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— Eu já lhe disse. Sim! 11 страница— Mas que defesa ele teria a apresentar? Que defesa qualquer outro homem teria? — Ela se voltou e o encarou com ar iró nico. — Ou o senhor acha que um homem deve ter uma mulher e uma amante? — Sob o ponto de vista fí sico, isso nã o lhe causaria nenhum dano. — Seu tom era neutro. — Moralmente, eu me sentiria inclinado a condená -lo. O ressentimento dissipou-se tã o rapidamente quanto tinha surgido. — Desculpe-me — ela disse com sinceridade. — Nã o devia ter falado assim. O senhor nã o pediu que eu viesse aqui lhe relatar meus problemas. — Mas posso ter ficado contente por a senhora ter findo. A longo prazo, guardar as coisas para si acaba fazendo muito mal. — Esperou um momento e acrescentou: — Só sinto nã o poder lhe oferecer um conselho melhor. Confirmar seus temores nã o poderia deixá -la em pior estado do que a senhora se encontra neste momento. Isso só precipitaria uma decisã o que ela nã o estava pronta para tomar, pensou Jú lia em um momento de lucidez. — Vou pensar no assunto — disse, e afastou-se da janela a fim de pegar o casaco. — Foi muita bondade de sua parte me atender, dr. Stewart. Só de ter algué m com quem me desabafar já ajudou um bocado. — Mas nã o o suficiente. — Ele segurou o casaco, enquanto ela enfiava os braç os nas mangas. — Estarei sempre aqui, se sentir necessidade de conversar de novo. — Obrigada — ela disse com sinceridade. — Nã o me esquecerei. Acompanhou-a até o carro, fechando a porta e permanecendo por um momento com a mã o na maç aneta, como se estivesse procurando algo para acrescentar ao que já lhe tinha dito, antes de lhe dar um resignado sorriso de despedida. Ao ultrapassar o portã o, Jú lia pô s-se o pensar o que realmente esperava dele. Nã o havia uma soluç ã o imediata para este tipo de problema, somente uma escolha de aç õ es, que devia partir dela. A casa estava em silê ncio quando ela regressou. A sra. Cooper tinha deixado uma nota um tanto queixosa, dizendo que o sapó lio tinha acabado e ela nã o pudera limpar a pia da cozinha. Traria um pouco na manhã seguinte. Até entã o, pensou, teria de suportar a vista de uma mancha de chá de quase dois palmos de comprimento. Comeu rapidamente algumas torradas acompanhadas de café, levou Shan para dar um passeio até a hora do chá e decidiu preparar um frango para o jantar, enquanto o dia cedia lugar à noite. Ross voltou para casa à s oito, comeu o que lhe era servido sem fazer nenhum comentá rio e foi para a sala de visitas com o jornal da tarde e uma carteira de cigarros. Quando Jú lia acabou de arrumar tudo, ele estava pondo mais lenha na lareira, e seus traç os se recortavam contra o fogo crepitante. — Peggy me disse que telefonou para você hoje de manhã — ele disse em tom neutro, enquanto ela se sentava na cadeira em frente. — Eu mesmo telefonei uns dez minutos mais tarde, mas você tinha saí do. — Sim. — A hesitaç ã o foi suficientemente curta para passar despercebida. — Fui à cidade. — Comprou alguma coisa? — Nã o, fui só espiar as vitrinas. Ele endireitou-se, juntou as mã os e voltou-se com deliberaç ã o a fim de encará -la. — Entã o a sra. Cooper se enganou, ao me dizer que você tinha um encontro com um certo dr. Stewart? A cor fluiu e refluiu de seu rosto. — Muito bem, estive com o dr. Stewart. — Entã o por que nã o me disse? — Porque você nã o facilita muito as coisas. — Suas mã os estavam cruzadas e tensas. — Eu... precisava de algué m com quem