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ÀS PORTAS DO INFERNO. Violet Winspear. Vendo don Rafael de Domerique de pé, ao leme do barco que os levava àquela ilha quase perdida do Caribe, Vanessa soube por que se sentia tão atraída por ele: em cada múscuСтр 1 из 8Следующая ⇒ À S PORTAS DO INFERNO " THE TOWER OF THE CAPTIVE" Violet Winspear
Vendo don Rafael de Domerique de pé, ao leme do barco que os levava à quela ilha quase perdida do Caribe, Vanessa soube por que se sentia tã o atraí da por ele: em cada mú sculo do seu corpo moreno e viril corria ainda o sangue dos seus ancestrais, piratas espanhó is que, no passado, saqueavam e se apossavam das novas terras. Sim, aquele homem jamais se deixaria vencer... e Vanessa estava perdida! Pois, sozinha no mundo, era na casa de don Rafael que ela agora ia morar, como protegida dele. Será que ele a desejava? Será que hesitaria em dobrá -la à sua vontade, transformando-a numa escrava de seus caprichos?
Disponibilizaç ã o: Rita Digitalizaç ã o: Simoninha Revisã o: Crysty
Copyright: VIOLET WINSPEAR Tí tulo original: " THE TOWER OF THE CAPTIVE" Publicado originalmente em 1966 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Traduç ã o: MÁ RCIA LOBO
CAPÍ TULO I
Inquieta, Vanessa andava pelo quarto. Nã o era apenas o som distante dos tambores na floresta que nã o a deixava dormir. Naquela noite, havia alguma coisa no ar... Uma ameaç a invisí vel, mas que ela podia sentir, espreitando em cada canto escuro do casarã o, nas palmeiras batidas pelo vento, nas plantaç õ es. Entã o, um tiro de revó lver fez com que seu sangue gelasse. Por alguns terrí veis segundos, ficou paralisada de medo. A ansiedade acabou vencendo o pâ nico: saiu correndo pelo corredor, gritando o nome do tio. Ao chegar no topo da escadaria que levava ao vestí bulo, parou, com o coraç ã o na garganta: um homem alto, vestindo um blusã o e uma calç a caqui, saí a do escritó rio de seu tio. . . e tinha um revó lver na mã o direita. — Don Rafael! Ele nã o fez o menor gesto para impedi-la de entrar no escritó rio. As portas da varanda estavam escancaradas e a ú nica luz acesa era o abajur sobre a escrivaninha, onde Lennard Carrol costumava trabalhar até tarde. Deixara-o ali, quando subiu para o quarto, ocupado com uma pilha de documentos. Agora, no entanto, sua cabeç a grisalha repousava na mesa e os papé is tinham caí do no chã o. — Tio Len, fale comigo — implorou, como uma crianç a amedrontada. — Querido, o que você tem? — Vamos, señ orita. — Mã os fortes a seguraram pelos ombros e a empurraram de volta para o hall. — Vamos, temos que sair daqui o mais rá pido possí vel. Tenho uma lancha esperando na margem do rio. Aquelas palavras nã o faziam sentido para Vanessa. Tudo parecia um pesadelo. Olhou para o rosto daquele homem, que sempre tinha sido recebido como um amigo, e depois para o revó lver. — Seu tio morreu de um ataque do coraç ã o, Srta. Carrol. Eu apenas atirei no assaltante que invadiu a casa. Acho que o acertei, mas ele conseguiu fugir. Embora acreditasse no que dizia, Vanessa recuou quando ele se aproximou mais dela. Impaciente, pegou-a pelo braç o. — Nã o há tempo para muitas explicaç õ es. A revoluç ã o estourou e vai haver um banho de sangue. O sujeito que esteve aqui nã o veio atrá s de dinheiro, mas de vinganç a. Ouve os tambores? Estã o cada vez mais perto. Tem que aceitar a minha ajuda, quer queira, quer nã o, — Nã o entendo. — Olhe aqui, mocinha, seu tio era meu amigo, e vou tirar você de Ordaz nem que seja à forç a. Fui bem claro, agora? Puxou-a, mas ela resistiu. Entã o, o rosto moreno de don Rafael tornou-se tã o ameaç ador como os tambores que se aproximavam. — Nã o quero ter que arrastá -la pela floresta, mas farei isso, se for preciso. Pela forç a com que apertava seu braç o, Vanessa teve certeza de que don Rafael de Domerique falava sé