficaria. — O pedido deixou-o surpreso e perturbado. — O pingente foi uma maneira que encontrei para agradecer a você por ter me ajudado na aproximação com Sally. Jamais sonharia em oferecer pedras falsas a uma mulher. Seria pedir muito que ficasse com ela e a usasse?

— Você não entende. — Tentou outra vez. — Se não fosse real, eu a usaria com prazer. E usei, até que alguém...

— Até que alguém resolveu avaliar a pedra — interrompeu-a. — Não vejo que diferença isso faz. E, depois, sou bastante rico para me permitir oferecer-lhe uma jóia de valor .

— O problema não é esse. É que...  — calou-se, incapaz de dizer o que sentia. — Não consigo explicar.

— Por acaso essa pessoa de quem você fala fez alguma insinuação? Neste caso, gostaria de conversar com ela e esclarecer bem as coisas!

— Não, não é isso — Helen se apressou a negar. — Por que não deixamos esse assunto para outro dia? Precisa ir falar com o maitre antes que se esgotem as mesas.

— Só irei se você concordar em fazer suas refeições comigo enquanto eu estiver a bordo. Quanto a esta noite, não prefere dar um passeio pela cidade?

Helen concordou, decidindo deixar o assunto do pingente para uma ocasião mais propícia. Ia ser bom variar um pouco. E saindo do navio ficaria livre de Clay Anderson.

Durante toda a semana, fez o possível para evitar Clay. Por sugestão de Helen, passaram a maior parte do dia em terra, descobrindo lugares que haviam passado despercebidos na visita anterior. Na Martinica, atravessaram a baía de barco e nadaram em uma praia que mais parecia um sonho. Naquele lugar, ouvindo o sussurro da brisa entre as folhas das palmeiras e o ruído das ondas quebrando na areia branca, sentiam-se como dois náufragos perdidos numa ilha deserta. Glenn chegou até a dizer que não seria nada mal passar o resto da vida num lugar como aquele, sem fazer absolutamente nada.

Disse a mesma coisa em St. Thomas, descansando preguiçosamente em uma das cadeiras estendidas ao longo da baía de Palm Tree, à sombra dos coqueiros. Não se perturbou com o comentário de Glenn.

— Não há nada que me impeça de me aposentar agora mesmo e passar o resto da minha vida aqui -comentou preguiçosamente. — Também posso viajar com você pelo mundo, acompanhando suas apresentações. Não pretendo prejudicar sua carreira, se nos casarmos. Pelo contrário, farei tudo que estiver ao meu alcance para ajudá-la.

— Isso está me parecendo tentativa de suborno — brincou Helen, tentando parecer descontraída.

— Pode dar o nome que quiser, desde que me diga sim.

— Glenn — murmurou com suavidade. — Quase não nos conhecemos. Como pode ter certeza de quer se casar comigo?

— Não sei, mas tive essa certeza dois dias depois de conhecê-la. Não acredita em amor à primeira vista?

— Foi assim com sua primeira esposa?

— Não tão depressa. — Hesitou um pouco antes de continuar — Não me interprete mal, mas de certa maneira você se parece muito com Cassie, quando ela tinha a sua idade. Não fisicamente, claro... é sua maneira de rir... o jeito como me olhar, às vezes.

— Amava-a muito, não é? — Helen sentia a garganta apertada.

— Sim, muito. — Ele estendeu a mão para ela, o olhar cheio de sinceridade. — E também a amo muito, Helen, acredite.

Glenn pareceu se tranqüilizar com a resposta de Helen, mas na verdade ela não sentia tanta convicção. O que Glenn procurava era alguém que tomasse o lugar da esposa que havia amado e perdido, e Helen não se julgava capaz de assumir a personalidade de outra pessoa. A proposta dele era tentadora, mas sem amor não daria certo. Gostava muito de Glenn e o respeitava como ser humano, mas não o amava... ainda não.