falar. — Podia ter me procurado. — Procurei — disse, e notou tensã o no rosto dele. Fez-se uma pausa prolongada antes que ele respondesse. — Eu disse que nã o era psicanalista. Se isso lhe traz algum consolo, saiba que també m para mim a experiê ncia nã o fez bem. Nã o posso dizer que gosto da idé ia de vê -la correndo para o dr. Stewart a fim de pedir conselho, mas se isso pode ajudá -la eu concordo. Quando é que vai estar com ele novamente? — Nã o vou mais. — Jú lia engoliu em seco. — Ele també m nã o é psiquiatra. — É simplesmente um homem que a compreende melhor do que eu? — retrucou ele, com uma certa dureza. — Isso nã o é tã o difí cil assim. Ele sabia que nã o devia antecipar certos fatos para você. E se eu tivesse sido suficientemente sensato e nã o abrisse a boca, ainda poderí amos salvar este casamento. — Um casamento baseado em quê? — apressou-se ela a responder. Levantou-se impetuosamente. — Vou me deitar. — Jú lia. — Deu um pequeno passo em sua direç ã o, dominou-se e enfiou as mã os nos bolsos. — E a partir de agora, o que vai nos acontecer? — Nã o sei — ela respondeu com sinceridade. — Realmente nã o sei, Ross. — Entã o é melhor você começ ar a se decidir. E logo. Eu nã o sirvo para viver nesta espé cie de gangorra emocional. — Desviou-se dela abruptamente. — Irei para o outro quarto enquanto você pensa no assunto. A eventual possibilidade de um confronto esgotou-se naquele momento. — Faç a como quiser — disse, e deixou-o plantado lá. Jú lia passou o resto da semana mergulhada em uma espé cie de devaneio. O jantar com os Ashley proporcionou-lhe momentos agradá veis, que ela desejava ao mesmo tempo que temia, mas se Peggy notou diferenç as radicais de comportamento entre ela e Ross, nã o fez nenhum comentá rio. Na aparê ncia, Ross nã o mudara em nada. Conversava, ria, dava todos os indí cios de nã o estar enfrentando naquele momento qualquer problema que nã o fosse corriqueiro. Era somente em seus olhos que Jú lia conseguia detectar uma mudanç a que se iniciava. Agora, quando ele a fitava, era quase com cinismo. Ela o estava perdendo, entretanto nã o conseguia se forç ar a fazer o que quer que fosse. Foi necessá rio um telefonema para arrancá -la daquela terra de ningué m emocional em que ela estava se afundando. Foi Ross quem o atendeu, durante o café da manhã, na sexta-feira, fechando a porta da cozinha, de forma que Jú lia nã o conseguisse ouvir a conversa. Quando desligou o aparelho, parecia estar tomado por novos propó sitos. — Vou ficar fora o dia inteiro — anunciou. — E possivelmente nã o volte para dormir. Acho que você nã o vai ficar muito preocupada com isso. — Nã o lhe deu tempo para formular uma resposta, se é que havia alguma resposta. — Pode ser uma boa oportunidade para você tentar examinar o que está acontecendo e decidir o que você quer fazer. — Encarou-a com firmeza. — Uma vez eu cometi o erro de me prender a alguma coisa que já tinha acabado. De agora em diante danç arei conforme a mú sica. Resolva o que você quer, Jú lia. — Pousou o guardanapo sobre a mesa. — Vou arrumar a mala. — Nã o. — Levantou-se subitamente. — Deixe comigo. Acabe de tomar o café. Precisou apenas de trê s minutos para colocar na valise o que era necessá rio para que ele passasse a noite fora. Trê s minutos e toda uma vida. Era Lou quem estava ao telefone, e Ross ia a seu encontro. Ele que fosse, Lou que ficasse com ele. Esperava que gozassem de felicidade, um ao lado do outro. Quando ele voltasse, no dia seguinte, já