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CAPÍTULO IX



 

Aquele dia fora bastante estranho. Apó s ter sido apresentada à sra. Joaquina Calhariz e mantido com ela um diá logo polido mas artificial, Paula ficara sozinha. Dom Diablo e a avó saí ram de braç os dados para dar um passeio pela estâ ncia, que ela nã o via há muitos anos. Era sua avó pelo lado materno e quando Carmenteira falava da antiga patroa referia-se a ela.

Naquela noite, os trê s jantaram juntos. Depois do jantar ele levou a avó até seus aposentos, onde sua criada particular a esperava. Paula ficou na sala e, estranhamente, Dom Diablo nã o voltou para lá. Ela foi entã o para seu quarto desapontada, pois esperava pelo marido e ele nã o aparecera.

Paula acordou muito cedo e agora passeava pelo jardim. Havia orvalho nas flores, pois era muito cedo. Nã o dormira bem, acordara vá rias vezes, inquieta. Adormecera, afinal, acordando de madrugada com o canto dos pá ssaros. Vestiu-se e foi dar seu passeio pelo jardim. Começ ou de novo a pensar como poderia sair daquele lugar onde nunca se sentiria bem... Seu olhar vagava pelas parreiras cobertas de orvalho e as flores multicoloridas.

Uma borboleta pousou sobre uma delas, movimentando as asas, como que intoxicada pelo né ctar que sugava. Paula ficou imó vel para nã o perturbar o inseto. De repente, ouviu os sinos da capela tocando. Assustou-se e a borboleta voou para longe em direç ã o à capela. Paula inconscientemente a acompanhou, chegando até a entrada. Sentiu entã o, um aperto no coraç ã o. Diante do altar, no meio de uma profusã o de velas e rosas brancas, estava Dom Diablo. A cabeç a escura estava inclinada. Ele rezava. Sabendo que ele ignorava sua presenç a, Paula observou-o durante alguns minutos. Sentia-se como que pregada ao solo, nã o conseguia se mexer. Finalmente se afastou e dirigiu-se até o pá tio onde tomava o café da manhã quando Dom Diablo nã o estava. Sentou-se e esperou que a jovem criada lhe trouxesse o desjejum. Costumava servi-lo em seu quarto e, com certeza, a bandeja devia estar lá ao lado da cama. Imaginou o que a criada pensaria quando visse a cama tã o desarrumada.

Paula mordeu os lá bios ao apanhar um botã o de rosa. Ao segurar a flor, feriu-se com um espinho. O sangue escorreu de seu dedo... Levou-o aos lá bios, pensando novamente na criada. Iria certamente bisbilhotar na cozinha que o patrã o estava encantado por voltar para casa, ao lado de sua esposa!

Por que razã o ele deixara trancada a porta de seu quarto? Seu instinto lhe dizia que ele nã o havia estado com outra mulher. Será que a presenç a da avó o constrangia? Talvez fosse isso, mas Paula nã o achou pretexto muito convincente... Lembrou-se da figura alta na capela, pareceu sentir novamente o perfume forte das rosas brancas, como a pele de uma mulher... Conteve a respiraç ã o, pois lhe pareceu mais plausí vel que a presenç a da avó lhe tivesse trazido recordaç õ es daquela mulher cuja morte ele tanto chorara... Talvez por isso nã o a procurara na noite anterior. Será que ele e a avó conversaram sobre sua primeira esposa, relembrando sua presenç a na fazenda, sua beleza, sua alegria de viver? Provavelmente, como todos os outros, a madrecita nã o aprovara a escolha de uma esposa inglesa. Imaginou entã o os dias que teria pela frente com a avó do marido vigiando todos os seus passos. Observaria suas roupas, suas atitudes em relaç ã o a ele, criticaria sua falta de afeiç ã o e carinho, o que certamente nã o aconteceria com uma esposa latina!

— Nã o agü ento mais! — resmungou Paula para si mesma. — Tenho que ir embora! — Sentiu entã o a presenç a de algué m no pá tio. Tentando se controlar, levantou-se e virou com naturalidade para ver quem se aproximava. Esperava que fosse Dom Diablo. Mas era sua avó.