Quando Glenn foi para o hotel reservar uma mesa para o almoço, ela resolveu esperá-Io na piscina, divertindo-se com os iguanas que viviam livres entre as árvores. Estava observando um deles, que caminhava em direção a um grupo de pessoas, quando percebeu a presença de alguém: Clay, de short branco e camiseta de algodão. Ali parado, com o habitual sorriso irônico, era a própria imagem da dominação masculina. Helen sentiu a mesma agitação incontrolável que havia experimentado na noite em que ele esteve no camarote dela.

— Outra coincidência? — perguntou, estendendo instintivamente a mão para pegar a saída de praia. — Sem dúvida veio até aqui por acaso!

— Sempre venho aqui quando estou em St. Thomas, embora a maioria dos turistas vá para Morning Star ou Pineapple Beach. — Sentou-se numa cadeira ao lado dela, apanhou o maço de cigarros e acendeu um. — Como está indo?

— Como está indo o quê?

— O romance com Freeman... o que mais podia ser? Não desgrudaram um do outro desde que ele chegou.

— Isso é problema nosso — respondeu Helen, fria. Ao ver o sorriso de Clay, arrependeu-se imediatamente do que havia dito.

— Você é quem sabe. Imagino que não achou aconselhável informá-Io do seu passado...

De repente, Helen se sentiu perdida. Aparentemente, Clay não desistia e estava disposto a fazê-la pagar bem caro pelo mal que ele imaginava que ela causara ao casamento da irmã. Mesmo que fosse culpada, haveria razão para tanta sede de vingança?

— Você deve estar ansioso para fazer isso por mim, não é?

— Por que me preocupar! Você sabe ser bastante convincente quando quer. — Olhava para a fumaça do cigarro com expressão impiedosa. — Mas acho que sua vida com Freeman não vai ser tão fácil.

— Por quê?

— Recebi um telegrama de Ian esta manhã. — Encarou-a com firmeza. — Chega hoje à tarde. June ficou lá para recebê-lo. Estou deixando que ela resolva os próprios problemas, como você sugeriu.

— Espero que se reconciliem. — Helen fez o possível para permanecer fria e indiferente.

— Eu também. — Havia uma ameaça velada nas palavras dele. — Se você ficar longe deles, talvez haja uma chance.

— Se confia tão pouco em mim, por que não sugeriu que se encontrassem em outro lugar?

— Sugeri, mas Ian não concordou. Talvez não seja June o que o atraiu até aqui e vou descobrir a verdade. — Examinou-a de alto a baixo, devagar. — Seu namorado está demorando. Será que descobriu novos interesses lá em cima?

— Se sabe onde ele está é porque esteve nos observando — comentou Helen. — Por que não se aproximou enquanto ele estava aqui? Glenn ficaria encantado em vê-lo.

— Porque queria falar com você a sós. É, preciso reconhecer que tem o homem na palma da mão. Parece que você é tudo o que ele espera de uma mulher. E ele tem tudo o que você espera de um homem?

A maldade não passou despercebida a Helen.

— Tudo — respondeu com o coração acelerado.

— Quer dizer que já dormiram juntos?

— Não! — Contra a própria vontade, ela ficou vermelha. — Não dormimos.

— Então como sabe que ele é o homem certo para você? — Clay falava com ironia. — O dinheiro não é tudo, querida.

— Isso que você está falando também não!

— É sobre sexo que estou falando. Por que as mulheres acham tão difícil usar esta palavra? E não venha me dizer que sexo não é importante para você. Aposto como sou capaz de conseguir de você muito mais do que Freeman conseguiu até hoje.

Helen não duvidava; sabia muito bem que ele estava certo, mas jamais confessaria. Rodeada de tanta gente, sentiu-se segura para ironizar também.

— Por que não reclama seu lugar entre os grandes amantes do mundo, sr. Anderson?

— Cuidado com o que diz, este é um hotel respeitável. — Riu. — Se quer apostar, espere até voltarmos ao navio. — Levantou-se com um movimento ágil. — Se lhe interessa, Freeman vem vindo na nossa direção e parece estar com bastante pressa. E do tipo ciumento?

— Por que não fica e pergunta a ele?