nã o a encontraria mais lá. Era tudo muito simples. Ele estava à sua espera no hall, quando ela desceu. Pegou a valise com um breve agradecimento, pô s o casaco e pareceu hesitar um momento enquanto a olhava. Uma expressã o indefiní vel surgiu em seu rosto, mas imediatamente se dissipou. — Até breve — disse. A casa parecia insuportavelmente vazia, depois que ele partiu. Jú lia tomou um banho e vestiu-se, veio novamente para a cozinha e teve a certeza de que naquele dia seria totalmente incapaz, de disfarç ar seus sentimentos perante quem quer que fosse. As chaves do carro estavam no bolso do casaco desde segunda-feira. Saiu da casa com a maior tranquilidade, tirou o carro da garagem e partiu pela alameda sem olhar para trá s. Nada que ela fizesse surpreenderia muito a sra. Cooper, e qualquer coisa era melhor do que ficar lá dentro sentada, pensando em Ross a caminho de Londres e na mulher que o esperava. O ato de guiar exigia toda sua concentraç ã o. Ela nã o tinha planejado conscientemente aonde ia mas nã o se surpreendeu ao ver que se aproximava da colina onde Ross tinha parado o carro havia algumas semanas. Parou no mesmo lugar, desligou o motor e ficou a contemplar a vista de ní tidos contornos sob o cé u muito azul. O inverno estava para chegar, e, pelo que parecia, esse ano seria terrí vel. As á rvores já tinham perdido todas as folhas. Pensou no jardim do chalé e no trabalho que ele lhe tinha exigido durante os ú ltimos meses. Algumas vezes tinha sido uma verdadeira luta eliminar o mato, mas os resultados tinham sido compensadores. Os jardins eram assim mesmo: só se tirava deles o que neles se colocava. Olhando para o passado conseguiu ver em quantas coisas errara. O casamento tinha sido um jogo, uma novidade. Ross fora pai, irmã o, amante, mas nunca o aceitara totalmente como marido. Ela nã o estava preparada para o casamento, compreendia isso agora. Tinha sido incapaz de contribuir com qualquer profundidade de emoç ã o para qualquer relacionamento. Escapou-lhe um suspiro. O dr. Stewart tinha razã o, é claro. Ela tinha de ficar e encarar as coisas. Deixar Ross seria apenas um gesto, nunca uma soluç ã o, e um gesto que, a longo prazo, acabaria por magoá -la muito. Se valia a pena ficar com Ross, entã o valia igualmente a pena lutar por ele, contanto que nã o fosse tarde demais. Fez hora antes de voltar para casa, guiando a esmo até ter certeza de que a sra. Cooper partira e que ela podia ficar a só s. Havia um carro parado na alameda quando ela se aproximou de casa. Era um Capri vermelho com placa de Londres. A primeira coisa que lhe ocorreu foi que David, afinal, nã o tinha voltado para a Argé lia. Entrou rapidamente, dirigiu-se para a sala de visitas e ficou estarrecida no momento em que Lou se levantou de uma cadeira. — A diarista permitiu que eu ficasse à sua espera —- ela disse, com um leve sorriso, — Uma atitude um tanto dú bia, devo dizer. Preparei um pouco de café. Acho que você nã o se incomoda, nã o é? Jú lia sacudiu a cabeç a lentamente, em total confusã o. Se Lou estava lá, entã o onde estaria Ross? — O carro que está lá fora nã o é seu — disse. — Nã o, é alugado, O meu está na oficina. Estou indo para Ly-mington passar o fim de semana com amigos. — Lou fez uma pausa, e seu olhar percorreu o aposento. — Lindo lugar. Ainda estava em reforma, naquele fim de semana em que vim aqui com David. — Voltou-se para Jú lia, e o tom de sua voz modificou-se impercep-tivelmente. — Bill disse que você estava procurando