Хелпикс

Главная

Контакты

Случайная статья





CAPÍTULO II



 

O sol já estava alto quando atravessaram os enormes portõ es do castelo e entraram na alameda de flamboyants. Vanessa olhava tudo, fascinada.

— Tudo aqui parece mais imponente do que em qualquer outro lugar. Tem certeza de que é real, señ or? Nã o estou sonhando acor­dada?

— Gostaria que o castelo e eu fô ssemos apenas fruto da sua ima­ginaç ã o, Srta. Carrol? — falou, naquele tom meio zombeteiro que costumava usar com ela em Ordaz. — Vamos, convido-a a dividir meus tesouros.

— Que magnâ nimo! Acho que pode se dar ao luxo de ser gene­roso comigo, porque tem tudo isso, um castelo e uma ilha, e eu nã o tenho nada. . . alé m da minha independê ncia. Don Rafael, se quiser mesmo me ajudar, gostaria que me arranjasse algum tipo de trabalho, enquanto estiver aqui.

— Mesmo? — Franziu as sobrancelhas, irô nico. — O que pre­fere, Srta. Carrol: colher algodã o, empacotar limõ es ou plantar pimen­ta? Há també m a fá brica de perfume. . . Ah, mas estava me esque­cendo de que a sua especialidade é café. Talvez prefira lidar com esse tipo de coisa, hein?

Ela corou violentamente e engoliu em seco. Deus! Que grande in­grata devia parecer! Na noite anterior, ele havia arriscado a vida para salvá -la, e aqui estava a inglesa orgulhosa, rejeitando sua pro­teç ã o, antes mesmo de entrar na casa. . .

— Admiro a independê ncia, Srta. Carrol, mas você leva a sua a extremos irritantes. Nã o posso acreditar que as mulheres de sua terra sejam todas tã o mal-agradecidas como você parece ser. Deve haver pelo menos uma ou duas que apreciem a hombrada de um homem.

— Nã o, nã o sei o que a palavra significa. — Nã o pô de evitar de se encolher no banco, quando ele se inclinou na direç ã o dela, blo­queando a janela com os ombros largos e encarando-a com expres­sã o zangada.

— Significa nobreza, bravura. Suspeito de que minha hombrada de ontem à noite nã o significou muito para você. É uma pena que meu nome nã o seja Smith, Brown ou. . . Conroy. De homens com esses sobrenomes você certamente aceitaria ajuda e conforto, achan­do tudo muito natural. Mas seu sangue inglê s se revolta à simples idé ia de dever um favor a um estrangeiro, nã o é? Uma semana atrá s, atribuí a sua relutâ ncia em vir para Luenda ao amor por seu tio. Estava enganado. O fato, puro e simples, é que você nã o gosta de mim por ser o que sou. — Riu, cí nico. — Bem, nã o importa, Afinal, nã o estou querendo o seu amor. Mas resolvi assumir o lugar de seu tio e, goste ou nã o, você é responsabilidade minha, até que as autoridades tomem as providê ncias para mandá -la de volta à sua querida Inglaterra.

— Posso. . . posso entrar em contato com o consulado?

— Evidente que pode. Sua passagem será paga, mas isso nã o re­solve o problema principal: como vai sobreviver lá. Precisa arranjar um emprego, assim que chegar. E já me disse que nã o tem qualificaç õ es. Garota, seja realista! Eu disse que minha casa é sua. . . recuse a oferta, e jamais me esquecerei do insulto.

Recostou-se no banco do carro, a cara fechada, e Vanessa desejou desesperadamente que Jack Conroy a tivesse salvado de Ordaz. Com ele, bastaria agradecer, e cada um iria para o seu lado.

Mas nã o podia fazer isso com don Rafael de Domerique. Aquele homem tinha um có digo de honra muito particular. Era o senhor feudal que castigava quem nã o se submetia à sua " proteç ã o".

O Rolls Royce saiu da alameda, entrou num pá tio calç ado de pedras e parou diante dos largos degraus que levavam ao castelo. O chofer abriu a porta. Vanessa desceu, seguida de seu anfitriã o. Pa­rou na entrada, admirando a magní fica vista da enseada.

