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CAPÍTULO VIICAPÍTULO VII
A decisão de aceitar ou não a oferta de Harriet Tarrant teve de ser adiada. No dia seguinte ao do baile na Prefeitura, Sophie acordou com um resfriado terrível e pela hora do almoço a febre era tanta que teve de ir para a cama. Seu pai ordenou que ela se deitasse e no final da tarde a temperatura subira a quase trinta e nove graus. Ela passou toda a semana de cama, totalmente incapaz de formular planos para o futuro imediato. Apesar de consternado com a saúde dela, Simon no fundo estava bem feliz. Sem se preocupar em pegar o resfriado de Sophie, passava horas em seu quarto, lendo e conversando com ela. O único arranhão em seu relacionamento era John Meredith que, não sabendo da indisposição de Sophie, telefonou para convidá-la para jantar. Descobrindo que ela estava doente, começou a perguntar por ela todos os dias e a mandar maços e maços de flores que inundavam o quarto com seu odor inebriante. Os Kemble desaprovavam tamanha atenção mas, a menos que se mostrassem rudes, não podiam fazer nada. Emma partiria no fim da semana, e foi despedir-se de Sophie no domingo pela manhã. Simon ia acompanhá-la até Londres e ela já estava de casaco quando entrou no quarto de Sophie. Era a primeira vez que elas se encontravam a sós e Sophie, debilitada, não se sentia em condições de manter um diálogo. Emma não conseguia disfarçar o medo de contrair uma gripe e, postada diante da porta, disse: — Espero que você se levante logo, Sophie. E uma pena ficar de cama quando lá fora o tempo está tão lindo. Ainda bem que você está rodeada por lindas flores, não é? — Tenho certeza de que papai me deixará levantar na próxima semana — comentou Sophie. — Com toda certeza. E você tem a perspectiva de uma bela viagem, não é mesmo? Ah, a Bretanha... Seria tão bom se Robbie e eu pudéssemos passar alguns dias lá com vocês... Ela sorriu. Era um sorriso forçado, mas talvez Sophie fosse a única a atribuir-lhe essa intenção. Sophie sentiu-se envergonhada. Emma era uma boa moça e era ela quem exagerava. Forçando-se a encará-la, indagou: — Aproveitou bem os dias que passou aqui? — Acho que sim. Se bem que não há muito o que fazer por aqui, não acha? Sophie desviou o olhar. — Acho que depende do que cada pessoa gosta de fazer. O sorriso de Emma tornou-se um tanto frio. — Será que há nisso uma nota de censura? — Não, claro que não. Só quis dizer que... há muito o que fazer, se você gosta de andar a pé, jogar golfe, tênis... — Sim. — Emma parecia um tanto enfastiada. — E, acho que não sou do tipo que aprecia a vida ao ar livre. Sophie sentiu-se tentada a perguntar que espécie de tipo ela era, mas se calou. Pareceria sarcástica e a última coisa que ela desejaria no mundo era um duelo verbal com Emma. Limitou-se a dizer: — Imagino que uma pessoa que viva em Londres acabe recorrendo a divertimentos artificiais. O comentário era bem inocente, mas Emma não o encarou assim. — O que você quer dizer? — indagou secamente. — Acho que, quando uma pessoa vive sozinha, aprecia a companhia que pode ser encontrada em teatros, restaurantes, etc. — Mas eu não vivo sozinha — replicou Emma com frieza. — Quando Robbie está em Londres não precisamos de mais ninguém. Nossa própria companhia nos basta. Sophie engoliu em seco, sentindo-se tensa e suando frio. O que Emma estava dizendo? Afinal, que importância tinha tudo aquilo? Ela não devia se deixar envolver... — Quis dizer que... isto é... — começou, mas Emma a interrompeu, com expressão séria. — Sei muito bem o que você quis dizer. Você acha que sou cega, Sophie? Pensa que sou estúpida? Imagina que ignoro como se sente em relação a Robbie? Notei o modo como você o encara, o jeito como fala com ele... — Emma! Emma! Você já está pronta? A voz de Simon deixou Sophie aliviada. Emma foi até o corredor. — Sim, estou pronta, Simon — respondeu. — Só mais um minuto. — Voltou para o quarto. — Trate de sarar logo, ouviu, Sophie? Quero que você seja minha dama de honra! — E com o sorriso pretensamente tímido de sempre ela se foi. Simon não conseguiu entender por que a partida de Emma exerceu um