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CAPÍTULO VI



 

Duas horas depois, o corpo dolorido pelo contato com o chã o duro, Jessica viu como tinha escolhido mal. Deitar perto do fogo dava certo apenas se ela se levantasse constantemente para colocar mais lenha na fogueira, o que a impedia de dormir. Cada vez que adormecia, acordava pouco depois, com o fogo morrendo e seus ossos gelados. Nã o adiantava virar-se no chã o, nã o havia posiç ã o confortá vel. O ruí do do vento soprando no pico das montanhas, o frio e o sentimento de. remorso e frustraç ã o por ela e Simon terem brigado depois de estarem tã o perto foram suficientes para tirar a paz de Jessica.

Resmungando, ela se levantou para pegar mais lenha na pilha que Simon tinha deixado. Ao colocá -la sobre as brasas, a ponta do cobertor se aproximou perigosamente das chamas, mas Jessica nã o notou e deitou-se novamente. Ela se mexeu para ficar numa posiç ã o mais confortá vel e o leve odor de queimado nã o a perturbou até que começ ou a sentir um forte calor na perna esquerda. Foi só entã o que percebeu o que estava acontecendo.

Com um pulo, jogou o cobertor longe, descobrindo horrorizada que pequeninas chamas saltavam do jeans de sua calç a. Começ ou a desabotoar o cinto com desespero e subitamente Simon estava lá, ajoelhado e apagando as chamas com as pró prias mã os.

— Nã o, nã o faç a isso, Simon, por favor — ela gritou. — Vai queimar as mã os! Me ajude a tirar esta calç a... Oh, eu nã o consigo!

Simon tomou-lhe o cinto das mã os e rapidamente lhe descobriu as pernas. Contudo, a grossa calç a de jeans nã o podia sair por causa das botas. Jessica desabotoou-as freneticamente e num segundo estava livre do perigo, sentindo agora o frio nos pé s descalç os e nas pernas nuas. Simon correu para o riacho, e molhou o jeans de Jessica e o cobertor.

— Bem, o perigo já passou — ele disse quando voltou. — Você tem outra calç a para vestir?

— Sim... em meu saco de bagagem.

— Está na barraca. Entre para vesti-la, e pode ficar lá.

Ele falou seco e rispidamente e Jessica obedeceu de imediato. Teve de se abaixar para entrar na barraca, que era pequena, do tipo que só cabem duas pessoas deitadas. A lanterna estava acesa e ela logo encontrou a mochila que procurava. Contudo, colocar a calç a nã o foi tarefa fá cil, pois suas mã os tremiam muito e as lá grimas corriam soltas pelo rosto. Jessica sentiu a dor do tecido que raspava de encontro à queimadura. O saco de dormir de Simon estava aberto e ela se enfiou nele. Soluç ava incontrolavelmente, o que nã o impediu de notar Simon entrando na barraca e deitando-se a seu lado. Jessica continuou soluç ando, e ele a puxou para perto de si, para o calor de seu corpo.

Gradualmente, ela parou de tremer e os soluç os foram ficando esparsos. Na medida que se aquecia, uma letargia começ ou a tomar conta dela, e sentiu que, embalada assim, ia adormecer em breve. Contudo, antes de dormir havia algo que queria dizer para ele. — Sinto muito o que aconteceu... Obrigada por ter vindo tã o rá pido me socorrer... — Jessica murmurava, a respiraç ã o de Simon pró xima a seu rosto.

— Sente-se com disposiç ã o para me contar o que aconteceu...?

— Estava com frio e levantei para colocar mais lenha na fogueira. O cobertor deve ter pegado fogo e nã o notei até que senti minha perna queimando... Acho que vai dizer que sou descuidada.

— Talvez tenha sido, mas por outro lado, eu nã o devia ter deixado você dormir lá fora. Devia tê -la feito entrar na barraca... Estava tã o zangado que pensei que seria uma boa liç ã o para você, passar a noite lá fora, ainda mais numa noite gelada como essa, com um urso andando por perto. Nã o achei que fosse ser tã o persistente, pensei que em quinze minutos já teria corrido para cá...

— Um urso!? Quer dizer que havia um urso lá fora e você nã o me avisou?

— Vi sinal de um deles quando cheguei por aqui... Mas algo mais perigoso lhe aconteceu, algo sobre o que nã o a alertei!... Quando saí e vi seu cobertor pegando fogo, fiquei apavorado. Sei o que o fogo pode fazer à carne de uma pessoa. Vi o que fez com Lou!