rio. — Os empregados de titio nã o teriam coragem de tocar em mim. — Nã o, em seu estado normal. Mas estã o enlouquecidos de ó dio, embriagados pelas promessas loucas de seu lí der. E nã o preciso dizer o que podem fazer com os brancos. Principalmente com as mulheres brancas. Ou preciso? Enquanto falava, atravessaram o hall e saí ram para a sufocante noite tropical. Quase quinhentos metros de mata fechada separavam a casa do rio. Para Vanessa, foi uma caminhada interminá vel. Andava à s cegas, tropeç ando em troncos e cipó s, imaginando que, a qualquer momento, guerrilheiros armados surgiriam da escuridã o... e estaria tudo terminado. Finalmente alcanç aram os bambus que margeavam o rio. Don Rafael ajudou-a a embarcar e mandou que descesse para a cabine. Pouco depois, a lancha partiu. Só entã o Vanessa foi vencida pelo desespero. E pelo remorso. Tudo aquilo poderia ter sido evitado, se ela e o tio nã o tivessem sido tã o cegos, tã o obstinados. A rebeliã o havia estourado já há alguns dias. Uma semana antes, uma fazenda de café, numa ilha vizinha, tinha sido saqueada e incendiada. Por isso, don Rafael fora a Ordaz: para avisar os Carrol do perigo que corriam e levá -los para Luenda, a ilha onde morava. Mas Lennard se recusou a abandonar o trabalho de toda a sua vida. Alé m disso, nã o acreditava que seus empregados pudessem se virar contra ele. Nã o, depois de trinta anos. E, é claro, Vanessa nã o quis deixar o tio sozinho. Don Rafael, que nã o estava acostumado a ser contrariado, chegou a perder a pose de fidalgo. — Espero que nã o se arrependa de sua teimosia, Srta. Carrol. Você s, ingleses, sã o de uma coragem suicida. E acabam pagando com a vida por excesso de confianç a. — Seu olhar zangado procurou o do inimigo. — Srta. Carrol, insisto para que mande sua sobrinha me acompanhar. — Por favor, tio Len. O senhor nã o diz sempre que nossos homens nunca terã o coragem de nos atacar? O velho sorriu, orgulhoso. — Tenho certeza disso, don Rafael. Alé m do mais, é muito difí cil obrigar uma inglesa a fazer o que nã o quer. Especialmente as de cabelos avermelhados e geniosas, como minha sobrinha. — Es muy joven. — Fez uma reverê ncia para ela e virou-se para Lennard. — Tem o nú mero do meu telefone. Chame a qualquer hora, se tiver problemas. — Deu as costas e Vanessa desejou ardentemente nunca mais ver aquele homem arrogante. Durante a semana seguinte, ela e o tio se convenceram de que estavam a salvo da onda de violê ncia que começ ava a varrer as ilhas. Afinal, eram os Carrol, conhecidos pelo tratamento justo que davam aos empregados. Ele, sempre disposto a defender os direitos dos negros; ela, sempre pronta a ajudar as mulheres e as crianç as. Era absolutamente inacreditá vel que algué m pudesse levantar a mã o contra os dois. Mas os tambores começ aram ao entardecer. À noite, todos os empregados haviam desaparecido. A pró pria Vanessa serviu o jantar. Comeram em silê ncio e, quando se preparava para tirar a mesa, o tio mostrou o primeiro sinal de inquietaç ã o. — Deixe isso e suba, querida. Guarde apenas o necessá rio numa mala e nã o saia do quarto. Vou separar alguns documentos... só por via das dú vidas... e telefonar para don Rafael. Parece que, apesar de tudo, ele conhece essa gente melhor do que nó s. Foi aquilo que abalou o coraç ã o fraco do tio. Estranho!, nã o conseguia chorar por ele, embora os cinco anos que passaram juntos tivessem sido os mais felizes de sua vida. Ela tinha ido morar na plantaç ã o de café logo depois da morte dos pais, num acidente de carro. Para uma garota de dezesseis anos, viver numa ilha do Caribe tinha o sabor excitante de uma aventura. Que terminava, tragicamente, a bordo daquela lancha. Se é que estava terminada. Luenda ficava a poucos quilô metros de distâ ncia de Ordaz, mas era um dos lugares mais seguros do arquipé lago. Desde o tempo