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CAPÍTULO III



 

 

Os cavalos galopavam sem dificuldade pela estreita trilha rodeada de á rvores e flores selvagens. Um riacho acompanhava o caminho, a á gua corria rapidamente sobre pedras esverdeadas pelo musgo. Eles o atravessaram por uma pequena ponte de madeira e começ aram a penetrar na floresta, tomando uma trilha que seguia pelo sopé de uma montanha muito alta. O dia estava quente, mas ali, à sombra das á rvores, a temperatura era fresquinha e agradá vel. A vegetaç ã o era exuberante e ouvia-se o barulho de uma cachoeira.

Cavalgaram em fila, Simon à frente, seguido por Jessica. Atrá s dela vinha Danny e, por ú ltimo, Rhoda. Chegaram a uma outra ponte, desta vez sobre um rio que corria há muitos metros abaixo. À esquerda deles havia uma queda d'á gua bastante alta, envolta por uma né voa ú mida que molhava a pele de Jessica e dos demais. Apó s a ponte, a trilha começ ou a subir entre as á rvores altas. Simon parou numa pequena clareira, onde os raios de sol atravessavam as folhas das á rvores. Ele estava sentado bem relaxado na sela, as mã os segurando as ré deas, observando Jessica se aproximar.

— E entã o, você ainda acha que eu nã o sei montar à cavalo? — ela perguntou, quando chegou perto e passou a cavalgar a seu lado.

— Você é melhor do que a maioria das pessoas — ele comentou laconicamente.

— Suponho que, vindo de você, isto deve ser um elogio!

— Pode entender como quiser. Para mim tanto faz.

— Nã o tem uma opiniã o muito boa a respeito das mulheres, nã o é?

— Por que diz isso? Nã o tenho nada contra as mulheres, desde que se mantenham no devido lugar!

— Pelo que vejo, você é um daqueles machistas que acreditam que só existe um lugar para as mulheres...

— Tem toda razã o! Realmente acredito que só existe um lugar para a mulher na vida do homem: na sua cama!

— Nã o foi isso que quis dizer! — Jessica protestou irritada.

— Entã o o que você quis dizer? — zombou Simon. Jessica tinha a sensaç ã o que ele estava jogando com ela e se arrependeu de ter se deixado envolver naquele jogo.

— O que quis dizer é que você provavelmente achava que o lugar de uma mulher é dentro de casa!

— O que significa a mesma coisa! Para mim, a casa é um lugar para o qual retornamos depois de um dia de trabalho, cansados e querendo sossego. Nã o tenho nenhuma objeç ã o a que haja uma mulher me esperando, desde que isso nã o a faç a pensar que tem algum domí nio sobre mim. Sou uma pessoa livre e independente e nã o deixo que ningué m tome conta de mim. Essa histó ria de " até que a morte os separe", para mim nã o existe.

— Suponho que esteja se referindo ao casamento — ela disse, tentando nã o se perturbar com o cinismo dele.

— Sim, estou me referindo ao casamento. Algo que nã o me faz a menor falta!

— E você chegou a esta conclusã o antes ou depois de casar com a mã e de Danny?

— O que você acha? — ele perguntou com uma voz amarga, que teve o poder de silenciar Jessica.

Continuaram cavalgando pela trilha na florestaas vezes lado a lado, à s vezes sozinhos. A temperatura na sombra era agradá vel, o ar perfumado pelas flores silvestres. Dos galhos pendiam cipó s e parasitas, com flores delicadas e coloridas.

— Você já tinha cavalgado antes em terrenos como esse? — Simon quis saber a certa altura. — Parece saber o que está fazendo.

— Sim, na Inglaterra. Costumava passear a cavalo por montanhas. Contudo, comparadas com as daqui, elas nã o passam de pequenos morros!

— Entã o, ficou impressionada com as nossas montanhas Rochosas?

— Mais do que isso! Elas sã o fantá sticas! Acho que por ter morado toda a vida junto delas, qualquer outro lugar deve parecer desinteressante para você...

— Bem, O que já pude descobrir é que para mim seria impossí vel morar em qualquer outro lugar! O que está achando de Snap?

— É um cavalo dó cil e fá cil de cavalgar.

— Ele conhece o caminho, por isso tome cuidado ao usar o freio. Se for puxado no momento errado, poderá ferir a boca dele e entã o terá que aguentar as consequê ncias. Use-o somente para reduzir a velocidade. Quando quiser mudar de direç ã o, um simples puxã o nas ré deas será o bastante.

O conselho surpreendeu Jessica tanto como a tinha surpreendido o elogio que Simon fez. Ela suspeitava que nã o era há bito dele oferecer conselhos para as pessoas que alugavam cavalos do rancho. Será que aquilo significava uma proposta de paz, depois da discussã o que haviam tido há pouco? Jessica olhou-o de soslaio, observando seu perfil á spero e decidido. Simon cavalgava como se ele e o cavalo fizessem parte do mesmo corpo, uma mã o segurando as ré deas, a outra descansando sobre a sela.

— Todos estes cavalos sã o descendentes daqueles que seu avô trouxe para o rancho há muitos anos atrá s? — ela perguntou, decidida a extrair o má ximo daquele clima de sú bita amizade.

— Quem foi que lhe falou sobre meu avô? Sua avó? Ou será que Rhoda fez fofocas durante a viagem para cá?

— Foi Rhoda quem me contou, mas ela nã o estava fazendo fofocas. Só me contando sobre as origens do rancho! Entretanto, você nã o é obrigado a me contar mais coisas a respeito, se nã o desejar.

Simon tinha uma expressã o de quem se divertia com tudo aquilo e chegou a esboç ar um sorriso. — Está bem, vou lhe contar mais. Para satisfazer sua curiosidade! Esses cavalos sã o de fato descendentes daqueles trazidos para o rancho pelo meu avô, um homem tí mido e nô made, Sam Benson.

— Por que você o chama de nô made?

— Porque era isso que ele era até chegar ao rancho Lazy R! Os cavalos que trouxe eram resultado de um cruzamento entre machos selvagens e é guas puro-sangue. Lazy R logo ganhou a reputaç ã o de oferecer ó timos animais, que eram muito procurados na é poca, por pessoas que precisavam deles no trabalho das fazendas ou para viajar pelas pradarias e montanhas. Contudo, quando meu avô morreu, já nã o eram tã o famosos.

— Por quê?

