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ÀS PORTAS DO INFERNO. Violet Winspear. Vendo don Rafael de Domerique de pé, ao leme do barco que os leva­va àquela ilha quase perdida do Ca­ribe, Vanessa soube por que se sen­tia tão atraída por ele: em cada múscu



À S PORTAS DO INFERNO

" THE TOWER OF THE CAPTIVE"

Violet Winspear

 

 

 

Vendo don Rafael de Domerique de pé, ao leme do barco que os leva­va à quela ilha quase perdida do Ca­ribe, Vanessa soube por que se sen­tia tã o atraí da por ele: em cada mú sculo do seu corpo moreno e vi­ril corria ainda o sangue dos seus ancestrais, piratas espanhó is que, no passado, saqueavam e se apossa­vam das novas terras. Sim, aquele homem jamais se deixaria vencer... e Vanessa estava perdida! Pois, so­zinha no mundo, era na casa de don Rafael que ela agora ia morar, como protegida dele. Será que ele a desejava? Será que hesitaria em do­brá -la à sua vontade, transforman­do-a numa escrava de seus capri­chos?

 

Disponibilizaç ã o: Rita

Digitalizaç ã o: Simoninha

Revisã o: Crysty

 

Copyright: VIOLET WINSPEAR

Tí tulo original: " THE TOWER OF THE CAPTIVE"

Publicado originalmente em 1966 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Traduç ã o: MÁ RCIA LOBO

 

CAPÍ TULO I

 

Inquieta, Vanessa andava pelo quarto. Nã o era apenas o som dis­tante dos tambores na floresta que nã o a deixava dormir. Naquela noite, havia alguma coisa no ar... Uma ameaç a invisí vel, mas que ela podia sentir, espreitando em cada canto escuro do casarã o, nas palmeiras batidas pelo vento, nas plantaç õ es. Entã o, um tiro de revó l­ver fez com que seu sangue gelasse.

Por alguns terrí veis segundos, ficou paralisada de medo. A ansie­dade acabou vencendo o pâ nico: saiu correndo pelo corredor, gri­tando o nome do tio. Ao chegar no topo da escadaria que levava ao vestí bulo, parou, com o coraç ã o na garganta: um homem alto, vestin­do um blusã o e uma calç a caqui, saí a do escritó rio de seu tio. . . e tinha um revó lver na mã o direita.

Don Rafael!

Ele nã o fez o menor gesto para impedi-la de entrar no escritó rio. As portas da varanda estavam escancaradas e a ú nica luz acesa era o abajur sobre a escrivaninha, onde Lennard Carrol costumava tra­balhar até tarde. Deixara-o ali, quando subiu para o quarto, ocupado com uma pilha de documentos. Agora, no entanto, sua cabeç a grisalha repousava na mesa e os papé is tinham caí do no chã o.

— Tio Len, fale comigo — implorou, como uma crianç a amedron­tada. — Querido, o que você tem?

— Vamos, señ orita. — Mã os fortes a seguraram pelos ombros e a empurraram de volta para o hall. — Vamos, temos que sair daqui o mais rá pido possí vel. Tenho uma lancha esperando na margem do rio.

Aquelas palavras nã o faziam sentido para Vanessa. Tudo parecia um pesadelo. Olhou para o rosto daquele homem, que sempre tinha sido recebido como um amigo, e depois para o revó lver.

— Seu tio morreu de um ataque do coraç ã o, Srta. Carrol. Eu apenas atirei no assaltante que invadiu a casa. Acho que o acertei, mas ele conseguiu fugir.

Embora acreditasse no que dizia, Vanessa recuou quando ele se aproximou mais dela. Impaciente, pegou-a pelo braç o.

— Nã o há tempo para muitas explicaç õ es. A revoluç ã o estourou e vai haver um banho de sangue. O sujeito que esteve aqui nã o veio atrá s de dinheiro, mas de vinganç a. Ouve os tambores? Estã o cada vez mais perto. Tem que aceitar a minha ajuda, quer queira, quer nã o,

— Nã o entendo.

— Olhe aqui, mocinha, seu tio era meu amigo, e vou tirar você de Ordaz nem que seja à forç a. Fui bem claro, agora?

Puxou-a, mas ela resistiu. Entã o, o rosto moreno de don Rafael tornou-se tã o ameaç ador como os tambores que se aproximavam.

— Nã o quero ter que arrastá -la pela floresta, mas farei isso, se for preciso.

