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CAPÍTULO VICAPÍTULO VI
A única pessoa que parecia ter dormido era Emma. Ela desceu quase duas horas depois que o carro de Robert partiu para Londres, sem se dar conta de tudo o que tinha acontecido. Sophie e a madrasta estavam na cozinha, tomando café e evitando qualquer discussão quando Emma entrou com muita timidez, desculpando-se por interrompê-las. — Sinto muito, sra. Kemble. Acho que dormi demais. A cama aqui é tão confortável! — Não tem importância, Emma. Entre. Laura olhou muito sem jeito para Sophie e ela prestou atenção em Emma. Ela não tinha se alterado. Seus modos ainda enervavam Sophie. Achava aquela timidez uma afetação e o sorriso nervoso parecia falso. Emma usava um vestido simples de algodão, seu cabelo preto caía em pequenos cachos e Sophie pensou pouco caridosamente que ela era exatamente o tipo de garota que uma mãe dificilmente vetaria como nora. Somente Sophie conseguia notar o cálculo que se escondia por detrás de toda aquela pose. Mas será que aquilo era verdade? Sentiu-se muito infeliz. Como poderia encarar Emma, a não ser com ciúme e desconfiança? — Alô, Sophie — disse Emma, enquanto Laura se dispunha a fazer café fresco. — Sinto muito que você não tenha passado bem ontem à noite. Está melhor agora? Sophie levantou os olhos, estudando seus traços. — Alô, Emma — respondeu tensa. — Sim, estou melhor, obrigada. Emma sentou-se a seu lado. — Deve ter sido alguma coisa que você comeu — comentou, admirando a cozinha. — Hum, mas que cozinha linda, não? Tão jeitosa! Amo as casas antigas. Têm muito mais caráter que as modernas. Sophie fez um vago comentário e Emma prosseguiu: — Estava dizendo a Robbie — e nesse momento Sophie tremeu interiormente, pois somente Emma chamava Robert por aquele apelido —, na última vez em que ele esteve na cidade, que quando nos casarmos precisamos comprar um chalé no campo, para irmos passar lá os nossos fins de semana, sra. Kemble. Talvez possamos encontrar algo aqui em Conwynneth. Eu não tenho mais meus pais e aprecio muito voltar a me sentir parte de uma família. Laura lançou um segundo olhar a sua enteada. Em seguida voltou sua atenção para Emma: — Bem... nós... hum... estamos muito contentes em tê-la em nossa companhia, Emma... Emma pousou os cotovelos sobre a mesa. — Mas, afinal de contas, onde está Robbie? Será que ele também perdeu a hora? Não olhei em seu quarto. Achei que estava dormindo e não quis incomodá-lo... parece que ouvi alguém roncando. — Devia ser meu marido — disse Laura calmamente, passando-lhe o café. — Sirva-se. Robert não está mais aqui. Emma, que estava pondo café na xícara, interrompeu-se. — Não está aqui? — repetiu, como se não quisesse acreditar. — Não. — Laura forçou-se a sorrir. — Ele foi chamado para atender a uma emergência, no emprego. Teve de voltar dois dias antes do que esperava e como você estava dormindo... — Entendo. — Emma acabou de servir-se de café, com mão firme. Era o tipo de reação que ninguém esperaria de uma pessoa tímida. — Ele disse se voltaria? Laura sacudiu a cabeça e concentrou-se em retirar as xícaras usadas da mesa. — Acho que ele não voltará enquanto você estiver aqui, meu bem. Mas isso não faz a menor diferença. Faremos o possível para que você se divirta durante esses dias. Emma sorriu. — Tenho certeza que sim, sra. Kemble. Sempre acabo dando um jeito de me divertir, a senhora sabe. Claro, fiquei muito desapontada por Robbie ter de partir... — lançou rapidamente um olhar para Sophie e voltou a encarar Laura. — Ainda bem que nós nos temos visto com freqüência. Desde que ele voltou para casa nós estamos sempre juntos. Sophie cerrou os punhos. Tudo estava explicado: fora em Londres que ele passara todos aqueles dias. Uma sensação de enorme desolação apoderou-se dela. — Claro. — Agora era Laura quem falava. — Sabia que você compreenderia, Emma. Você é uma pessoa tão... desprendida... Sophie não conseguia mais suportar tudo aquilo. — Acho que vou dar um passeio — disse