efeito tão deprimente em Sophie. Esperava que ela melhorasse rapidamente assim que a outra se afastasse, mas isto não aconteceu. Sophie estava mais desanimada do que nunca. Durante a semana que se seguiu seu organismo saudável reagiu e no fim de semana ela se sentia suficientemente bem para se levantar. O tempo agradável tornava o jardim um lugar ideal para a convalescença e Sophie passava horas estirada em uma espreguiçadeira, ouvindo rádio. Simon troçava com ela devido a sua falta de energia, mas o dr. Kemble insistira em que o repouso havia de lhe fazer bem. Na quinta-feira de manhã John Meredith apareceu. Laura hesitou em recebê-lo até ele explicar que tinha um recado para Sophie da parte de Harriet Tarrant. Como Laura só sabia do convite de Harriet Tarrant através de Simon, achava que qualquer decisão deveria ser tomada só depois de consultar seu marido. A própria Sophie não dissera nada, mas é verdade que ela não estivera em condições de fazê-lo. A reação inicial de Laura tinha sido de aprovação, mas ela se conteve, imaginando que o dr. Kemble poderia ter uma opinião diferente. Assim, o caso teria de ser abordado com muita cautela. Laura quase o fez, durante várias noites, mas o momento apropriado não ocorrera. E agora lá estava John Meredith com um recado misterioso. Com um ligeiro sorriso convidou-o para entrar na sala de estar e foi ã procura de sua enteada. Sophie ainda não estava vestida quando ela entrou em seu quarto. Estava escovando o cabelo e surpreendeu-se diante da aparição inesperada da madrasta. — John está aqui — explicou. — Tem um recado para você da parte de Harriet Tarrant. Sophie evitara pensar na oferta de Harriet durante os últimos dias. A coisa era tentadora demais, mas ela não tinha o menor desejo de tomar uma decisão precipitada, da qual viesse a se arrepender. Sabia também que Laura esperava alguma explicação. — Você deve estar imaginando por que a sra. Tarrant me mandou um recado. Laura sacudiu a cabeça. — Não exatamente. Simon me contou que você a conheceu durante a festa, na semana passada. — E ele contou que ela me ofereceu um emprego? — Contou, sim, mas não parecia entusiasmado. E você? — Não sei. E tentador trabalhar na Grécia. Mas não sei se quero tornar a ir embora. Acabo de voltar para casa. Laura comprimiu os lábios. — E uma oportunidade maravilhosa. — Para quê? Sophie, embaraçada, teve a impressão de que dissera aquelas palavras em voz alta. Olhou porém para o rosto de sua madrasta e certificou-se de que não o havia feito. — Sim — Sophie murmurou, voltando-se e escovando o cabelo mais uma vez. — Estou bem? Laura disfarçou sua impaciência. — Está um tanto pálida, mas lhe vai bem. Além do mais, você não está interessada em impressionar John Meredith, não é? — Onde é que ele está? — Na sala de estar. Vou pedir à sra. Forrest que lhes sirva um cafezinho. Você está em jejum. — Não sinto fome, mas um café cairia muito bem. Sophie forçou um sorriso e desceu a escada. John levantou-se assim que ela entrou e seus olhos a percorreram dos pés à cabeça. — Pálida, porém interessante. Diga-me, você precisava mesmo ficar de cama para evitar encontrar comigo? Sophie relaxou. Esquecera de que com John era possível conversar à vontade. — Pois saiba que fiquei bastante doente — replicou. — Sinto muito se não pude comparecer a nosso encontro. — Sente mesmo? Então marcaremos outro. — Você trouxe um recado para mim se não me engano. — Sim. Da parte de nossa historiadora local, a sra. Tarrant. Ela jantou lá em casa ontem à noite. — Ela lhe contou que me ofereceu um emprego? — Sim... sim. Ela parecia bastante interessada. Seu conhecimento de grego, ao que parece, lhe deu muito cartaz perante ela. Você vai aceitar o emprego? Sophie baixou os olhos. — Ainda não decidi. Foi para isso que ela pediu que você viesse me ver? — Não. Esta pergunta fui eu que fiz. É que Corfu fica tão longe daqui... — Corfu? — Exatamente. Você sabia que a sra. Tarrant trabalha em Corfu, não é mesmo? — Não. Ela não mencionou o local. Mas então qual é o recado? — Nada de dramático. Ela me pediu para avisar que viaja para Londres hoje e só volta no meio da