Pela forç a com que apertava seu braç o, Vanessa teve certeza de que don Rafael de Domerique falava sé rio.

— Os empregados de titio nã o teriam coragem de tocar em mim.

— Nã o, em seu estado normal. Mas estã o enlouquecidos de ó dio, embriagados pelas promessas loucas de seu lí der. E nã o preciso dizer o que podem fazer com os brancos. Principalmente com as mulheres brancas. Ou preciso?

Enquanto falava, atravessaram o hall e saí ram para a sufocante noite tropical.

Quase quinhentos metros de mata fechada separavam a casa do rio. Para Vanessa, foi uma caminhada interminá vel. Andava à s cegas, tropeç ando em troncos e cipó s, imaginando que, a qualquer momento, guerrilheiros armados surgiriam da escuridã o... e estaria tudo ter­minado.

Finalmente alcanç aram os bambus que margeavam o rio. Don Ra­fael ajudou-a a embarcar e mandou que descesse para a cabine. Pou­co depois, a lancha partiu. Só entã o Vanessa foi vencida pelo deses­pero. E pelo remorso. Tudo aquilo poderia ter sido evitado, se ela e o tio nã o tivessem sido tã o cegos, tã o obstinados.

A rebeliã o havia estourado já há alguns dias. Uma semana antes, uma fazenda de café, numa ilha vizinha, tinha sido saqueada e incen­diada. Por isso, don Rafael fora a Ordaz: para avisar os Carrol do perigo que corriam e levá -los para Luenda, a ilha onde morava. Mas Lennard se recusou a abandonar o trabalho de toda a sua vida.

Alé m disso, nã o acreditava que seus empregados pudessem se virar contra ele. Nã o, depois de trinta anos. E, é claro, Vanessa nã o quis deixar o tio sozinho.

Don Rafael, que nã o estava acostumado a ser contrariado, chegou a perder a pose de fidalgo.

— Espero que nã o se arrependa de sua teimosia, Srta. Carrol. Você s, ingleses, sã o de uma coragem suicida. E acabam pagando com a vida por excesso de confianç a. — Seu olhar zangado procurou o do inimigo. — Srta. Carrol, insisto para que mande sua sobrinha me acompanhar.

— Por favor, tio Len. O senhor nã o diz sempre que nossos homens nunca terã o coragem de nos atacar?

O velho sorriu, orgulhoso.

— Tenho certeza disso, don Rafael. Alé m do mais, é muito difí ­cil obrigar uma inglesa a fazer o que nã o quer. Especialmente as de cabelos avermelhados e geniosas, como minha sobrinha.

Es muy joven. — Fez uma reverê ncia para ela e virou-se para Lennard. — Tem o nú mero do meu telefone. Chame a qualquer hora, se tiver problemas. — Deu as costas e Vanessa desejou ardentemente nunca mais ver aquele homem arrogante.

Durante a semana seguinte, ela e o tio se convenceram de que esta­vam a salvo da onda de violê ncia que começ ava a varrer as ilhas. Afi­nal, eram os Carrol, conhecidos pelo tratamento justo que davam aos empregados. Ele, sempre disposto a defender os direitos dos negros; ela, sempre pronta a ajudar as mulheres e as crianç as. Era absoluta­mente inacreditá vel que algué m pudesse levantar a mã o contra os dois.

Mas os tambores começ aram ao entardecer. À noite, todos os em­pregados haviam desaparecido. A pró pria Vanessa serviu o jantar. Comeram em silê ncio e, quando se preparava para tirar a mesa, o tio mostrou o primeiro sinal de inquietaç ã o.

— Deixe isso e suba, querida. Guarde apenas o necessá rio numa mala e nã o saia do quarto. Vou separar alguns documentos... só por via das dú vidas... e telefonar para don Rafael. Parece que, ape­sar de tudo, ele conhece essa gente melhor do que nó s.

Foi aquilo que abalou o coraç ã o fraco do tio. Estranho!, nã o con­seguia chorar por ele, embora os cinco anos que passaram juntos tives­sem sido os mais felizes de sua vida. Ela tinha ido morar na planta­ç ã o de café logo depois da morte dos pais, num acidente de carro. Para uma garota de dezesseis anos, viver numa ilha do Caribe tinha o sabor excitante de uma aventura. Que terminava, tragicamente, a bordo daquela lancha. Se é que estava terminada.