— Bom-dia, minha menina! — A voz era suave, mas fria. Vendo-a se aproximar, Paula teve que se controlar para nã o sair correndo e fugir para longe daquela mulher que a ouvira dizer ao marido que se arrependera amargamente de ter se casado com ele. Devia estar chocada. A velha a media de alto a baixo. A calç a comprida realç ava o corpo bem feito de Paula.

— Bom-dia, senhora — respondeu, polidamente.

— Eu contava poder conversar com você a só s. Quando a criada me disse que você estava aqui esperando o café, decidi vir ao seu encontro. Em geral eu nã o costumo me levantar tã o cedo, portanto fique certa que só por estar muito interessada em você é que uma velha cansada como eu, habituada a ler os jornais na cama, mudou os seus há bitos.

— É muita gentileza de sua parte — Paula nã o conseguia ficar à vontade. Com toda a certeza ela nã o conseguia aceitá -la como esposa do neto que adorava!

— Sinto o corpo dolorido apó s a viagem de ontem, mas eu simplesmente tinha que vir, pois precisava conhecê -la, minha querida! Sente-se, nã o quero ter que olhar para cima. Você é bem alta, apesar de nã o parecer quando está perto de meu neto. O que você acha dele?

— Bem... eu o acho bem diferente dos ingleses – respondeu Paula, sentando-se do lado oposto da mesa. Sentia-se observada pelos olhos vivos e terrivelmente penetrantes da velha.

— Se o acha tã o diferente, por que se casou com ele? — A pergunta foi tã o direta que Paula percebeu que Dom Diablo nã o lhe contara a verdade sobre o relacionamento deles. Ela devia pensar que haviam se encontrado e namorado normalmente. Por um instante sentiu-se tentada a contar a verdade... Depois desistiu, pois nã o valia a pena causar-lhe aborrecimentos. Era natural que amasse o neto, pois tinham o mesmo sangue! Os laç os entre os dois eram muito fortes e ningué m seria capaz de rompê -los. Paula, aliá s, nã o tinha a menor intenç ã o de fazê -lo.

— Simplesmente aconteceu... — respondeu, hesitante. – Nó s nos encontramos e nos casamos um pouco precipitadamente.

— E agora está arrependida? — perguntou secamente. – Eu seria uma velha idiota se achasse que esse casamento foi o ideal para meu neto. Mas ele sempre gostou de desafios.

— Sorriu entã o, e estendeu a mã o para segurar o dedo de Paula, onde estava a alianç a de ouro. — Foi o dinheiro dele que a atraiu para o Mé xico? As europé ias sã o à s vezes tã o mercená rias como as americanas. Eu pessoalmente acho que as mulheres do norte estã o perdendo a capacidade de se entregar totalmente a um homem, contrariamente ao que fazem as latinas. Você s entregam o corpo, mas conservam a alma numa câ mara frigorí fica!

— Mas eu nã o sou assim! Mas... é que eu sei...

— O que é que você sabe?

— Carmenteira me contou certas coisas, pois conhece todos os segredos desta casa... Como todos, ela se ressente do fato de eu nã o ser latina, e... me contou tudo a respeito do desgosto de Dom Diablo, há seis anos. Ele está tã o arrependido quanto eu com o nosso casamento, a senhora ouviu bem a nossa conversa ontem à noite...

— Na verdade nã o me surpreendi muito. Logo que ele me contou que você é inglesa, soube que só muita tolerâ ncia e muito esforç o fariam com que esse casamento desse certo...

— E agora viu que nã o está dando... —Paula baixou os olhos. — Bem, aí vem a criada com o café — disse a velha. – Sinto mais fome hoje. Em geral nã o como nada de manhã. O que foi que trouxe para nó s, garota?

A jovem sorriu graciosamente para ela e, levantando o guardanapo imaculadamente alvo, mostrou uma " tortilla", ovos, presunto e ervas aromá ticas. O presunto picado foi servido com pã o caseiro, feito naquela mesma manhã. Um perfume saboroso de café saí a do bule de prata, junto do qual estava um pote com creme de leite. Os olhos da velha brilharam.