dos conquistadores espanhó is, era domí nio da poderosa famí lia Domerique. Lá, dificilmente se repetiria a cena que via agora, pela escotilha da cabine. Rolos de fumaç a negra subiam no horizonte avermelhado. Sabia que sua bela casa branca estava queimando e, com ela, desaparecia tudo o que aprendera a amar. Ouviu passos na escada e don Rafael entrou. Riscou um fó sforo e acendeu o lampiã o pendurado na parede. Como se aquilo fizesse alguma diferenç a para ela! Será que ele era tã o insensí vel a ponto de nã o perceber o estado em que se encontrava? — Foi uma grande tolice sua ignorar meus avisos — disse ele, no mesmo tom seco. — Mais alguns minutos e seria muito tarde para tirá -la de lá. — Eu sei, mas nã o podia deixar tio Len. Ele era tudo o que eu tinha... Estava tã o confiante na fidelidade de " sua gente"... era assim que os chamava, sabia? Por que, eles se voltaram contra nó s? — Porque foram incitados pelas promessas das grandes companhias que querem controlar a produç ã o de cacau, café e borracha das ilhas. Mas tente tirar isso da cabeç a, agora. Minha famí lia está à sua espera, em Luenda. Pode ficar lá o tempo que quiser. — É muita gentileza sua, señ or. Nã o sei como poderei pagar. . . — E quem falou em pagamento? Nunca simpatizamos um com o outro, Srta. Oirrol, mas isso nã o era motivo para deixá -la à mercê da selvagem de um bando de rebeldes enlouquecidos. Você s, inglesas, tê m muniu de independê ncia, mas no fundo nã o passam de mulheres indefesas, como todas as outras. Aquelas palavras duras quebraram a resistê ncia de Vanessa. Seu corpo lodo começ ou a tremer. Num gesto desajeitado de carinho, ele a puxou ele encontro ao peito. — Isso, pequena, esqueç a a fleuma britâ nica. Desabafe. Deixou-se ficar nos braç os dele, soluç ando. Quando se recompô s, I don Rafael foi até uma estante e pegou uma garrafa e um copo. O lí quido cor de â mbar queimou sua garganta, quando ele a forç ou a beber. Era um brandy forte, que fez efeito quase imediato. As pá lpebras pesaram, as pernas ficaram bambas. Ele ajudou-a a tirar as sandá lias, diminuiu a luz do lampiã o e disse-lhe para tentar dormir um pouco. Ainda faltava quase uma hora para chegarem a Luenda. Embalada pelas ondas e pelo torpor provocado pela bebida, Vanessa deixou que sua mente voltasse ao passado, à s noites em que Rafael de Domerique ia jantar com eles, em Ordaz. Como o achou atraente, na primeira vez em que o viu vestindo um terno branco! À luz dos candelabros, seus olhos negros brilhavam de uma maneira entranha, fazendo-a pensar em deuses pagã os e continentes esquecidos. Ele nunca fez nem disse nada que pudesse amedrontá -la, mas Vanessa nã o conseguia se sentir à vontade, quando ele a olhava. Houve uma noite em especial, que ficou gravada em sua memó ria. Deram uma festa para um grupo de jovens geó logos e, durante todo o jantar, ela percebeu que o espanhol nã o estava gostando da maneira como os rapazes flertavam com ela. Mais tarde, puseram discos e Jack Conroy ensinou-lhe os passos loucos de uma nova danç a que estava em moda na Inglaterra. Todo o tempo, sentiu que don Rafael, sentado na varanda, fumando um charuto com o tio, nã o tirava os olhos dela. — O homem nã o tem senso de humor — Jack brincou, quando foram passear no jardim. — Acho que ele nã o aprova nada do que a gente faz. Deve pensar que somos um bando de garotos malucos. E porque ele sempre a fez sentir-se assim, Vanessa tinha ignorado seus avisos de perigo. Nã o era de admirar que estivesse furioso com cia. Se tivesse concordado em partir para Luenda, uma semana antes, talvez tio Len resolvesse ir també m. E estaria vivo, agora. Adormeceu pensando que era tudo sua culpa, sua culpa. . . Algum tempo depois, foi acordada por passos e pelo barulho da porta sendo aberta. — Ah, está acordada! — ele disse, no frio tom cortê s de sempre, olhando