meu endereç o, na semana passada. Encontrou o que pretendia? A ironia, pensou Jú lia, devia ser imaginá ria. Lou nã o podia saber. — Sim —, disse, prosseguindo com maior desenvoltura; — Você nã o se desviou do caminho só para me fazer essa pergunta. — Tem razã o. — Ela ainda se mostrava perfeitamente calma. — Lembra-se de que, na ú ltima vez em que nos encontramos, eu lhe disse que havia certos limites que eu seria capaz de ultrapassar? As sobrancelhas de Jú lia se aproximaram. — Sim, acho que sim. Nã o foi logo apó s você me falar a respeito de Enid? — Acredite ou nã o, aquilo nã o foi intencional. — Pela primeira vez Lou parecia hesitar. — A outra frase, sim, foi, ou, pelo menos, eu nã o me esforcei muito para controlar meus impulsos. — A... outra? — Quando você me perguntou como é que eu sabia a respeito de Enid. Durante um ou dois segundos senti-me tentada a envolver Ross na histó ria e a vingar-me dele, — Deu de ombros. — A essa altura você já tinha ido embora. Jú lia encarou-a, e o coraç ã o batia forte. — O que você está pretendendo dizer? — Pretender é a palavra correta. Nã o sou muito boa em esclarecer as coisas. Provavelmente nem teria me incomodado, se Bill nã o tivesse ficado tã o preocupado com seu estado de espí rito quando a viu. Deu certo, nã o é mesmo? Você deduziu que, pelo fato de eu saber tanto a respeito de seus assuntos pessoais, Ross e eu deví amos ser muito ligados, durante uma certa é poca. — Dessa vez a ironia era inconfundí vel. — A verdade é que, se dependesse de mim, as coisas teriam ultrapassado os limites de um simples caso. Estranho como aquilo que você quer de verdade acaba sendo aquilo que você nã o pode ter. Mesmo que nã o tivesse sido noiva de David, a coisa nã o teria dado certo. Nã o foi a mim que Ross viu, foi a Enid. Jú lia respirou fundo. — Entã o foi David quem lhe falou a respeito dela. — Foi. Imagino que nã o lhe ocorreu considerar essa possibilidade. É assim que funciona a mente feminina, sempre pronta para enxergar o pior. — Inclinou-se e tirou o casaco do encosto do divã. — Bem, minha tarefa de bandeirante está cumprida e eu vou indo. Estou sendo esperada para o almoç o. — A pausa que se seguiu foi breve. — Pode dizer a Ross que nã o precisa mais se preocupar com David. Pensei no que ele disse na semana passada e vou entrar em contato com meu marido. — Sorriu. — Talvez també m nã o funcione, mas pelo menos eu ficarei com a consciê ncia tranquila. — Lou. — A voz de Jú lia soava tã o baixa que ela mesma mal conseguia ouvi-la. Obrigada. Já a caminho da porta, Lou voltou-se. — Nã o há de quê. Espero que você dê valor ao que tem. Dar valor, pensou Jú lia, nã o era o termo correto. Com dor no coraç ã o ouviu os passos que se afastavam, a porta do carro que se fechava e o carro que partia. Somente quando o som se perdeu na distâ ncia ela caminhou cegamente para uma cadeira e deixou-se afundar nela. O que ela havia feito com o seu casamento era im-pensá vel mas tinha de ser encarado. Era um fato perante o qual ela nã o poderia se esconder, dar as costas ou fingir que jamais tinha ocorrido. Poderia encontrar algum consolo no choque que lhe provocara o relato do casamento anterior de Ross, mas isso nã o era suficiente. Ela o tinha julgado e condenado sem ouvi-lo, levada pelas emoç õ es do momento, como uma crianç a irresponsá vel, e nã o como um adulto racional. Lou tinha razã o, nã o merecia que um homem como Ross a amasse, se é que ele ainda a amava. Seus lá bios se cerraram com