— Tudo me parece delicioso! — esfregou as mã os num gesto de satisfaç ã o. — Agora compreendo, Paula, por que você toma o café no pá tio. Adoro tudo isso! — Abriu entã o a compoteira com morangos frescos. Maravilha! Quem poderia querer um desjejum melhor do que este?

— Em geral trazem abricó s, roscas e à s vezes figos també m. — disse Paula e sorriu. — Isto tudo foi feito em sua honra, senhora!

— O patrã o virá també m tomar café? — perguntou a criada apó s servir a mesa.

— Creio que nã o, deve ter saí do a cavalo — respondeu Paula e sentiu a garganta seca. — Eu o vi esta manhã bem cedo e já estava vestido com os trajes de montaria. — Ao dizer isso, levantou a tampa do bule sentindo uma necessidade quase desesperadora de café quente com creme. Pensou novamente em Dom Diablo de pé na capela, um raio de luz batendo em suas botas reluzentes. Nunca usava esporas apesar de seus cavalos serem impetuosos e bravos. No dia em que sua mulher morreu, segundo lhe contara Carmenteira, ele cavalgara em Sataná s horas a fio, até que o animal caí sse de exaustã o! Paula tinha certeza de que agora ele estava galopando loucamente pelos campos, montado em seu cavalo favorito! — Deixe o café preparado para ele, creio que estará de volta dentro de meia hora.

— Sim, senhora — disse a moç a e se retirou.

— Você já fala bem espanhol — comentou a velha enquanto salpicava a sua " tortilla" com pimenta. — Foi Diablo quem ensinou você?

— Aprendi espanhol quase mesmo sem querer. Fui aprendendo aos poucos; aliá s eu já sabia um pouco antes de vir para cá. Deseja um pouco de creme, senhora?

— Obrigada. Como é que Diablo chama você? Nó s latinos temos mania de apelidos. Mas seu nome é muito bonito.

— Foi meu tutor quem o escolheu. Ele pretendia ser escritor, mas depois achou que sua vocaç ã o era outra. Foi um famoso jogador! Dom Diablo nã o lhe contou?

— Provavelmente iria me contar — a velha provou quase tudo com um sorriso de aprovaç ã o.

— Está saboroso como eu imaginava...

— Ele jamais me chamou por outro nome! Só agora se dera conta disso. Creio que també m gosta dele...

— Percebi que o casamento de você s nã o vai bem — o sorriso desaparecera do rosto da velha senhora. — E espero que você nã o esteja pensando em abandonar meu neto!... Ele simplesmente a traria de volta!

— Como uma escrava!

— Como uma esposa e nã o como uma crianç a tolinha. Você tem toda a liberdade de passear pela fazenda! Há muitos maridos nesta regiã o que tratam muito mais duramente as mulheres do que ele! Reconheç o que tem defeitos mas tem també m qualidades raras, no que se refere a mulheres. Ele respeita os sentimentos da mulher nã o vendo nela somente uma má quina de fazer filhos, como tantos por aí! Você está consciente disso ou é tã o ingê nua aponto de nã o perceber que encontrou um homem muito especial?... —Repentinamente sua voz se tornou á spera, agressiva. — Ele me havia dito que você era jovem, mas nunca pensei que fosse tã o infantil...

— Nã o é verdade, acho que enfrentei com coragem a minha vinda para uma paí s totalmente estranho, como mulher de um estranho, que na verdade só deseja de mim uma coisa...

— Orgulhe-se disso, se é que é uma verdadeira mulher...

— Disse que ele nã o considera as mulheres má quinas criadeiras, mas é só isso que quer de mim, um filho! — desabou Paula com lá grimas nos olhos. — Um filho para herdar suas propriedades, seus rebanhos, seus está bulos, suas fazendas. Nã o lhe importa o fato de eu amá -lo, pois nã o é preciso amor para gerar um filho... Basta que eu provoque seus instintos animalescos...