para seu cabelo despenteado e para seu rosto molhado de lá grimas. — Chegaremos a Luenda dentro de poucos minutos. Se quiser se arrumar, vai encontrar tudo de que precisa ali. — Indicou uma pequena porta, que ela ainda nã o havia notado. — Depois suba, Srta. Carrol. Em noites claras, dá para ver o castelo e a lagoa à distâ ncia. Acho que vai gostar. Saiu, deixando-a furiosa. Entã o don Rafael esperava que ela estivesse fresca e apresentá vel, como uma turista despreocupada, depois do que havia passado? Tudo o que possuí a no mundo era a roupa do corpo. O resto de seus pertences — toda a sua vida! — estava transformado em cinzas. Lavou-se, passou uma escova no cabelo e ficou olhando, desanimada, para o espelho. De certa forma, o maldito homem tinha razã o: sua aparê ncia era assustadora. Muito pá lida, os braç os e o pescoç o arranhados, a blusa rasgada. Se ele já a amedrontava antes, agora chegava a sentir-se à beira do pâ nico. Porque era daquele jeito, feito uma mendiga, que teria que enfrentar o poderoso don Rafael em seus pró prios domí nios. E, pelo que o tio dizia, ele reinava na ilha como seus antepassados haviam reinado. Reuniu a coragem que lhe restava e subiu para o deck. Nã o tinha a menor idé ia de quanto tempo se passara desde aquela fuga desesperada pela floresta, e foi com surpresa que viu que amanhecia. A lancha manobrava para evitar os ató is de coral e à sua frente estava a mais linda paisagem que já havia visto. A lagoa era na verdade um braç o de mar que avanç ava pela costa rochosa, cercada de palmeiras, coqueiros e casuarinas. Dominando a praia, o castelo de pedra se erguia, imponente, como uma fortaleza saí da de um romance medieval. — É fantá stico, señ or! — Os olhos verdes de Vanessa brilhavam. — Nunca imaginei que fosse assim. Deve amar este lugar. — É a reproduç ã o exata de um palá cio de Castela. As pedras foram trazidas da Espanha. Nã o existe nada parecido nas ilhas. Ao sol, brilham como ouro. — O Castelo de Ouro — murmurou. — Tenho uma afilhada que chama o castelo de Torre da Prisioneira. Tem muita imaginaç ã o, a mocinha. Acho que você s duas vã o se dar muito bem. Havia uma ponta de ironia em sua voz e Vanessa o encarou, curiosa. Mas don Rafael nã o lhe deu atenç ã o; aproximavam-se do pequeno ancoradouro. Tirou o blusã o caqui e voltou para o leme. Usava uma camisa de mangas curtas, aberta no peito, que revelava cada mú sculo de seu corpo moreno. Observando-o, Vanessa nã o pô de deixar de pensar nos bucaneros que dominaram o Caribe no passado. Soube, entã o, que era aquela forç a selvagem o que tanto a assustava. Sob os modos polidos e as roupas elegantes, sempre adivinhara nele o homem que nã o se deixa vencer e que simplesmente toma tudo o que deseja... castelos ou mulheres. Dois nativos esperavam no ancoradouro. Um pegou a corda que o patrã o atirou e o outro ajudou Vanessa a desembarcar. Pelos traç os do rosto e pelo tom claro de suas peles, percebeu que tinham sangue espanhol. Trataram o senhor da ilha com reverê ncia e foram tratados com simpatia. Pela primeira vez, don Rafael sorriu. — Gallito e Perico estiveram pescando. Vã o preparar para nó s um prato delicioso: peixe assado dentro de um coco. Deve estar faminta nã o, Srta. Carrol? Ela nã o tinha pensado em comida, até aquele momento. Mas faze uma refeiç ã o ali na praia pareceu uma ó tima idé ia. Se o resto d famí lia Domerique se parecia com o chefe, ia precisar de todas as suas forç as para enfrentá -los. Don Rafael aceitou o convite dos nativos, que começ aram a armar uma fogueira e limpar o peixe. Logo, Vanessa sentiu um cheiro delicioso e descobriu que estava mesmo faminta. O espanhol trouxe pratos e talheres da lancha, abriu um coco, entregou a ela e fez sinal para que se sentasse à sombra de uma casuarina. Os homens serviram o patrã o e sua hó spede. Depois, sumiram