com fingida naturalidade. — Está uma manhã tão linda... — Se esperar alguns minutos irei com você —- exclamou Emma, engolindo o café. — Gostaria muito de andar um pouco. Sophie e Laura trocaram um olhar. O de Sophie era agressivo, o de Laura, suplicante. Sophie concordou. — Estarei no jardim. O ar lá fora estava infinitamente refrescante, após a tensão reinante na cozinha. Sophie começou a andar lentamente no gramado, tentando se compor. — Sophie! Alô, Sophie! Voltou-se, ao ouvir uma voz masculina. O rapaz que vinha em sua direção era alto e louro, usava short e uma camisa creme. Carregava uma raquete de tênis e Sophie reconheceu o rapaz que sua madrasta dissera estar a sua procura. Ele chegou até onde ela estava e olhou-a com ar de admiração. — Olá, Sophie. Você se lembra de mim? Sophie forçou um sorriso. — Sim, claro. Olá, Graham. Graham fez um gesto com a cabeça, obviamente aliviado. — Vim ver se você tinha tempo para uma partida de tênis. Deveria ter vindo no último fim de semana, mas fiquei muito resfriado. Só agora estou começando a me sentir melhor. Sophie esboçou um gesto de solidariedade. — Ainda bem! — E mesmo! Os resfriados no verão são os piores de se curar. Bem, cá estou. Que tal um jogo? — Não posso. — Sophie hesitou. — Prometi dar um passeio com... com Emma. Você conhece Emma? — Não. É a noiva de Robert, não? Já ouvi falar dela, claro. Minha irmã é noiva de John Meredith e... — Eu sei. — Sophie não queria ouvir novamente toda aquela história. — Os quatro saem juntos. — Interrompeu-se e olhou em direção a casa. — Aí vem ela. Vou lhe apresentar. — Já que Graham está aqui — sugeriu —, por que não jogamos tênis? — Isto evitaria aquele indesejado encontro a sós com Emma. — Você e eu poderíamos jogar uma partida, Emma, e em seguida Graham jogaria com quem vencesse. Emma parecia hesitante. — Não jogo tênis tão bem assim — ela disse hesitante, com seu sorriso tímido. — Nem eu — mentiu Sophie, decidida a deixar que Emma a derrotasse com toda facilidade. A quadra de tênis atrás da casa já presenciara dezenas de jogos entre Sophie e seus meio-irmãos. Sophie sempre se desempenhara brilhantemente, batalhando por cada ponto. Jamais jogara tão mal como naquela manhã. Se Graham notou seu subterfúgio, nada pôde fazer quando ela desapareceu durante a partida dele com Emma. Sophie retirou-se para seu quarto. Não estava disposta a mostrar-se sociável e a perspectiva das semanas que se estendiam a sua frente era desanimadora. Durante os dias que se seguiram Sophie conseguiu evitar qualquer tipo de confidência com Emma. Não era tão difícil assim. Ainda auxiliava o pai no período da manhã, e Laura prendia Simon o mais possível, para ajudá-la a fazer sala para sua convidada. E Sophie tinha muito tempo para pensar no futuro. No meio da semana Simon surpreendeu-a na sala de jantar, enquanto punha a mesa: — Você está me evitando, Sophie? — Evitando-o, Simon? Não seja tolo! Ele deu a volta à mesa, bloqueando sua saída. — Nunca a vejo sozinha, nestes últimos dias. — É que você... está ocupado com Emma. — Tirando-a do seu caminho, você quer dizer... — Simon enfiou as mãos agressivamente nos bolsos da calça. — Oh, Sophie! Você está zangada comigo? Sophie concentrou-se em dispor os talheres sobre a mesa. — Você está dizendo bobagem e sabe disso, — Endireitou-se. — Saia do caminho, preciso terminar. Simon permaneceu onde estava. — Você está zangada comigo, não? Por quê? Porque eu lhe disse a verdade a respeito de Rob? Você não queria saber, foi isso? — Prefiro não falar sobre esse assunto. — Mais cedo ou mais tarde você vai ter de falar. — É mesmo? — Sophie controlou um suspiro. — Simon, por favor! Sua mãe está esperando para servir o almoço. — O almoço que vá para o inferno! — O rosto de Simon estava sombrio. — Sophie — ele tornou a solicitar. — Sophie, diga-me o que você quer que eu diga... Sophie encarou-o desarvorada. Em seguida pôs a mão em seu braço. — Simon, eu... — Ah, Simon, você esta aí! — A voz estridente de Emma interrompeu-os