— Quer que eu o tranquilize a nosso respeito? — Seu tom era cruel. — Diga a ele que tive um compromisso urgente, por isso não pude esperar.

Recostada na espreguiçadeira, Helen observou as costas musculosas que se afastavam, sentindo vontade de cravar uma faca exatamente no coração dele. Mas sabia que receberia outro golpe em troca. Clay era invencível, seguro de si, consciente do poder que exercia sobre ela. E agora, para complicar ainda mais as coisas, Ian! Daria qualquer coisa para estar de novo em Londres, segura, ao lado de Barney. Barney era o único homem que podia dar a ela a segurança de que precisava.

— Não era Anderson? — perguntou Glenn, se aproximando.

— Era. — Helen ajeitou os óculos de sol. — Precisava voltar para o navio.

— Não está indo na direção do porto.

— Talvez tenha esquecido alguma coisa na praia. — Tentou compor uma expressão alegre. — Conseguiu mesa?

— Consegui. Daqui a quinze minutos podemos ir.

— Então é melhor ir me trocar. Não posso entrar no restaurante de biquíni. — Levantou-se e pegou alguns objetos espalhados por ali. — Até já.

Se Glenn tinha estranhado a súbita saída de Clay, não demonstrou. Às cinco horas voltaram para o navio pela estrada que costeava o mar. Em cada curva descobriam uma paisagem mais bela que a anterior. O porto de Charlotte Amalie era o mais encantador de todos por onde o Andrômeda passava. Visto do mar, contra as colinas do interior da ilha e os edifícios coloridos, parecia um cartão postal. Pela terceira vez, Helen passava por ali, cada vez mais maravilhada com a beleza inigualável da entrada do porto, com as filas de iates ancorados na água azul.

— Lugar maravilhoso para se ter uma casa — comentou Glenn, quando se afastavam.

— E são só cinco horas de Nova York.

Helen admirava a facilidade com que os americanos falavam em tomar um avião. Qualquer lugar parecia estar a um passo deles. Se aceitasse casar com Glenn, poderia viajar pelo mundo todo, era só dizer que queria. Não precisaria mais economizar o ano todo para passar umas férias rápidas em algum lugar obscuro. O mundo de Glenn não se assemelhava em nada ao mundo em que ela havia sido criada, o mundo em que tinha vivido nos últimos três anos. Mas era esse mesmo o tipo de vida que desejava? Carreira à parte, o que mais queria da vida?

Viu Ian pela primeira vez na hora do jantar. Ele e June dividiam uma mesa com Clay e, mesmo à distância, dava para perceber que as diferenças entre o casal ainda não haviam sido resolvidas. June comia em silêncio, o rosto fechado, e Ian, pela expressão, parecia não saber se tinha valido a pena vir tão longe procurar a esposa. Helen não sabia o que ia sentir ao ver Ian, mas tinha criado uma certa expectativa. Agora, ali, a dez metros dele, parecia estar diante de um antigo conhecido. Ian parecia jovem demais, quase infantil, e aparentava uma fragilidade que ela jamais notara antes. Parecia impossível que, por causa daquele homem, tivesse fugido de tudo que amava.

— Está muito calada — disse Glenn, olhando para ela com a mesma expressão indecifrável com que a observara à tarde. — Não falou quase nada durante o jantar.

— Desculpe. — Sorriu, meio sem jeito. —  As noites de carnaval sempre me deixam um pouco preocupada.

— Claro. Eu devia ter percebido. — Parecia aliviado. — É tão bom pensar que não preciso ir embora com os outros, amanhã! O que gostaria de fazer?

Helen preferia ficar no navio descansando, mas com Ian por ali não era uma boa idéia.

— Podíamos ir até Gold Coast — sugeriu, sabendo de antemão que ele concordaria com qualquer sugestão dela. Pelo menos era suficientemente longe e evitaria novo encontro com Clay. Analisou as feições maduras e compreensivas do companheiro e perguntou-se por que ainda hesitava. Glenn tinha tudo que a maioria das mulheres esperavam de um homem. Podia não amá-lo, mas gostava dele e achava que esse sentimento podia crescer com o tempo, desde que fosse cultivado. O que estava esperando?