próximasemana. — Ah, percebo. — Sophie sentiu-se aliviada. Sua decisão poderia esperar por mais alguns dias. A sra. Forrest surgiu com a bandeja de café e, enquanto a colocava sobre uma mesinha ao lado de Sophie, John pediu notícias dela e de seu marido. Sophie achou que naquele momento ele estava se comportando com a deferência de um filho do fidalgo local. Mesmo assim sua atitude era simpática. — Bem... agora vamos abordar assuntos mais interessantes — disse, assim que a criada se afastou. — Jante comigo amanhã. Sophie arfou. — Você não perde muito tempo, hein? — Tempo é dinheiro, como diria meu querido pai. — Mesmo assim... Ah, não lhe agradeci todas as flores que você me mandou. Eram lindas. — Que bom que você gostou. Mas nenhuma delas era tão linda quanto você. Sophie sacudiu a cabeça, rindo. Naquele momento, sentia-se melhor do que nunca. Então a porta se abriu e ela viu diante de si o rosto frio e irado de Robert. John, muito sem jeito, pôs-se de pé, percebendo que era o responsável pelo ar contrariado de Robert. — Olá, Rob — cumprimentou calorosamente. — O que está fazendo por aqui? Robert entrou na sala, os movimentos controlados como os de uma pantera. — Esta é a minha casa, John — informou friamente. —-Por que não deveria estar nela? John esboçou um gesto de quem pede desculpas e Sophie sentiu a tensão que invadia o ambiente. — Não estava questionando seu direito de estar aqui, só fiquei surpreso em vê-lo. Robert inspirou profundamente, olhando a bandeja de café, e Sophie encarou-o. Estava perturbadoramente atraente. Seus olhares se cruzaram e ela não conseguiu enfrentar a expressão de fúria dele. — Como vai, Sophie? — perguntou polidamente, deixando-a surpresa com a calma que aparentava. — Eu... hum... estou... muito melhor, obrigada, Robert concentrou sua atenção em John, o que deixou Sophie muito aliviada. — Corro o risco de repetir suas palavras. E você, o que está fazendo aqui? — Vim ver Sophie. Saber se ela tinha melhorado e trazer-lhe um recado. — Um recado? — Robert olhou-o com ironia. — Jamais o teria imaginado no papel de um moleque de recados, John. O tom com que se exprimia, mais do que a voz, é que era ofensivo e a expressão de John endureceu. — Talvez não. Mas eu também jamais supus que você assumisse o papel do pai ciumento. Sophie levantou-se bruscamente. Estava farta das atitudes agressivas de Robert, sempre entrando em conflito com as pessoas que se aproximavam dela. — John não tem a menor necessidade de dar conta de seu comportamento, Robert — disse, cerrando os punhos. — Você não tem o direito de se comportar como se estivéssemos cometendo algum crime! Fiquei doente e ele veio me visitar! E o que você está fazendo aqui? Achei que estava em Londres, passando férias ao lado de sua... noiva! Custou-lhe muito dizer aquelas palavras, mas elas surtiram o efeito desejado. Robert olhou-os com desprezo e saiu do quarto, batendo a porta. — Puxa! Escapei por pouco! Sophie tentou sorrir. — Não seja tolo. John sacudiu a cabeça. — Não sou, não. Robert teria sido capaz de me reduzir a picadinhos. Sei do que falo; já o vi brigar quando cursávamos a universidade. Sophie caminhou inquieta em direção à janela, contemplando o gramado. — Sinto muito. Não sei o que há com ele. — Eu sei. Ele está com ciúme! — Ciúme? Você não está falando sério! — Estou, sim. — John caminhou para onde ela estava. — Não é de se estranhar, Sophie. Durante anos você foi a escrava dedicada dele, sua admiradora fervorosa, dependente de tudo o que ele dizia. Era fatal que, mais cedo ou mais tarde, você crescesse e fizesse amigos do sexo oposto. E Rob não gosta disso. Você está usurpando sua autoridade. Como todo mundo, ele é egoísta em relação às coisas de que gosta. — Mas eu não sou uma coisa! Sou uma pessoa. — Exatamente. E Rob está começando a se dar conta disso. O fato de ele ser noivo o deixa de mãos atadas. Sophie ficou em silêncio. Era possível que houvesse alguma verdade no que John dizia, mas isso não a aliviava em nada. Quando John disse que Robert sentia ciúme, ela imaginou que ele estava se referindo a algo inteiramente diferente, bem mais pessoal. Mas