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CAPÍTULO I



CAPÍTULO I

 

Sophie deslocou o peso do seu corpo de uma perna para a outra, consciente de que cada movimento estava sendo vigiado pelos dois soldados agachados ao lado de suas malas, a alguns metros de distância. O trem estava lotado de gente que partia para as férias e, não tendo podido reservar um lugar, Sophie viu-se na contingência de passar toda a viagem espremida entre sua bagagem, naquele território de ninguém situado entre dois vagões. Não que ela se importasse. Estava excitada demais com a perspectiva de ir para casa para se importar em passar algumas horas absolutamente imóvel. Apesar de dois homens terem oferecido seu lugar, ela recusava com toda polidez. Achou que o gesto deles confirmava o que ela pensava; mesmo usando a saia verde-garrafa e o paletó da mesma cor, com as insígnias da escola bordadas no bolso, ela não parecia mais uma criança, mas uma jovem mulher. Notara desde algum tempo que os homens a achavam fisicamente atraente e, apesar de sempre se sentir satisfeita com isso, somente agora começava a apreciar suas vantagens.

Uma mulher muito jovem, carregando um bebê, abriu caminho em direção ao toalete e Sophie encolheu ainda mais seu corpo esbelto, recusando-se a tomar conhecimento dos sorrisos solidários dos soldados. Um deles já lhe oferecera um cigarro, que ela recusara, e apesar de reconhecer que ambos eram inofensivos não queria que complicações interrompessem seus devaneios, que giravam em torno de seu próximo encontro com Robert.

Tinham passado dezoito meses desde que ela estivera com Robert, dezoito meses desde que ele a tomara nos braços, a beijara e abalara todos os alicerces de seu pequeno mundo...

Ele deveria estar em casa naqueles feriados. Seu pai lhe escrevera, comunicando o fato. Claro, Simon também estaria lá e, embora ela preferisse o filho mais velho de sua madrasta, sempre achara que era muito mais fácil conquistar Simon e aproveitara-se dele vergonhosamente,

Robert era diferente. Robert era imprevisível. Mas com Robert ela compartilhava uma afinidade. Robert, que lhe ensinara a montar, nadar e jogar tênis, que lhe falara como um igual a respeito de seus planos e ambições, que fora o primeiro a interessá-la em livros, música e poesia.

Contemplou através da janela do trem a paisagem verde que se estendia interminavelmente. Lembrava-se perfeitamente da primeira vez que vira Robert. Sua mãe morreu quando ela nasceu e seu pai, um médico londrino muito ocupado, empregara uma série de governantas para tomar conta dela. Não tinha dado certo, porém. Ele tinha muito pouco tempo para passar com a filha pequena e, ao compreender que sem a presença da mãe a menina estava sendo deixada de lado, desistira de sua clientela em Londres e mudara-se para Conwynneth, uma aldeia não muito distante de Hereford, na região fronteiriça de Gales. Lá a vida transcorria num ritmo muito mais suave. O dr. Kemble relaxou, sentiu-se novamente jovem e envolveu-se na vida social da comunidade, juntamente com sua filhinha.

Laura Ydris era viúva e tinha dois filhos. Dirigia um pequeno albergue na aldeia, inteiramente só, desde que seu marido morrera, há dois anos, em um acidente de automóvel. Seu filho mais novo, Simon, tinha doze anos e o mais velho, Robert, dezesseis. Ambos iam à escola em Hereford.

O pai de Sophie começou a passar muito tempo no albergue e não foi surpresa para ninguém quando ele e Laura decidiram se casar. Naquela época, Sophie tinha quatro anos de idade. Era rechonchuda, muito tímida em relação a estranhos e seu cabelo curto emoldurava um rostinho de boneca.

Desde o início Sophie agarrara-se à madrasta. Laura estava longe de assemelhar-se àqueles personagens perversos dos contos de fada. Era baixinha, morena e cheia de vida, e ganhou completa mente o coração de Sophie quando lhe confidenciou que sempre quisera ter uma menina.

Não houve problemas nem mesmo com os dois garotos. Robert e Simon haviam compreendido que sua mãe estava tendo muitas dificuldades em dar conta sozinha do albergue e ficaram contentes ao saber que ela ia parar de trabalhar e ter um lar de verdade. Além do mais, gostavam do dr. Kemble e eram suficientemente amadurecidos para reconhecer as necessidades do casal. Sophie adorou ter, subitamente, dois irmãos. Eles a mimaram muito, ela se dava conta agora, mas naquela época não vira nenhum egoísmo em solicitar sua atenção.

Sophie conheceu Simon em primeiro lugar. Robert estava na Suíça, em uma excursão da escola, quando o casamento foi anunciado e, quando ele voltou para casa, Sophie e Simon já eram muito bons amigos. Quando ela se deparou com o olhar firme de Robert, tornou-se sua admiradora. Ele era um menino muito popular, andava habitualmente com um bando de garotos, mas nunca estava ocupado demais que não pudesse conversar com ela. E as namoradinhas ficavam particularmente impacientes por ter de competir com uma criança!

