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Capítulo IV



Capítulo IV

 

       Era Oliver Lynch.

       Mesmo sem poder vê-lo com muita clareza, Fliss sentia que só podia ser ele. Era algo que ela não conseguia entender. Uma intuição que Fliss não gostaria de admitir.

       Por que Oliver tinha aquele efeito sobre ela, Fliss não tinha a menor noção. A conversa que tinham tido no terraço de Sutton Grange a tinha deixado com a impressão de que Oliver saberia ser educado e amável se a ocasião assim o exigisse.

       E agora, ali estava ele, invadindo o único lugar que lhe dava uma sensação de paz indescritível.

       Usando calças e camisas pretas, botas estilo caubói, ele se aproximou de Fliss, percebendo como a havia deixado desconcertada.

       Oliver parece estar sozinho, Fliss pensou, olhando rapidamente ao redor e percebendo que a mulher chinesa não estava por ali. Onde estaria? Na mansão? E por que ele não estava dirigindo a Ferrari, já que o carro parado em frente à igreja deveria ser, com certeza, dele?

       No mesmo instante, todas aquelas perguntas pareciam não ter a menor importância. Tudo o que se relacionava com ele, desde o comprimento de seus cabelos até a sensualidade de seus lábios, faziam-na sentir estranhas emoções.

- Olá– Ele disse, fazendo com que Fliss se perguntasse se ele a havia reconhecido no mesmo instante que a vira, como tinha acontecido com ela.

Provavelmente não, ela concluiu. Ele deve ter consciência do efeito que causa nas mulheres.

- Olá... – Fliss respondeu, sentindo-se envergonhada por não ter nada nas mãos... um vaso, quem sabe... que pudesse dar-lhe motivos para estar ali. Ela odiaria que Oliver pensasse que o estava seguindo.

- Você estava certa – ele murmurou, aproximando-se dela.- Esta igreja realmente é muito bonita, fico feliz que tenha comentado comigo sobre este lugar.

Fliss respirou fundo, antes de tentar dizer alguma coisa que parecesse mais sensato.

- Nós gostamos daqui... a srtª Chen está com você? Não vi o carro dela...

- Meu carro está lá fora – Oliver respondeu. Rose não está comigo. Eu vim sozinho de Londres.

- Oh...- Fliss deixou escapar. Ela já tinha ouvido falar que a meio-irmã de Robert havia encontrado um apartamento em Londres e que pretendia ficar por lá enquanto estivesse na Inglaterra. Obviamente, não era muito prático para ela ficar hospedada num hotel. Além do mais, Robert havia dito que as pessoas hospedadas em hotéis costumavam estar mais em guarda, do que quando moram na própria casa.

E agora, ao ouvi-lo dizer que havia viajado sozinho de Londres até ali confirmou que eles estavam obviamente juntos. E por que não?

- E aquela porta leva à sua casa, não é?- Oliver indagou, apontando para uma porta lateral.

Fliss ficou tão aliviada por ele não feito nenhum comentário mais intimo, que assentiu vigorosamente.

- Ali é a casa do vigário... meu pai. É muito velha, mas não tanto quanto a igreja.

- Então seu pai é o pároco em Sutton Magna?

- Aqui, em Sherbone e Eryholm- ela acrescentou, esboçando um sorriso.- Parecem cidades grandes, mas não são. Sutton Magna é a maior delas.

Oliver também sorriu e deixou entrever dentes brancos e perfeitos. O sorriso demonstrou personalidade e trouxe um charme irresistível a seu rosto, fazendo com que Fliss sentisse um calafrio percorre-lhe a espinha.

- Suponho que passe muito tempo aqui dentro...- ele disse.- e também sei que trabalha como uma espécie de... secretária para seu pai, não?

Fliss ficou curiosa por saber como Oliver havia descoberto aquilo. Não teria sido Robert, com certeza, já que eles não haviam trocado sequer uma palavra civilizada.

- Bem... minha mãe morreu- Fliss admitiu relutantemente.- ela morreu quando eu ainda estava na faculdade.

- Por isso voltou pra casa pra cuidar do pai. – Oliver completou, dando um passo atrás para sair do caminho de Fliss. Se ela quisesse se aproximar do altar teria que passar por ele.

- Papai sofreu muito com a morte dela- Fliss continuou, aliviada por poder manter o assunto numa esfera menos impessoal do que para satisfazer a curiosidade dele.- Ela... ela era ainda muito nova e um clérigo precisa de uma esposa para ajuda-lo...

Oliver assentiu, fitando-a longamente.