Luenda ficava a poucos quilô metros de distâ ncia de Ordaz, mas era um dos lugares mais seguros do arquipé lago. Desde o tempo dos conquistadores espanhó is, era domí nio da poderosa famí lia Domerique. Lá, dificilmente se repetiria a cena que via agora, pela escotilha da cabine. Rolos de fumaç a negra subiam no horizonte avermelhado. Sabia que sua bela casa branca estava queimando e, com ela, desaparecia tudo o que aprendera a amar.

Ouviu passos na escada e don Rafael entrou. Riscou um fó sforo e acendeu o lampiã o pendurado na parede.

Como se aquilo fizesse alguma diferenç a para ela! Será que ele era tã o insensí vel a ponto de nã o perceber o estado em que se encontrava?

— Foi uma grande tolice sua ignorar meus avisos — disse ele, no mesmo tom seco. — Mais alguns minutos e seria muito tarde para tirá -la de lá.

— Eu sei, mas nã o podia deixar tio Len. Ele era tudo o que eu tinha... Estava tã o confiante na fidelidade de " sua gente"... era assim que os chamava, sabia? Por que, eles se voltaram con­tra nó s?

— Porque foram incitados pelas promessas das grandes compa­nhias que querem controlar a produç ã o de cacau, café e borracha das ilhas. Mas tente tirar isso da cabeç a, agora. Minha famí lia está à sua espera, em Luenda. Pode ficar lá o tempo que quiser.

— É muita gentileza sua, señ or. Nã o sei como poderei pagar. . .

— E quem falou em pagamento? Nunca simpatizamos um com o outro, Srta. Oirrol, mas isso nã o era motivo para deixá -la à mercê da selvagem de um bando de rebeldes enlouquecidos. Você s, inglesas, tê m muniu de independê ncia, mas no fundo nã o passam de mulheres indefesas, como todas as outras.

Aquelas palavras duras quebraram a resistê ncia de Vanessa. Seu cor­po lodo começ ou a tremer. Num gesto desajeitado de carinho, ele a puxou ele encontro ao peito.

— Isso, pequena, esqueç a a fleuma britâ nica. Desabafe.

Deixou-se ficar nos braç os dele, soluç ando. Quando se recompô s, I don Rafael foi até uma estante e pegou uma garrafa e um copo. O lí quido cor de â mbar queimou sua garganta, quando ele a forç ou a beber. Era um brandy forte, que fez efeito quase imediato. As pá lpebras pesaram, as pernas ficaram bambas. Ele ajudou-a a tirar as san­dá lias, diminuiu a luz do lampiã o e disse-lhe para tentar dormir um pouco. Ainda faltava quase uma hora para chegarem a Luenda.

Embalada pelas ondas e pelo torpor provocado pela bebida, Va­nessa deixou que sua mente voltasse ao passado, à s noites em que Ra­fael de Domerique ia jantar com eles, em Ordaz. Como o achou atraente, na primeira vez em que o viu vestindo um terno branco! À luz dos candelabros, seus olhos negros brilhavam de uma maneira entranha, fazendo-a pensar em deuses pagã os e continentes esqueci­dos. Ele nunca fez nem disse nada que pudesse amedrontá -la, mas Vanessa nã o conseguia se sentir à vontade, quando ele a olhava.

Houve uma noite em especial, que ficou gravada em sua memó ria. Deram uma festa para um grupo de jovens geó logos e, durante todo o jantar, ela percebeu que o espanhol nã o estava gostando da maneira como os rapazes flertavam com ela. Mais tarde, puseram discos e Jack Conroy ensinou-lhe os passos loucos de uma nova danç a que estava em moda na Inglaterra. Todo o tempo, sentiu que don Rafael, sentado na varanda, fumando um charuto com o tio, nã o tirava os olhos dela.

— O homem nã o tem senso de humor — Jack brincou, quando foram passear no jardim.

— Acho que ele nã o aprova nada do que a gente faz. Deve pen­sar que somos um bando de garotos malucos.

E porque ele sempre a fez sentir-se assim, Vanessa tinha ignorado seus avisos de perigo. Nã o era de admirar que estivesse furioso com cia. Se tivesse concordado em partir para Luenda, uma semana antes, talvez tio Len resolvesse ir també m. E estaria vivo, agora. Adorme­ceu pensando que era tudo sua culpa, sua culpa. . .

Algum tempo depois, foi acordada por passos e pelo barulho da porta sendo aberta.