Dois anos depois, Robert foi para a universidade, e o velho casarão que o dr. Kemble comprara por ocasião de seu segundo casamento ficou subitamente tranqüilo. Durante quatro anos Sophie via Robert somente por ocasião dos feriados; mas, quando ele se formou, regressou para Conwynneth, para trabalhar numa firma de engenharia em Hereford.

Naquela época, Simon estava começando a freqüentar a universidade, mas Sophie não sentia tanta falta dele. Além do mais, Robert estava de volta e, aos doze anos de idade, Sophie achou aquele rapaz maduro absolutamente fascinante. Ela estava começando a tomar consciência de sua feminilidade e não compreendia por que sentia dores curiosas no estômago toda vez que Robert a encarava de um certo modo, nem por que, quando ele saía com garotas, ela se sentia perturbada e inquieta.

Sentiu-se inteiramente abalada quando seu pai comunicou-lhe subitamente que ela iria para um internato. Não queria de modo algum ir para um lugar daqueles. Isto significaria que ela voltaria a ver Robert somente nos feriados e era suficientemente madura para compreender que ele provavelmente se casaria enquanto ela estivesse na escola.

Pela primeira vez seu pai e sua madrasta mostraram-se imperturbáveis diante de seus apelos desesperados, e até mesmo Robert parecia frio e distante, sem lhe oferecer o menor apoio. Teve de capitular e passou todo o primeiro semestre aos prantos, sem aceitar a solidariedade que algumas colegas lhe ofereciam. Com o tempo, deu-se conta de que o choro não a levaria a nada. O mais sensato era estudar muito, passar em todos os exames e regressar a Conwynneth o mais cedo possível.

Enquanto desempenhava suas tarefas na escola, chegou-lhe ao conhecimento que a carreira de Robert estava indo muito bem. Era muito inteligente e ofereceram-lhe uma situação melhor em uma firma londrina de construção, com filiais espalhadas por todo o mundo. Alugou um apartamento na capital e partiu para a África Central, em seu primeiro contrato no além-mar. Quando Sophie foi para casa durante duas férias, não o viu. Passava o tempo perambulando pela casa e até se recusou a ir com Simon e seus amigos acampar na região dos lagos. Sabia que seus pais estavam preocupados com ela, mas esperou que eles não descobrissem o que a deixava tão deprimida.

Prestou os exames finais aos quinze anos e conseguiu nota dez em onze matérias, o que deixou seus pais e professores admirados e contentes. Nos feriados de Natal que se seguiram, Robert estava novamente de volta e foi passar as festas com a família. Seus cumprimentos para ela significavam muito e importavam mais do que tudo que pudessem ter-lhe dito até então. E foi durante aqueles feriados que Robert a beijou...

Seus dedos dobraram-se, tensos. Os Kemble tinham convidado para o Natal amigos de seu pai, vindos de Londres: dois casais e seus cinco filhos. Ela desconfiava de que seu pai os havia convidado de propósito, numa tentativa de tirá-la da apatia que ela demonstrara nas férias de verão. A presença de Robert na casa afugentava, entretanto, qualquer desânimo. Os outros adolescentes, uma garota de dezesseis anos e quatro rapazes cujas idades iam de treze a dezoito anos, eram simpáticos, mas na opinião de Sophie bastante imaturos, comparados com seus meio-irmãos. Mesmo Simon, que tinha vinte e três anos e estava dando aulas no ginásio de Conwynneth, era mais interessante do que eles. Sophie fora criada no meio de adultos e seus gostos eram mais maduros. Gostava de música pop, naturalmente, e de conversar a respeito dos ídolos da adolescência, mas graças a Robert sentia-se igualmente à vontade diante de compositores clássicos e eruditos.

Durante aqueles feriados, tomou parte de todas as diversões e brincadeiras propostas pelos mais jovens, mas durante o tempo todo estava intensamente consciente da presença de Robert nas proximidades, bem como da garota que ele trouxera de Londres. Ela era secretária, dissera-lhe sua madrasta, e trabalhava no escritório da companhia que empregara Robert. Sophie, no entanto, não gostou dela. Não era nada que ela pudesse definir claramente. Ao contrário, Em ma era bonita e simpática, não muito diferente das dezenas de garotas que Robert trouxera a Penn Warren durante a adolescência de Sophie. Havia, entretanto, algo no modo com que ela encarava Robert que deixava Sophie perturbada. Algumas vezes surpreendeu Emma contemplando-o com um brilho estranho no olhar, e suspeitou instintivamente de que Emma dificilmente poderia ser posta de lado. E então aconteceu algo que passou a ocupar inteiramente os seus pensamentos...