— Por causa da mecanizaç ã o dos ranchos e fazendas. As coisas ficaram bastante difí ceis durante algum tempo e meu pai foi obrigado a incluir outras atividades no rancho. Adquiriu algumas cabeç as de gado, montou uma pequena granja de galinhas e comprou algumas vacas para produzir leite que, juntamente com os ovos, eram vendidos nas cidades pró ximas. Nenhuma das criaç õ es era muito grande, mas sempre havia algo para vender. Este é o verdadeiro segredo pá ra uma fazenda dar certo!

— Mas ele continuou com os cavalos, nã o é?

— Sim, poucos deles, por insistê ncia de minha avó. Ela dizia que algum dia eles ainda seriam novamente procurados, e tinha toda razã o! Com a criaç ã o dos parques nacionais nas montanhas, muitas pessoas passaram a visitar esta regiã o, querendo alugar cavalos e fazer excursõ es e acampamentos. Na verdade, foi o trabalho que meu pai deixou para mim: a organizaç ã o e planejamento destas excursõ es e passeios. — Simon fez uma pausa e, em seguida, acrescentou: — Como vê, tudo que sei está relacionado com cavalos e animais da fazenda! ' Nã o há mais nada que eu saiba fazer!

— Se o seu negó cio lhe permite morar num lugar como esse, por que se incomodar?

— É exatamente como eu vejo a coisa! — ele replicou, num certo tom de surpresa. — Daqui por diante, é melhor que eu vá na frente pois a trilha começ a a subir bastante e se torna mais difí cil. Tome cuidado, está bem?

Jessica se ajeitou na sela. O cavalo avanç ava com perfeito domí nio e, em pouco tempo, atingiam uma grande clareira, onde o sol brilhava com forç a. Era um lugar lindo, limitado num dos lados por um grande 'paredã o de pedra. No centro havia um pequeno lago de á guas tranquilas, tã o claras que era possí vel enxergar o fundo, onde repousavam os troncos de á rvores mortas.

— Bem, por hoje nã o passaremos daqui — Simon disse, depois de algum tempo. — Eagle Lake fica para o norte, bem acima.

— Lembro-me deste lugar. — Era Rhoda quem se aproximava, seguida de perto por Danny, que montava Cracker. — Nã o mudou quase nada! Só há mais algumas á rvores mortas.

— E á rvores novas també m! — Simon comentou, apontando uma das margens do lago. — Á rvores mortas, troncos em decomposiç ã o fazem novas á rvores, novas flores, vida nova!

Ele é um poeta e nã o sabe disso, Jessica pensou, escutando aquelas palavras cheias de lirismo. — É tudo tã o quieto e parado aqui em cima... — ela comentou, apenas. — Onde estã o os animais?

— Me dá um pouco de medo! — disse Danny. — Será que há perigo de encontrarmos algum urso?

— Nã o nesta é poca do ano. No verã o eles costumam ficar lá perto do topo. Somente na primavera e no outono é que descem para os vales, procurando comida. A ú nica espé cie que pode haver por aqui agora sã o os ursos negros.

— E eles sã o diferentes dos outros ursos? — Jessica perguntou com curiosidade.

— Os outros a que me referi sã o os ursos realmente grandes. Alguns sã o escuros, outros sã o marrons. Os que chamamos de ursos negros sã o bem menores e preferem ficar nas florestas mais fechadas durante o ano inteiro.

— O que você faria se aparecesse um urso negro por aqui, papai? — Danny perguntou um pouco amedrontado, enquanto fazia com que Cracker se aproximasse do cavalo de Simon. Parecia sentir que, em caso de perigo, o pai era a ú nica pessoa da qual se poderia esperar proteç ã o.

— Partiria imediatamente, tomando cuidado para ficar contra o vento, de maneira que ele nã o pudesse perceber que havia gente por perto!

— Mas, supondo que nã o houvesse maneira de escapar despercebido...? — era Jessica quem perguntava agora. — O que você faria?

— Ficaria paralisado, sem fazer nenhum movimento, A maioria dos ursos só ataca quando algué m chega muito perto das crias pequenas ou entã o quando invade o territó rio onde eles costumam comer. Quando se está perto de um urso e realmente nã o há como fugir, o melhor a fazer é ficar completamente imó vel, como se estivesse morto.

— Nã o sei se teria coragem para isso! — Jessica replicou. — Você teria, Rhoda?

— Claro que teria! — Rhoda fez um ar de valente.

— Bem, acho melhor voltarmos — Simon decidiu. — Tomaremos agora uma outra trilha.

Jessica deu um puxã o nas ré deas para seguir Simon, que já começ ava a se afastar. Contudo, Rhoda colocou-se à sua frente, interceptando-lhe o caminho.

— Minha vez, agora! — ela disse, com um sorriso brilhante, mas no qual havia algo de falso.

— O que você quer dizer? — Jessica estava surpresa.

— Minha vez de cavalgar ao lado de Simon. Você já teve a sua... Agora, pode ter o prazer de desfrutar da companhia de Danny! — Rhoda falou asperamente e em seguida afastou-se na direç ã o pela qual Simon seguia.

— Ei, tia Rhoda, espere por mim... espere por mim! — Danny també m deu um puxã o nas ré deas de Cracker, mas o animal nã o parecia disposto a se apressar e saiu trotando devagar. Jessica logo se aproximou dele e passaram a cavalgar juntos. À frente, Rhoda e Simon já subiam entre as sombras da floresta.

— Tia Rhoda me deixou para trá s — Danny reclamou, desapontado.

— Ora, nã o há motivo para ficar triste. Você cavalga comigo e vai me contando sobre os bichos que vivem na floresta, está bem? Esta manhã, quando acordei, havia um bichinho me olhando pela janela. Era cinza e tinha umas listras nas costas. Você sabe que bicho era?

— Devia ser um esquilo-gigante. Existem centenas deles, aqui no Canadá. Sã o chamados de gigantes porque sã o muito maiores que os esquilos normais.

— Eles nã o existem em meu paí s.

— Entã o você nã o é daqui? — Danny parecia bastante surpreso.

— Nã o, sou da Inglaterra.

— Lá també m existem grandes cidades, como Edmonton, cheia de luzes, carros e movimento?

— Sim, existem. Mas nã o existem montanhas tã o grandes como esta daqui. E també m nã o há ursos e esquilos-gigantes, somente nos zooló gicos.

— Eu gosto das cidades — Danny comentou, com entusiasmo. — Nasci em Edmonton, assim como minha mã e. Minha avó e meu avô dizem que posso morar com eles, mas papai nã o deixa! Acha que eu devo ficar no rancho, junto dele, e aprender a cuidar dos cavalos. Eu odeio cavalos e odeio ele també m!