— Ah, está acordada! — ele disse, no frio tom cortê s de sempre, olhando para seu cabelo despenteado e para seu rosto molhado de lá grimas. — Chegaremos a Luenda dentro de poucos minutos. Se quiser se arrumar, vai encontrar tudo de que precisa ali. — Indicou uma pequena porta, que ela ainda nã o havia notado. — Depois suba, Srta. Carrol. Em noites claras, dá para ver o castelo e a lagoa à distâ ncia. Acho que vai gostar.

Saiu, deixando-a furiosa. Entã o don Rafael esperava que ela esti­vesse fresca e apresentá vel, como uma turista despreocupada, depois do que havia passado? Tudo o que possuí a no mundo era a roupa do corpo. O resto de seus pertences — toda a sua vida! — estava trans­formado em cinzas.

Lavou-se, passou uma escova no cabelo e ficou olhando, desani­mada, para o espelho. De certa forma, o maldito homem tinha razã o: sua aparê ncia era assustadora. Muito pá lida, os braç os e o pescoç o arranhados, a blusa rasgada. Se ele já a amedrontava antes, agora che­gava a sentir-se à beira do pâ nico. Porque era daquele jeito, feito uma mendiga, que teria que enfrentar o poderoso don Rafael em seus pró prios domí nios. E, pelo que o tio dizia, ele reinava na ilha como seus antepassados haviam reinado.

Reuniu a coragem que lhe restava e subiu para o deck. Nã o tinha a menor idé ia de quanto tempo se passara desde aquela fuga deses­perada pela floresta, e foi com surpresa que viu que amanhecia. A lancha manobrava para evitar os ató is de coral e à sua frente estava a mais linda paisagem que já havia visto. A lagoa era na verdade um braç o de mar que avanç ava pela costa rochosa, cercada de palmei­ras, coqueiros e casuarinas. Dominando a praia, o castelo de pedra se erguia, imponente, como uma fortaleza saí da de um romance medieval.

— É fantá stico, señ or! — Os olhos verdes de Vanessa brilhavam.

— Nunca imaginei que fosse assim. Deve amar este lugar.

— É a reproduç ã o exata de um palá cio de Castela. As pedras foram trazidas da Espanha. Nã o existe nada parecido nas ilhas. Ao sol, brilham como ouro.

— O Castelo de Ouro — murmurou.

— Tenho uma afilhada que chama o castelo de Torre da Prisio­neira. Tem muita imaginaç ã o, a mocinha. Acho que você s duas vã o se dar muito bem.

Havia uma ponta de ironia em sua voz e Vanessa o encarou, curiosa. Mas don Rafael nã o lhe deu atenç ã o; aproximavam-se do pequeno ancoradouro. Tirou o blusã o caqui e voltou para o leme. Usava uma camisa de mangas curtas, aberta no peito, que revelava cada mú s­culo de seu corpo moreno. Observando-o, Vanessa nã o pô de deixar de pensar nos bucaneros que dominaram o Caribe no passado. Soube, entã o, que era aquela forç a selvagem o que tanto a assustava. Sob os modos polidos e as roupas elegantes, sempre adivinhara nele o ho­mem que nã o se deixa vencer e que simplesmente toma tudo o que deseja... castelos ou mulheres.

Dois nativos esperavam no ancoradouro. Um pegou a corda que o patrã o atirou e o outro ajudou Vanessa a desembarcar. Pelos traç os do rosto e pelo tom claro de suas peles, percebeu que tinham sangue espanhol. Trataram o senhor da ilha com reverê ncia e foram tratados com simpatia. Pela primeira vez, don Rafael sorriu.

— Gallito e Perico estiveram pescando. Vã o preparar para nó s um prato delicioso: peixe assado dentro de um coco. Deve estar faminta nã o, Srta. Carrol?

Ela nã o tinha pensado em comida, até aquele momento. Mas faze uma refeiç ã o ali na praia pareceu uma ó tima idé ia. Se o resto d famí lia Domerique se parecia com o chefe, ia precisar de todas as suas forç as para enfrentá -los.

Don Rafael aceitou o convite dos nativos, que começ aram a armar uma fogueira e limpar o peixe. Logo, Vanessa sentiu um cheiro deli­cioso e descobriu que estava mesmo faminta. O espanhol trouxe pra­tos e talheres da lancha, abriu um coco, entregou a ela e fez sinal para que se sentasse à sombra de uma casuarina. Os homens serviram o patrã o e sua hó spede. Depois, sumiram entre as á rvores.