Na véspera e durante todo o dia de Natal, os Kemble e seus convidados passaram o dia em família mas, à noite, sempre davam uma festa. Várias pessoas da aldeia foram convidadas, incluindo o veterinário local e sua mulher, alguns fazendeiros e suas mulheres. Até mesmo o vigário apareceu. Havia muito que comer e beber e as mesas, muito compridas, vergavam sob o peso de perus e galinhas ao forno, presunto e língua, tortas e empadões de todo tipo, providenciadas por Laura e pela sra. Forrest, sua empregada diarista. Um enorme bolo de amêndoas estava colocado ao lado de um pudim igualmente majestoso; havia também vinho, ponche e toda espécie de bebidas.

Sophie usava o vestido que seus pais lhe deram como presente de Natal. Era seu primeiro vestido longo, feito de veludo marrom e dava-lhe uma aparência extraordinária. Alguns dias passados na Espanha três meses antes tinham dourado sua pele. Como ela usava muito pouca maquilagem, com exceção de sombra nos olhos e um batom cor de abricó, o tom de sua pele combinava com o vestido. Seu cabelo estava comprido, mas felizmente aquela era a moda do momento. Quando ela se estudou ao espelho antes de descer, certificou-se de que sua aparência era adulta, e o olhar que Robert lhe lançou fez com que o sangue lhe corresse precipitadamente nas veias. Em seguida ele assumiu sua atitude habitual de afeto e tolerância e disse-lhe que daquele jeito todos os rapazes iam persegui-la. Não era exatamente isso que ela queria ter ouvido, mas conseguiu disfarçar com certa habilidade a inveja que sentia.

De vez em quando, no decorrer da noite, sentia os olhos de Robert postos nela, mas toda vez que se voltava para fitá-lo ele estava falando com mais alguém. Ele nem sequer a convidou para dançar, e ela disfarçou seu desapontamento, como sempre fazia, provocando Simon. Não que Simon se importasse. Ao contrário, quando ele a apertou junto ao peito na pista de dança, Sophie sentiu que ele não estava apenas fingindo apreciar aquele contato. Seu comportamento, obviamente, incomodou as outras garotas presentes, algumas mais velhas, como Vicky Page, a filha do veterinário, que se sentia atraída pelos dois enteados do médico. Já era bem tarde quando Sophie se deu conta de que Robert havia desaparecido, e seu coração começou a bater forte, enquanto ela procurava Emma. Mas Emma ainda estava lá, dançando com Harold Venables, um fazendeiro de Apsdale, e ela deu um suspiro de alívio.

Sua madrasta também percebeu que Robert não estava presente. Aproximou-se de Sophie e Simon e disse:

— Simon, seja bonzinho e dance com Vicky, sim? Há mais de uma hora que ela não tira os olhos de você. E você, Sophie, vá procurar Robert! Ele provavelmente está no estúdio de seu pai. Você sabe como ele se aborrece nessas reuniões.

Sophie abandonou a festa e foi até o estúdio. Claro que Robert estava lá, sentado na cadeira do médico, com os pés apoiados displicentemente no canto da mesa, lendo um manual de engenharia estrutural. Levantou os olhos assim que ela entrou na sala, ligeiramente incomodado.

— Sua mãe pediu que viesse à sua procura — disse Sophie, sentindo-se como uma intrusa.

Robert nem se incomodou em levantar e ficou lá, fitando-a com seus olhos cinza.

— É mesmo?

— Sim. — Sophie, muito insegura, ficou parada diante da porta. — Você vem nos fazer companhia?

— Acho que não, obrigado.

Voltou sua atenção para o livro, como se o assunto terminasse ali, e Sophie ficou aborrecida. Ele a dispensara sem sequer apresentar uma desculpa. Seu rosto assumiu uma expressão de determinação. Entrou no estúdio, fechou a porta e dirigiu-se até a mesa onde ele estava sentado. Quando Robert viu que ela estava parada diante dele, levantou novamente os olhos e disse resignadamente:

— Vá lá para dentro e divirta-se, Sophie. Estou me sentindo perfeitamente bem aqui. Não tenho a menor intenção de morrer de cansaço, quando tiver de guiar até Londres, amanhã de manhã.

Sophie olhou-o zangada e ao mesmo tempo preocupada, ao compreender que ele partiria dentro de algumas horas. Talvez se passassem alguns meses antes que ela o visse novamente.

— Não acha que está sendo um tanto desagradável? Fica aí sentado como uma prima donna temperamental!

Robert sorriu ao ouvir tais palavras; era um sorriso zombeteiro, que só fez aumentar sua indignação. Controlando o impulso de estapeá-lo, ela disse:

— Você nem mesmo dançou comigo!

— Há vários rapazes de sua idade que podem dançar com você. — ele observou. — Além do mais, Simon ficará mais do que satisfeito em lhe dar atenção.

Ao ouvir tais palavras Sophie descontrolou-se. Tirou o livro de suas mãos e jogou-o de lado, tentando ao mesmo tempo levantá-lo da cadeira. Ele, porém, resistiu, puxando-a para si e fazendo-a sentar-se em seu colo. Nesse momento beijou-a impetuosamente, deixando-a toda perturbada. Diante daquele assalto apaixonado, ela descerrou os lábios e passou-lhe a mão no pescoço, indo até a base, onde um tufo de pêlos espessos saía para fora do colarinho. Quando ele finalmente a soltou, suas pernas tremiam como geléia. O rosto de Robert estava pálido e conturbado. Murmurou uma desculpa ininteligível e deixou-a. Naquele momento ela compreendeu que daí por diante as coisas entre eles nunca mais seriam as mesmas.