- E o que ele vai fazer quando você se casar com Hastings?- perguntou, fazendo com que Fliss estremecesse.

- Nós vamos morar na vila quando casarmos. Sendo assim... não haverá problema nenhum – ela respondeu, recusando-se a ser mais específica. Não era da conta de Oliver que havia muitas mulheres no vilarejo sempre à disposição do pároco para qualquer tipo de ajuda. Nem que uma, em especial, de Eryholm, estava só esperando que o padre lhe pedisse uma ajuda.

- Tenho a impressão de que Hastings não aprecia muito o que faz – Oliver observou, casualmente.- Ou seria uma maneira de impedir que outros homens se aproximem de você? Homens que poderiam criar algum tipo de problema...

Fliss respirou fundo.

- Eu não sei onde está querendo chegar.- ela retrucou, achando que aquela conversa já tinha ido longe demais.- Se me der licença... preciso ir ver se a sra. Rennie está na sacristia.

Oliver não se moveu.

- Ela não está.

- Como sabe?

- Porque não há mais ninguém por aqui. Receio que ela tenha esquecido o compromisso com você... se é que tinha algum.

- A sra. Ronnie me pediu que a ajudasse com as flores – Fliss declarou rapidamente, não muito longe da verdade. Na realidade, ela havia se oferecido para ajudar a mulher. Mas a julgar pelos vasos que estavam dispostos pela igreja, Fliss percebeu que chegara um pouco tarde.

- Bem, me parece que a velha mulher já esteve por aqui e se foi. – Oliver murmurou, olhando ao redor.

- Como sabe que ela é uma velha?- Fliss perguntou, se afastando de Oliver.

- Porque me parece obvio que uma pessoa da sua idade não iria pedir esse tipo de ajuda.- ele retrucou, esboçando um sorriso.- por que não aproveita e me leva pra conhecer a igreja?

- Eu não tenho tempo – Fliss tratou de responder, ignorando o sorriso.

- Não? E o que me diz do tempo que estava preparada para passar ao lado da sra... como é mesmo o nome dela?Ah, sim...sra. Rennie? Oh, Fliss, o que seu pai diria se soubesse que anda mentindo?

Fliss respirou fundo, desejando pôr um ponto final naquele encontro. Estava claro que Oliver apreciava deixa-la embaraçada, mas ela não estava gostando.

- Tenho certeza de que você é perfeitamente capaz de olhar a igreja sozinho. – Fliss respondeu, ajeitando os cabelos.- Só porque a mulher com quem vive tem uma relação mias... cordial com meu noivo, não lhe dá o direito de imaginar que acontecerá o mesmo com você. Não sei o que está fazendo aqui, sr. Lynch e nem quero saber. Nós não temos nada em comum e gostaria que entendesse isso de uma vez por todas.

- Ei!- Oliver gritou, levantando as mãos em defesa.- e eu, por acaso, disse que espero alguns privilégios?

- Não.- Fliss mordeu o lábio inferior, incapaz de acreditar no que tinha acabado de dizer..- mas não pode negar que esperava que eu fizesse um pouco mais...cordial com você.

- Cordial? – Oliver indagou e Fliss teve a impressão de que, intimamente, ele devia estar rindo dela.

E por quê não, ele se perguntou. Ela tinha agido como uma verdadeira dama da era vitoriana!

- Eu... bem... Eu não sei como as pessoas costumam agir lá onde você vive, mas nós por aqui somos mais...-Fliss procurou pelas palavras certas por alguns segundos.- Nós somos mais conservadores.

- Acredito que sim.- Oliver balançou a cabeça.- Mas gostaria de saber de onde pensa que eu venho. O que há de errado em ser um pouco amigável? Não estou sugerindo que façamos sexo aqui no altar!

Fliss engoliu em seco, e ao perceber que tinha ido longe demais, Oliver pigarreou.

- Eu... sinto muito – ele murmurou e Fliss, curiosamente, acreditou nele.- Eu não sou sempre assim... Acho que você me fez agir dessa maneira.

- Eu?!

Fliss sentia o coração bater apressado e começou a respirar pausadamente ao perceber que Oliver havia se aproximado demais.

Oliver fitou-a por alguns instantes.]

-Está com medo de mim, Fliss?

- Não...

- Mesmo? Mas também não se sente muito feliz pela minha companhia, não é?

- Eu mal o conheço, sr. Lynch – ela protestou, desejando que a sra. Rennie aparecesse de repente, colocando um ponto final naquela situação desesperadora. – Se não se importa, preciso ir agora. Meu pai está esperando pelo chá.