e Simon praguejou baixinho. — Procurei você por toda parte, Simon. Olhe, aqui estão as fotos de que lhe falei. Sophie voltou a pôr a mesa enquanto Simon se afastava para examinar as fotos que Emma lhe estendia. Acabou sua tarefa e estava para deixar a sala quando Emma a chamou: — Venha ver, Sophie. São as fotografias que Robbie e eu tiramos em Portugal, em abril. Não estão ótimas? Os nervos de Sophie ficaram abalados. Robert trabalhara em Portugal de fevereiro a maio. Nunca soubera que suas namoradas o tivessem visitado em seu emprego. Sophie sentiu-se emocionada ao ver fotos de Robert dançando com Emma em uma boate, relaxando na praia, no Estoril, muito esguio e queimado, usando um calção de banho mínimo, — Bonitas fotos — disse ela tensa e, ignorando a solidariedade muda de Simon, deixou-os. No final da tarde estava em seu quarto, tentando se interessar por um romance histórico. A porta se abriu e Simon entrou, encostando-se na porta. — O que você está fazendo trancada aqui no quarto? A tarde está linda. — Então por que você não vai aproveitar? Simon suspirou. — Vim a sua procura. Sabia que haverá uma festa nos salões da Prefeitura esta noite? Parece que vai ser animada. Trouxeram um conjunto de Liverpool. Vamos? — Não, obrigada. — Sophie! — Não quero ir. — Por que não? — Não sinto vontade de dançar. — Fez uma pausa. — Vá você. Leve Emma. Acho que ela vai ficar encantada... — Pare de ser agressiva! É claro que Emma vai. John Meredith e sua noiva também vão e a convidaram. — Que sorte! — falou com ironia, querendo exprimir exatamente o contrário. Simon afastou-se da porta. — Sophie, pare de ser tão sarcástica! Você sabe perfeitamente bem que não tenho o menor interesse em Emma. Essa é uma prerrogativa de Rob. Sophie franziu o cenho àquela alusão maliciosa e Simon, no mesmo instante, arrependeu-se. — E você quem me faz dizer essas coisas, Sophie. Por favor, venha dançar comigo. — Convide Vicky — replicou levemente irritada. — Não quero convidar Vicky — Simon levantou os olhos para o céu. — O que quer de mim, Sophie? Que eu me declare a você? Que eu demonstre que também tenho sentimentos? Sophie, relutante, levantou a cabeça. Não era justo que Simon fosse o alvo de todas as suas frustrações. — Não, claro que não — disse com um fio de voz. — Sinto muito: Se você quer mesmo que eu vá à festa, então... está certo, eu vou. Os olhos de Simon ficaram sombrios. — Oh, Sophie — ele murmurou com a voz embargada de emoção. Aproximou-se dela, inclinou-se e colou seus lábios aos de Sophie. Era a primeira vez que ele a beijava, desde a infância, e apesar de Sophie não achar seu toque repulsivo, não conseguia sentir nada além de uma enorme compaixão por ele. — Acho melhor você ir andando, Simon. Nem quero imaginar o que sua mãe diria se o encontrasse aqui, nesta situação. — Não me importo com isso — replicou em tom de desafio e a teria beijado novamente, se Sophie não recuasse. — Pois eu me importo — insistiu ela com muito jeito. — A que horas iremos para a festa? Simon deteve-se diante da porta. — John e Joanna virão buscar Emma por volta das oito. Está bem nessa hora? — Muito bem. Sophie sorriu e Simon, mais tranqüilo, saiu do quarto. Ela ficou a imaginar se, naquelas circunstâncias, não deveria ter recusado. Não era justo deixar Simon pensar que ela de uma certa forma o estaria encorajando, Sophie evitou sair do quarto até ter certeza de que Emma partira. Fora com sua madrasta e Emma até Hereford durante a semana e ganhara de presente dois vestidos longos, apropriados para o dia ou para a noite e, apesar de seu impulso inicial ter sido recusar a oferta generosa de Laura, ficara contente por ter aceitado. Escolhera um vestido estampado em tonalidades de verde e cinza e sabia que ele lhe caía muito bem. Sua boa aparência até certo ponto daria a seus pais a certeza de que ela se recuperara de seu mal-estar. A reação de Simon a sua aparência foi muito lisonjeira e ela gostou de ser admirada, após as experiências terríveis da última