Depois do que Helen disse sobre o espetáculo daquela noite, Glenn sugeriu que fossem dormir cedo. Ela não fez objeções, satisfeita por poder ficar a sós no camarote depois da apresentação. Clay tinha reservado uma mesa próxima do palco, para poder observar as reação de Ian quando Helen entrasse em cena. Ela mesma não soube quais foram as reações, pois não ousou olhar na direção deles. Mas o simples fato de saber que estavam presentes foi suficiente para perturbá-la. Os aplausos foram tão entusiásticos quanto nas noites anteriores, mas Helen sentia que não tinha dado o melhor de si.

Estava lendo uma revista quando bateram de leve na porta. Com o coração aos saltos, permaneceu imóvel por alguns minutos antes de atender.

— Quem é? — perguntou, sentindo uma mistura de alívio e medo ao ouvir a resposta.

— Sou eu, Ian. — A voz era baixa, mas perfeitamente audível. — Helen, preciso falar com você, por favor!

Helen abriu a porta e o encarou com frieza, sem sorrir.

— Está louco? O que quer de mim?

— Explicar... e pedir desculpas. — Tinha um ar humilde e infeliz. — Armei uma confusão dos diabos, não é?

— Parece. — As primeiras palavras foram secas, mas ele parecia tão arrependido que Helen adotou um tom mais suave. — Acho que não adianta falar sobre o assunto, especialmente a esta hora da noite. Já imaginou o que o seu cunhado vai dizer se nos encontrar juntos?

— Clay jamais gostou muito de mim, acho até que ficaria contente se June e eu rompêssemos. — Fez uma pausa e olhou para dentro do camarote. — Posso entrar por alguns minutos? Se não falar com alguém vou ficar louco!

Ela hesitou, mas concluiu que era melhor conversar com ele lá dentro, com a porta fechada, do que ali, parado na porta, na vista de todo mundo.

— Está bem, mas não demore — concordou Helen.

— Deve me achar um cafajeste — disse com franqueza quando se viram a sós. — Pelo que June disse, percebi que você mentiu a meu favor. Obrigado por isso, Helen.

— Não é nada. — Não conseguiu evitar a ironia. — De qualquer maneira, eu sendo a outra, a culpa devia mesmo cair sobre a minha cabeça, não? Vai ver você também admitiu que fui eu que o seduzi?

— Eu nunca disse isso!

— Nem precisava. Naquelas circunstâncias, quem iria pensar o contrário? Não, o lugar-comum do "eu errei, mas a tentação era forte" é muito mais convincente. — Sacudiu a cabeça quando ele tentou falar. — Esqueça, Ian. Nada disso tem sentido agora.

— É, tem razão. — Enfiou as mãos nos bolsos. — June quer que eu sofra um pouco mais, antes de me perdoar. Acho até que ela está sentindo prazer com tudo isso... obrigando-me a correr atrás dela.

— Não acha que ela tem razões bastante fortes?

— Não percebe? Esse foi sempre o maior problema entre nós, desde o princípio: June não consegue encarar as coisas com realismo. Eu não podia conversar sobre meus problemas, pois ela achava que eles se resolveriam sozinhos se eu parasse de me preocupar. Quando não dizia isso, sugeria que eu fosse pedir conselhos a Clay. Ela ainda está mais presa a ele do que a mim. Basta ver como veio correndo atrás dele desta vez...

— E ele, dá conselhos a ela?

— Não sei. Quando subi a bordo ela estava sozinha, e Clay só apareceu depois das seis. Talvez tenha decidido deixar que nós mesmos resolvêssemos nossos problemas. O pior de tudo é que não saímos da estaca zero! Mal trocamos algumas palavras durante o jantar. Acho que é desnecessário dizer que não estamos dormindo no mesmo camarote.

— Talvez não esteja usando a tática adequada. — Encarou-o com firmeza. — Você a ama, Ian.