— O primeiro don Rafael que viveu aqui gostava de olhar as coisas de cima — disse ele, divertido. — Gosta da minha ilha, Srta. Carrol?

— É linda, señ or.

La islã é s bella, é assim que se diz em espanhol, señ orita. Preciso lhe ensinar nossa lí ngua. Talvez, assim, você se sinta mais em casa. Em casa. . . — Saboreou as palavras. — Ah, você s, ingle­ses, tã o astutos, sã o excelentes adversá rios numa batalha. Mas tam­bé m sabem amar, espero?

— Sim, señ or. À nossa maneira.

Foi salva daquela conversa desagradá vel pelo som das pesadas portas sendo abertas por um criado uniformizado. Don Felipe segu­rou-a pelo braç o e entraram num imenso hall com chã o de mosaico. No centro, uma escada dupla, com balaú stre de ferro trabalhado e degraus revestidos de azulejos, levava ao segundo andar.

— Vamos para o salã o.

Subiram e entraram em outro aposento imenso, com janelas largas e um tapete que afundava sob os pé s. A mobí lia era escura e enta­lhada; os sofá s, adamascados.

Havia duas pessoas no salã o: um homem, que tirou rapidamente os olhos do jornal, quando entraram, e uma mulher, parada junto a um dos janelõ es.

— Até que enfim, Rafael! — ela disse, olhando apenas para ele, embora Vanessa soubesse que seus olhos de veludo negro nã o haviam perdido um ú nico detalhe de sua pobre aparê ncia.

O espanhol beijou a mã o que ela ofereceu. Tinha o porte nobre e altivo de um modelo de Goya.

— Rafael, está vamos muito preocupados com você. Por que foi sozinho a Ordaz?

— Um homem sozinho que sabe o que faz pode ser mais eficiente do que um exé rcito, Lú cia.

Entã o, aquela era, nada mais nada menos, do que a señ ora Lú cia Montez, a jovem viú va da qual don Rafael falara algumas vezes com Lennard. O marido, bem mais velho, tinha morrido um ano antes. Desde entã o, o senhor de Luenda cuidava dela.

— Tenho certeza de que me perdoou, quando soube o motivo da minha partida repentina. Meu secretá rio tinha ordem de nã o dizer nada a ningué m, até hoje de manhã.

— Agora que voltou sã o e salvo, é claro que está perdoado. — A voz quente e sensual da señ ora deixava bem claro que ele podia conseguir dela muito mais do que apenas perdã o. — Há muito tem­po eu vinha percebendo que andava preocupado com o seu amigo. . . e com sua jovem sobrinha, claro. — Sorriu na direç ã o de Vanessa. — Mas, onde está o señ or Carrol?

Em espanhol, ele explicou rapidamente o que havia acontecido em Ordaz. Lú cia Montez ouviu com simpatia, enquanto o rapaz deixava de lado o jornal, o olhar fixo em Vanessa. Era esbelto, moreno, tinha bigode e seu braç o esquerdo estava imobilizado numa tipó ia. Usava um terno muito bem cortado e camisa de seda. Devia ter uns vinte e cinco anos, bem mais moç o do que seu anfitriã o.

— Sinto muití ssimo, Srta. Carrol — disse, num inglê s quase sem sotaque.

Ela agradeceu. O estranho parecia bem mais agradá vel e fá cil de conviver do que o dono da casa. Segurando seu braç o, don Rafael apresentou-a a Ruy Alvadas e a Lú cia, que nã o tirava os olhos da mã o dele, agora apoiada no ombro de Vanessa. A señ ora era, evidentemente, bastante possessiva.

— Que tal tomarmos uns drinques? Pode providenciar isso, primo Ruy?

— Claro. É minha especialidade.

— Muito ú til com as señ oritas, nã o? — Lú cia deu uma risada rouca.

Verdadero. — Deu de ombros e olhou para Vanessa.

— O que prefere, Lú cia?

— Um cá lice do seu delicioso Lá grima, Rafael.

A sra. Montez sentou-se no braç o do sofá e tirou um cigarro de uma delicada caixa de prata e cristal. Don Rafael acendeu e, du­rante alguns segundos, os dois ficaram bem juntos, olhos nos olhos.