Surpreendida com o que acabava de ouvir, Jessica fitou Danny com o canto dos olhos. Agora també m já cavalgavam entre as á rvores e qualquer um podia notar que ele nã o tinha habilidade para manejar o cavalo. Sentava-se na sela sem a mí nima graç a e puxava as ré deas sem necessidade, o que fazia Cracker balanç ar a cabeç a, em protesto.

Devia ser uma grande frustraç ã o para Simon, que nã o sabia fazer outra coisa senã o cuidar da fazenda e dos animais, ter um filho de temperamento tã o diferente Contudo, será que o mais certo era mantê -lo no rancho mesmo contra a vontade, já que havia alternativa de ele viver com os avó s? Sem dú vida seria melhor para ambos se fosse eliminada á razã o do antagonismo que existia entre eles. E, de qualquer maneira, vivendo longe do rancho, talvez Danny percebesse a beleza daquele lugar e viesse a gozar dele, mais tarde.

Jessica sentiu uma certa impaciê ncia. O que estava fazendo, afinal? Por que pensar naquelas coisas, quando o problema nã o lhe dizia respeito? Daqui a alguns dias, estaria longe dali e entã o aquelas montanhas, aquelas pessoas, aquele homem que cruzou seu caminho de maneira tã o acidental, tudo isso nã o seria mais que lembranç as do passado, formas abstratas que existiriam somente em sua memó ria.

Contudo, era impossí vel lutar contra sua natureza. Ela fez Snap apressar o trote, aproximando-se novamente de Danny. Começ ou a lhe fazer perguntas sobre os avó s e, em pouco tempo, o garoto estava deliciado em contar a respeito do pré dio alto em que moravam, do apartamento com uma varanda da qual se avistava toda a cidade com suas luzes à noite, do elevador que subia rá pido, do grande aparelho de televisã o a cores... A lista das vantagens materiais que, obviamente, fascinavam Danny, continuou até que Jessica o interrompeu com outra pergunta e, para sua grande surpresa, veio a saber que ele possuí a outra avó, mã e de Simon.

— Ela també m vive no rancho? — Jessica indagou.

— Nã o, ela vive num apartamento em Calgary, com tio Ted.

— Ele é irmã o de seu pai?

— Nã o... Tio Ted é o marido dela! O irmã o de papai se chama Farley. Ele é advogado e minha avó diz que isso é muito melhor que viver num rancho, tomando conta dos animais! Ela diz que eu també m posso ser advogado quando crescer. Uma vez me contou que quando papai e tio Farley eram menores, ela os mandou para a escola, mas meu pai acabou fugindo e voltou para o rancho. Ela prefere viver na cidade, també m. Estã o todos do meu lado, todos acham que papai é louco de me obrigar a viver aqui, mas qualquer dia, se ele nã o me deixar fazer o que quero, sou eu quem vai fugir!

— Como ele mesmo fez quando sua mã e o obrigou a fazer algo que nã o desejava!

O garoto virou-se para ela, os olhos abertos de surpresa.

— Sim, papai fez isso, nã o fez? Mas minha avó Grace disse que só o obrigava a estudar para que tivesse uma boa educaç ã o e nã o precisasse, ficar no rancho, tomando conta de vacas e cavalos durante toda a vida.

— Nã o há nada de errado em tomar conta de vacas e cavalos, Danny — Jessica disse com voz gentil.

— É, sei que nã o. Mas papai é inteligente o suficiente para fazer mais que isso. Pelo menos é o que minha avó diz!

— Na minha opiniã o, saber como realmente tomar conta de uma fazenda necessita de muita inteligê ncia. E, sem dú vida, é necessá rio mais fibra do que para ser advogado!

O garoto nada respondeu e eles continuaram cavalgando em silê ncio. Logo se aproximaram do regato que haviam cruzado na vinda, mas, desta vez, a ponte que atravessaram nã o ficava perto da cachoeira.

Depois de cruzar o regato, a distâ ncia até a fazenda era bem curta. Já estavam fora dos limites da floresta, cavalgando em campo aberto. Simon e Rhoda iam à frente e, quando Jessica e Danny afinal chegaram ao está bulo, nã o havia sinal deles. Somente o pequeno sujeito que tinham encontrado logo ao chegar é que os esperava, para cuidar dos cavalos.

— Seu pai disse para você ir direto para casa, pois está na hora do almoç o — ele avisou Danny.

— Onde está tia Rhoda? — o garoto perguntou, enquanto deslizava para fora da sela.

— Acho que está esperando no carro, lá na frente. Como é, fizeram um bom passeio?

— Sim, foi bom — Danny admitiu com franqueza, apesar de nã o gostar de andar a cavalo.

Uma voz feminina chamou-o, vinda da casa. A mulher estava de pé na porta da cozinha e usava um avental sobre a calç a comprida.

— Já vou indo, Mary! — Danny gritou e se virou para Jessica. — Essa é Mary Trip. Ela toma conta da casa para papai e para mim. — Ele deu um grande sorriso. — Até logo, Jessica.

— Acho que nos veremos em breve — ela disse, sorrindo també m. — Ei, você nã o gostaria de vir conosco para Eagle Lake?

— Você gostaria que eu fosse? — Havia algo na voz do garoto que tocou profundamente o coraç ã o de Jessica. Era ó bvio que nã o estava acostumado a ser convidado para passear com as pessoas.

— Claro que gostaria! Tenho um irmã o na Inglaterra, da sua idade. Nó s costumamos acampar juntos!

— Eu... eu terei que pedir para papai — ele falou, inseguro, ouvindo Mary, que o chamava novamente.

— Bem, peç a para ele e diga que fui eu quem o convidou — Jessica replicou. — Agora, é melhor você ir almoç ar.

Depois de lhe dar um grande sorriso, o garoto se afastou correndo, excitado, feliz com a perspectiva de participar da excursã o para EagleLake. Ainda pensando em Danny, Jessica caminhou até a frente da casa. Agora o sol estava a pino e o calor queimava sua pele clara. A maç aneta da porta do veí culo estava quente a ponto de queimar a mã o, é o interior do carro estava cheio de fumaç a do cigarro que Rhoda fumava. Ela tinha uma expressã o contrariada e roí a as unhas.

Surpresa por ver Rhoda tã o perturbada, Jessica sentou-se, sentindo o calor do estofamento, apesar do jeans que usava. Assim que fechou a porta, Rhoda deu a partida, desbrecou o carro e, ainda sem dizer uma palavra, colocou-o em movimento. Em poucos segundos já corriam pela pequena via secundá ria que levava à autoestrada. 7Será que era o calor do meio-dia que provocava o silê ncio de Rhoda? Ou teria acontecido algo desagradá vel durante a volta para o rancho, capaz de destruir toda aquela alegria que ela demonstrava antes?