Não voltou a ver Robert antes de ele partir para Londres. Tinha a intenção de levantar-se cedo na manhã seguinte, mas estava exausta e, quando finalmente desceu as escadas, Robert e Emma já tinham partido.

No fim da semana ele partiu para o Oriente Médio e ela voltou para a escola, sentindo-se mais deprimida do que antes.

Mas tudo aquilo se passara há dezoito meses. Durante aquele período Sophie amadureceu consideravelmente, e apesar de suas férias terem ocorrido em períodos diferentes das de Robert, ela se consolava pensando que ele estava dando um tempo para ela crescer um pouco mais. antes de envolver-se mais profundamente. Teve o bom senso de compreender que seus pais jamais encorajariam qualquer espécie de relacionamento entre eles enquanto ela ainda estivesse na escola. Agora, porém, terminara os estudos. Tinha seis meses diante de si para decidir se entraria ou não na universidade no ano seguinte, e durante esses seis meses...

Suspirou, levantando os ombros, em um gesto descuidado. Muita coisa poderia acontecer em seis meses, e dentro de uma hora voltaria a ver Robert. Deu as costas à janela do trem e deparou-se com o olhar de um dos soldados, cheio de admiração. Não havia como se enganar em relação à mensagem que ela lia em seus olhos e sentiu-se muito bem interiormente, pois percebia que era atraente. Certamente Robert sentiria o quanto ela havia mudado. Notaria o modo como seus seios haviam-se desenvolvido, a sua cintura delgada, a curva provocante de seus quadris. Laura havia prometido que durante aquelas férias ia lhe comprar roupas novas, apropriadas a uma jovem que conseguira nota dez em todas as matérias e deixava o colégio para sempre. Tinha a intenção de comprar vestidos longos, saias, calças, trajes que acentuassem sua feminilidade. Olhou novamente para fora da janela e percebeu que a estação de Hereford não estava muito distante. Graças a Deus estavam quase chegando! Olhou para seus pés. As duas malas estavam uma ao lado da outra, junto com uma pequena caixa que continha todos os seus livros. Passara um mau momento na estação de Paddington, em Londres, até que um carregador mais amável tivera pena dela. Colocou suas malas no carrinho e descarregou-as em um vagão da segunda classe, sem lhe cobrar nada. — Posso lhe dar uma mão?

Era um dos soldados. Entravam na estação de Hereford e Sophie preparava-se para desembarcar, sentindo uma ansiedade crescente.

— O quê? Ah, pode deixar, acho que vou conseguir sozinha — respondeu, um tanto impaciente. O jovem, porém, era persistente.

— Não é incômodo algum — insistiu, sacudindo a cabeça. — Vamos todos descer agora. Vem alguém encontrá-la?

Sophie lançou um olhar apressado para a plataforma, enquanto o trem diminuía a marcha.

— Acho que sim.

— Melhor para você!

Ela sorriu ao ouvir tais palavras. Com um solavanco o trem parou e ela abriu a porta.

Eles foram os primeiros a descer, enfrentando o ar carregado de umidade e cheirando a óleo diesel. Os dois soldados encarregaram-se de uma mala cada um e Sophie carregou apenas o pacote de livros. A gentileza de ambos distraíra sua atenção e ela vasculhava o bolso, à procura de um bilhete, quando uma voz máscula e pausada disse:

— Alô, Sophie! Que bom tornar a vê-la...

Sophie levantou os olhos, sentindo-se corar. Suas pernas tremiam incontrolavelmente. Ele não mudara em nada. Isto é, não mudara muito. Talvez estivesse um pouco mais magro e será que aqueles olhos cinza tinham um brilho tão frio? Sua pele queimada testemunhava os meses que ele havia passado em terras mais quentes; o cabelo era mais fino e caía-lhe sobre a testa. As pestanas eram longas, os ossos do maxilar bem delineados, os lábios definidos e livres de toda tensão. E como era alto; pelo menos dez centímetros mais alto do que ela! Usava jeans bem apertados, Uma camisa aberta no peito e parecia senhor de uma força e masculinidade perturbadoras. Apesar de tudo isso, percebeu que ele tentava controlar um sentimento de raiva. Por quê? Será que ele imaginava que ela tinha se envolvido com os dois soldados, que naquele momento trocavam olhares, indicando claramente que se arrependiam por terem oferecido ajuda?

Sophie lamentou a situação. Não era desse modo que ela havia planejado seu encontro. Esperara durante um ano que aquilo acontecesse. Não permitiria que ninguém o estragasse. Com uma resolução nascida do desespero, colocou o pacote no chão e ignorando todos que a rodeavam, caminhou na direção de Robert e rodeou-lhe o pescoço com os braços, colando seus lábios aos dele. Diante daquela atitude inesperada, Robert levantou automaticamente os braços para impedi-la de perder o equilíbrio, mas depois de alguns segundos a repeliu.