Ele guardou o isqueiro no bolso e virou-se para Vanessa.

— O que quer beber, Srta. Carrol?

Será que ele nã o percebia que a ú nica coisa que realmente de­sejava era ficar sozinha, em vez de sentada naquele impressionante salã o, ao lado daquela mulher elegante que a tratava com desprezo?

Como nã o respondesse, ele sugeriu:

— Talvez um conhaque para a señ orita. Para mim, um bacardi. Ruy Alvadaas aproximou-se com uma bandeja. Vanessa pegou o cá lice, enquanto respondia, polidamente, à s perguntas da señ ora. Entã o, tinha perdido tudo? Que terrí vel! Mas nã o foi mesmo uma sorte don Rafael estar lá para salvá -la?

— Você é um heró i, Rafael.

— Bobagem, Lú cia. A Srta. Carrol é que foi muito corajosa. Eu podia muito bem ser El Zorro. O lí der da rebeliã o. Dizem que é um espanhol.

Vanessa percebeu que ele falava dos momentos que passaram jun­tos no escritó rio do tio, quando, por alguns terrí veis minutos, havia pensado que ele era um inimigo.

— Por favor, tome seu conhaque. Vai lhe fazer bem — sugeriu, quase gentil, e ela obedeceu.

— Nunca tinha vindo a Luenda, Srta. Carrol? — perguntou a viú va.

— Nã o. Mas ouvi falar muito da ilha, quando don Rafael visitava titio.

— O señ or Carrol e eu tí nhamos negó cios em comum — ele ex­plicou. — É meu dever dar abrigo à sua sobrinha, agora que ele se foi.

Lú cia recebeu a explicaç ã o com um sorriso que dizia que ela entendia. . . perfeitamente. Virou-se para Vanessa, dizendo:

— Se precisar de alguma coisa, minha querida, nã o hesite em me pedir.

— Obrigada — respondeu, jurando a si mesma jamais aceitar a caridade daquela mulher. Principalmente porque nã o havia um pingo de sinceridade na oferta. Mas a señ ora faria qualquer promessa para agradar ao homem que desejava.

Don Felipe interrompeu:

— Mandei preparar uma suí te para você. Deve estar querendo su­bir agora.

Parecia mais uma ordem. Vanessa nã o se importou. Estava mes­mo louca por um pouco de solidã o e um banho quente.

Ruy Alvadaas aproveitou para se despedir, prometendo voltar mais tarde. Pela cara sombria de don Rafael, Vanessa percebeu que ele nã o gostava nem um pouco do charme que o primo jogava para cima dela. Pura perda de tempo: o rapaz nã o fazia o seu gê nero. Nem estava com a menor disposiç ã o para se deixar envolver numa tempestuosa paixã o latina.

Don Rafael acompanhou-a pelo corredor que levava à ala oposta do castelo, onde uma empregada toda de preto os esperava, as mã os cruzadas na altura da cintura, o rosto com uma expressã o severa.

— Concepció n cuidará para que tenha tudo de que precisa, Srta. Carrol. Descanse o tempo que quiser. Vou mandar trazer seu almoç o.

— É muito gentil, señ or.

Estava sendo sincera. Havia gentileza naquele homem, apesar de sua aparê ncia amedrontadora, seu có digo de honra medieval e a inata certeza de que as mulheres eram seres fracos e indefesos, sem­pre dependentes da lideranç a masculina.

Esta es su casa, señ orita. Durma e nã o se esqueç a de que en­quanto as pessoas que amamos estã o no nosso coraç ã o, nunca mor­rem, realmente. Adió s!

Segurou carinhosamente o queixo de Vanessa, e depois afastou-se pelo corredor acarpetado. Mas nã o desceu a escada. Em vez disso, abriu uma porta em arco. Provavelmente, a de sua pró pria suí te.

O quarto de Vanessa era espaç oso e cheio de luz, com uma grande cama, com dossel adamascado. Depois de lhe mostrar o suntuoso banheiro, que cheirava a essê ncias de flores, e ter certeza de que nã o precisava de mais nada, Concepció n deixou-a sozinha.