Jessica acariciou levemente o braç o de Simon num gesto de carinho.

— Você a amava muito, nã o é? — perguntou, com voz suave.

— Por que diz isso? — Ele tomou a mã o de Jessica dentro do cobertor e apertou-a um pouco.

— Quase nunca fala dela, mas sempre que faz isso, é num tom muito amargo, como se ela tivesse lhe machucado muito. E isso só poderia acontecer se você a amasse...

— Cheguei a pensar que a amava... mas, se realmente fosse verdade, nunca a teria deixado voltar para Edmonton. Acho que nã o a amava o suficiente para fazê -la ficar no rancho. Se tivesse feito isso, Lou ainda estaria viva.

— Nã o é possí vel que se culpe pelo fogo que a queimou...

— Nã o, mas muito do que aconteceu antes e que a fez ir morar na cidade foi culpa minha. Nunca devia ter casado com ela.

— E por que casou?

— Porque parecia a melhor coisa a fazer naquela é poca — Simon falou contrariado e, soltando a mã o de Jessica, virou-se um pouco, deitando-se de costas. — Sente-se bem agora? O melhor a fazer é tentar dormir um pouco, depois de um choque como este que passou.

Ele tinha posto um limite no que queria dizer a respeito de Lou, e parecia definitivo. Agora, Jessica nã o poderia saber como Simon sentia-se a respeito de tudo que acontecesse.

— Sim, nã o será difí cil dormir se... se... — Jessica hesitou antes de dizer o que sentia —... se você ficar comigo.

— Nã o se preocupe, sem fogueira e sem cobertor eu nã o irei muito longe! Vou colocar nossas blusas sobre o saco de dormir e acho que conseguiremos nos manter aquecidos.

Simon sentou e arrumou as blusas, como havia dito. Em seguida deitou-se novamente, de frente para Jessica.

— Se virar de costas, será uma tentaç ã o menor para este pobre macho indefeso! — ele disse, brincando, tentando nã o deixar que se criasse um clima sensual.

Contudo, as palavras tiveram o efeito oposto. Imediatamente, Jessica ficou consciente daquela presenç a masculina e viril a seu lado. O toque de Simon tinha algo de rí spido, ela se lembrava disso mesmo que nã o estivessem se tocando agora... Teve vontade de estar de novo nos braç os dele, sentir a pressã o daqueles lá bios sobre os seus, as carí cias da mã o dele em sua pele...

— Parece que nã o importa o que faç amos para impedir, sempre terminamos ficando juntos, nã o é?

— Nã o vai querer dizer de novo que sua avó planejou isto ou que o destino entre nó s é inevitá vel — ele zombou. — Ora, Jessica, vire-se para o outro lado que estará em seguranç a.

— Suponha que nã o é isso que eu deseje... — Jessica murmurou, aproximando-se um pouco, de modo que seus lá bios quase se tocavam. Sentiu um estranho sentimento de triunfo quando ouviu Simon respirando fundo e nã o se movendo daquele lugar. ..

— Tem ideia do que está fazendo? — ele murmurou, em voz baixa.

Tudo que Jessica desejava era o calor e aconchego que sabia que Simon podia proporcionar, mas quando respondeu, foi com aquele jeito descuidado que na maioria das vezes escondia seus verdadeiros sentimentos.

— Sim, eu sei o que estou fazendo. E nã o pensei que você fosse ficar tã o preocupado!

Simon suspirou profundamente, mais uma vez, e quando falou sua voz era fria.

— Parece que o que achei de você, quando a conheci, era verdade, afinal...

— O que quer dizer? — Ela se afastou um pouco, sentindo que algo em Simon mudava e ele parecia agora hostil e ameaç ador.

— Você é uma daquelas garotas da cidade, procurando uma aventura com um tipo meio rude, trabalhador do campo, como eu... Pois bem, entã o agora terá o que está pedindo desde o primeiro momento em que nos encontramos!

Ignorando os protestos dela, ele se deitou sobre ela e esticou a mã o para apagar a lanterna.

— Nã o, Simon, nã o. — Ela ainda conseguiu dizer antes que sua boca silenciasse com os lá bios quentes de Simon. O corpo dele era duro e pesado sobre o dela e Jessica continuava lutando, pois nã o desejava essa coisa brutal. Nunca desejou de homem algum! Entrou em pâ nico quando ele conseguiu desabotoar-lhe o zí per da calç a e, conseguindo libertar uma mã o, Jessica arranhou o rosto dele. Imediatamente, Simon rolou de lado e se afastou dela.