- Oliver... meu nome é Oliver. – ele repetiu. – O mínimo que tem a fazer é me chamar assim, já que eu a chamo de Fliss.

- Eu não lhe pedi para me chamar assim – ela retrucou, arqueando a sobrancelha.

- Não. Mas de onde venho nós não somos tão formais. Somos simpático com estranhos, acredite ou não. Não acusamos ninguém... muito menos expulsamos alguém de dentro de uma igreja.

- Mas eu não...

Fliss achou melhor ficar quieta, ao perceber que seu rosto ficara inteiramente corado. No fundo, queria que o chão se abrisse e que caísse dentro dele. Tudo o que Oliver dissera era verdade, e, apesar de saber que Robert jamais aprovaria aquele encontro, Fliss não tinha nenhum motivo para trata-lo mal.

Exceto a maneira como reagia à sua proximidade...

- Eu... eu sinto muito que pense que somos grosseiros.

- Vocês?- Oliver indagou. – mas não existe vocês! O problema é somente você...srtª Hayton. Não há mais ninguém!

- Eu sinto muito – Fliss murmurou, hesitante.

- Sim... você sente – Oliver murmurou, em tom irônico. – me perdoe se eu não acredito.

Fliss apertou os lábios.

- Por que veio até aqui, sr. Lynch?

- Porque senti vontade.- Oliver encolheu os ombros.- É suficiente pra você?

Fliss assentiu.

- Porque sentiu vontade...

- Certo. - Oliver levou as mãos ao pescoço, massageando- Eu queria sair um pouco da cidade, é mais simples do que possa pensar.

Fliss balançou a cabeça.

- E o que vai fazer, quando for embora? Voltar à cidade?

- Pode ser.

- Não vai até a casa dos Hastings?

- Não.

- Então... gostaria de tomar uma xícara de chá comigo e meu pai? Não é nada especial. Só sanduíches, bolo, alguns biscoitos... e a sra. Neil, a empregada de papai, deve ter assado alguns pãezinhos e ...

Fliss interrompeu o que estava dizendo, ao perceber a maneira como Oliver a olhava.

- Chá?- ele indagou – está falando sério?

- E porque não?

- Por que não? Há cinco minutos você estava me tratando com um... bandido. O que a fez mudar de idéia?

- Hmmm... você. Tenho certeza de que Rob gostaria que eu fosse hospitaleira.- Fliss levantou a cabeça, endireitando os ombros.- E então? Vai se juntar a nós?

- Vamos deixar uma coisa bem clara: Eu não acho que... Rob se preocuparia se você me furasse os olhos!- Oliver levou as mãos aos olhos.- Mesmo assim estou feliz pelo seu convite e vou aceita-lo.

Fliss olhou em direção ao altar, preocupada com que Robert diria quando soubesse o que acabara de fazer.

- Então, vamos por aqui – ela disse, começando a caminhar na frente de Oliver. De repente, Fliss sentiu que Oliver a olhava atentamente, de cima a baixo, mesmo sem se virar.

Ao sair da igreja, sentiu-se aliviada com o vento morno batendo-lhe no rosto e por não estar mais entre quatros paredes com aquele homem tão perturbador.

       Esses túmulos me parecem muito antigos – Oliver comentou, ao passarem pelo cemitério que havia nos jardins da parte de trás da igreja, apontando para as lápides de mármore.

- E são – ela respondeu.- Não são muitas pessoas que são enterradas aqui, ultimamente. Os poucos túmulos, mais recentes, ficam do outro lado do cemitério. As lápides datam do século dezessete. Alguns destes mortos foram vitimas da grande praga.

- Vitimas da grande praga...- Oliver repetiu, pensativo. – foi um pouco antes do grande incêndio que atingiu e destruiu metade de Londres?

Fliss ficou surpresa.

- Você também se interessa pela história da Inglaterra?

- Já fui interessado – Oliver respondeu.- quando estava estudando direito, pesquisamos vários aspectos legais britânicos e fiquei muito curioso com essa parte da história. Algumas de nossas leis surgiram nesta época e me ajudou muito saber por que elas haviam sido inventadas aqui.

- Você é advogado?

- Não mais. – Oliver respondeu, desviando o olhar.

- O que quer dizer?

- Significa que eu deixei de ser advogado – ele respondeu, abrindo o pequeno portão que dava acesso à casa de Fliss.