semana. Quando chegaram à Prefeitura e encontraram uma vaga onde estacionar a perua de Simon, a festa já estava bem adiantada. A vida da aldeia era severamente controlada pelo clero e meia-noite era a hora certa para encerrar-se um baile. O salão era grande e espaçoso, enfeitado com balões e flâmulas. Sophie e Simon viram-se inevitavelmente cercados por um grupo ruidoso, que incluía John Meredith, sua noiva e Emma. Procuraram dançar a maior parte do tempo e no meio de todos aqueles jovens era possível guardar um certo anonimato. Emma parecia estar-se divertindo muito. Muitos rapazes haviam-na convidado para dançar, com exceção de Simon, que monopolizara Sophie. De repente John Meredith insinuou-se entre eles e convidou Sophie para dançar. Simon voltou-se para fazer o mesmo em relação a Joanna, mas ela já estava dançando com outra pessoa e somente Emma estava a sua disposição. Sophie encontrou seu olhar frustrado enquanto ia com John para a pista de dança. Sentiu-se culpada, pois poderia ter recusado e permanecido em sua companhia. Entretanto, passados alguns minutos, esqueceu os problemas de Simon, pois teve de enfrentar seus próprios problemas. O conjunto fizera uma pausa e a música agora era a de discos. Em lugar da música pop agitada, o vigário aproveitara a oportunidade para mandar tocar música bem suave, própria para dançar a dois. O clima criado pela valsa levou John a apertá-la com muita força e encostar o rosto no dela. — Assim é melhor, não acha? — murmurou em seu ouvido e ela sentiu seus lábios revolvendo-lhe os cabelos. — Acho melhor comportar-se, sr. Meredith. Detestaria se sua noiva pensasse que o estou encorajando. John riu. — Ah, mas como é romântica, srta. Kemble — caçoou, e ela sentiu o cheiro de uísque em seu hálito. — E você bebeu demais — retrucou ela, encarando-o. — Não bebi, não. — Seu olhar zombava dela. — Palavra de honra, não bebi mais que dois drinques esta noite. — Dois drinques? Mas de que tamanho eram? John sorriu. — Ah, não conto, isto me comprometeria! Consciente de que naquele momento ele a admirava intensamente, Sophie olhou nervosamente a sua volta. — Como isso aqui está cheio, não? Estas festas são muito prestigiadas. — É sim. — John olhou seu vestido. — Aquele seu meio-irmão tão possessivo não lhe disse o quanto você está deliciosa? Sophie não conseguiu deixar de sorrir. — Não com essas palavras. — Imagino que não. Pois então deixe que lhe diga: você está linda. Não quer jantar comigo amanhã? Sophie arfou. — Claro que não! — Por que não? Sophie teve certeza de que qualquer pessoa conseguiria ouvir o que ele estava dizendo. — Porque não posso. — É por causa de Joanna? Sophie olhou os botões de seu paletó. Se John voltasse a lhe fazer o convite, ela iria ou não? Nesse caso, de que serviria toda sua bravata em relação a Robert? Mas isso acontecera antes de ela descobrir que... antes que Robert zombasse dela, como tinha feito! — Bem? — John apertou-lhe os dedos. — É por causa de Joanna? — Talvez seja. — Então não é só isso? — Oh, John! — Sophie olhou para ele impacientemente. — Por que está me convidando para jantar com você? Você sabe muito bem que... que você deve uma certa lealdade a sua noiva. — Mas que forma tão antiquada de se exprimir! — No entanto é verdade. — Está bem, então é verdade. Isto é problema meu. Mas mesmo assim ainda gostaria de levá-la para jantar amanhã. Sophie sacudiu a cabeça. — Sinto muito. — Você tem medo do que seus pais poderiam dizer? — Fez uma pausa. — Ou tem medo do que... Robert dirá? — O que quer dizer com isso? — Ah, não me venha com essa, Sophie. Todo mundo sabe como você se sente em relação a Robert, ou melhor, como você acha que se sente. Sophie engoliu em seco e fitou-o. — Não sei a que você se refere. John suspirou. — Não me faça dizer, Sophie. — Dizer o quê? — Sophie, todo mundo está cansado de saber que durante anos você teve uma queda por Robert. Meu Deus, seus pais estavam a par de tudo, não? Assim que a coisa se tornou aparente, você foi