— Puxa, como está quente! — Jessica disse, passando um lenç o na testa para secar as pequeninas gotas de suor.

— E a tarde será ainda mais quente. O melhor remé dio é ir nadar ou entã o ficar sentada numa sombra... E entã o, gostou do passeio? Sente-se dolorida?.

— Gostei bastante, e nã o me sinto nem um pouco dolorida... pelo menos, até agora! E você, está dolorida? Nã o parece tã o contente como quando chegamos lá no rancho.

Rhoda se virou um pouco até encontrar os olhos de Jessica.

— Nem tudo aconteceu como eu esperava. Estou começ ando a achar que talvez tenha voltado muito tarde. Ou entã o, que deveria ter ficado em vez de partir depois da morte de Lou.

— Lou era a esposa de Simon, nã o era? Sua amiga de Edmonton... Você s duas eram vizinhas, nã o eram? — enquanto falava, Jessica subia um pouco o vidro da janela, por causa da poeira da estrada.

— Sim, isso mesmo. Pelo menos, pensei que fosse minha amiga até que casou com Simon — Rhoda replicou num tom amargo. — Eu o conheci primeiro, quando vim passar um feriado em Narrow Lake, com tia Molly. Era verã o, e eu tinha dezoito anos. Eram dias muito bons, eu havia acabado de ser aceita na Universidade, para me especializar em pedagogia. Foi també m quando me apaixonei pela primeira vez.

— Por Simon?

— Por Simon... Ele tinha vinte e dois anos, e seu pai acabava de passar a ele a responsabilidade pela organizaç ã o das excursõ es. Simon tinha desistido da Universidade, depois de descobrir que nã o queria mais estudar. Queria ficar no rancho, tomando conta dos animais.

— Ele se apaixonou por você? — Jessica perguntou cautelosamente, e Rhoda deu um pequeno sorriso.

— Eu nã o sei. Aliá s, até hoje me pergunto se os homens se envolvem nisso que chamamos de amor ou se tê m somente uma coisa na cabeç a, quando encontram uma mulher que apreciam... Você já foi casada e viveu com um homem por algum tempo. Alguma vez ele falou que a amava?

— Claro que sim. — Jessica corou levemente. — Eu... eu nã o teria casado se nã o tivesse certeza de que Steve retribuí a meu amor.

— Mas ele chegou a lhe dizer isso com todas as palavras? — Rhoda perguntou, enquanto brecava o carro e esperava para entrar na movimentada autoestrada.

— Sim, ele disse. — Jessica se esforç ou para demonstrar naturalidade, tentando esconder o que sentia quando suas lembranç as eram reavivadas pelas palavras de Rhoda. — O casamento nã o é apenas uma relaç ã o fí sica, você sabe. É muito mais que isso.

— Sim, é o que me disseram — Rhoda apenas murmurou. A estrada brilhava com a luz do sol. Pela janela entrava um vento morno, mas mesmo assim refrescante. Rhoda continuou a falar: — Bem, seja lá como for, Simon nã o disse que me amava, naquele verã o em que nos conhecemos, mas costumá vamos sair sempre a cavalo e ele parecia gostar de minha companhia. Na é poca, era o suficiente para mim. Quando tia Molly me convidou para vir passar as fé rias aqui em Narrow Lake, nã o hesitei ante a perspectiva de encontrá -lo novamente. Foi ela mesma quem sugeriu que eu trouxesse uma amiga e imediatamente convidei Lou. Acho que foi o, maior erro de minha vida.

— Por quê? Simon se apaixonou por ela?

— Mais uma vez eu nã o sei. O que sei é que ela se apaixonou por Simon e nã o lhe deu um minuto de descanso!

— Como era ela, fisicamente?

— Pequena, muito bonita, cabelos e olhos claros. Tinha um jeito de se comportar e falar que só posso chamar de provocante, mas eu nunca tinha notado antes. É que ainda nã o a havia visto tentando conquistar um homem.

— Ela estudava na Universidade també m?

— Oh, nã o. Resolveu trabalhar em vez de ir para a Universidade. Era louca por roupas e maquilagens e sempre penteava o cabelo de um jeito diferente. Tudo que eu e ela tí nhamos em comum, era o fato de nossos pais serem alemã es, e termos sido vizinhas em Edmonton. Eu a convidei para vir comigo, pois estava com pena dela. Era filha mais velha de uma famí lia muito grande, e nunca teve dinheiro suficiente para passear, nem mesmo para conhecer as montanhas.

— E o que aconteceu aqui?

— Aparentemente nada de muito importante. Tive que voltar para Edmonton por alguns dias e tia Molly disse que Lou podia ficar até que eu retornasse. Acho que foi quando aconteceu o primeiro olhar de amor entre eles, ou a primeira cena de seduç ã o, chame como quiser... Quando voltei, tudo parecia igual. As fé rias terminaram e Lou e eu voltamos para Edmonton. Por algum tempo eu nã o a vi mais, pois meus pais haviam mudado para Calgary e eu fixei residê ncia na Universidade, totalmente absorvida pelos estudos.

— E nã o estava mais apaixonada por Simon?

— Acho que estava... — Rhoda deu de ombros. — Ou pelo menos, ele ainda era o primeiro homem em meus pensamentos e foi por isso que fiquei muito abalada certo dia quando encontrei com Lou na loja que ela trabalhava, em Edmonton, e ela me contou que eles iam casar. Já tinham planos inclusive a respeito de quando esperariam o primeiro filho. Eles casaram e, cinco meses depois, Lou o abandonou e voltou a viver com os pais.

— Abandonou Simon? Por quê?

— Suponho que nã o gostava de viver no rancho.

— E o que ele fez? A seguiu?

— Nã o no começ o. Só a procurou quando os pais de Lou o avisaram que ela nã o estava passando bem. Ela já estava nos ú ltimos dias da gravidez.

— Ela voltou junto com Simon para o rancho depois que Danny nasceu?

— Nã o, porque Simon també m demorou a voltar. Ele arrumou um emprego na Secretaria de Agricultura. Nã o era a primeira vez que tentava viver na cidade, mas acho que foi a ú ltima.

Jessica calou-se por um instante, observando os picos das montanhas que pareciam ao longe e lembrou-se do passeio que havia feito pela manhã; Simon lhe dizendo que para ele era impossí vel viver em qualquer outro lugar...

— Acho que Simon devia amá -la bastante para desistir do rancho e viver onde ela queria — Jessica concluiu.

— É o que parece. Contudo, chegou a primavera, o pai de Simon ficou muito doente, e ele teve que voltar ao rancho. Lou e a crianç a vieram com ele, mas partiram novamente no outono. Desde entã o, concordaram em viver separados.