O pai de Fliss estava sentado na varanda, examinando o rascunho do artigo que estava escrevendo para o jornal local. Ele levantou os olhos, visivelmente surpreso ao ver a filha acompanhada por um homem estranho. Colocou os papéis de volta na mesa, levantou-se e fitou o homem por alguns instantes.

Fliss encontrou uma certa dificuldade em fazer as apresentações.

- Papai... este é o sr. Lynch. Ele está acompanhando a meio-irmã de Robert, de Hong-Kong, e ... estava visitando a igreja, quando nos encontramos lá. Eu o convidei para o chá. Sr. Lynch, este é o meu pai, reverendo Matthew Hayton.

- Muito prazer, senhor – Oliver cumprimentou-o educadamente, segurando a mão do velho homem. – Espero não estar atrapalhando em nada.

- Não tem problema – o pai de Fliss retrucou, impressionado pela cortesia do americano.- Nós não costumamos receber muitos estranhos por aqui, mas devo confessar-lhe que gosto muito quando aparece alguém diferente.

- Eu também. – Oliver observou, enquanto Fliss entrava na casa, a fim de dizer a sra. Neil que tinham visita. – o senhor tem muita sorte por poder viver num local tão encantador.

- Eu também acho. – o reverendo concordou, apontando uma cadeira para Oliver.- Será que entendi direito, sr. Lynch, quando Felicity disse que mora em Hong-kong? Deve ser um lugar muito diferente daqui...

- É sim. Mas prefiro que em chame de Oliver. Fliss, quero dizer, Felicity... estava me mostrando o cemitério atrás da igreja. Acho que pela idade das pedras dos túmulos posso ter uma idéia do quanto esse lugar é antigo.

Quando voltou, trazendo uma bandeja, Fliss percebeu que seu pai e Oliver conversavam animadamente sobre os fatos históricos do local. Seu pai era um historiador autodidata e adorava quando encontrava alguém com que pudesse discutir sobre um assunto que dominava com maestria.

- Acho que é por isso que as famílias proprietárias de terras, estão cada vez mais vivendo nas cidades, procurando empregos...

- Sei que deve parecer um absurdo- Oliver retrucou, levantando-se e só voltando a se sentar novamente depois que Fliss o fez.- Mas os jovens agora não estão mais interessados em passar quatorze, quinze horas por dia com a enxada na mão. Preferem ir pra cidade e só voltam pra casa nos finais de semana. Eles se sentem enfadados ao voltar pra casa. Sei disso porque já vi muitos jovens desse tipo no tribunal. Eles pensam que morar na cidade é o grande sonho americano.

- No tribunal?- o pai de Fliss exclamou com interesse. Depois, ao perceber que havia ignorado a volta da filha, ele fez um gesto de desculpa.- Deve me perdoar, minha querida, mas é tão difícil ter alguém para conversar sobre minhas idéias... Você sabia que Oliver estudou Direito em Harvard? E sabe tudo sobre o sistema feudal e leis.

- Não tanto assim – Oliver retrucou.

Fliss percebeu que o pai estava realmente interessado em Oliver e não ficou ressentida, afinal, há muitos anos que ela não via aquele brilho nos olhos do pai e ele não se animava tanto com uma conversa.

A sra. Neil se juntou a eles, do outro lado da mesinha, trazendo sanduíches, bolo e alguns pãezinhos ainda quentes.

-Devem estar deliciosos – Matthew observou, como sempre fazia.

- Há mais chá lá dentro, reverendo – ela murmurou. – Fliss, você poderia ir até lá para pegar? Me poupará as pernas, que já estão um tanto quanto cansadas.

- É claro.

Fliss pegou o bule e voltou, servindo Oliver. Suas mãos tremiam e ela teve certeza de que ele sabia perfeitamente o estado em que se encontrava. Era estranho como Oliver estava se sentindo à vontade. Como se ele pertencesse àquele lugar.

- Você disse que vai voltar pra casa? Creio que sua casa seja nos Estados Unidos, não é?

- Sim – Oliver respondeu e, apesar de Fliss fingir não estar interessada na conversa, não consegui evitar seu coração de recomeçar a bater apressado. – Virgínia – ele murmurou, recostando-se na cadeira.

- Virginia...- Matthew repetiu.- É claro que sabe que esse nome foi dado à este estado depois da morte de nossa primeira rainha, Elizabeth, a virgem, como ficou conhecida. De que parte você é?

- Do sudeste – Oliver respondeu. – uma pequena cidade chamada Maple Falls. Conhece?