Vanessa conhecia muitos pratos tí picos das ilhas, mas nunca havia provado nada igual. Comeu com gosto, tomando á gua de coco.

Bueno, nã o é? — Don Rafael sorriu e deu-lhe um guardanapo de linho. — Permite que fume? — Tirou do bolso uma cigarreira de ouro e deitou-se, de olhos fechados.

Um dos nativos voltou para recolher os pratos. Deu um largo sor­riso para Vanessa e fez uma reverê ncia, quando ela disse:

Muchas grá cias.

Enquanto trabalhava, ele cantava uma canç ã o triste, em espanhol, que Vanessa nã o foi capaz de traduzir. Perguntou a don Rafael:

— O que diz a mú sica, señ or?

— Que o mar é como o amor: cruel e bonito. Gallito e Perico sã o irmã os, rapazes bons e simples, que à s vezes emprego para pequenos serviç os.

— Nã o tem medo de que o que aconteceu em Ordaz també m acon­teç a aqui, algum dia?

— O perigo de uma rebeliã o em Luenda é muito remoto. Tudo per­tence à minha famí lia. Vivemos num tipo de sociedade feudal desde o sé culo XVI, e a populaç ã o da ilha nã o conhece outra vida. Como os ingleses, nó s, espanhó is, somos colonizadores natos.

E as semelhanç as terminam aí, pensou Vanessa. Segundo os boa­tos, tinha sido um espanhol quem incitara a revolta em Ordaz. A amarga ironia daquilo tudo fez seu coraç ã o se encher de inquietaç ã o. A incerteza do futuro foi como uma nuvem negra escondendo o sol de Luenda.

Deu um salto, ao sentir a mã o de don Rafael em seu ombro.

— Ontem à noite, você estava zangada, chocada e amedrontada, muchacha, e nã o conseguia pensar direito. Agora, começ ou a ter pena de si mesma. Deve estar imaginando por que o destino tinha que colocá -la logo nas mã os de um espanhol arrogante, nã o é? — Seus olhos negros pareciam í mã s. — O tempo, Srta. Carrol, cura todas as feridas. Ainda vai agradecer a Deus pela sorte de ter saí do com vida daquele inferno.

— Claro que sou grata por isso, señ or, mas me sinto perdida. Meu tio e a fazenda se foram, nã o estou qualificada para arranjar um emprego, e pode levar anos até que me paguem alguma indenizaç ã o pela plantaç ã o incendiada...

— Nã o tem que se preocupar com dinheiro. É minha convidada, e como tal. . . — Estudou seu rosto corado. — É tã o difí cil para você aceitar a hospitalidade de um velho amigo de seu tio? Devia estar feliz por ter sido eu quem apareceu ontem. Madre mia, será que tenho tratado você tã o mal assim?

— Nã o é isso, don Rafael.

— É que nã o consegue gostar de mim, verdade? Nã o devemos dei­xar nossos sentimentos interferir. Você é uma crianç a que está sozinha e desamparada. Só isso interessa.

Crianç a?! Bem, se tinha que aceitar a proteç ã o dele, era melhor que nã o a visse como uma mulher. Logo que as autoridades inglesas sou­bessem do ataque a Ordaz, tomariam providê ncias para mandá -la de volta à Inglaterra. E estaria livre para sempre de Rafael de Dome­rique. Mas esse pensamento nã o foi um grande consolo: apesar de tudo, ele era o ú nico elo que ainda a ligava ao tio e a um passado tã o feliz.

Gostaria que pudessem ser amigos, já que nas pró ximas semanas sua vida estaria nas mã os dele. Mas nã o achava possí vel uma ami­zade pura e desinteressada entre um homem e uma mulher. Ainda mais, aquele homem.

— Acho que vai gostar de Luenda, Srta. Carrol. É ao mesmo tem­po tranqü ila e excitante. . . como o verdadeiro amor.

Sem saber por que, sentiu o coraç ã o disparar. Ele era bem o tipo de homem capaz de um amor violento, de uma grande paixã o. Nã o invejava a mulher por quem se apaixonasse. Mas sabia que muitas deviam sonhar em ser a rainha de seu castelo dourado, possuí das por aquele magní fico macho latino... .

Nesse ponto, seus pensamentos foram interrompidos pelo galope de um cavalo que se aproximava. Don Rafael levantou-se para receber a moç a morena, de longos cabelos negros e corpo esbelto. Devia ter dezesseis ou dezessete anos, tinha um rosto pequeno, de uma beleza exó tica, e enormes olhos pretos que brilhavam, desconfiados.