— Compreendo... Como foi que ela morreu?

— De queimaduras de primeiro grau — Rhoda replicou.

— Oh, que coisa horrí vel! Algum incê ndio?

— Sim, no apartamento onde ela morava. Simon tinha ido visitá -los e, quando chegou, havia muita fumaç a na cozinha. Ele correu e salvou Danny, voltando em seguida para tentar retirar Lou. Contudo, apesar de ele ter se machucado bastante, nã o conseguiu fazer nada. Lou morreu no caminho para o hospital e até hoje Simon guarda as cicatrizes nas mã os.

A tristeza tomou conta de Jessica, sua imaginaç ã o deu vida à queleepisó dio horrí vel, que Rhoda acabava de relatar. Chegou até a ficar surpresa com a pró pria reaç ã o, pois fazia muito tempo que nã o se sentia emocionalmente envolvida com algo que tivesse acontecido a outra pessoa.

— Agora vejo que devia ter ficado — Rhodacontinuou, como se estivesse falando para si mesma. — Mas achei que Simon precisava de tempo para superar aquilo tudo. E havia acabado de me aparecer uma chance de mais uma especializaç ã o em Toronto. Escrevi paraSimon muitas vezes, mas ele nunca me respondeu. Logo depois fui morar na Á frica, por algum tempo. E agora, estou de volta. — Rhoda fez uma pausa e deu um longo suspiro antes de continuar falando: — Simon está diferente. Está mudado, mais duro. Ele... ele foi bastante agressivo comigo quando cavalgamos juntos na volta. Parece ter alguma espé cie de rancor contra mim!

— Oh, claro que nã o! — Jessica protestou. — Acredito que ele é assim com todas as mulheres. O que é compreensí vel dada sua experiê ncia com Lou, você nã o acha?

— Você pensa mesmo que seja assim? Mas ele me conhecia antes de Lou, e nã o devia me tratar tã o mal!

— Você o achou mudado... Talvez ele tenha achado o mesmo a seu respeito. Suponho que nã o é hoje a mesma pessoa que era há tantos anos...?

— Sim, acho que tem razã o — Rhoda replicou com um sorriso, enquanto virava o carro para tomarem a estrada que levava à casa de Molly, perto do lago. — Conhecer o mundo melhor me ensinou muitas coisas e també m me tornou mais agressiva, mais determinada a conseguir aquilo que desejo. Ainda assim, nã o consigo deixar de pensar que talvez tivesse sido melhor ter ido vê -lo sozinha. O fato de você estar lá acabou atrapalhando as coisas.

— Bem, nã o sei como devo entender isso — Jessica respondeu. — Parece que fui mais expansiva do que devia.

— Desculpe, nã o quis ofendê -la. O que estou tentando dizer é que o fato de você estar lá acabou dividindo a atenç ã o de Simon.

— Bem, nã o foi intencional, acredite.

— Está bem, você nã o fez deliberadamente, mas percebi que para duas pessoas que acabavam de se conhecer, você s tiveram bastante assunto para conversar no curral e depois, quando cavalgá vamos. E nã o pense que nã o notei també m como ele a ajudou a preparar a sela e montar, enquanto para mim, nem ligou.

O ciú me fazia a voz de Rhoda se tornar á spera, e Jessica pensou em contar a ela que tinha conhecido Simon em Edmonton. Mas, se fizesse isso, será que Rhoda iria entender ou, como James, duvidaria da histó ria?

— Simon me ajudou a montar porque sou uma estranha e tudo aqui é novo para mim. Quanto ao fato de termos conversado, ele estava apenas satisfazendo minha curiosidade a respeito do rancho, dos cavalos e das montanhas, nada mais que isso.

— Bem, eu nã o tenho tanta certeza assim — Rhoda resmungou, enquanto estacionava na sombra de uma grande á rvore, atrá s da casa de Molly. — De qualquer maneira, será interessante ver se ele vai viajar conosco amanhã ou nã o!

Com a mã o no trinco, antes de abrir a porta, Jessica parou e virou-se para Rhoda: — Por quê? — perguntou.

— Por que se ele vier, será para estar com você novamente — Rhoda disse com ironia.

— Ora, isso é ridí culo. Se ele vier, será por causa de Danny, como hoje.

— É claro que ele nã o perderá a oportunidade de usar Danny como pretexto, se o garoto quiser vir. Simon nunca foi um homem aberto e nisso eu garanto que ele nã o mudou.

— Ainda acho que você está confundindo as coisas.

— Acha mesmo?

— Rhoda, acho que está deixando a decepç ã o levá -la a conclusõ es erradas. Nã o sou como Lou e você sabe disso. Nã o estou procurando um homem para casar. Já fui casada antes e, nã o estou interessada em casar novamente. Eu... bem, acho que ainda levará algum tempo r para que aprenda a amar de novo.

— Eu acho que é exatamente por isso que Simon pode estar interessado em você — Rhoda insistiu. — Ele també m nã o quer saber de casamento, o que nã o significa que deseja levar uma vida de monge. Deve estar pronto para aventuras passageiras, que nã o ocupem muito seu tempo e nem o envolvam emocionalmente. Você está aqui de fé rias e tem experiê ncia sexual, porque já foi casada. Alé m disso, també m está saindo dessa fase solitá ria, agora que já faz dois anos que seu marido morreu. També m está pronta para uma aventura e...

— Pare! Nã o quero mais ouvir essa conversa! Nada acontecerá entre eu e Simon e... e se for para existir alguma coisa desse tipo, será com meu patrã o!

— Verdade? Entã o é assim que se sente com relaç ã o a James Marshall?

— Bem, quando ele foi viajar, falou que já nã o pensava mais em mim como uma filha. Acho que isso quer dizer alguma coisa, nã o é? — Jessica estava satisfeita por desviar o assunto para outra pessoa.

— É, pode ser... — Rhodaconcordou, ainda um pouco surpresa. — Olhe, Jess, eu sinto muito. Acho que fui longe demais... Estava tã o ansiosa para reencontrar Simon que...

— Eu compreendo — Jessica disse, gentil. — E, se fosse você, nã o me preocuparia tanto com o que aconteceu esta manhã. Você s terã o outros encontros, quando nã o haverá ningué m presente para desviar a atenç ã o de Simon... Mudando de assunto: você nã o tinha pensado em nadar um pouco para se refrescar?

— Ó tima ideia! Acho que Cindy e Molly já estã o no lago! — Rhoda parecia feliz novamente, de volta a seu estado natural de grande animaç ã o.