- Receio que não – matthew respondeu, levantando a xícara para que sua filha he servisse o chá. – Além de Richmond, que é a capital e Chesapeake Bay, não conheço mais nada. Como deve saber, nunca estive nos estados Unidos. Tudo o que sei, é pelos livros e jornais.

- Deve ir pra lá um dia- Oliver disse, olhando pra Fliss.- Você também... Felicity – ele acrescentou.- talvez consiga convencer Robert a passar a lua-de-mel nos Estados Unidos.

- Acho que não.

- Não. Acho que Robert é mais do tipo de escolher Bermudas – o reverenso falou, com um sorriso. – sei que lá tem vários cursos para se aprender a jolgar golfe e o meu futuro genro é um fanático por golfe.

- Papai!

Fliss sentiu o rosto enrubescer violentamente.

- É mesmo? – Oliver indagou.

- Sim! – o reverendo insistiu.- eu sempre disse que ele passa mais tempo nos campos de golfe do que no escritório. Não sei o que vai acontecer a Hastings agora que o pai morreu. Sem a presença marcante e brilhante do pai, as empresas logo irão a falência.

-  É isso mesmo que pensa? – Oliver perguntou, intrigado.

Fliss, que havia percebido que o pai não pararia mais de falar, colocou o prato de sanduíches à sua frente, torcendo para que o interesse pela comida fizesse com que mudasse de assunto. Mas Matthew Hayton estava tão acostumado a conversar com pessoas que nunca tinham nenhum motivo obscuro para esconder, que não lhe ocorreu que Oliver Lynch pudesse ter um.

- Receio que sim. – o velho homem assentiu, aceitando o sanduíche que a filha lhe estendera. – Tenho certeza de que sua noiva sabe de todos os problemas que irão enfrentar.

- Rose Chen não é minha noiva.- Oliver corrigiu-o- Mas está certo ao afirmar que as empresas estão atravessando algumas dificuldades. Suponho que Rob... não tenha mencionado nada ao senhor.

- É claro que não! – o reverendo exclamou, rindo. – duvido que Robert saiba onde começa e termina o balanço de uma empresa. Talvez o aparecimento da srta. Chen tenha sido uma providência. Acho que ela estava envolvida nos negócios de Hastings lá em Hong-kong, não é?

- Sim – Oliver respondeu, pensativo. – Então acha que Robert não gostou desta demonstração de confiança em Rose Chen?

- Bem... se Hastings agiu assim é porque ele tinha seus motivos- o pai de Fliss declarou, tomando um gole de chá.

- Se me derem licença...- Fliss falou, levantando-se e entrando em casa.

 

A sra. Neil tinha saído, deixando a comida pronta para ser somente colocada no forno para esquentar. Um outro bule de chá estava sob o fogão, para o caso de uma necessidade, mas Fliss nem se preocupou. Pegou os saquinhos de chá que já tinham sido usados e jogou-os no lixo. Ela precisava de alguns instantes para pensar. Não era só o tempo que a fazia sentir calafrios.

       Quando enfiou as mãos embaixo da torneira, percebeu que não estava mais sozinha. Ela não sabia como tinha certeza disso, mas sentiu que o ar, de repente, ficara mais morno. Quando olhou pra trás e viu-o, Fliss não conseguiu disfarçar que estava surpresa, pois a respiração se alterara e o coração novamente começava a bater mais rápido.

       Passando a língua pelos lábios secos, ela continuou com as mãos na água fria, molhando vigorosamente os pulsos.

- Sim?

- Eu trouxa a bandeja – ele disse.

- Oh... obrigada – Fliss murmurou- Coloque-a em cima da mesa.

Fliss ouviu o barulho da bandeja sendo colocada, mas não ouviu os passos de Oliver saindo da cozinha.

Ele não pode ficar aqui!, ela pensou desesperada.

Oliver não podia, principalmente porque o reverendo sabia onde ela estava. E que desculpa Oliver poderia dar, para estar ali, conversando com ela, quando Matthew Hayton era uma pessoa tão maravilhosa pra se conversar?

- Gosto do seu pai. – Oliver disse, de repente, assustando-a.

Fliss estivera tão preocupada em ouvir os passos de Oliver para longe dali, que nem se dera conta de que ele se aproximava ainda mais.

- Eu também – ela murmurou, secando as mãos.- espero que você não leve a sério o que papai disse. Robert não é tão inútil quanto papai pensa.

- Pode ficar tranqüila. Além do mais, gostaria de voltar aqui. Portanto, não farei nem direi nada que possa faze-la mudar de idéia.

- E por que você iria querer voltar aqui?

- Por que acha?- Oliver indagou, fitando-a estranhamente.