— Sim. — A resposta veio sem hesitação. — Foi por isso que menti. Pensei que estaria tudo terminado, se dissesse a verdade a ela. Só que a mentira não ajudou muito...

— Não sei... afinal, estão juntos outra vez.

— No mesmo barco? — perguntou com ironia. Encostou-se à porta e olhou para ela por alguns instantes. — O que quis dizer quando mencionou táticas inadequadas? De que outro jeito eu podia agir?

Seu cunhado poderia aconselhá-lo, pensou Helen. Mas Clay devia estar se limitando a observar de fora o acerto de contas do casal.

— Bem, você tentou falar com ela, mas não conseguiu nada. Talvez a situação exija um pouco mais de ação.

— Como assim?

— Ora, lan! — exclamou, impaciente. —  Mostre o que sente por ela. Beije-a!

— Tentei, esta manhã, mas ela não deixou.

— Caro! Ela não quer que você peça, quer que aja! — Talvez June não estivesse completamente errada; alguns conselhos de Clay realmente fariam bem a lan.

— Ora, vamos! O tempo dos machões já passou! A única forma de resolver o problema é usar a razão.

— E quem lhe disse que as mulheres são criaturas racionais? Geralmente nos apaixonamos pelas razões mais falsas.

— No caso daquele americano, as razões não devem ter sido falsas — Olhava para ela com curiosidade. — Segundo June, ele é milionário.

— Para quem se diz incapaz de conversar com a própria esposa você parece ter recuperado muito terreno em poucas horas! — Tentou sorrir.

— Acho que ela estava me testando, tentando descobrir como eu reagia. — Fez uma pausa. — Vai casar com ele, Helen?

— Não sei. E não é de mim que estamos falando. — Afastou o cabelo que caía na testa com um gesto cansado. — Ian, não posso lhe dizer o que deve fazer... ninguém pode. Disse o que penso, mas você vai ter que tomar sua própria decisão. Uma coisa é certa: não devia estar aqui comigo.

— Ótimo jeito de me dizer que vá embora. — Caminhou até a porta e ficou parado, meio sem jeito, segurando a maçaneta. — Precisava conversar com você a sós, nem que fosse só...

— Nem que fosse só para provar a você mesmo que não.significo mais nada em sua vida?

— Qualquer coisa assim, eu acho. — Olhou para ela com carinho. — Se quer saber, você é a melhor companheira que alguém pode ter.

— A melhor amiga do homem — ironizou. — Boa noite, Ian. E boa sorte!

— Obrigado. — Deu um meio-sorriso. — Vou precisar.

Quanto a ela, não era só de sorte que ia precisar, mas de muita coragem para enfrentar o resto da viagem.

A viagem a Porto Rico acabou não se realizando, pois Glenn caiu de cama, exigindo, inclusive, a presença de um médico.

— Um problema gástrico, nada mais — garantiu o médico. — Não é grave, mas aconselho-o a ficar em repouso. O calor lá fora pode agravar o estado dele.

— Deve ter sido a lagosta que comemos ontem que não me fez muito bem — comentou Glenn, desanimado, depois que o médico saiu. — Eu devia ter mais cuidado. Desculpe, Helen, não queria atrapalhar seus planos. Mas talvez hoje à tarde já esteja melhor e possamos ir até Boca de Cangrejos. Dizem que durante a maré baixa pode-se andar até as grutas de coral.

— Não vai a parte alguma hoje -disse Helen com firmeza. — O médico mandou você ficar na cama. Está muito abatido. Não dormiu bem esta noite?

— Não, não muito bem. — Era óbvio que ele ainda não se sentia bem. — Não se importa, mesmo, de ficar a bordo o dia todo?

— Claro que não. — Helen sentiu um leve sentimento de culpa ao perceber que Glenn tinha certeza de que ela não iria a parte alguma sem ele. — Preciso mesmo colocar em dia minha correspondência. — Inclinou-se e beijou-o de leve no rosto. — Agora durma um pouco. Mais tarde eu volto.