mandada para o colégio interno. O rosto de Sophie queimava. — Percebo — conseguiu dizer, muito tensa, enquanto por dentro fervia, tomada de emoções e pensamentos caóticos. — Obrigada por ter-me contado. — Ah, deixe disso, Sophie — exclamou John, meio envergonhado de sua explosão. — Não é que a coisa fosse evidente para todo mundo. Acontece que Rob e eu somos da mesma idade. — E você discutiu o assunto com ele? — perguntou, ressentida por Robert não lhe ter dito nada. John então corou. — Claro que não! Você devia conhecer Robert melhor. — Olhou a sua volta. — Bem, vamos tomar um drinque. — Corrigiu-se a tempo, zombeteiro. — Aliás, um refrigerante. Sophie concordou e foram para o outro lado do salão. John encomendou dois e estendeu um deles a Sophie. — Vamos beber lá no corredor. Aqui dentro está muito quente. Estava mais fresco no corredor, mas Sophie sentiu certa hesitação. Em seguida relaxou, pois a indignação em relação ao que ele acabara de lhe contar atenuou seus escrúpulos. Pelo menos ninguém a acusaria de ter uma queda por John. As iniciativas partiam todas dele; e se Joanna não gostasse, que encontrasse maneiras mais eficientes de controlar seu noivo. — Em que é que você está pensando agora? — John estendeu a mão e tocou-lhe a fronte. — Você ainda está zangada? Sophie tomou um gole antes de responder. — Não. Para falar a verdade, estava pensando em Joanna. John se encostou na parede. — O que tem Joanna? — Você a ama? — E o que tem isso a ver com o resto? — Ama ou não? John deu de ombros. — Acho que sim. — Então por que quer sair comigo? John esboçou um gesto indiferente. — O fato de amar Joanna não me torna cego para os encantos de outras mulheres. Sophie comprimiu os lábios. — Obrigada! — Por quê? — Por me chamar de mulher. É a primeira vez que alguém o diz, John sorriu. — Mas não é a última. Oh, Sophie, você jantará comigo, não é mesmo? — suplicou. Sophie hesitou. — Pensarei no assunto. — Irei buscá-la amanha às sete e meia — disse John com firmeza. — Meus pais ficarão sabendo — preveniu. John pareceu contrariado. — Não diga! Sophie lançou-lhe um olhar irritado. — Você deve se sentir muito seguro em relação a Joanna. — Sinto-me, sim. Mas não me sinto tão seguro em relação a você, Sophie. Você não vai me dar o fora, não é mesmo? — Você vai ter de esperar para saber. O som de vozes próximas às portas que davam para o salão atraiu sua atenção e, ao voltar-se, Sophie viu Simon, Joanna e várias outras pessoas se aproximando, procurando por eles. — John! — Assim que o viu Joanna veio em direção ao noivo. — O que você está fazendo aqui? — Lançou um olhar impaciente sobre Sophie. — Pensei que vocês dois estivessem dançando. — Estávamos, sim — John desencostou-se da parede, enquanto Sophie percebia o olhar pouco amistoso de Simon. — Mas estávamos com calor e cheios de sede. Não há nenhuma lei que proíba beber mais de um refrigerante, não é? Joanna esforçou-se por disfarçar sua contrariedade. — Não, não, claro que não. — Forçou-se a encarar novamente Sophie. — Você está bem? Espero que este meu noivo exaltado não tenha passado uma cantada em você. Sophie mordeu a língua. Foi sua vez de exibir um sorriso sardônico. — Oh, não. Para falar a verdade estávamos conversando a seu respeito, Joanna. — Olhando todos de alto a baixo, ela caminhou cheia de confiança para o salão. Simon alcançou-a e agarrou seu pulso, com expressão tensa e contrariada. — Afinal, o que você está fazendo? Sophie recusou-se a encará-lo, concentrando-se nas pessoas a sua volta. — Não sei do que você está falando. — Que história é essa de sair com John? Como acha que Joanna se sentiu quando vocês desapareceram? Sophie encarou-o: — Não me importo nem um pouco. Simon ficou tenso. — Mas o que há com você? — Talvez eu esteja tentando pensar um pouco em mim. Simon levantou os olhos para o céu. — O que você está dizendo não faz o menor sentido. — Não faz mesmo? — Sophie levantou a cabeça. — Acho que você sabia de toda aquela história de me mandarem para o