— Basta! — A velha largou os talheres bruscamente, como Dom Diablo quando se zangava.

— Afinal, onde foi que meu neto a encontrou? No cais de algum porto inglê s onde as mulheres usam a mesma linguagem dos homens?

Paula enrubesceu violentamente. Nã o pretendia poré m perder o controle nem a dignidade, mas nã o podia continuar a bancar a noiva apaixonada só para agradar aquela mulher que, como as outras pessoas daquela casa, a tolerava apenas por ter sido escolhida por seu neto. Nã o a considerava realmente a patroa, era a Dom Diablo que se dirigiam quando alguma decisã o importante devia ser tomada. Paula empurrou a cadeira para trá s e se levantou bruscamente. Seu rosto estava pá lido, seus olhos arregalados!

— Saiba que eu nã o quero um filho dele! — gritou ela. – Eu preferiria me atirar num desfiladeiro do que dar à luz a um filho dele! — Suas palavras ainda ecoavam no pá tio quando Dom Diablo, de culote e botas, surgiu na frente delas. Pela expressã o de seu rosto era evidente que ouvira suas palavras desagradá veis e agressivas. Pareciam tê -lo atingido como uma chicotada. Sua boca se contraiu num esgar estranho.

Paula, quando o viu, saiu correndo, apavorada. Fugia dele e de tudo que fosse ligado a ele. Dirigiu-se à escada que levava à galeria superior, pois de lá podia chegar até o quarto. Queria ir embora, insistiria para ir. Ele nã o poderia prendê -la, obrigando-a a ficar contra a sua vontade. Nã o poderia ser tã o pouco civilizado, tã o cruel... Subiu correndo os degraus, tinha medo que ele a seguisse.

— Paula, vai acabar quebrando o pescoç o!

Ela nã o parou de correr, mas ao ouvir suas palavras, sentiu como se seu coraç ã o fosse parar. Se ele conseguisse alcanç á -la...

— Nã o! — gritou ela, continuando a correr. Ao chegar à porta do quarto, o suor correndo pelo seu rosto, a blusa colada ao corpo, o cabelo em desalinho, caindo pelas costas, virou-se um instante para olhar para ele. Parecia furioso, com uma expressã o terrí vel no rosto. O olhar alucinado parecia querer vingar do insulto que ouvira... Um soluç o subiu-lhe à garganta e Paula atirou-se para dentro do quarto, trancando a porta a chave. Sabia, poré m, que nem assim estaria a salvo, pois ele poderia passar pela outra porta que ligava o seu quarto ao dele. Estava presa em uma armadilha! Agora teria que enfrentar a sua justa ira!

Oh, Deus! Dizer aquilo à avó dele! Ele jamais a perdoaria. Aquilo teria sido um golpe para a velha senhora, cujas ú nicas esperanç as neste mundo se concentrava nos netos e bisnetos, em sua descendê ncia na fazenda Ruy, uma testemunha para o seu orgulho espanhol, de que a famí lia continuaria a controlar a propriedade.

Aterrorizada, Paula olhou ao seu redor... Para onde poderia fugir? De repente viu a porta do terraç o que dava sobre o desfiladeiro. Ficaria mais protegida ali, pois ele nã o iria gritar nem ameaç á -la estando à beira de um precipí cio... Talvez se assustasse e a deixasse ir embora... Já estava diante da porta de vidro, prestes a sair ao terraç o, quando ele apareceu. Sua figura alta, sé ria, ameaç adora era a verdadeira imagem do juiz universal!

Paula nã o pô de suportar o seu olhar! Correu entã o para o parapeito do terraç o. Sentia-se como um animal perseguido que nã o sabia mais para onde fugir! Segurou-se na balaustrada, agarrando-se ao parapeito e chorando convulsivamente, quando sentiu as mã os fortes de Dom Diablo em seus ombros. Gritou entã o, chamando-o pela primeira vez pelo nome. Foi um grito desesperado, lancinante. Paula só via seu rosto enquanto ele a envolvia fortemente em seus braç os musculosos.