deliberaç ã o. Ficar lá sentada, perdida em seus pensamentos, nã o ia resolver nada. Se era tarde demais para se penitenciar, teria de encarar o fato. Mas imaginava que isso nã o ocorresse. Havia em Ross muita profundidade, muito mais do que ela seria capaz de imaginar. Dizer-lhe a verdade nã o ia ser nada fá cil, a auto-acusaç ã o dificilmente era. Mas agora ela lhe devia lealdade. Acima de tudo, ela lhe devia esse sentimento. A tarde pareceu durar uma eternidade. Se pudesse contar com a presenç a de Ross naquela noite, as coisas teriam sido mais suportá veis, Do jeito como as coisas se apresentavam, só lhe restava sentar e esperar, alternando entre a esperanç a e o temor de seu telefonema. Precisava demais ouvir sua voz, mas isso nã o era algo que ela pudesse exprimir pelo telefone. Teria de vê -lo, olhar dentro de seus olhos, para saber com certeza que seus sentimentos por ela se mantinham vivos. À s cinco horas já havia escurecido completamente, e o nevoeiro se espalhava sobre os campos. Jú lia trouxe Shan para dentro de casa a fim de que ele lhe fizesse companhia e acendeu a lareira, aceitando a contragosto o fato de que passaria a noite sozinha. À s sete horas forç ou-se a comer um sanduí che e bebeu um pouco de café. Escolheu um livro na estante e tentou concentrar-se na leitura. Ao ouvir o barulho de um carro aproximando-se vagarosamente pela alameda, sentiu uma estranha mistura de alí vio e repulsã o. Por que o carro andava tã o devagar ficou explicado no momento em que ela abriu a porta. A neblina tinha se adensado e baixado até que a visibilidade se tornou mí nima. O barulho do moto chegava até ela abafado. Somente quando o veí culo se aproximou o suficiente para adquirir forma e cor é que ela se deu conta de que nã o se tratava de Ross, era Mike quem chegara. Com o coraç ã o aos pulos, tomada subitamente de um pressentimento, saiu correndo em direç ã o ao portã o, quase caindo nos braç os de Peggy apó s escancará -lo. — Aconteceu alguma coisa com Ross! — ela gritou, desesperada. — É verdade, nã o é? — Ele sofreu um acidente. — Peggy segurou-lhe as mã os. — Viemos para levá -la até o hospital, Jú lia, Ross nã o queria que você fosse até lá sozinha. Jú lia cerrou os olhos, cambaleante, e apoiou-se contra a pessoa de Peggy. Ele estava vivo. Ross estava vivo! — Você vai precisar do casaco — ouviu Peggy dizer. — Mike vai manobrar o carro de modo que a gente possa partir imediatamente. O nevoeiro está ficando cada vez mais denso. Quase caí mos em um buraco agora a pouco. Sem saber como, Jú lia viu-se com um casaco sobre os ombros e achou-se novamente fora de casa. Peggy trancou a porta e pô s a chave em seu pró prio bolso, e em seguida ambas entraram no carro. Mike voltou-se a fim de lhe dirigir um sorriso reconfortante e partiram imediatamente, atravessando o nevoeiro, guiando cautelosamente por entre os meios-fios, que exibiam toda sua brancura dos dois lados da estrada estreita. — Conte-me o que aconteceu — disse Jú lia a Peggy. — Como foi que você s... — Foram nos procurar imediatamente, devido à insistê ncia de Ross. Ao que tudo indica, foi uma jamanta que transportava trê s carros e vinha para a aldeia pela estrada de Lyndhurst. Durante toda a tarde a neblina tinha estado terrí vel. O guarda disse que aconteceu por volta das seis. — Eles nã o disseram se... ele ficou muito ferido? — Nã o. Eles nunca dizem. — A mã o de Peggy, que até entã o a segurava, afrouxou um pouco. — Ele nã o chegou a perder a consciê ncia. Tente