— Já disse mil vezes que nã o quero que monte sem sela, feito uma cigana. — Apesar de zangado, falou em inglê s, pois seria uma descortesia para com sua hó spede usar uma linguagem que ela nã o pudesse entender. — Cavalgar é um esporte nobre, Bá rbara, e nã o um nú mero de circo. Olhe só para ele. Está com os nervos à flor da pele. Repita isso mais uma vez e vou proibi-la de montar.

— Proibir? É a sua palavra favorita, nã o é, padrinho? — A garota jogou a cabeç a para trá s, em desafio, e deu um olhar na direç ã o de Vanessa. — Você é a moç a inglesa de Ordaz? É muito diferente do que eu imaginava. Seu cabelo parece fogo e os olhos tê m a cor das esmeraldas. Todas as inglesas sã o assim?

Vanessa estava surpresa, divertida e envergonhada, tudo ao mesmo tempo. Quase respondeu que as inglesas nã o agiam por impulsos, nem costumavam ter a desconcertante franqueza de dizer tudo o que pen­savam. Será que era o clima de Luenda que tornava as pessoas tã o diretas e explosivas? Nunca, nos cinco anos que conhecia Rafael de Domerique, o ouvira falar de amor. Nem suspeitara de que pudesse apreciar coisas simples como sentar-se na areia, comendo peixe frito e bebendo á gua de coco.

Ainda mostrando que desaprovava o comportamento da afilhada, ele apresentou Vanessa, formalmente, a Bá rbara del Quiros.

— Vai ficar no castelo, Srta. Carrol? — Bá rbara a media de alto u baixo. — Pergunto porque acho que temos mais ou menos o mesmo corpo, e você pode usar alguma roupa minha.

— É muita gentileza, Srta. del Quiros. — A garota, afinal, nã o era tã o mal-educada como pareceu à primeira vista. Percebeu, pela ex­pressã o de don Rafael, que ele també m tinha apreciado a mudanç a.

Ele abraç ou Bá rbara pelos ombros.

— A Srta. Carrol perdeu o tio, ontem à noite. E sua casa foi in­cendiada. Por isso, será nossa hó spede durante algum tempo. Seja gentil com ela, ouviu? De certa forma, nã o passam de crianç as. Acho que vai ser bom para as duas ficarem juntas.

Bá rbara sorriu e aproximou-se do cavalo.

Padrino, tenho pena da mulher que se apaixonar por você. É um arrogante no seu ó dio como nas suas demonstraç õ es de carinho.

— Muito poucas pessoas podem falar comigo desse jeito, mocinha. Cuidado com a lí ngua. E nã o se atreva a montar Matador daquela maneira selvagem.

— Ele gosta. — Acariciou o pescoç o do animal. — Mas a verdade é que vi a lancha chegar e, como você demorou a aparecer, fiquei preocupada e vim correndo. Como vê, tenho carinho por você, apesar de ser um grosseirã o.

— A Srta. Carrol e eu fizemos uma refeiç ã o na praia. — Virou-se para Vanessa. — Está se sentindo melhor?

Fez que sim. Agora que estava ali e nã o tinha outra escolha, sentia-se curiosa em conhecer o castelo — a Torre da Prisioneira, como a garota o chamava. Era assim que Bá rbara del Quiros se sentia? Pri­sioneira de don Rafael?

— Vou mandar um nativo ao castelo, trazer um carro. A subida ir lá é cansativa e você ainda nã o me parece bem.

Assim que ele se afastou, Bá rbara perguntou:

— Nã o gosta do padrinho, nã o é, Srta. Carrol? — Riu da surpresa da moç a. — É evidente que nã o lhe agrada estar nesta ilha, onde só a vontade dele conta.

— Acho que nã o entendeu direito, Srta. del Quiros. Vou ficar por pouco tempo e nã o tenho a menor intenç ã o de receber ordens de don Rafael. Sou uma hó spede, nã o uma empregada.

— Mas você é orgulhosa. Acho que preferia ser uma empregada do que aceitar favores.

— Claro que preferia!

Pela primeira vez, Vanessa pensou na possibilidade de haver algum emprego para ela em Luenda. E compreendeu por que don Rafael parecia tã o diferente, desde que chegaram. Ali ele era diferente. Era o senhor. . . nã o o convidado que a tratava com polida distâ ncia.

 



  

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