— Você nã o vai fazer isso! -sua voz estava tensa carregada de paixã o e sú plica. — Jamais permitirei que uma mulher faç a isso novamente nesta casa! — Carregou-a entã o nos braç os e levou-a para dentro do quarto. De repente, Paula desatou num pranto dolorido, as lá grimas correndo pelo rosto, enquanto, ele a pousava suavemente sobre a cama, deitando-se sobre ela.

— Entã o você prefere se matar a viver comigo? — Paula o ouvia, mas estava perturbada demais para compreender o que ele dizia. Continuava ali, deitada, presa à cama pelo peso de seu corpo forte e de seus braç os firmes. Sentia aqueles olhos negros fixos em seu rosto. A expectativa e o silê ncio fizeram com que, finalmente, ela parasse de chorar. Começ ou entã o a compreender o que ele quisera dizer...

— Nã o... nã o era isso, eu jamais me atiraria de lá! Eu nã o pretendia fazer isso, só estava com medo de você e nã o sabia mais para onde fugir!

— Medo? — Seu rosto agora estava mais calmo, mas seus olhos muito abertos refletiam perplexidade... incredulidade... Era incrí vel que ele tivesse acreditado que ela pretendia se atirar de lá de cima, pensou Paula.

— Sim, você parecia furioso com o que eu disse! Oh, por que nã o me deixa ir embora e acaba logo com isso?... Que prazer pode ter em me prender aqui sabendo que... bem, acho que o senso de posse e de domí nio é muito forte em seu sangue... Você se interessa por mim só porque quer que eu lhe dê um herdeiro...

— Tem certeza que é só por isso? — uma certa ironia sublinhou o seu sorriso. — Minha querida, se tudo o que eu desejasse de uma mulher fosse um filho, eu poderia ter escolhido uma mulher mexicana afetuosa e fecunda, que se sentiria radiante de poder me dar um filho por ano! Deus sabe por que eu quis me casar com você, mas nã o a quero infeliz a ponto de querer se suicidar... — Ao dizer isso uma expressã o atormentada se estampou em seu rosto. Subitamente ele começ ou a acariciá -la. Primeiro o pescoç o, depois seus ombros onde apoiou o rosto. — Já vi uma vez uma mulher se esvair em sangue sobre-aquelas pedras do pá tio! Quero que saiba de uma coisa, Paula, se está tã o desesperada para sair daqui, entã o é melhor que o faç a!

Paula, ao ouvir estas palavras, nã o se sentiu contente nem aliviada... Foram as palavras que ele dissera antes que ficaram martelando em sua cabeç a.

— Entã o foi assim que ela morreu? — perguntou, num sussurro, como se tivesse medo de falar sobre isso.

— Sim! — Ele deu um profundo suspiro e entã o, como se só entã o percebesse que a estava quase esmagando com seu peso, levantou-se. Paula experimentou entã o uma sensaç ã o de frio, de abandono. Precisava segurá -lo, apertá -lo contra seu corpo, de tal modo que nem uma sombra pudesse se interpor entre os dois. A sensaç ã o era tã o forte, que seus dedos agarraram a colcha de renda... Ela desejava, queria Dom Diablo, mesmo que ele nã o a amasse!

— Como ela pô de fazer isto? — perguntou suavemente. – Como pô de ela fazê -lo sofrer, sabendo o quanto era amada?

— Ela sabia que eu gostava dela, mas me culpava pela morte de Alvarado. — As palavras saí am entrecortadas e hesitantes como se ele nunca tivesse pensado em dizê -las, muito menos a ela.

— Quer dizer que ela amava Alvarado? — perguntou Paula.