claro que John tinha razão. Se Robert se sentia enciumado por sua amizade com John e Simon, sua atitude era de puro egoísmo. Ele não a queria, mas não admitia que ninguém mais a quisesse. — Acho melhor eu ir embora — disse John finalmente. — Não quero encontrar com Simon, quando sair daqui. — Pare de me amolar — disse Sophie. — Está bem. Mas e amanhã à noite? — Você ainda quer sair comigo? John sorriu. — Um homem prevenido vale por dois, segundo dizem. Virei armado com pistola e granadas de mão. Sophie riu. — Oh, John, você me faz bem, sabia? John pegou em seu queixo, carinhosamente. — Você também poderia me fazer bem, Sophie — murmurou com a voz rouca. Retirou a mão e afastou-se. — Amanhã à noite, às sete e meia. — Está bem — concordou Sophie. Depois que ele se foi, Sophie pôs as xícaras na bandeja e levou-a para a cozinha. Laura estava lá, com a sra. Forrest. Sua madrasta acompanhou-a de volta à sala de estar. — E então? — indagou. — Qual foi o recado? Sophie esboçou um gesto vago. — Nada de importante. A sra. Tarrant viajou por alguns dias. — Foi só isso? — Laura ficara desapontada. — Ela não poderia ter telefonado? — Acho que sim. Mas, como ela jantou na casa dos Meredith ontem à noite, John se ofereceu para transmitir o recado pessoalmente. — Fez uma pausa. — E por falar nisto, vou jantar com ele amanhã è noite. Laura ficou surpreendida. — Sei. Achava que seu pai e eu tínhamos esclarecido suficientemente o que pensamos de seu relacionamento com John Meredith, enquanto você estava doente, — Eu gosto dele — disse Sophie com firmeza. — Ele é velho demais para você. Além disso, está noivo. — Isto com toda certeza é problema dele. — Sophie! O que há com você? Desde que voltou para casa parece ter prazer em perturbar a harmonia deste lar! — Sinto muito. Laura suspirou impacientemente. — Oh, meu bem, não quero brigar com você, mas... Você sabe que Robert chegou? Sophie ficou tensa. — Sim. — Acho que ele trocou algumas palavras com John. — Pode-se dizer que sim. Laura franziu o cenho. — Por que está tão irônica? — Nenhuma razão em especial. Estou cansada, mamãe. Não se importa se eu for me sentar um pouco no jardim? — Claro que não. — Sacudiu a cabeça, tomada de aparente confusão. — Não compreendo o que está acontecendo. A sra. Forrest já colocara a espreguiçadeira sob os ramos de um carvalho e Sophie esticou as pernas, impaciente com sua própria fraqueza. Ficar tantos dias de cama a debilitou mas a energia mental consumida em enfrentar Robert tinha sido o pior. Ficou a imaginar quanto tempo levaria para se recuperar completam ente. Talvez quando a sra. Tarrant voltasse de Londres ela se sentiria forte para tomar decisões quanto ao futuro. Naquele momento, ele lhe parecia mais do que nunca nebuloso. O sol filtrava-se através dos galhos da árvore e ela cerrou os olhos. Ouvia o zumbido das abelhas nas flores e o trinar dos pássaros. Da casa chegava o ruído do aspirador, usado pela sra. Forrest. As janelas estavam abertas e ela ouvia vagamente o som de vozes no estúdio. Estava lá há mais ou menos meia hora quando se deu conta de que as vozes se tornavam mais fortes. Não conseguia distinguir o que diziam, mas reconhecia um diálogo entre sua madrasta e Robert. Ficou tensa e uma onda de apreensão apoderou-se de seu corpo. Acalme-se, disse a si mesma. O que está sendo dito provavelmente nada tem a ver com você. Mas por que estariam discutindo? O tom das vozes indicava que estava para explodir um conflito. Seguiu-se um silêncio súbito, em seguida as vozes se altearam, com mais vigor, mas ela ainda não conseguia entender o que estava sendo dito. Compreendeu, ao ouvir o barulho de passos na alameda de pedregulhos, que eles estavam em frente a casa. Ouviu-se urna altercação e o barulho da porta de um carro que fechava com violência. Sophie endireitou-se e sua boca tornou-se subitamente ressequida, enquanto o automóvel se afastava. As. últimas palavras se perderam cobertas pelo barulho dos pneus que rangiam. Sophie tremia e tentou se controlar. E daí? Robert se fora novamente. Mas para onde? E por quanto tempo?
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