A á gua do lago refrescava, mas, mesmo num verã o como aquele, era fria o suficiente para nã o se ficar dentro dela por muito tempo. Afinal, o lago era alimentado pela neve que derretia no alto das montanhas. Jessica logo voltou para a praia, para comer os sanduí ches que Molly tinha trazido. Havia també m mate gelado e todas se sentaram para fazer um lanche.

Depois, ficaram tomando banho de sol à beira do lago, conversando sobre a viagem e as coisas que seriam necessá rias. Molly poderia emprestar um saco de dormir para Jessica. Rhoda tinha trazido o dela. Botas apropriadas e capas de ná ilon també m seriam ú teis.

— À s vezes, o tempo nã o é nada bom quando se chega à neve lá em cima, e se nã o estivermos preparadas, Joe Trip vai ficar zangado! — Cindy falava quando o ruí do de um carro se aproximando chamou sua atenç ã o. — Vejam! É Jan Petersen — ela falou, contente.

— Ó timo! — Molly exclamou, enquanto se levantava da cadeira de praia. — Ele me disse que ia acampar aqui perto e eu sugeri que viesse nos visitar quando estivesse voltando para casa. Olá, Jan! — ela gritou para o rapaz forte e barbado que saí a do carro. — Estamos aqui embaixo, na praia!

Depois das apresentaç õ es, Jessica soube que Jan fazia uma especializaç ã o na Universidade de Edmonton, onde també m lecionava. Simpá tico e animado, logo começ ou a contar as aventuras nos acampamentos ao longo das montanhas, por onde vinha viajando durante aquelas fé rias. Quando Cindy mencionou a viagem para Eagle Lake, ele ficou interessado.

— Será que eu poderia ir com você s? — se ofereceu.

— Bem, o passeio na verdade é de Jessica — Cindy replicou.

— Ora, quanto mais gente melhor — Jessica disse sorrindo. — Mas nã o deverí amos avisar que há mais uma pessoa e que precisaremos de mais um cavalo?

— Isso é fá cil de arrumar — Molly replicou. — Cindy vá até a casa dos MacKay e peç a para usar o telefone. Você pode acampar aqui esta noite, Jan, contanto que cante para nó s depois do jantar!

— Cantar? — Rhoda estava surpresa.

— Sim, cantar. — Molly sorria. — Jan toca violã o e canta muito bem! Ele adora mú sica country!

— Você nã o se lembra de mim, nã o é? — Jan falou de repente, quase agressivo, dirigindo-se a Rhoda.

Ela levantou as sobrancelhas.

— E deveria? — perguntou, enquanto tirava um cigarro.

— Nó s fizemos um curso juntos, há muitos anos.

— Oh, sim, agora me lembro! — Rhoda exclamou. — A barba deixou você muito diferente. Que coincidê ncia encontrá -lo aqui.

— Nã o é coincidê ncia — Jan retrucou. — Molly me disse que você estaria aqui e é por isso que vim.

— Jess, nã o gostaria de ir comigo dar aquele telefonema na casa dos MacKay? — Cindy sugeriu.

— Claro que sim. Vou só trocar de roupa.

— Vamos andando — Cindy falou pouco depois, ao encontrar com Jessica na varanda da casa. — Nã o fica longe. É só irmos caminhando pela margem do lago.

O caminho sob as á rvores era bonito e acolhedor mas, mesmo assim, a temperatura continuava bastante quente e elas seguiam bem devagar.

— Rhoda à s vezes gosta de fazer cena! — Cindy falou de repente.

— Por que diz isso? — Jessica estranhou, pois Cindy era o tipo de pessoa que parecia nã o ter nada contra ningué m.

— Ela fingiu que nã o conhecia Jan e eles costumavam sair juntos, quando estudavam na mesma escola.

— No tempo em que Jan nã o tinha barba — Jessica comentou, defendendo Rhoda. — Acho que a aparê ncia dele deve ter mudado muito.

— Má s Jan nã o é o tipo de pessoa que se esquece facilmente, pois é bastante alto e muito loiro! Acho que Rhoda fez isso deliberadamente. Está tã o obcecada com a ideia de renovar a amizade com Simon Benson que nã o tem tempo para dedicar nem um pensamento a qualquer outra pessoa. Aposto que ela convidou Simon para vir conosco na viagem.

— Sim, convidou.

— E o que foi que ele disse?

— Bem, nã o pareceu muito disposto a aceitar o convite.

— Ó timo! Espero que nã o venha, pois assim Jan terá alguma chance com Rhoda.

— Nã o pensei que você tivesse essas tendê ncias para cupido...

— Ora, eu nã o tenho mesmo — Cindy sorria —... mas é que acho que Jan merece uma chance.

A casa dos MacKay també m era muito bonita e agradá vel, e estava cheia de crianç as e cachorros. Cindy usou o telefone e depois ficaram por lá conversando. Convidaram os MacKay para o jantar, um churrasco ao som das canç õ es de Jan. Quando voltaram para casa, ele já estava preparando o carvã o para assar a carne.

Na cozinha, Rhoda estava entretida com cenouras e tomates, terminando de fazer uma salada. Molly pegava os talheres e pediu a Jessica que os colocasse lá fora, nas duas mesas de piquenique que haviam no jardim da casa.

— Sabe fazer um bom churrasco na brasa? — ela perguntou para Jessica.

— Eu nunca fiz — Jessica admitiu.

— Entã o, chegou sua chance de aprender um antigo há bito nosso! Jan é um perito. Leve esta carne para ele e observe!

Enquanto a carne ia assando devagar sobre a churrasqueira do jardim, chegaram os MacKay, trazendo cerveja e refrigerantes. Comeram, beberam e conversavam com animaç ã o. A tarde ia morrendo rapidamente, e o cé u tingia-se de vá rios tons rosa e vermelho. No horizonte, as montanhas escureciam.

A pedido de Molly, Jan trouxe o violã o que estava no carro. Ele tinha uma voz suave e cantava muito bem. As canç õ es mais conhecidas eram cantadas em coro, até mesmo por Jessica, que també m sabia algumas. Tudo aquilo era muito agradá vel e teria se prolongado até mais tarde se, a certa altura, Molly nã o tivesse avisado que já era hora de se recolherem, pois aqueles que partiriamna excursã o deveriam estar prontos à s oito horas do dia seguinte.

Jessica dormiu muito bem e foi acordada por Cindy, bem cedo. Colocou roupas pró prias para uma longa cavalgada e calç ou as botas que Molly tinha emprestado, boas para caminhar em terrenos acidentado e para cavalgar. Cindy emprestou-lhe um grande blusã o de ná ilon, para a chuva e a umidade.