— Mas é claro! — Franziu as sobrancelhas. Parecia intrigado. — Ele era o filho predileto, apesar de eu amá -la muito. Ela era encantadora e muito bonita! Via em Alvarado a pró pria imagem: magro, com olhos enormes iguais aos dela e a mesma maneira despreocupada de encarar a vida. Para ela, meu irmã o era o santo e eu o diabo; para ela eu encarnava o diabo desde o dia em que Alvarado e eu fomos até um rochedo onde um caç ã o tinha seu esconderijo. O caç ã o havia chegado até a praia e arrancado as pernas de um pescador. Alvarado desafiou-me a ir com ele até lá para matá -lo. Mamã e me disse que eu deveria ter me recusado e nã o ter deixado Alvarado ir. Mas ele teria ido de qualquer forma e, como temesse que o caç ã o o tocasse como fizera com o pescador, achei mais prudente ir junto. Conseguimos matar o monstro usando uma espé cie de arpã o usado pelos í ndios. Apó s o feito houve uma festa na cidade para festejar o acontecimento.

Dom Diablo fez uma pausa, seus olhos tristes pousaram em Pauta, que continuava imó vel, ouvindo atentamente suas palavras. Ele chamara a mulher de mã e e Paula dera um suspiro de alí vio. Praticamente, sem dizer nenhuma mentira, Carmenteira insinuara que a mulher da fotografia era sua amada quando na realidade era sua mã e!

— Naquela é poca, o mar era muito poluí do e a praia estava cheia de abutres. Provavelmente foi nessa ocasiã o que Alvarado apanhou a poliomelite, pois haví amos ficado por mais de duas horas ali na arrebentaç ã o das ondas. Alguns dias depois surgiram os primeiros sintomas graves. Um pulmã o de aç o veio da Cidade do Mé xico, mas foi em vã o. Meu irmã o entrou em agonia, pois seus pulmõ es pararam de funcionar. Mamã e nã o o deixou um instante sozinho, desde o iní cio da doenç a, e ficou a seu lado até o fim... Depois me disse umas palavras que jamais poderei esquecer: que teria preferido que eu tivesse morrido, em vez de Alvarado; que era a reencarnaç ã o do demô nio, pois havia levado Alvarado ao mar e deixado que se contaminasse com aquela á gua poluí da; que eu era muito forte e resistente como meu pai, mas como Alvarado era alegre, despreocupado e bonito, uma alegria para os olhos, fora ele a ví tima!

Paula fez de novo uma pausa longa e dolorosa. Nesse momento, já estava louca para afagá -lo, confortá -lo, mostrar que nã o acreditava mais que ele fosse diabó lico! Foram as circunstâ ncias que o tomaram assim tã o duro! Afinal se considerava responsá vel pela morte da pró pria mã e!

— O fato aconteceu no mesmo dia do funeral, ao cair da tarde. Escutei um grito, saí correndo e fui o primeiro a encontrá -la. Isto aconteceu há seis anos, desde entã o a fazenda se tomou um lugar sombrio... Um dia entã o encontrei um homem chamado Charles Paget que me mostrou uma miniatura, pedindo que se algum dia eu fosse à Inglaterra me certificasse de que sua filha nã o estava passando por dificuldades, nem em má situaç ã o. Você apareceu entã o em minha vida, como um raio de sol! — Olhava para o cabelo de Paula contra o travesseiro de renda branca. Seu rosto espelhava um conflito: a vontade de acariciá -la e o medo de ser repelido. Ela reagia sempre ao seu desejo, comportando-se como uma ví tima, jamais retribuindo sua paixã o nem participando do seu ato de amor. Mas mesmo que fosse só paixã o o que ele tinha para lhe dar, percebera que agora o amava bastante para aceitá -lo. Espontaneamente, inclinou-se e pousou seus lá bios na fronte dele, dando-lhe um beijo prolongado. Dom Diablo continuou muito quieto, parado, aceitando essa primeira carí cia voluntá ria. De repente começ ou a falar com uma voz dura, fazendo com que ela recuasse.

— Nã o quero sua piedade. Seria a, ú ltima coisa que eu desejaria de você! Será que ainda nã o entendeu? Nã o é suficientemente mulher para saber o que eu quero de você?

— Eu sempre soube — disse ela tentando nã o chorar de pena dele e dela mesma. — É uma palavra de quatro letras, mas eu nã o consigo pronunciá -la!