“ Meu Deus! Se ele me tocasse agora...”

- Eu acho... – Fliss sentiu a boca seca.- Acho que é melhor ir, sr. Lynch. Não sei o que quer conosco, mas está perdendo seu tempo.

- Estou mesmo?

Oliver se aproximou perigosamente de Fliss e, com a ponta do dedo, tocou-a no braço.. – E se eu lhe disser que não penso nisso?

Fliss sentiu-se em pânico. Um frio percorreu-lhe a espinha, fazendo-a sentir as pernas bambas, quando ele a segurou pelo pulso.

- O senhor está sendo... impertinente, sr. Lynch – ela esforçou-se por parecer natural. – Sugiro que me deixe ir, antes que meu pai apareça.

- Oh, mas eu não acho que ele não vai fazer isso. – Oliver parecia estar confiante no que dizia.- Quando eu o deixei, ele estava cochilando. Se eu não a conhecesse, seria capaz até de dizer que colocou algum veneno no chá de seu pai.

- Você não...

- Não, eu não fiz isso. – Oliver pareceu realmente ofendido.- Pelo amor de Deus, quem pensa que sou? Não sou um inimigo, Fliss. Apesar de suspeitar que é isso que pensa.

- Não sei o que quer dizer – ela murmurou, não fazendo o menor esforço para se livrar do braço de Oliver.- Não é meu amigo, sr. Lynch. Nem mesmo gosto do senhor. E tenho certeza de que não se preocupa com ninguém, além de si mesmo.

A expressão de Oliver não mudou, mas sua resposta foi um pouco misteriosa.

- Então... o que foi que eu fiz para merecer um ataque destes? Pensei que estivéssemos fazendo progressos.

- Progresso? – Fliss balançou a cabeça.- Progresso em que sentido?

- No sentido de sermos amigos – Oliver respondeu. – quero que sejamos amigos, Fliss. Quero que sejamos mais do que isso. mas, para começar, amigos seria muito bom.

Fliss ficou chocada.

- Eu não quero ser sua amiga – Fliss respondeu, desejando, pela primeira vez, que Robert aparecesse e interrompesse aquele suplício.

Oliver Lynch a estava assustando ou ela estava assustada consigo mesma?

- O que quer? – ele indagou, acariciando o rosto de Fliss com a outra mão.

- Nada.

- Você é linda... e não me diga que não sabia, pois não vou acreditar.

Por que Fliss não lhe dava um tapa? Por que não conseguia escapar daquele contato que a estava deixando em pânico?

- Por favor...- ela sussurrou.- Se eu lhe dei a impressão errada, se está pensando que eu... Bem, sinto muito. Mas estou noiva de Robert.

- Eu sei. Então porque parece tão inocente? Se é amante de Hastings... por age como se ainda fosse intocável?

- Eu não... – Fliss estava em pânico e sabia disso. Mas não conseguiu dar um passo sequer para longe de Oliver. Sua respiração estava alterada. Será que Oliver percebera? Será que sabia o que ela sentia? Tinha noção do que estava fazendo com Fliss?

Oh, Deus! É claro que ele sabe. Oliver sabe exatamente o que está fazendo.

- Vamos descobrir- ele murmurou, soltando o pulso de Fliss e acariciando-lhe os cabelos. Lentamente aproximou o rosto e roçou-lhe os lábios.

Fliss estremeceu assim que os lábios de Oliver tocaram os seus. Suas pernas começaram a tremer e ela chegou até a pensar que seria capaz de desmaiar ali mesmo.

Oliver a segurou com delicadeza, sem deixar de ser firme. Ele não a forçou. Era como se Fliss não pudesse dar um passo sequer, quando Oliver delicadamente, separou-lhe os lábios, num beijo capaz de faze-la morrer de desejo. À medida que o beijo se tornava mias e mais exigente, Fliss sentia o calor e a falta de ar crescerem.

Sem que se desse conta, Fliss viu-se envolvida por aqueles braços e correspondeu ao beijo devastador.

Depois de um minuto, que para ela pareceu uma eternidade, colocou os braços no peito de Oliver e tentou empurrá-lo.

- Eu... acho que é melhor ir embora – ela murmurou, tendo consciência de como suas palavras eram impróprias naquele momento. Ela o desejava e o odiava, ao mesmo tempo, apesar do que ele a levara a fazer. Fliss o queria longe de seus olhos, antes que a tentação física fosse maior. Ao mesmo tempo, queria dizer-lhe que era uma mau-caráter, por trata-la daquela maneira, fazendo-a se sentir a criatura mais indigna do mundo.