nã o se preocupar, Jú lia. Tentar nã o se preocupar, a mesma observaç ã o de sempre, sem o menor sentido, a mesma recomendaç ã o automá tica, em ocasiõ es de desespero. Tentar nã o se preocupar, quando toda sua vida estava envolvida com a do homem de quem falavam. — Nã o podemos ir mais depressa? — perguntou. — Sim, logo que deixarmos esta estrada e chegarmos ao asfalto. — Mike nã o tirava os olhos do visor. — Chegaremos logo, Jú lia. Mais tarde ela conseguiu se recordar muito pouco da viagem, lembrando-se apenas da urgê ncia febril e do medo terrí vel que sentira. Chegaram ao hospital por volta das oito e meia e foram avisados de que Ross estava na seç ã o de ortopedia. Uma enfermeira serviu-lhes chá, mas Jú lia nã o conseguiu tomar o seu, sentindo que nã o lhe passaria pela garganta. Pela primeira vez começ ou a se dar conta do que Ross devia ter sentido, na noite em que esperara notí cias de seu estado e que experimentara a angú stia de ficar sentado, impotente, enquanto os minutos se escoavam. Quando a figura uniformizada de verde emergiu finalmente do elevador, ela mal conseguiu encará -lo. Sabia o que ele ia dizer. — Seu marido vai se recuperar, sra. Mannering. Quebrou um braç o, fraturou duas costelas e sofreu algumas escoriaç õ es, mas o pulmã o nã o foi perfurado, como temí amos a princí pio. Dentro de alguns dias ele terá alta. Como se estivesse no fundo de um sonho, ela teve consciê ncia da presenç a de Peggy e Mike, ambos a seu lado, do cheiro penetrante do anti-sé ptico e do rosto compreensivo e fatigado do cirurgiã o. — Obrigada — disse. — Obrigada. Deixaram-na ver Ross à s sete da manhã. Seu rosto parecia estar mais alongado do que antes, mas os olhos que se depararam com os dela eram tã o enigmá ticos como sempre. — Desta vez fui eu — disse, com um ligeiro sorriso. — Você ficou sentada esperando a noite inteira? — Eles providenciaram uma poltrona para mim na sala de espera. — Nã o acrescentou que nã o tinha pregado o olho. — Peggy e Mike foram para casa, mas pretendem vir vê -lo mais tarde, hoje ainda, — Fez uma pausa, insegura, olhou para a boca de Ross e tomou consciê ncia de que caberia a ela agir. Ele já fizera tudo o que lhe cabia. A mã o que nã o se machucara estava apoiada sobre as cobertas. Ela a segurou, começ ou a dizer algo — nã o tinha idé ia do que se tratava — e foi tomada por uma onda de emoç ã o que precisava se extravasar muito alé m das palavras. Apoiou os lá bios no dorso da mã o dele, aninhou-a contra seu rosto e contra o peito, sentiu as lá grimas que lhe afloravam aos olhos e nã o fez o menor esforç o para contê -las. — Pensei que o tivesse perdido — murmurou. — Nem pense nisso. — Havia um sorriso em seus lá bios, mas també m uma certa reserva em sua voz. — Ainda tenho muito que viver. — E que amar?... — As palavras lhe escaparam, ela nã o as controlava mais. Viu seu rosto mudar, o brilho sú bito em seus olhos, e sentiu que finalmente a resposta lhe chegara. Com toda simplicidade e clareza, disse: — Eu o amo, Ross. Nã o se trata apenas de um envolvimento. É para valer. Ele procurou seu rosto e disse com ternura: — Você tem certeza de que sabe distinguir a diferenç a? — Descobri qual é a diferenç a. Levou muito tempo, mas agora tenho certeza. — Sua voz tremia um pouco. — Você se recorda de ter dito uma vez que eu era uma crianç a, em certas coisas? Naquele momento pensei que você se referia a um medo quase fí sico. Acho que lhe respondi que você esperava muito de mim. — Lembro-me. — Seu