— Sophie! — murmurou zangado. Os dois soldados pousaram as malas no chão e, com um sorriso encabulado, afastaram-se. — Sophie, pelo amor de Deus!

Sophie não se arrependeu. A despeito de seu aborrecimento, os lábios de Robert haviam respondido por um breve momento aos seus, o que lhe bastou para convencê-la de que ele não lhe era indiferente. Sorriu, portanto. Era um belo sorriso, pleno de confiança, que trouxe a seus olhos verdes um brilho de felicidade.

— O que você esperava? — ela indagou em tom zombeteiro. — Que eu lhe apertasse as mãos?

Robert olhou-a com impaciência.

— Essa é toda a sua bagagem?

— Sim. — Então voltou a fitá-lo. — Não está contente em me ver, Robert?

Ele esboçou um gesto de irritação.

— Claro que estou contente em vê-la, Sophie. Aliás, eu já lhe disse. — Pegou as duas malas. — Você dá conta do pacote?

Sophie suspirou e levantou-o obedientemente.

— Claro que sim, obrigada.

Robert lançou-lhe novamente um olhar severo e saiu da plataforma dando largas passadas. Ela teve de apertar o passo para não perdê-lo de vista. Assim que saíram da estação, ele se encaminhou para o estacionamento. Lá fora estava ainda mais úmido e as nuvens baixas ameaçavam chuva. Sophie, entretanto, achava que era uma bênção estar novamente em casa.

Admirada, concentrou a atenção no automóvel.

— É novo, não é mesmo? Qual é a marca? Rolls-Royce?

— Não. Alpha Romeo — declarou Robert, colocando sua bagagem no porta-malas. — Pode entrar. A porta está aberta.

Sophie abriu a porta e acomodou-se no banco da frente, baixo, com encosto recurvado e apoio para a cabeça. O painel deixou-a fascinada e examinava os vários controles quando Robert abriu a porta e puxou o banco para frente. Imediatamente tudo o mais perdeu o interesse e ela pôs-se a imaginar qual seria sua reação se ela tentasse beijá-lo novamente. Era uma proposta tentadora e ela se voltou para encará-lo.

— E melhor você colocar o cinto de segurança — ele sugeriu brevemente, aparentando indiferença à sua inspeção. Sophie murmurou qualquer coisa, reprimindo o ímpeto de lhe dar uma resposta insolente:

— E um carro e tanto, não? Gostaria de saber guiar.

— Espero que seu pai lhe proporcione um curso, agora que você terminou a escola — ele observou calmamente, ligando o motor.

Abriu a janela e olhou para fora, manobrando com muita perícia para fora do estacionamento. — E, por falar nisso, parabéns. Ouvi dizer que você foi muito bem nos exames finais.

— Obrigada!

O sarcasmo de sua voz deve tê-lo atingido, pois ele franziu o cenho e disse:

— O que há? Não estava querendo ser paternalista. Acho que você agora tem uma boa oportunidade de entrar em Oxford,

não é mesmo?

— Não quero falar a respeito da escola e dos exames! Acabo de deixar tudo isso para trás! — Movimentou-se inquieta e voltou-se para ele, sedutora: — Como é que você vai, Robert? Há quanto tempo está em casa? E quanto tempo vai ficar desta vez?

Robert concentrou-se no trânsito congestionado da tarde mas, quando chegaram a um lugar menos movimentado, replicou:

— Estou bem. Há mais ou menos uns dois meses que estou de volta à Inglaterra. No momento trabalho ao norte de Gales. Estamos construindo uma ferrovia na região.

— É mesmo? — Sophie arregalou os olhos, — Que maravilha! Você pode vir para casa praticamente todo fim de semana.

— Nem sempre, Sophie — ele corrigiu-a secamente. — Tenho outros compromissos a atender.

Sophie procurou uma posição mais confortável, contemplando-o com olhar de suspeita. Ele era tão calmo e distante... Não conseguia aproximar-se dele, pelo menos mentalmente, e sua tentativa de fazê-lo no plano físico também não tinha sido muito bem-sucedida.

— Como estão todos? — ela indagou, tentando propositadamente ignorar seu ar distante. — Mamãe e papai vão bem? E Simon? — Forçou um sorriso. — Recebi uma carta de Simon na semana passada. — Enrugou o nariz. — Por que nunca escreveu, Robert? Achei que você o faria.

Robert ignorou sua última pergunta e disse:

— Nossos pais estão bem e Simon parece bastante contente em permanecer em Conwynneth, dando aulas para o

resto da vida.

— E por que não? Ele se sente feliz lá — comentou Sophie pensativa. — Ele não é uma pessoa inquieta. É bem diferente de você.

— É isso que eu sou?

— Entre outras coisas — ela respondeu com uma leve ponta de irritação. — E não é? Você não ficou contente com a perspectiva de permanecer em Hereford, não é mesmo?