Vanessa sentiu-se relaxada pela primeira vez, em horas. Tirou a roupa suja e rasgada, encheu a banheira com á gua morna e espuma de banho e se deixou ficar, de olhos fechados e coraç ã o mais leve. Foi um dos banhos mais deliciosos de sua vida. As toalhas felpudas eram uma carí cia e, sobre uma enorme bancada de má rmore rosado, havia toda espé cie de cremes, talcos e colô nias, em potes de cristal. Vestiu o robe de seda que Concepció n tinha deixado sobre a cama, junto com um par de chinelos macios e sem salto. Imaginou se seriam de Bá rbara del Quiros.

Foi até a sacada ensolarada e recostou-se numa espreguiç adeira. Ordaz parecia estar a um milhã o de quilô metros de distâ ncia, mas nã o acreditava que, um dia, as lembranç as deixassem de machucar seu coraç ã o. O tio tinha se transformado no pai e na mã e que per­dera ainda adolescente. Um homem gentil e compreensivo, que, ape­sar de solteirã o, soube exatamente como cuidar dela.

Oh, Deus! Por que havia recusado tã o obstinadamente aquele con­forto e aquela seguranç a que poderiam ter salvado a vida dele? Por que nã o teve o bom senso de pedir que viesse para Luenda? Lá gri­mas queimaram seus olhos e rolaram pelas faces. De repente, os sinos de uma capela começ aram a tocar, e ela se sentiu reconfortada. Era como se lhe dissessem que o que tem que ser, será.

A plantaç ã o nã o era apenas o meio de vida do tio. Era sua casa, seu mundo, a paixã o que nunca sentira por uma mulher. Se fosse obrigado a abandoná -la, o coraç ã o de Lennard teria ficado com os arbustos de café, o piano, os livros. . .

Quando os sinos se calaram, Vanessa voltou para o quarto. Aquele castelo era agora a sua realidade. E as pessoas que moravam ali, no fundo, se pareciam com seus compatriotas. Orgulhosos e inteligentes, desdenhavam o perigo. A grande e aflitiva diferenç a era a idé ia pre­concebida que os homens faziam do papel das mulheres.

Lembrou-se da pele de cetim de Lú cia Montez, seus lá bios verme­lhos e os olhos escuros, à s vezes atrevidos, à s vezes misteriosos. Uma fê mea, da cabeç a aos pé s. Gostava de homens e de ser admirada por eles, mas sabia ser charmosamente submissa: qualidade indispensá vel para os latinos.

Olhou-se no espelho da penteadeira. O que fazia uma loira rebelde naquele lugar? Nada ali tinha alguma coisa a ver com ela. Abriu um dos frascos de perfume. Caro e exclusivo, o tipo de coisa que a señ ora Montez usaria para atrair. . .

Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada de Bá rbara, que entrou sem bater. O que, aliá s, devia ser bem do seu feitio.

— Nossa! Ainda nã o foi dormir?

Vanessa olhou-a, espantada. Parecia ter trazido metade de seu guarda-roupa.

— Aqui tem alguns vestidos esportes e um que pode usar no jantar de hoje. Trouxe també m lingerie e meias. Ah, preciso me lem­brar dos sapatos. Calç o 35. É o seu nú mero, nã o é? Que sorte!

Vanessa sorriu, constrangida. Era duro ter, de repente, que depen­der da generosidade de estranhos. Mas, já que a situaç ã o era essa, preferia mil vezes agradecer a gentileza de Bá rbara.

— É claro que o padrinho vai comprar roupas para você, mas, enquanto isso, acho que estas servem. — Parou, surpresa, porque Vanessa tinha corado. — Ora, deixe de bobagem! Nem pense em recusar, ele ficaria muito ofendido. Engraç ado você nã o gostar dele! As mulheres vivem atrá s do padrinho. Nã o o acha atraente?

— É só que. ... sempre fui uma pessoa muito independente.

— Você s, inglesas, acreditam em direitos iguais?

— Na minha opiniã o, homens e mulheres sã o iguais. Começ ou a pendurar as roupas no armá rio. Quando se virou,

Bá rbara olhava fixamente para ela, com a cabeç a ligeiramente incli­nada para trá s, como se Vanessa fosse um animal raro.