internato, não é? E as razões que motivaram aquela atitude. Simon fitou-a, sem poder acreditar no que ouvia. — O que você está querendo dizer com isso? — O que você ouviu. Você sabia por que eles agiram daquela forma, não é? Você gozava da confiança deles. — Da confiança de quem? — Da confiança de nossos pais, evidentemente. Simon lançou um olhar impaciente a sua volta, a fim de assegurar-se de que sua conversa não estava sendo ouvida. — Quem foi que lhe contou tudo isso? — John. — John? E o que é que ele sabe? — Aparentemente, tudo. — Pois então ele devia calar a boca! — Pelo que vejo, agora você sabe a que me refiro. — Tudo isso pertence ao passado. — É mesmo? Não concordo. — Não é importante, — Mas então por que me mandaram embora? — Você teria ido para o colégio interno de qualquer maneira. — De qualquer maneira — repetiu ela amargamente. — Não sei por que você está tão exaltada. — Não me agrada a idéia de saber que meus assuntos pessoais são objeto de discussões... — Pois não foram, não. E se foi isso que John Meredith lhe disse, então ele é um mentiroso! Sophie suspirou. — Não... Ele não disse exatamente isso. Ah, está bem, vamos esquecer o assunto. Dance comigo. O pessoal está voltando e sinto vontade de fazer algo chocante! Simon puxou-a para junto de si. — Pois então beije-me. Isso dissiparia qualquer boato sobre você e Rob. Sophie sentiu-se tentada mas, com a palma da mão, impediu sua aproximação. — Não, Simon — disse calmamente, sacudindo a cabeça. — Você é bom demais para ser usado. Quase no fim da festa o reverendo Evans veio até eles. Sorriu para Sophie e voltando-se para Simon disse: — Simon, você não gostaria de mostrar os slides que tirou de Devon e Cornualha para o Clube de Mães da paróquia? O diretor de sua escola contou-me que você fez uma palestra para os alunos das classes mais adiantadas e ele ficou muito bem impressionado. É exatamente este tipo de coisa de que precisamos e é tão difícil conseguir conferencistas interessantes... A sra. Tarrant colaborou antes de viajar para a Grécia, mas o outono vai chegar e não temos nada a oferecer. Simon olhou bem-humorado para Sophie. — Bem... — hesitou. — Acho que... sim. Mas não sou um conferencista profissional. — Sra. Tarrant? — Era Sophie quem falava. — Está falando de Harriet Tarrant, a historiadora? O vigário assentiu. — Sim. Você a conhece, Sophie? Sophie sacudiu a cabeça. — Oh, não. É que li um artigo a seu respeito no jornal e fiquei muito interessada. Estudei grego no segundo ciclo e acho seus livros fascinantes. — Gostaria de conhecê-la? — O vigário estava nitidamente desarmado diante de seu entusiasmo. — Gostaria demais. — Pois então venha comigo, Sophie. Ela está por aí. Sempre que se encontra na região ela participa de minhas reuniões. Sophie lançou um olhar significativo para Simon e ele seguiu-a e ao vigário através do salão em direção a um grupo de pessoas mais velhas. Sophie conhecia a maior parte delas de vista, devido à profissão de seu pai, mas aquela figura rechonchuda, de cabelos grisalhos, não lhe era familiar. — Harriet — disse o vigário —, trago alguém que gostaria de conhecê-la, Sophie Kemble. É a filha do dr. Kemble. A senhora levantou-se e, pedindo licença a seus companheiros, aproximou-se do pequeno grupo. — Mas que bom — exclamou, depois das apresentações — encontrar alguém jovem, que compreende grego. Hoje a mocidade parece sentir-se atraída por línguas mais simples, francês, alemão e não se importa com o latim e o grego. — Confesso que não sou muito boa em latim — disse Sophie, rindo. — Mas você gosta de grego. E está interessada em mitologia, não é? — Harriet olhou o vigário e voltou a encarar Sophie. — Você por acaso estaria procurando um emprego? Sophie ficou muito surpreendida e Simon respondeu por ela. — Sophie vai para a universidade no próximo ano. — É mesmo? De verdade? — Harriet fitou-a com seus olhos azuis e penetrantes. — E o que planeja fazer até lá? Sophie deu de ombros, sem saber muito o que dizer. — Eu... para