O navio estava quase deserto àquela hora. Helen entrou no restaurante e pediu seu desjejum, observando distraidamente o movimento no porto enquanto comia. Os passageiros em fim de viagem ainda não tinham começado a desembarcar, mas já se via uma pilha de malas prontas para serem enviadas ao aeroporto. Dentro de pouco tempo aquela pilha seria substituída por outra, que, por sua vez, desapareceria para dentro do navio, levadas pelos passageiros que embarcavam. Só faltava mesmo, para fazer transbordar a taça de Helen, Sally aparecer também, de repente.

Percebendo que alguém se aproximava, virou-se e deu de frente com Marian Lee, que se sentou ao lado dela.

— O milionário fugiu de você? Que horror! Mas não se preocupe, há muitos outros peixes no mar.

— Para todos — acrescentou Helen, ferina. Era a primeira vez que a dançarina ousava falar com ela desde o episódio do vestido rasgado. — O que é que você quer?

— De você? — A outra riu. — Aí é que está! Quanto acha que vale meu silêncio sobre o que aconteceu ontem à noite?

— Ontem à noite?

— Ainda me pergunta? — Deixou de lado a brincadeira e assumiu um tom frio e calculista. — Digamos que eu ia indo para meu camarote quando vi um certo cavalheiro entrando no seu.

— Então você o seguiu.

— Claro. Percebi que ele entrou, mas não o vi sair. Fui clara?

Helen procurou desesperadamente uma saída, mas não encontrou. Marian Lee agora estava com a faca e o queijo na mão. Era a palavra dela e de Ian contra a da dançarina, mas quem iria acreditar neles? Se Marian contasse tudo a J une, não haveria mais salvação para o casamento dos Marriot. Mesmo sabendo que não ia adiantar, tentou blefar: — Por que acha que seu silêncio vale alguma coisa?

— Porque o homem em questão é cunhado de Clay Anderson. E os vi juntos, esta manhã.

— Parece que você tem espiões por toda parte. — Helen pensou um momento. — Se o viu só uma vez, como pôde reconhecê-lo num corredor escuro?

— Não banque a espertinha. Se não era Ian Marriot, então quem era?

— Por que não pergunta a mim? — A pergunta pegou as duas de surpresa, embora tivesse sido feita em voz baixa. Clay tinha se aproximado sem ser visto, no meio de um grupo animado de turistas, e ouvira parte da conversa. Estava uniformizado, mas parecia ter esquecido que um dos seus deveres era tratar amavelmente os passageiros. Marian Lee passou a língua pelos lábios secos e tentou reconquistar o controle da situação.

— Muito bem, então pergunto a você.

— Já teve sua resposta.

Marian olhou para ele com o rosto vermelho de raiva.

— Mentira! Não era você e sabe muito bem disso!

— Por que eu ia mentir'!

— Para impedir que sua irmã saiba. Mas não vai adiantar... muito bem quem entrou naquele camarote, e não era você!

— Se duas pessoas jurarem que era, não vai conseguir provar o contrário. — Olhou para Helen em busca de concordância. — Estou certo?

Helen fez um sinal afirmativo com a cabeça, incapaz de abrir a boca, mas acabou respondendo quando viu o rosto contraído de Clay.

— Está.

Marian olhou de um para o outro, furiosa.

— Não vão se safar com tanta facilidade, juro. Eu...

— Acho que vamos. — Clay sorriu para despistar os ocupantes da outra mesa, que começavam a se interessar pela discussão.

— Tente dizer alguma coisa à minha irmã e expulso você deste navio num piscar de olhos! Agora suma daqui!

Marian foi, sem dizer uma palavra. Diante daquela atitude de fria autoconfiança, Helen achou que, no lugar de Marian, teria feito a mesma coisa. Mas não acreditava muito que a outra fosse deixar as coisas como estavam; só que era um problema para ser resolvido mais tarde. Agora, precisava enfrentar Clay. Desesperada, sem se importar com o que poderiam pensar os passageiros da mesa vizinha, olhou para ele.

— Clay...

— Vamos lá para fora. — Mantinha a voz baixa e o sorriso.

Helen levantou-se e foi com ele. Tentou até sorrir para o garçom que passou com o café que ela havia pedido alguns minutos antes.