— Pode ser que seja verdade — a garota disse —, mas é preferí ­vel deixar que os homens pensem o contrá rio. Perderí amos tanta coisa, se começ á ssemos a nos comportar como eles. . . Você tinha um navio em Ordaz?

— Um namorado? — Balanç ou a cabeç a. — Eu e meu tio está va­mos satisfeitos com a companhia um do outro.

— Mas, com certeza, já pensou em se casar. Uma vida sem o amor de um marido e sem filhos deve ser muito vazia. Quero ser amada por um homem de verdade.

Vanessa sorriu. Aquela gente dava muita importâ ncia à coragem e à virilidade. Segurou a ponta do robe de seda que estava usando e mudou de assunto:

— Obrigada por isto, Srta. del Quiros. É uma beleza.

— Pode me chamar de Bá rbara. També m vou chamar você só pelo primeiro nome. — Sorriu e ficou encarando Vanessa, com admiraç ã o. — E esse robe nã o é meu. A seda é produzida nas fá bricas de don Rafael. Acho que ele mandou trazer esse, especialmente para você. O tom de verde combina demais com os seus olhos para ser mera coincidê ncia. Parece uma figura saí da de. um quadro de Velazquez.

— E a señ ora Montez parece uma pintura de Goya.

— A viú va? Nunca a vi assim, depois de sair do banho, de cara lavada. Acho Lú cia muito artificial. E eu, sou bonita?

— Claro que é, muito. Provavelmente, é por isso que seu padri­nho nã o quer que ande pela ilha, feito um rapaz, como esta manhã.

A garota deu uma risada.

— Ele está impossí vel, desde que minha duena teve que voltar para a Espanha. Está procurando outra dama de companhia para mim. Uma velha chata, certamente. Enquanto isso, aproveito para me diver­tir um pouco. Que hombre!

Sim, um homem incrí vel, Vanessa concordou intimamente. Meio corsá rio, meio cavalheiro. De repente, imaginou Lú cia Montez nos braç os dele. A viú va era bonita e excitante de uma maneira que Bá rbara ainda era muito jovem para entender. Aquela mulher tinha muito em comum com don Rafael. Principalmente o explosivo tem­peramento latino.

— Seus olhos escureceram. Está pensando em Ordaz? Melhor eu deixar você descansar, ou o padrinho vai se zangar de novo. Até mais tarde, Vanessa.

Quando a garota saiu, Vanessa foi se deitar. A cama era macia, e o contato dos lenç ó is de cetim, delicioso. Mas custou a dormir, preocupada com o estranho rumo que sua vida tinha tomado.

Acordou vá rias horas depois. Concepció n entrava no quarto com uma bandeja. Abriu as venezianas e ajeitou os travesseiros.

— Dormiu bem, señ orita Carrol?

Colocou a bandeja a seu lado, e já ia sair quando Vanessa perce­beu que o mosquiteiro havia sido puxado sobre a cama.

— Obrigada pelo almoç o e por ter se preocupado em arrumar o cortinado para mim. Esqueci completamente.

A mulher parou na porta.

— Nã o fui eu quem fez isso, señ orita.

Seu inglê s era carregado de sotaque, mas perfeitamente compreen­sí vel. Involuntariamente, os dedos de Vanessa se crisparam na beira do lenç ol.

— Bem, talvez tenha sido Bá rbara. — Mas nã o era exatamente na garota que estava pensando.

A empregada concordou com a cabeç a e saiu.

Vanessa comeu com gosto. Nã o podia negar que era bom ser mi­mada daquele jeito. Depois do almoç o, recostou-se na cama e ficou admirando uma bonita tapeç aria que tomava quase toda a parede em frente. Era, sem dú vida, um trabalho espanhol. Que figuras impres­sionantes! Quanta paixã o havia naqueles rostos!

Alegria, sofrimentos, lá grimas, risos... tudo isso fazia parte do amor. Será que queria passar por aquelas coisas? Achava que sim. Por isso, nenhum dos jovens geó logos que costumavam visitar o tio nunca a haviam atraí do. Depois de trabalhar meses na selva, eles pareciam ter medo de tocar uma mulher, como se ela fosse delicada demais, quase inatingí vel.