— Será que já está satisfeita? — perguntou com ironia e Jessica deu-lhe as costas, frustrada porque nã o queria que ele visse as lá grimas descendo por seu rosto. Sentiu quando ele colocou a jaqueta por cima dela, para aquecê -la, mas sem tocá -la.

Quando acordou na manhã seguinte, estava sozinha na barraca. A queimadura na perna doí a, e as lembranç as da noite passada també m eram doloridas. Jessica gostaria de nã o ter que sair e encontrar Simon, queria ficar no calor do saco de dormir. Seus lá bios doí am por causa da violê ncia dele... Tinha sido punida por tentar seduzi-lo e nã o se esqueceria disso jamais. Como Simon havia dito, foi ela quem pediu aquilo!

Agora já era hora de partir, voltar para o rancho e para a seguranç a. James já devia estar na casa de Molly, preocupado com ela. Jessica pegou a mochila e, depois de guardar suas coisas, retirou um pequeno espelho. Sua face estava vermelha, os lá bios um pouco inchados, os cabelos despenteados... Parecia que Jessica Howard, a eficiente secretá ria de James Marshall, havia sumido durante a noite, substituí da por uma mulher descuidada e triste. Estava fazendo o possí vel para pentear os cabelos quando Simon abriu o zí per da barraca e enfiou o rosto lá dentro.

— Gostaria de poder desmontar a barraca e guardá -la. — Sua voz era absolutamente fria e impessoal. — O café já está pronto.

Ele nã o se encontrava por perto quando Jessica se levantou, poucos minutos depois. Era uma manhã cinzenta, o sol estava encoberto, e ela sentou-se para tomar café e comer os biscoitos. Quando terminou, começ ou a calç ar as botas, fazendo uma careta de dor ao sentir o couro que raspava a queimadura.

— Gostaria de dar uma olhada nesse machucado antes de partirmos. — Simon tinha aparecido a seu lado subitamente, mas Jessica nã o conseguia levantar o olhar e encontrar seus olhos.

— Nã o é preciso, acho que posso esperar até chegar à casa de Molly.

— Nã o seja tola, Jessica. Vou ver essa queimadura assim que tiver desmontado a barraca!

Jessica levantou os olhos, enquanto ele se afastava. Estava pronto para partir, a barraca dobrada carregada sobre os ombros, o chapé u branco na cabeç a. Quando voltou, trazia consigo uma pomada e gaze. A perna da calç a de Jessica estava enrolada e ele se ajoelhou à sua frente, para tratar do ferimento.

— Se nã o cuidarmos disto agora, pode ficar uma cicatriz! — ele disse, enquanto colocava a gaze depois de ter aplicado a pomada. — De qualquer maneira, vai me prometer que irá a um mé dico assim que chegarmos.

— Está bem — ela concordou, meio sem jeito. Parecia o mesmo homem que tinha conhecido em Edmonton, olhos frios e hostis, nã o querendo que ningué m se aproximasse dele e repelindo as pessoas com um comportamento selvagem e violento, como na noite passada.

Agora ela sabia que Simon nã o desejava ser amá vel, especialmente com as mulheres. Tinha sido muito machucado por uma delas e nã o correria outra vez este risco! Se algué m precisasse se machucar, seria aquela que se apaixonasse por ele.

— Doeu muito? — ele perguntou, gentil.

A ironia da situaç ã o deu-lhe uma vontade louca de chorar e rir ao mesmo tempo... Sim, dó i, muito, ela pensou, e nunca mais voltaria a ser a mesma pessoa... Contudo, guardou seus sentimentos e respondeu numa voz neutra:

— Nã o, eu estou bem, obrigada.

— Acho que diria isto mesmo que estivesse morrendo de dor... Tem certeza que está bem? A perna nã o está latejando?

— Um pouco, mas a pomada que passou já está aliviando... honestamente!

Simon terminou de cuidar do curativo. Jessica nã o entendia como aquelas mã os agora tã o gentis eram capazes de tanta violê ncia, como na noite passada... Em seguida, ele acabou de arrumar todas as coisas, e os dois começ aram a viagem. Jessica foi à frente, montando o cavalo que Joe tinha deixado, e trouxe Snap com ela. Simon seguiu logo atrá s, com os outros cavalos. Quando tinham vindo, a floresta era linda, com o sol filtrando-se entre as á rvores e o perfume das flores no ar. Hoje nã o havia sol, o cé u estava cinzento, e o perfume parecia ter abandonado as flores.