No rancho, Joe Trip já esperava por eles, quando chegaram. Era um homem forte, talvez com uns cinquenta anos de idade, olhos azuis e o sangue í ndio que certamente havia em sua famí lia, revelado pelos traç os do rosto. Ele dava instruç õ es para Al Curtis, o pequeno homem que Jessica tinha conhecido no dia anterior, logo ao chegar ao rancho. Nã o havia sinal de Danny nem de Simon.

— O patrã o virá conosco? — Rhoda perguntou para Joe, quando estava amarrando umas mochilas de couro sobre as costas do cavalo que carregaria todo o equipamento.

— Nã o, ele nã o virá — Joe Trip respondeu com educaç ã o. — Acho que tem muito trabalho para fazer aqui no rancho.

— E Danny... virá? — Rhoda insistiu.

— Eu ainda nã o o vi hoje... Bem, acho que já está na hora de partirmos.

Aliviada porque Simon nã o viria e, portanto, Rhoda nã o estava com razã o, Jessica montou Snap e se ajeitou na sela. Contudo, o alí vio foi seguido de um sentimento de frustraç ã o, pois pensou que gostaria de visitar Eagle Lake ao lado do neto de Rose Roberts, algué m que sua avó havia conhecido.

Quando estavam todos prontos, Joe també m montou e deram a partida. Iam em fila, seguidos pelos cavalos que carregavam a bagagem, por um cavalo de reserva e por Al Curtis, que fechava o cortejo. Seguiram pela trilha que tinham tomado no dia anterior mas, assim que ultrapassaram a ponte, tomaram outro caminho. Jan havia se aproximado de Jessica e ia lhe falando a respeito das flores e das plantas do lugar. Ele as conhecia muito bem, pois era professor de biologia na Universidade de Edmonton.

A viagem seguia lentamente, pois era impossí vel avanç ar depressa por causa da dificuldade do caminho e pela subida constante. Ora passavam entre bosques de mata exuberante, ora passavam por grandes rochas, pedras enormes que faziam os cascos dos cavalos escorregarem um pouco. O silê ncio era profundo, dando a sensaç ã o de que as coisas estavam paradas, em suspenso. Esse clima só era quebrado pelo movimento e pelo barulho dos animais. Aqui e ali começ avam a surgir grandes poç as de neve ainda dura e congelada, brilhando sob o sol forte. Uma leve brisa um pouco fria soprava o tempo todo.

Já passava do meio-dia, quando resolveram parar um pouco. Os bosques tinham ficado para trá s e a paisagem agora era dominada pelas rochas. Havia um regato por perto e os cavalos beberam á gua avidamente. Joe logo construiu uma engenhosa fogueira, com uma armaç ã o de varas sobre o fogo, onde pendurou o bule para esquentar a á gua e fazer o café. Todos beberam, junto com os sanduí ches que haviam trazido. Era muito agradá vel lá em cima, com o sol forte e ao mesmo tempo o ar frio. De repente, Al se levantou e caminhou alguns passos, até a trilha. Parecia estar escutando alguma coisa. Em seguida, voltou para perto de Joe e cochichou ao seu ouvido.

— O que está acontecendo? — Rhoda quis saber.

— Al diz que há algué m subindo a trilha atrá s de nó s — Joe respondeu.

— Um outro grupo dirigindo-se para Eagle Lake? — Cindy sugeriu.

— Nã o, é uma pessoa cavalgando sozinha — Al Curtis explicou.

— Como pode saber?

— Por que só há um cavalo — Al respondeu, enquanto começ ava a recolher as canecas de café e os utensí lios.

— Será que nã o deverí amos esperar até ele nos alcanç ar? — Rhoda sugeriu, enquanto se espreguiç ava.

— Como você sabe que é um homem? — Joe desafiou. — Al pode ouvir a grande distâ ncia, mas nã o consegue enxergar tã o longe assim.

Rhoda ficou encabulada e, sobre a fumaç a da pequena fogueira, seus olhos encontraram os de Jessica.

— Bem, eu nã o sei... Só pensei que talvez fosse o chefe do rancho, trazendo algo que tivé ssemos esquecido.

— Nó s nã o esquecemos nada, srta. Rhoda — Joe continuou, talvez se divertindo com o embaraç o dela. — E mesmo que tivesse acontecido isso, o patrã o mandaria outra pessoa trazer, em vez de vir ele mesmo. Acho que teremos de esperar para saber quem é, afinal.

Pouco depois, já estava tudo arrumado e pronto para partir quando Al Curtis levantou a cabeç a e cheirou o ar, como um animal que sente algum perigo no ar.

— Está bem perto agora, vindo devagar como se estivesse bastante cansado. — Todos olharam na direç ã o de onde vinha a trilha e pouco depois surgiu o cavalo branco e marrom trazendo um desajeitado menino sobre a sela, usando um pequeno chapé u branco.

— Danny! — Rhoda exclamou e em seguida fitou Jessica, com olhar radiante. As duas olharam novamente para a trilha, certas de que o grande cavalo negro de Simon logo apareceria. Contudo, isso nã o aconteceu. Danny estava sozinho.

O garoto tinha a face um pouco pá lida e um ar de cansaç o. Mas seus olhos brilhavam de triunfo.

— Consegui, consegui! — ele gritava, exultante. — Consegui chegar sozinho até você s!

— Seu pai sabe que está aqui? — Joe perguntou, um pouco contrafeito.

— Nã o. Esperei até que tivesse partido de jipe para Clinton e entã o selei Cracker sozinho e vim atrá s de você s. — Pelo jeito do garoto, ele parecia esperar que o aplaudissem. — Puxa, foi uma longa cavalgada. Será que poderia comer alguma coisa?

— Claro que sim, Danny. — Joe abriu um grande sorriso e foi ajudá -lo já desmontar. — Mas foi errado ter vindo sem avisar seu pai.

— Eu queria vir com você s...

— Eu sei, mas terá que voltar — Joe falou decidido. — Mandarei Al com você.

O garoto ficou triste, e seus olhos marejaram-se de lá grimas.

— Oh! Ele nã o pode ficar conosco? — Jessica interveio. — Eu o tinha convidado, e posso me responsabilizar por ele.

Joe ergueu as sobrancelhas e seu rosto adquiriu um ar pensativo.

— O pai dele nã o vai gostar nada disso. Alé m do mais, ficará preocupado quando voltar de Clinton e nã o encontrar o menino.

— Eu deixei um bilhete, explicando onde tinha ido — Danny insistiu. — Alé m do mais, avisei Mary.