- Se é isso o que realmente quer...- Oliver disse, passando a língua pelos lábios.

- É claro que é isso.- Fliss retrucou, tentando recuperar o autocontrole.- se ainda se lembra... foi exatamente o que eu lhe pedi antes...

- Antes de eu beija-la?

- Antes de você arruinar minha tarde – Fliss retorquiu, ignorando o tom de voz de Oliver. – o que esperava que eu fosse dizer, sr. Lynch? Eu o acho abominável. Convidei-o para vir aqui com as melhores das intenções e esta é a maneira como me agradece?- ela hesitou por um instante, depois acrescentou:- Não tem vergonha?

Oliver passou a mão pelos cabelos.

- E você poderia em dizer do que eu deveria me envergonhar?

- Por você tr abusado da hospitalidade de meu pai – ela declarou.

No fundo, Fliss sabia que não era isso. Seria então porque Oliver quebrara todas as suas defesas?

- Como acha que ele vai se sentir... quando souber do que acabou de fazer?Apesar de suas dúvidas com relação à capacidade de Robert, papai o respeita muito. Você já deveria saber disso.

- É mesmo?

Oliver foi lacônico e Fliss ficou curiosa para saber o que ele queria dizer com aquela acusação.

- Sim – ela respondeu, pensando que Oliver havia conseguido faze-la perder a cabeça. Por alguns instantes, só conseguia pensar nos carinhos de Oliver, em como seria maravilhoso entregar-se a ele, sentir os carinhos tornando-se mais exigentes...

- Peço que me perdoe, mas eu tive uma impressão diferente.

- Entendo... mas isso não muda o fato de que quero vê-lo longe daqui. Agora.

- Certo.- Oliver inclinou a cabeça.

 

- Mas por que você foi até lá? – Rose Chen perguntou, furiosa.- Pelo amor de Deus, Lee, está tentando me fazer de tola?

- Por que minha ida até Sutton Magna tem o poder de deixa-la tão furiosa?- Oliver perguntou.- Minha vida pertence à mim, Rose. Concordei em vir até a Inglaterra, mas nunca concordei que você tomasse conta dos meus passos. Eu queria sair da cidade e Sutton Magna me pareceu ser o local ideal. Além do mais, pensei que estivesse curiosa para saber o que as outras pessoas têm a dizer sobre seu irmão.

- Meu meio- irmão.- Rose corrigiu-o, sentando-se num dos sofás da sala do elegante apartamento que havia alugado em Knightsbridge.- E por que eu deveria estar interessada no que um velho reverendo pensa a respeito de Robert? Eu sei o que ele é: Robert é um burro! Não entende nada da empresa!

- Não? E o que a leva a ter tanta certeza?

- Oh! Você sabe!- Rose Chen parecia ainda mais exasperada.- Você estava na reunião. Pelo que foi dito, Jay-Jay estava muito envolvido com objetos de arte. Um negócio pequeno, mas muito lucrativo. Ele se especializou em pedras e metais preciosos, além de porcelana chinesa. Ele vendia seus objetos para as lojas mais importantes e todos pensavam que era um respeitável negociante.

Oliver ficou tenso.

- E ele não era?

Rose Chen olhou para Oliver.

- Oh, sim. Ele era. Muito respeitável... não acha?

Oliver soltou a respiração lentamente.

- Acho que não tenho nenhuma opinião formada a esse respeito- ele respondeu, consciente do perigo de parecer muito interessado.- Não tem nada a ver comigo, não é?– Oliver perguntou, dirigindo-se até o bar que ficava do outro lado da sala.

- Quer alguma coisa?

Rose Chen pareceu hesitar.

- Acha que sou uma tola, Lee?

- Uma tola?- Oliver repetiu, tentando ganhar tempo e, para seu alívio, Rose Chen voltou sua atenção para a lixa de unhas.

- Sim, uma tola.- ela disse, mas não havia mais o tom de raiva de antes.- Tenho certeza de que Robert Hastings acha que sim. Mas é porque ele ainda não em conhece direito. Aliás, ele nem conhecia o próprio pai direito!- Rose balançou a cabeça.- Pode acreditar nisso? Jay-Jay não disse ao próprio filho o que estava fazendo!

Oliver serviu uma dose de uísque e levou o copo aos lábios, tentando se manter indiferente.

- Não? Bem, eu já ouvi dizer que é muito comum entre a sociedade mandar os filhos para uma escola particular, para que comecem cedo a lutar pela sobrevivência.