dizer a verdade, não pensei muito no assunto. — Pois deveria pensar. Posso lhe oferecer um emprego. Preciso de uma tradutora, alguém que saiba um pouco mais do que palavras tais como kalimera e parakalo. Sophie olhou para Simon com ar de interrogação e ele disse: — Não sei se meu... quero dizer, se o pai de Sophie concordará com que ela aceite um emprego, sra. Tarrant. — Por que não? Ela precisa do dinheiro, não? Sophie interferiu: — É muita gentileza de sua parte... — Que bobagem, não se trata de gentileza. — Harriet Tarrant endireitou-se. — Preciso de alguém que me faça traduções. Sophie umedeceu os lábios. — E... que tipo de compromisso seria, sra. Tarrant? Harriet enfiou as mãos no bolso do casaco, inflamando-se com o assunto. — Bem, para início de conversa, teríamos de passar meio ano na Grécia. Prefiro trabalhar lá. Deixo-me envolver pela atmosfera. Tenho dois pesquisadores trabalhando comigo, ambos gregos, e eles ficam coletando material enquanto estou aqui fazendo conferências ou ensinando. Quando voltar para lá terei uma pilha de material a minha espera para ler e avaliar, além de artigos para traduzir, correspondência, etc. — Não sei escrever à máquina, sra. Tarrant. — Que bobagem, qualquer pessoa sabe. — Harriet deu de ombros, não fazendo caso de seu protesto. — Não quero uma secretária, Sophie. O que eu preciso é de alguém que saiba as lendas, que possa apreciar o equilíbrio precário entre o fato e a fantasia e, acima de tudo, alguém que saiba ler e falar a língua. Sophie sentia uma grande tentação, mesmo sabendo que se aceitasse colocaria milhares de quilômetros entre ela e Robert. Mas mais cedo ou mais tarde, ele aceitaria um contrato no estrangeiro e até lá ele e Emma estariam casados... Aquela perspectiva deixou-a toda arrepiada. Como poderia aceitar o fato de que eles iam viver juntos, dormir juntos...? Notando quanto Sophie empalidecera, Simon disse: — Acho que está na hora de ir embora, Sophie. A preocupação que ele demonstrava era inequívoca e Harriet Tarrant comprimiu os lábios. — E então, Sophie? — indagou, em tom de desafio. — Você pensará na oferta? Esperarei alguns dias, se você quiser discutir o assunto com seus pais. Sophie hesitou. — Eu... gostaria de pensar nisso tudo. Posso lhe telefonar, assim que tomar uma decisão? — Claro. Enquanto Harriet anotava seu endereço e número de telefone, o vigário distraía Simon, dizendo o quanto o Clube de Mães ficaria contente com a notícia de que o primeiro conferencista já fora contatado. No entanto, assim que se afastaram, Simon voltou-se para Sophie, indignado. — O que você quis dizer, ao falar para aquela mulher que pensaria em sua proposta? Você não pode aceitar e sabe muito bem disso! Sophie encarou-o de frente. — Por que não? — Porque não quero. Já bastou saber que Rob tinha... Não quero que nenhum grego seboso ponha as mãos em você! — Oh, Simon! — É isso mesmo! Além disso, seu pai jamais concordará. — Em seu lugar eu não teria tanta certeza assim. Não é este exatamente o tipo de oportunidade que ele espera? Algo que afaste Robert de minha influência nefasta? — Robert! Simon pronunciou o nome do irmão com desprezo e Sophie tornou-se tensa demais. O barulho das guitarras elétricas penetrou estridentemente em seus ouvidos e uma dor de cabeça insuportável tomou conta dela aos poucos. — Gostaria de ir para casa, Simon! Simon tinha a aparência de quem ia protestar, mas acabou assentindo. Começou a abrir caminho entre as pessoas, até a porta. O grupo de John Meredith estava lá, mas Sophie evitou olhá-los. Emma, entretanto, os viu e veio até eles. — Já estão indo? Simon disse que sim e Emma deu um sorriso de alívio. — Que bom. Vou com vocês. Já não agüento mais o barulho... — Sacudiu a cabeça, num gesto expressivo. — Além do mais, isto aqui sem Robbie não é o mesmo. Sophie deu uma resposta neutra e foi buscar seu xale. Apesar de tudo que Simon pudesse dizer, ir embora de Conwynneth não era tão má idéia.
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