— Ofereceram-me um emprego melhor, onde ganharia mais dinheiro e teria oportunidade de ver o mundo antes que fosse velho demais para gozá-lo. Não vejo nada de particularmente instável nisso. Não há dúvida de que você também se sentirá assim um dia.

— Não é verdade! — Como é que você sabe?

Sophie olhou através da janela do carro. Estavam deixando para trás os arredores da cidade e subiam pelas colinas. Embora o céu escurecesse, a paisagem diante deles era verdejante. Como era lindo o campo em Gales! Apesar de ter nascido em Londres, àquele era seu lar, sua herança.

— Eu não sou... muito aventureira — ela respondeu finalmente. — Sou muito agarrada ao lar. — Examinou as unhas. — Claro, se eu tivesse de me casar e... se o trabalho de meu marido o obrigasse a viajar para fora do país...

Fez-se uma pausa carregada de intenções e em seguida Robert disse abruptamente:

— E por falar nisso, Sophie...

Entretanto, ele não prosseguiu. O ribombar abafado de um trovão ecoou por entre as colinas e ele imediatamente percebeu como ela ficou tensa.

— As tempestades deixam você nervosa, não é mesmo? Não fique alarmada. Aqui no carro você está protegida.

— Eu sei. — Sophie tentou agir com naturalidade, apesar de estar assustada. — O que você estava dizendo?

Robert olhou-a de relance e seus lábios assumiram uma expressão curiosa. Então sacudiu a cabeça e disse algo inteiramente inesperado:

— Quem eram aqueles soldados na estação?

— Não os conhecia. Viajamos juntos desde Londres. Tivemos de ficar na traseira de um vagão, por falta de acomodação. — Pôs-se a sorrir. — Insistiram em carregar minhas malas. Não consigo imaginar por quê. E você?

A expressão de Robert suavizou-se um pouco.

— Pare com isso! — ele ordenou secamente. Nesse momento uma gota pesada de chuva abateu-se sobre o pára-brisa do carro. — Quer você goste ou não, aí vem chuva!

Dentro de alguns segundos estavam no meio de uma chuva torrencial e nem mesmo os eficientes limpadores de pára-brisa puderam dar um jeito na situação. Os relâmpagos riscavam o céu com um brilho que iluminava artificialmente as colinas e o ribombar ensurdecedor de um trovão parecia estar a ponto de explodir ao lado deles. As palmas da mão de Sophie ficaram úmidas de medo. Subitamente Robert dirigiu o carro para o acostamento forrado de grama. Desafivelou o cinto de segurança e desligou o motor.

— É inútil prosseguir nessas condições — explicou, ao sentir a indagação muda em seus olhos. — Está uma verdadeira inundação, mas não vai durar muito. É somente uma tempestade de verão. A esta altura você já deveria estar acostumada.

— Eu sei. Sou uma tola. — Ela tremia, ao afrouxar o cinto, e voltou-se para ele. Ele se mostrava absolutamente distante e mesmo assim ela teve de resistir ao impulso de acariciar-lhe o rosto. — Bem, pelo menos isto nos dá tempo de conversar — disse, quase sem poder respirar. — Você agora pode dizer aquilo que tinha a intenção de contar.

— Sim. — Robert inclinou-se e tirou um cigarro do maço, colocando-o na boca com um gesto ausente. Acendeu-o e recostou-se no assento, respirando profundamente.

Depois, voltou-se para ela e seu olhar estava carregado de intenções. O trovão ribombou mais uma vez e o sangue voltou a correr rápido nas veias de Sophie. A atitude de Robert não ajudava nada. Ela tinha plena consciência da tensão reinante entre ambos e pôs-se a imaginar se era isso que estava endurecendo sua expressão. Olhou para os joelhos e notou que seus movimentos inquietos haviam feito afrouxar dois botões da blusa que, como todas as roupas que usava na escola, estava ficando apertada demais para ela. Ficou com o rosto em brasa e seus dedos apressaram-se em dar um jeito nos botões, mas tremia tanto que não conseguiu. Sentia-se cada vez mais emocionada, e as lágrimas afloraram-lhe aos olhos. O que havia com ela? O que havia com ele? O que acontecera com a afinidade que existia entre ambos?

Robert cansou-se de contemplar sua falta de jeito, pôs o cigarro entre os lábios e ele mesmo ajeitou os botões. Enquanto isso, parecia que o mundo explodia em torno deles. Um raio atingiu uma árvore a apenas alguns metros de distância, fendendo seu tronco de alto a baixo. Os trovões ribombavam com uma intensidade violenta e a chuva, que caia como uma grande cortina, encobria tudo que não estivesse imediatamente próximo a eles.

Sophie tremia descontroladamente e Robert, praguejando, puxou-a para junto dele, passando os braços por suas costas e pressionando-a contra seu corpo quente e rijo.

— Acalme-se — exclamou, tirando o cigarro da boca e apertando-o de encontro ao cinzeiro. — Vai acabar dando tudo certo. Acredite em mim!