- Escola pública – Rose corrigiu-o. – Robert estudou em escola pública, Lee. É assim que eles chamam aqui. Foi uma escola muito famosa a propósito. Jay-Jay costumava falar sobre a educação que tinha dado ao filho. É claro que eu não sabia que ele estava se referindo ao meu meio-irmão, na época.

- E como se sente em relação a isso?- Oliver perguntou.- Agora, quero dizer. Está ressentida pelo fato de que seu... seu pai não a tratou como tratou o irmão?

- Às vezes. – ela admitiu.

- Mas me parece que ele confiou mais em você do que em Robert.

- O que quer dizer com isso?

- Você acabou de dizer que Robert não sabe direito o que o pai fazia- ele se defendeu.

- Oh, sim. Sinto muito. Sei que devo parecer uma paranóica para você mas, honestamente, é um inferno não saber quem são seus verdadeiros amigos.

- Hmmm... – Oliver procurou as palavras com cuidado.- pensei que confiasse em Hastings. Aliás, eles têm muito interesse em cooperar, não é?

A expressão de Rose era indecifrável.

- Você não entende...

- Então explique.

- Eu não posso.

Oliver encolheu os ombros.

- Certo. Tem certeza que não quer beber nada? Que tal uma taça de vinho? Licor?

Rose Chen balançou a cabeça.

- Nada. Não quero nada – ela respondeu.- posso confiar em você, Lee? Posso realmente confiar em você?

-  Tem dúvidas disso? – Oliver perguntou.- eu já lhe dei algum motivo para que nçao confiasse?

- Não. – Rose Chen respondeu, parecendo indecisa.- exceto quando conversa com pessoas, pelas minhas costas, mesmo que seja para meu próprio bem.

- Está se referindo aos Hayton... Rose...

- Você viu Felicity Hayton, também?- Rose indagou, ajeitando-se no sofá.- por que não me contou?

- Sim... eu a vi e...

- Não, não a viu...- Rose desmentiu-o, categoricamente.- Você deu a entender que havia encontrado o sr. Hayton nos jardins da igreja, não falou nada a respeito da filha dele.

- Ele é um reverendo... e não acredito que eu tenha dito de que maneira eu o encontrei. Para ser sincero, foi Fliss...Felicity... quem eu encontrei primeiro, dentro da igreja. Ela me reconheceu e...

- É claro.

- ...e me convidou para tomar chá com ela e o pai. Fim da explicação.

- Muito simples.

- Sim. Muito simples.- Oliver retrucou, percebendo que Rose Chen estava desconfiada de alguma coisa que nem ela mesma sabia o que poderia ser.

“ Ela deve desconfiar”, ele pensou. “ Rose nunca poderá saber a tolice que aconteceu entre mim e Fliss. Não se eu quiser continuar com as investigações. E, afinal de contas, é só para isso que estou aqui.”

- E então, o que pensa dela? – Rose perguntou, encarando-o- percebi que a tratou muito bem naquele dia em que chegamos a Sutton Grange.- Rose Chen soltou uma gargalhada.- Engraçado, eu nunca pensei que ela fosse seu tipo...

- E não é, Rose! Não posso conversar com outra mulher sem você me acusar dessa maneira?

Rose Chen levantou-se do sofá e se aproximou de Oliver.

- Sinto muito – ela murmurou, sentando ao lado dele e tocando-o no braço.- sou uma tola e sei disso. Mas você não sabe que é a única pessoa com quem eu posso ser eu mesma. Com os Hastings, os empregados... eles são todos estranhos para mim. Não sei se eles confiam em mim. Mas, com você é diferente. Você é meu amigo, meu amante... meu homem! E não gosto quando sente interesse por outra mulher. Particularmente essa, que vai se casar com Robert.

- U não estou interessado nela – ele mentiu.- Pelo amor de Deus, Rose, eu só tomei um chá com o pai dela! Como poderia cortejar uma mulher, com o pai dela entre nós?

Como?, ele se perguntou.

- Eu sei, eu sei... sou uma mulher ciumenta, é só. E não mereço você. Mas, por favor, tenha paciência comigo, Lee. Estes dias não estão sendo nada fáceis pra mim e acho que estou criando problemas na maior parte dos lugares onde vou.

- Problema? Que tipo de problema?

- Você não iria querer saber – Rose disse, acariciando-lhe o rosto. – Você precisa se barbear, querido. Mas não se preocupe. Gosto de você assim mesmo – ela sussurrou, com a voz rouca.- venha comigo e vou mostrar-lhe.    

 

 



  

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