— Tem que conseguir — disse ele, carrancudo. — Você sempre consegue pronunciar a palavra ó dio, por isso eu nã o tinha esperanç a de que pudesse pronunciar outra palavra mais suave...

Perplexa, Paula olhou para ele.

— Como esperava que eu dissesse, é uma palavra tã o pesada!

— Pesada! — Correu os olhos pelo seu corpo com uma expressã o curiosa em seu rosto. Um sorriso entã o aflorou em seus lá bios. Há apenas duas palavras que significam realmente alguma coisa entre um homem e uma mulher; podem existir tudo ou nada. Entã o, minha querida, acha que é luxú ria o que sinto por você, como algum cretino incapaz de outros sentimentos, outras reaç õ es que nã o sejam aquelas de um animal? Eu ansiava por lhe dar o paraí so, mas parece que nã o consegui, ao contrá rio, fiz de sua vida um inferno! Antes de eu viajar para a Amé rica do Sul pensei que tivesse conseguido fazê -la compreender o que eu sentia e sinto por você, mas vejo que me enganei totalmente — suspirou profundamente e passou a mã o pelo rosto. — Eu fiz a barba um pouco rapidamente esta manhã, mas como era o aniversá rio de minha mã e, queria levar-lhe algumas flores na capela. O que foi? Por que está me olhando assim?

— Eu o vi. Eu o vi, Diablo — respondeu suavemente. Eu o vi na capela hoje de manhã, entre as rosas e as velas. Você me pareceu tã o solitá rio! Eu... eu nã o irei embora, você vai ficar muito só. Por favor, nã o se exalte nem grite mais comigo. — Aproximou-se entã o e passou os braç os ao redor de seu pescoç o, puxando-a contra seu corpo. — Eu nã o estou sentindo compaixã o, o que eu lamento é ter sido tã o cega e idiota!

Abraç ou-a com forç a e Paula se sentiu quase sufocar.

— Espero fazer com que me ame, pois ter você, abraç ar você é o má ximo da felicidade para mim! Eu nã o queria deixá -la nem um minuto, poré m pensei que se eu me ausentasse uns dias talvez sentisse saudades. Nã o sentiu, querida? Sentiu minha falta, ao menos por alguns minutos? Eu pensei tanto em você! Ao sol batendo em seu cabelo dourado, nas chamas das velas refletidas em seus olhos quando jantamos no pá tio... Eu gostaria de poder exigir que me amasse, mas també m sabia que eu precisaria ter um pouco de paciê ncia e nã o é nada fá cil para algué m com meu temperamento ter paciê ncia...

Paula continuava imó vel em seus braç os, muito atenta a cada uma de suas palavras... Entã o de repente, um tremor sú bito percorreu seu corpo, e suas mã os enlaç aram-no com mais forç a.

— Você me possuí a, mas nunca me disse realmente que me amava — disse ela.

— Eu fui um idiota! Nã o me dei conta de que você era um pouco mais do que uma menina e a tratei como se já fosse uma mulher. Pensei poder lhe dizer com o meu corpo o quanto eu a adorava, mas em vez disso eu a assustei. Eu a assustei, nã o foi? Diga-me, eu quero saber!

— Sim e nã o, Diablo. Você fez com que meu coraç ã o vivesse aos trancos e barrancos mas se posso ter a certeza que me ama de verdade, entã o será diferente...

— Assim? — ele inclinou a cabeç a e beijou-a suavemente na boca. — É assim?... — O fascí nio e o encanto de seus beijos eram perturbadores e quando ela passou os braç os ao redor do pescoç o de Dom Diablo, estreitando-o fortemente, ouviu uma voz:

— Ah! Parece que cheguei novamente num momento inoportuno!

Marido e mulher se voltaram, suas cabeç as muito unidas e entã o sorriram ambos para a senhora esguia e elegante, parada na soleira da porta do quarto.

Madrecita! — disse Dom Diablo afetuosamente. — Entre...

— Meu caro Diablo, acho que sei bem quando devo entrar ou sair... — Sorriu para os dois; seus olhos refletiam muita ternura. — Até daqui a pouco...

 

FIM

 



  

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