— Desculpe, Robert — ela murmurou. — Mas é que eu odeio tempestades. Não fique zangado.

— Não estou zangado — ele replicou exaltado, afastando-se para contemplá-la. — Deixe-me dar um jeito nesses botões.

Ela o contemplou enquanto seus dedos cumpriam a tarefa a que ele se propusera. Quase contra sua vontade seus olhos cruzaram com os dele. Ele a contemplou durante um bom momento e então ela pousou suas mãos sobre as dele, detendo sua atividade e segurando-as bem próximo a ela.

— Sophie! — ele protestou debilmente, tentando afastar-se, mas ela sustentou o olhar e, avançando, colou sua boca à dele. Ele resistiu durante alguns momentos carregados de tensão e então seus dedos penetraram em sua blusa, agarrando aquela carne firme, puxando-a para junto de si com uma ansiedade quase desesperada. Agora ele tremia e seus lábios procuravam os dela. Sophie se esqueceu do temporal. Seus braços cingiam o pescoço de Robert, tocando a pele macia de seus ombros, e seus dedos enredavam-se nos pêlos negros que lhe rodeavam o peito. Era exatamente com isso que ela tinha sonhado. Era naquela situação que ela desejava estar, durante todos aqueles meses em que cumpria seus deveres escolares, prestando exames e fingindo que desfrutava da vida social que se desenrolava em torno dela no ginásio. Lá havia rapazes, pois a escola era mista. No entanto, o relacionamento de Sophie com os rapazes permanecera em um plano puramente platônico e nenhum deles despertara nela o menor interesse. Agora, bastava que visse Robert e o tocasse para sentir que algo dentro dela derretia... Finalmente ele a repeliu, ofegante, procurando um cigarro e acendendo-o sem aquela precisão que exibira antes. Aspirou profundamente e em seguida, apoiando a cabeça no assento, disse:

— Oh, meu Deus! — como se estivesse zombando de si mesmo.

Sophie levou a mão à garganta e retirou a gravata do uniforme, que parecia absolutamente deslocada depois do que acabara de ocorrer. Dobrou-a e colocou-a no bolso do blazer. Em seguida abotoou a blusa e colocou-a para dentro da saia antes de voltar a olhá-lo.

— Robert... — falou, mas ele sacudiu a cabeça.

— Não diga nada — ele ordenou, voltando a dar uma tragada. — Não diga nada. Dê-me apenas um minuto para pôr os pensamentos em ordem. — Soltou a fumaça, inquieto. — Eu sabia que não devia ter deixado seu pai persuadir-me a vir a seu encontro.

— Persuadi-lo? — Sophie pôs-se a fitá-lo. — Você precisava de tanta persuasão?

Ela parecia estar magoada e ele sacudiu a cabeça impacientemente.

— Não, acho que não. Meu Deus, Sophie... você é minha irmã...

— Meia-irmã — ela o corrigiu no ato.

— Está certo, está certo, minha meia-irmã. — Robert passou a mão no cabelo, olhando a chuva, que não cessava de cair. — Mesmo assim, você sabe que isso é... é ridículo!

— Ridículo? — Sophie sentiu-se insegura. Durante um breve momento confiara que tudo daria certo, mas agora... — Por que é ridículo?

— Não seja ingênua, Sophie! — Ele continuou a fumar impetuosamente. — Olhe, vamos deixar este assunto perfeitamente esclarecido, viu? A última vez que... que estivemos assim foi naquele Natal, há uns dois anos, quando eu... bebi muito e...

— Não é verdade!

— É verdade, sim, Sophie! Que outra razão deveria haver para o que aconteceu?

— E o que aconteceu agora?

— Bem... agora... — Passou o dorso da mão em sua fronte porejada de suor. — Sabia que não devia ter vindo. Sabia... ou pelo menos adivinhava a que emoções você se entregou após aquele incidente entre nós.

— Incidente?

— Sim, incidente, Sophie. Meu Deus do céu, que outro nome você espera que eu dê a isso? Você não tem a menor noção de meus sentimentos depois... depois que a toquei. Eu fiquei mal... fiquei realmente mal do estômago, sabe? Eu, um homem supostamente maduro e sensato, de vinte e oito anos, beijando uma garota de dezesseis...

— Não foi assim que a coisa aconteceu — ela negou, um tanto desesperadamente.

— Foi, sim, foi exatamente desse jeito. — Ele levantou os olhos para o céu. — Eu me desprezei profundamente.

— E você agora se despreza?

Ele voltou à cabeça a fim de contemplá-la.

— O que você acha?

Sophie deu de ombros, em um gesto de impotência, sentindo que as lágrimas queimavam-lhe os olhos.

— Não sei o que pensar.

— Não sabe? — Robert parecia sentir prazer em atormentá-la. — Meu Deus, Sophie, você sabe o que acaba de fazer? — Ele deu uma risada sombria. — Você é linda. Isto não é desculpa, bem sei, mas ajuda a explicar.

— Ajuda mesmo?