Pararam para comer mais pê ssegos, já no meio da manhã. Só entã o, Simon se dirigiu a Jessica, perguntando como ia a perna machucada. Sentindo-se com remorso e vergonha, ela só pensava que queria conversar com ele, esclarecer tudo antes que fosse muito tarde e já tivesse partido. Mas nã o estava conseguindo superar a barreira que a frieza e indiferenç a de Simon criavam e ela ficou quieta. Dali para a frente, a viagem nã o durou muito. Em poucas horas chegaram ao rancho. Al Curtis e outro homem estavam no está bulo, esperando para cuidar dos cavalos e trazer a bagagem. Foi ele quem a ajudou a desmontar.

— A senhorita está bem? — perguntou preocupado, quando Jessica soltou um pequeno gemido ao fazer pressã o sobre a perna machucada.

— Sim, obrigada. — Ela tentou dar um sorriso.

— Seus amigos de Narrow Lake estã o esperando a senhorita... o patrã o disse que era para eu pegar o jipe e levá -la imediatamente. Vou lá para a frente, aprontar o carro, e já levo suas coisas, está bem?

Jessica concordou com a cabeç a, um pouco desapontada. Olhou em volta e já nã o havia sinal de Simon. Estava sozinha. Um movimento perto da casa chamou sua atenç ã o. Era Mary Trip, que cuidava das roupas no varal. Jessica ficaria feliz se Danny aparecesse, mas isso també m nã o aconteceu. Ia caminhando em direç ã o à frente da casa quando Al se aproximou com o jipe, para evitar que ela tivesse de andar. Jessica ia no carro quando notou Simon caminhando, em direç ã o ao está bulo. — Simon! — ela chamou, mas sua voz nã o tinha forç a porque a garganta estava seca e dolorida. Era a hora de dizer adeus e nã o havia mais nada que pudesse fazer para consertar as coisas entre eles. Mas nã o poderia partir sem tentar falar algo, era preciso que tentasse! Jessica limpou a garganta e chamou de novo.

— Simon, espere! — ela gritou e teve certeza que ele a tinha escutado, mas ele nã o se virou, e continuou caminhando, afastando-se rapidamente-com seus passos largos, que Jessica nã o podia alcanç ar.

— Acho que já está na hora de partirmos, senhorita! — era Al quem falava, dentro do jipe.

Sentindo-se derrotada, Jessica entrou no carro, olhando ainda uma vez para trá s quando se afastavam da casa. Os olhos marejados nã o permitiam que visse direito, mas nada importava muito agora; Grata pelo silê ncio de Al durante o caminho, ela nã o podia deixar de perceber que de vez em quando ele a olhava com o canto dos olhos, talvez sem saber exatamente o que estava acontecendo. Nã o parecia haver ningué m quando estacionaram defronte da casa de Molly e, quando descarregou a bagagem, Al parecia preocupado.

— Tem certeza que ficará bem, srta. Howard?

— Sim, nã o se preocupe, Obrigada por me trazer, Al, e até logo!

— A senhorita nã o parece muito bem... — ele insistiu.

— Ora, preciso apenas de um banho e uma boa xí cara de chá — ela disse com um sorriso e viu o alí vio nos olhos do rapaz.

— Está bem! Até logo, entã o.

Al Curtis voltou para o carro e partiu em seguida. Jessica caminhou até a varanda, fazendo algum esforç o para subir os degraus, carregando a bagagem. A queimadura na perna doí a bastante. Ia tocando a maç aneta quando a porta se abriu repentinamente e apareceu Rhoda.

— Ora, aí está você, afinal! — ela disse em voz alta, dando passagem para que Jessica pudesse entrar. — Meu Deus, está com um aspecto horrí vel, Jessica!

Ela estava meio tonta e percebeu que todos na sala a encaravam, mas nã o conseguia distinguir exatamente quem era quem. Viu quando algué m se levantou e caminhou em sua direç ã o.

— Pelo amor de Deus, Jessica, o que andou fazendo? — A voz de James era ao mesmo tempo de censura e preocupaç ã o.

— Viajando pelas trilhas das montanhas — foi o que ela respondeu antes de sentir as pernas bambearem e os olhos escureceram, grata por James estar por perto para poder sustentá -la.

 

 



  

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