entre as á rvores. Vanessa conhecia muitos pratos tí picos das ilhas, mas nunca havia provado nada igual. Comeu com gosto, tomando á gua de coco. — Bueno, nã o é? — Don Rafael sorriu e deu-lhe um guardanapo de linho. — Permite que fume? — Tirou do bolso uma cigarreira de ouro e deitou-se, de olhos fechados. Um dos nativos voltou para recolher os pratos. Deu um largo sorriso para Vanessa e fez uma reverê ncia, quando ela disse: — Muchas grá cias. Enquanto trabalhava, ele cantava uma canç ã o triste, em espanhol, que Vanessa nã o foi capaz de traduzir. Perguntou a don Rafael: — O que diz a mú sica, señ or? — Que o mar é como o amor: cruel e bonito. Gallito e Perico sã o irmã os, rapazes bons e simples, que à s vezes emprego para pequenos serviç os. — Nã o tem medo de que o que aconteceu em Ordaz també m aconteç a aqui, algum dia? — O perigo de uma rebeliã o em Luenda é muito remoto. Tudo pertence à minha famí lia. Vivemos num tipo de sociedade feudal desde o sé culo XVI, e a populaç ã o da ilha nã o conhece outra vida. Como os ingleses, nó s, espanhó is, somos colonizadores natos. E as semelhanç as terminam aí, pensou Vanessa. Segundo os boatos, tinha sido um espanhol quem incitara a revolta em Ordaz. A amarga ironia daquilo tudo fez seu coraç ã o se encher de inquietaç ã o. A incerteza do futuro foi como uma nuvem negra escondendo o sol de Luenda. Deu um salto, ao sentir a mã o de don Rafael em seu ombro. — Ontem à noite, você estava zangada, chocada e amedrontada, muchacha, e nã o conseguia pensar direito. Agora, começ ou a ter pena de si mesma. Deve estar imaginando por que o destino tinha que colocá -la logo nas mã os de um espanhol arrogante, nã o é? — Seus olhos negros pareciam í mã s. — O tempo, Srta. Carrol, cura todas as feridas. Ainda vai agradecer a Deus pela sorte de ter saí do com vida daquele inferno. — Claro que sou grata por isso, señ or, mas me sinto perdida. Meu tio e a fazenda se foram, nã o estou qualificada para arranjar um emprego, e pode levar anos até que me paguem alguma indenizaç ã o pela plantaç ã o incendiada... — Nã o tem que se preocupar com dinheiro. É minha convidada, e como tal. . . — Estudou seu rosto corado. — É tã o difí cil para você aceitar a hospitalidade de um velho amigo de seu tio? Devia estar feliz por ter sido eu quem apareceu ontem. Madre mia, será que tenho tratado você tã o mal assim? — Nã o é isso, don Rafael. — É que nã o consegue gostar de mim, verdade? Nã o devemos deixar nossos sentimentos interferir. Você é uma crianç a que está sozinha e desamparada. Só isso interessa. Crianç a?! Bem, se tinha que aceitar a proteç ã o dele, era melhor que nã o a visse como uma mulher. Logo que as autoridades inglesas soubessem do ataque a Ordaz, tomariam providê ncias para mandá -la de volta à Inglaterra. E estaria livre para sempre de Rafael de Domerique. Mas esse pensamento nã o foi um grande consolo: apesar de tudo, ele era o ú nico elo que ainda a ligava ao tio e a um passado tã o feliz. Gostaria que pudessem ser amigos, já que nas pró ximas semanas sua vida estaria nas mã os dele. Mas nã o achava possí vel uma amizade pura e desinteressada entre um homem e uma mulher. Ainda mais, aquele homem. — Acho que vai gostar de Luenda, Srta. Carrol. É ao mesmo tempo tranqü ila e excitante. . . como o verdadeiro amor. Sem saber por que, sentiu o coraç ã o disparar. Ele era bem o tipo de homem capaz de um amor violento, de uma grande paixã o. Nã o invejava a mulher por quem se apaixonasse. Mas sabia que muitas deviam sonhar em ser a rainha de seu castelo dourado, possuí das por aquele magní fico macho latino... . Nesse ponto, seus pensamentos foram interrompidos pelo galope de um cavalo que se aproximava. Don Rafael levantou-se para receber a moç a morena, de longos cabelos negros e corpo esbelto. Devia ter dezesseis ou dezessete anos, tinha