— Oh, pare com isso — ele murmurou, endireitando-se e comprimindo o cigarro no cinzeiro. — Você sabe muito bem o que fez, tão bem quanto eu. Você tem plena consciência do que levou aqueles dois soldados a oferecerem-se para carregar suas malas. Antes eu não tinha me dado conte da ameaça que você significa.

— Pare de me magoar.

— E por quê? Você não parece se importar a quem magoa, não é mesmo? Oh, Sophie, deixe de lado esse ar trágico! — Ele gradualmente recuperava o humor. — Muito bem, peço desculpas por aquilo que aconteceu. Acho que foi minha culpa.

— Não fale assim.

— Está certo, se você não quer desculpas, não as apresentarei. Sinto muito. Já estava esquecendo que vivemos em uma sociedade muito permissiva!

Seus dedos golpearam-lhe o rosto e ela ficou horrorizada contemplando as marcas que surgiram em sua pele queimada de sol. Prendeu a respiração.

— Oh, Robert! — exclamou, começando a chorar. — Desculpe... Robert aspirou profundamente e fez uma pausa.

— Tudo bem, Sophie — disse em tom firme. — Olhe, acho bom começarmos tudo de novo, viu? Você se livrou de todo esse emocionalismo e eu me permiti... bem, não quero mais tocar nesse assunto. Talvez seu pai tivesse razão. Talvez eu devesse mesmo vir a seu encontro. Para acabar de uma vez por todas com essa tolice...

— Meu pai? — Sophie enxugou os olhos com a manga do blazer. — O que meu pai sabe a respeito disso tudo? O que você quer dizer com isso?

Robert suspirou.

— Naturalmente eu lhe contei o que tinha acontecido.

— Você... não é possível!

— E por que não? Meu Deus, Sophie, quantas vezes mais será preciso lhe dizer? Eu estava enojado comigo mesmo. Precisava fornecer uma justificativa para não voltar para Penn Warren enquanto você estivesse lá.

— Mas... mas havia aquele emprego no Oriente Médio...

— Não havia emprego algum. Ou pelo menos nada que durasse dois meses. Eu tive de contar a ele. Sentia-me envergonhado...

— Envergonhado! — Sophie balançou a cabeça de um lado para o outro. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo, sobretudo depois de ele tê-la beijado daquele jeito... — Oh, Robert, jamais o perdoarei!

— Não estou pedindo seu perdão! Estou apenas tentando mostrar-lhe como as coisas realmente são. Não quero que você continue a imaginar que o que aconteceu naquele Natal... fosse além de um impulso de momento...

— Mas não era, não! — ela disse chorando. Robert sacudiu a cabeça resigna da mente.

— Não, Sophie. Pensei que você fosse mais madura. Eu fui sua primeira experiência, mas o contrário certamente não é verdade! E foi apenas isso, Sophie.., uma experiência.

— Para mim, não — ela declarou soluçando. — Oh, não sei como você pode dizer uma coisa dessas depois do que aconteceu.

— Oh, meu Deus, Sophie! Sou apenas humano. Você provocou o que aconteceu e sabe muito bem disso. Não me orgulho disso, mas como é que poderia saber que... — Ele interrompeu-se e fez um gesto de impaciência. — Eu queria apenas tranqüilizá-la, por causa da tempestade. Já a tranqüilizei antes, lembra-se? Se bem me lembro, você veio uma vez a meu quarto no meio da noite, por causa de uma tempestade. Aquela época você tinha uns oito anos. Estava aterrorizada. Deixei-a ficar comigo, abracei-a, exatamente como fiz agora. O que aconteceu mais tarde não foi provocado por mim.

— Você é odioso! — ela exclamou com voz abafada. — Nunca imaginei que você pudesse ser tão... tão cruel, Robert.

Robert voltou a passar a mão no cabelo com uma veemência que denotava sua frustração. Contemplou a tempestade e soltou um murmúrio de alívio ao notar que finalmente a chuva amainava e que um arco-íris se formava por cima do lago, mais adiante, no vale. Ligou o motor, suspirando de satisfação, saiu do acostamento e voltou à pista inundada de chuva, controlando os pneus enlameados a fim de que não escorregassem.

— E melhor você se arrumar — comentou brevemente, enquanto começavam a descer para o vale. Conwynneth surgiu logo depois que dobraram uma colina e já era possível distinguir os telhados cinza dos bangalôs que rodeavam a praça principal — Ou será que você quer explicar a todo mundo o que aconteceu?

Sophie vasculhou o bolso, procurando a gravata. Comprimiu os lábios fortemente, enquanto passava a gravata em torno do colarinho e a ajeitava. Sentiu-se perturbada, totalmente incapaz de encarar o confronto com a família. Todas as esperanças e fantasias relativas a Robert tinham ficado abaladas durante aquela meia hora e a última coisa que ela desejava no mundo era ter de dar explicações desnecessárias. O que queria na verdade era refugiar-se em algum lugar e ficar escondida até que suas feridas não a magoassem tanto.

 


 



  

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