Mergulhada em seus pensamentos, nã o ouviu baterem à porta. Quando percebeu, don Rafael tinha entrado.

— Concepció n me disse que estava acordada. Sente-se bem, agora?

— Sim, obrigada — respondeu, embaraç ada com aquele olhar que parecia despi-la. O que, aliá s, nã o seria difí cil, já que nã o usava nada por baixo do robe de seda.

Aproximou-se e inspecionou as travessas de prata sobre a bandeja.

— Nã o comeu muito, señ orita.

— Concepció n trouxe um almoç o imenso.

— Gosta do quarto?

— É lindo.

Aquele homem era irritante. Agora, tratava-a como a uma adoles­cente, igual à afilhada. Ficou mais embaraç ada ainda, quando ele disse:

— Este era o quarto de minha mã e. É um dos mais elegantes do castelo. Mas, talvez preferisse algo mais moderno?

— Oh, nã o! Adoro mó veis de estilo antigo.

— Finalmente, vejo você sorrir. Sempre era tã o sé ria perto de mim. . . Acho que está começ ando a perceber que nã o sou o monstro que pensava. Está muito enganada se pensa que, em meu lugar, o sr. Conroy ou qualquer um dos outros ficaria satisfeito apenas com sua gratidã o por lhe salvar a vida. Nã o deve julgar os homens só pela aparê ncia.

— Sei disso, señ or.

Por que insistia em falar de Jack Conroy? O rapaz nã o passara de uma companhia divertida e agradá vel. Mas don Rafael, evidente­mente, achava que havia algo mais entre os dois.

— E como espera que eu lhe pague? Pretende cobrar o mesmo preç o que qualquer um dos outros cobraria?

Por alguns momentos, houve um silê ncio incô modo. Entã o ele se aproximou e falou, com raiva contida, bem junto do rosto dela:

— Está supervalorizando seus encantos, señ orita. O que atrai um frangote feito Conroy nã o é o mesmo que agrada a um homem. Ainda é imatura demais para o meu gosto. Em todos os sentidos. — Seu olhar voltou a ficar frio. — Tudo o que quero, em troca disso, é que fique no castelo até estar preparada para partir. Insisto nisso como amigo de seu tio e para o seu pró prio bem. Está claro?

Entã o, como se aquela cena desagradá vel nã o tivesse acontecido, don Rafael perguntou se Bá rbara havia trazido as roupas que pro­metera. Sem uma palavra, Vanessa apontou para o armá rio. Ele exa­minou os vestidos.

— Ó timo. Isso vai servir, até você se sentir disposta a fazer com­pras.

Don Rafael, nã o quero abusar mais da sua generosidade. . .

— Nã o pode ficar aqui, sem ter roupas apropriadas.

E deu o assunto por encerrado. Em seus domí nios, ele dava a ú lti­ma palavra, e Vanessa duvidava de que algué m, algum dia, tivesse contestado sua autoridade. Duvidava també m de que uma mulher conseguisse derreter o gelo daquele coraç ã o.

— Agora que descansou — ele disse —, sugiro que se vista e junte-se à minha afilhada no jardim. Bá rbara é uma companhia diver­tida. Na sua situaç ã o, a pior coisa que pode fazer é ficar trancada no quarto.

Vanessa nã o respondeu, distraí da demais, imaginando que tipo de tá tica a viú va Montez precisaria usar para conseguir o que tanto desejava.

— Ouviu o que eu disse, Srta. Carrol? Estamos esperando por você.

Era o ú nico homem que conhecia, capaz de dar uma ordem e fazer uma reverê ncia em seguida. Assim que saiu, Vanessa resolveu pro­curar Jack Conroy o mais cedo possí vel e ver se ele podia lhe empres­tar algum dinheiro. Preferia um hotel modesto a todo o conforto daquela casa. E, principalmente, preferia ficar em dí vida com Jack a ser praticamente uma prisioneira no Castelo de Ouro.

Havia uma crueldade em don Rafael de Domerique que ela nunca havia percebido antes de chegar ali.

 



  

© helpiks.su При использовании или копировании материалов прямая ссылка на сайт обязательна.