um rosto pequeno, de uma beleza exó tica, e enormes olhos pretos que brilhavam, desconfiados. — Já disse mil vezes que nã o quero que monte sem sela, feito uma cigana. — Apesar de zangado, falou em inglê s, pois seria uma descortesia para com sua hó spede usar uma linguagem que ela nã o pudesse entender. — Cavalgar é um esporte nobre, Bá rbara, e nã o um nú mero de circo. Olhe só para ele. Está com os nervos à flor da pele. Repita isso mais uma vez e vou proibi-la de montar. — Proibir? É a sua palavra favorita, nã o é, padrinho? — A garota jogou a cabeç a para trá s, em desafio, e deu um olhar na direç ã o de Vanessa. — Você é a moç a inglesa de Ordaz? É muito diferente do que eu imaginava. Seu cabelo parece fogo e os olhos tê m a cor das esmeraldas. Todas as inglesas sã o assim? Vanessa estava surpresa, divertida e envergonhada, tudo ao mesmo tempo. Quase respondeu que as inglesas nã o agiam por impulsos, nem costumavam ter a desconcertante franqueza de dizer tudo o que pensavam. Será que era o clima de Luenda que tornava as pessoas tã o diretas e explosivas? Nunca, nos cinco anos que conhecia Rafael de Domerique, o ouvira falar de amor. Nem suspeitara de que pudesse apreciar coisas simples como sentar-se na areia, comendo peixe frito e bebendo á gua de coco. Ainda mostrando que desaprovava o comportamento da afilhada, ele apresentou Vanessa, formalmente, a Bá rbara del Quiros. — Vai ficar no castelo, Srta. Carrol? — Bá rbara a media de alto u baixo. — Pergunto porque acho que temos mais ou menos o mesmo corpo, e você pode usar alguma roupa minha. — É muita gentileza, Srta. del Quiros. — A garota, afinal, nã o era tã o mal-educada como pareceu à primeira vista. Percebeu, pela expressã o de don Rafael, que ele també m tinha apreciado a mudanç a. Ele abraç ou Bá rbara pelos ombros. — A Srta. Carrol perdeu o tio, ontem à noite. E sua casa foi incendiada. Por isso, será nossa hó spede durante algum tempo. Seja gentil com ela, ouviu? De certa forma, nã o passam de crianç as. Acho que vai ser bom para as duas ficarem juntas. Bá rbara sorriu e aproximou-se do cavalo. — Padrino, tenho pena da mulher que se apaixonar por você. É um arrogante no seu ó dio como nas suas demonstraç õ es de carinho. — Muito poucas pessoas podem falar comigo desse jeito, mocinha. Cuidado com a lí ngua. E nã o se atreva a montar Matador daquela maneira selvagem. — Ele gosta. — Acariciou o pescoç o do animal. — Mas a verdade é que vi a lancha chegar e, como você demorou a aparecer, fiquei preocupada e vim correndo. Como vê, tenho carinho por você, apesar de ser um grosseirã o. — A Srta. Carrol e eu fizemos uma refeiç ã o na praia. — Virou-se para Vanessa. — Está se sentindo melhor? Fez que sim. Agora que estava ali e nã o tinha outra escolha, sentia-se curiosa em conhecer o castelo — a Torre da Prisioneira, como a garota o chamava. Era assim que Bá rbara del Quiros se sentia? Prisioneira de don Rafael? — Vou mandar um nativo ao castelo, trazer um carro. A subida ir lá é cansativa e você ainda nã o me parece bem. Assim que ele se afastou, Bá rbara perguntou: — Nã o gosta do padrinho, nã o é, Srta. Carrol? — Riu da surpresa da moç a. — É evidente que nã o lhe agrada estar nesta ilha, onde só a vontade dele conta. — Acho que nã o entendeu direito, Srta. del Quiros. Vou ficar por pouco tempo e nã o tenho a menor intenç ã o de receber ordens de don Rafael. Sou uma hó spede, nã o uma empregada. — Mas você é orgulhosa. Acho que preferia ser uma empregada do que aceitar favores. — Claro que preferia! Pela primeira vez, Vanessa pensou na possibilidade de haver algum emprego para ela em Luenda. E compreendeu por que don Rafael parecia tã o diferente, desde que chegaram. Ali ele era diferente. Era o senhor. . . nã o o convidado que a tratava com polida distâ ncia.
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