— E ela nã o tentou fazer você ficar?

— Ela nã o acreditou que eu fosse mesmo fazer isso. Oh, por favor, Joe, deixe-me continuar com você s... Meu pai ficará muito contente, quando souber que cavalguei sozinho até aqui. Ele costumava fazer isso quando tinha minha idade!

Joe Trip tirou o chapé u e cocou a cabeç a. Em seguida, encarou Jessica.

— Bem, entã o acho que devo mandar Al de volta para avisar ao patrã o que o garoto está seguro conosco e que a senhorita se prontificou a tomar conta dele.

— Sim, desta maneira tudo se resolverá — era Cindy quem falava. — Poderemos ajudá -lo com as tarefas até que Al se junte a nó s novamente.

Joe ainda nã o estava completamente convencido e Danny o fitava com um olhar ansioso.

— Está certo — ele resolveu afinal —... entã o faremos assim!

Danny deu um grito de satisfaç ã o e em pouco tempo Al Curtis partiu pela mesma trilha em que tinham vindo. Depois de o menino comer um lanche, Joe acabou de arrumar a bagagem sobre os cavalos de carga e recomeç aram a viagem. Em breve saí am daquele lugar cercado de rochas e chegavam a um grande platô de pedra, a cé u aberto. A vista era maravilhosa, tanto dos vales lá embaixo como dos cumes pró ximos, cuja neve cintilava ao sol. Jessica estava deslumbrada.

Jan continuou ao lado de Jessica, explicando tudo sobre as plantas formaç õ es naturais que iam encontrando. Pouco tempo depois, avistaram uma manada de bú falos selvagens, que pastava perto de um riacho. Os animais també m perceberam a presenç a deles e se afastaram a galope, sumindo por trá s de umas grandes rochas.

Havia muito espaç o por ali e eles nã o precisavam cavalgar em fila. Jessica se deliciava com a sensaç ã o de estar num lugar tã o inacessí vel, tã o afastado do resto do mundo e tã o pró ximo do cé u. Contudo, Joe logo mandou que se colocassem em formaç ã o mais uma vez, pois a trilha começ ava a se estreitar.

Desceram por um caminho í ngreme, os cavalos avanç aram lentamente. Chegaram a uma espé cie de anfiteatro natural, limitado dos quatro lados por rochas enormes, que se erguiam verticalmente.

— Acamparemos aqui esta noite — Joe avisou, antes de desmontar.

A primeira coisa que fez, depois, foi recolher madeira para o fogo. Construiu um pequeno fogã o de pedras, todos sentaram-se esperando enquanto o jantar era preparado. Logo se serviam de carne com batatas e cebolas que Joe havia habilmente cozinhado.

— Já avanç amos quatorze milhas — Joe disse.

— Puxa, só isso? — Jan falou, fingindo-se desapontado. — Parecem quarenta!

— Algué m está dolorido de andar a cavalo? — Joe perguntou, — E você, Danny?

— Um pouco — o garoto admitiu. — Mas vale a pena, já que foi para estar aqui com você s!

— A melhor maneira de fazer a dor desaparecer é caminhar um pouco — o empregado sugeriu. — Quando voltarem, já terei armado as barracas.

Cindy ficou para ajudá -lo e os demais foram passear. Jan e Rhoda logo se afastaram de Jessica e Danny, que se sentaram sobre uma grande pedra e ficaram observando a vista. Lá de baixo, as rochas pareciam cinza, mas, na verdade, eram coloridas, por causa do musgo que crescia sobre elas. Perto dali, os cavalos pastavam, comendo as delicadas flores que cresciam nas alturas, sem que ningué m as pudesse ver e admirar sua beleza. Quando Jessica e o garoto já voltavam para o acampamento, ela perguntou a Danny se ele tinha pedido a Simon para vir.

— Nã o, só perguntei se ele vinha. E, pela maneira como disse que nã o, vi que seria inú til pedir para me deixar vir. Foi por isso que eu saí sem ele saber.

— Você correu um risco grande. E se tivesse acontecido algum acidente?

— Nã o aconteceu, nã o é? Agora estou aqui e fico muito satisfeito com isso. Nã o queria perder esta excursã o por nada no mundo!

As barracas já estavam erguidas quando chegaram ao acampamento. Cindy, Jessica e Rhoda ficariam na maior delas e Jan, Danny e Joe na menor. Quando Al voltasse, teriam de erguer també m a outra pequena tenda.

Aos poucos a luz foi sumindo e o ar esfriando bastante. Afinal, estavam a muitos quilô metros de altitude, e as noites eram sempre frias lá em cima. Todos se sentaram ao lado da fogueira, enquanto Jan cantava e tocava violã o. Foi Joe quem primeiro percebeu que um cavalo se aproximava. Pediu que fizessem silê ncio e todos escutaram atentamente, ouvindo o claro ruí do de galope nã o muito distante.

— Ele está vindo bem silencioso — Joe avisou. — Só conheç o uma pessoa que poderia cavalgar assim! — completou, já se levantando para receber o cavaleiro que a qualquer momento apareceria.

— Olá, patrã o! — ele disse, quando o enorme cavalo negro apareceu, montado pelo forte cavaleiro. — Você veio bem rá pido e deve estar com fome!

— Seria ó timo experimentar mais uma vez sua carne com cebolas e batatas, Joe! — A voz de Simon era tranquila e tinha um certo tom divertido. Ele desmontou e se aproximou da fogueira, seu rosto iluminando-se com o brilho do fogo. No mesmo momento, Danny se levantou e correu para junto dele.

— Nã o fique zangado comigo, papai, por favor!

— Nã o estou zangado — Simon replicou sorrindo, enquanto passava a mã o carinhosamente na cabeç a do menino. — Por que nã o me disse que també m queria vir?

— Eu... eu pensei que você nã o deixaria... — Era ó bvio que agora ele estava satisfeito pelo pai estar ali també m.

— Você estava enganado, Danny. Eu o teria deixado vir!

— Teria mesmo?

— Claro que sim. Sabe, faz muito tempo que desejava fazer uma viagem pelas montanhas junto com você e acho que agora chegou a hora de meu desejo se realizar.

— Quer dizer que nã o me fará voltar com você? Vai me deixar continuar até Eagle Lake?

— Exatamente, e també m irei com você s. Encontrei Al quando vinha para cá e mandei-o voltar para o rancho. Tomarei o lugar dele.

Enquanto Danny pulava de satisfaç ã o, Rhoda apenas olhou para Jessica. As chamas da fogueira brilhavam entre elas. Os olhos escuros de Rhoda tinham uma clara mensagem: " eu nã o disse? "

 

 



  

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