olhar se tornara mais penetrante. — Foi durante nossa viagem à Á ustria. — Sim. — Ela sorriu- — Durante nossa lua-de-mel. Passaram-se alguns momentos antes que ele falasse calmamente: — Quanto tempo faz que você voltou a se lembrar de tudo, Jú lia? — Desde o dia em que você foi ver Lou. — Ela tinha de pô r tudo para fora, mas precisou de toda sua coragem para prosseguir. — Eu estava na rua, quando você saiu do apartamento. Jú lia contou-lhe toda a histó ria, hesitante, desde a ocasiã o em que se encontrara com Lou. Tropeç ava nas palavras e nã o ousava encarar o rosto dele, de medo do que veria nele. Quando finalmente terminou, ficou à espera de que a espada se abatesse sobre sua cabeç a, de que ele lhe dissesse friamente o que pensava a seu respeito. Mas ele nã o o fez. Nã o disse uma palavra sequer. Ela finalmente o olhou e surpreendeu-o fitando-a com um sorriso enigmá tico, — É geralmente aceito — disse — que o amor e a confianç a andam juntos. Mas isso nã o é verdade, nem sempre. Já lhe ocorreu imaginar por que eu jamais me referi ao dia que você passou em Londres? — Nã o esperou que ela respondesse. — Quando me casei com você, sabia que eu sentia por você muito mais coisas do que você por mim, mas tinha suficiente confianç a para acreditar que com o tempo eu pudesse mudar isso. Até mesmo cheguei a pensar que tinha superado meu ciú me em relaç ã o a Bill, até aquela noite em que você voltou muito alterada, depois de visitá -lo. Se Bill soubesse alguma coisa em relaç ã o a Enid, eu até poderia ter considerado a possibilidade de que ele lhe contara. Como ele nã o sabia, a outra explicaç ã o era de que você tinha finalmente compreendido o engano que cometera ao se casar comigo, em vez de se casar com ele. Quando você nã o conseguiu se lembrar de mais ningué m, a nã o ser de Bill, tive confirmaç ã o do que pensava apesar de que eu ainda me apegava à tê nue esperanç a de que podia estar errado. Você vê, portanto, que houve erros de ambos os lados, com algumas desculpas a mais para os seus do que para os meus. Se eu podia ocultar uma esposa, por que nã o faria o mesmo com um ou dois casos? Jú lia engoliu em seco. — Você nã o acredita em mim, nã o é mesmo? — disse com dificuldade. — Ainda nã o crê que sou capaz de amá -lo do modo como você quer. Ele sorriu ligeiramente. — Acho que você acredita nisso, e é um bom começ o. Podemos partir daí. — Tapou-lhe a boca, no momento em que ela a abria, gemendo ao se mover. — Vamos deixar as coisas nesse pé, Jú lia. Eu a tenho de volta, e agora isso é o que importa. Ela sentia uma tensã o no peito, e a dor era quase fí sica. O que poderia dizer para convencê -lo? Existiriam palavras? Nã o, pensou, nenhuma palavra que significasse muito. Olhou os traç os ené rgicos e familiares, a boca que, segundo ela julgara, desconhecera o significado de um engajamento. Foi puro instinto o que o levou a procurar-lhe os lá bios, puro sentimento, desprovido de pensamentos, o que a fez agir com tanta ternura, tantos cuidados, tamanho amor que nã o havia mais lugar para nenhuma espé cie de dú vida. Ross passara os braç os em volta dela, mantendo-a junto dele como se nunca mais a quisesse deixar partir, ignorando a dor, até que Jú lia lembrou-se dos ferimentos e se afastou. — Ross, suas costelas! Ele franziu o cenho, mas em seus olhos havia um brilho irô nico e malicioso. — Até que vale a pena — disse. — E aposto que Adã o també m pensava assim!
F I M
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