— Desculpe, mudei de idéia.

Havia intensa atividade nos corredores, pessoas descendo e subindo, por isso Clay levou-a para o convés e mandou que ela entrasse em um dos botes salva-vidas, onde ficariam fora do alcance de olhares indiscretos.

— Gostaria de atirá-la no mar! — explodiu, quando ficaram a sós. — Você e aquele meu cunhado! Não agüentavam mais ficar longe um do outro, não é?

Helen deu um suspiro tremulo e tentou dizer alguma coisa coerente, o que no momento parecia quase impossível.

— Antes de começar a tirar conclusões apressadas, por que não me deixa explicar algumas coisas?

— A única coisa que me interessa é que Ian foi até seu camarote ontem à noite. Ou vai negar isso também?

— Não, ele foi até lá, mas não pelo motivo que você imagina.

— Quer que eu acredite que ele foi só para conversar?

— Foi exatamente o que ele fez. Como a esposa não quer ouvi-lo, e você não uma pessoa das mais acessíveis, eu era a única alternativa, entre os envolvidos.

— Envolvida é bem a palavra! Eu devia ter desconfiado que ele não conseguiria ficar longe de você. Você é como a chama de uma vela para a mariposa... e quase tão mortal!

— Clay, precisa me ouvir. — Tremia da cabeça aos pés, mas fazia o possível para não deixar que ele percebesse. — Ian ama sua irmã, não a mim. Ele...

— Disso eu nunca duvidei — interrompeu, áspero. — Se não amasse June não teria abandonado você. Um homem, mesmo quando ama uma mulher, não deixa de desejar outras, embora tente não colocar em prática esse desejo. Mas é difícil resistir quando há alguém forçando a situação... especialmente alguém como você. Não fui muito duro com ele da primeira vez. Mas, agora, se não se afastar de você, arrebento-o em pedacinhos! E, quanto a você... — calou-se, os maxilares contraídos. — Se quisesse, podia lhe dar uma surra aqui e agora, mas não me satisfaço só com isso. Você merece muito mais e vou providenciar para que receba a lição que está pedindo!

O homem diante de Helen era duro como o aço. Presa numa rede de mentiras, só via salvação em Ian. Mas será que, tendo mentido no princípio, concordaria em dizer a verdade agora, especialmente depois que o cunhado tivesse uma conversa com ele? Além disso, por que se preocupar com Clay? A opinião dele não ia mudar, mesmo que lan dissesse a verdade. Tomando consciência da própria dignidade, ergueu o rosto e encarou-o, cheia de orgulho.

— Vá para o inferno! E leve lan com você!

Esperava que ele fosse impedi-Ia de sair, mas estava enganada. Clay ficou parado onde estava e deixou que ela fosse embora. Só quando fechou a porta do camarote, onde ao menos se sentia segura e protegida, é que Helen notou o tremor das próprias pernas. As coisas tinham chegado a um ponto insustentável, impossível piorarem. Daquela última vez a raiva de Clay tinha se revelado muito mais profunda, não se limitando ao desejo físico de feri-Ia, mas indo muito mais além.

Uma coisa era certa: a vingança iria atingi-Ia no ponto mais sensível, e o ponto mais sensível, claro, era Glenn. O que Clay não sabia era que a reação de Glenn não faria muita diferença para Helen. Glenn, delicado, generoso, tinha todas as qualidades que ela considerava necessárias num homem digno de ser amado. Mas não o amava e decidiu que já era hora de encarar a realidade.

Permaneceu no camarote o resto da manhã, resistindo à tentação de escrever a Barney, abrindo o coração. Ele já tinha feito muito em ajudá-la a livrar-se de um problema, não era justo jogar em cima dele as conseqüências. Precisava resolver as dificuldades por ela mesma e da melhor forma possível, preparada para suportar também o desgosto que o episódio deixaria no seu coração. A primeira fuga tinha mostrado que fugir não era a melhor solução. Dali para a frente, encararia os obstáculos face a face, com realismo.

 

 



  

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